Tag: Força Tarefa

  • Como acontece a interação da levedura com o coronavírus?

    Texto escrito por Fellipe Mello, Carla Maneira da Silva e Ana Arnt

    Até esse ponto, nos textos anteriores, introduzimos uma variedade de conceitos importantes no desenvolvimento do conceito da CORONAYEAST. Vocês podem recapitular as ideias aqui e aqui.

    Vamos revisar as modificações genéticas que a S. cerevisiae deve apresentar para detectar o vírus:

    • O receptor do vírus e regulador da Angiotensina II (ACE2),
    • O “detector” de angiotensina (AT1)
    • As proteínas que fazem a levedura biossensora mudar de cor (os genes repórter).

    Tá, e como isso tudo vai funcionar de forma que a levedura irá acusar a presença do vírus? 

    Primeiro, você precisa saber que, pra funcionar, o biossensor atua na presença de Angiotensina II – que será adicionado ao CORONAYEAST da mesma forma que “tampões de corrida” são adicionadas ao teste rápido – ou seja, um conjunto de reagentes que permite que a reação ocorra e o sinal seja visível. Vamos pensar então nos dois cenários: a levedura na presença e ausência do vírus.

    Na ausência do vírus, a levedura modificada está em um meio contendo uma concentração conhecida de Angiotensina II. Neste cenário, o ACE2 está disponível para converter a Angiotensina II em Angiotensina 1-7, diminuindo a concentração do primeiro. Desta forma, o AT1 não será ativado, uma vez que seu receptor – a Angiotensina II – não estará lá. Receptor não ativado: gene repórter não produzido e levedura não muda de cor.

    Na presença do vírus, a alta afinidade que a proteína Spike do SARS-CoV-2 possui com a ACE2 faz com que sua atividade enzimática fique comprometida. Desta forma, quanto mais vírus, menos ACE2 disponível. Logo: Angiotensina II acumula no meio extracelular, uma vez que a ACE2 está “ocupada” com o SARS-CoV-2, ou, em termos biológicos: a função enzimática de conversão em Angiotensina 1-7 foi capturada pelo vírus. Isto quer dizer que: mais Angiotensina II no meio extracelular significa maior a ativação do receptor AT1.

    É aqui que entra o resultado da nossa pesquisa! Na presença do vírus, portanto, o receptor AT1 ativado da levedura modificada geneticamente emitiria um sinal que faria o gene repórter ativar e produzir uma proteína que faria a levedura mudar de cor: fluorescente ou vermelha, a olho nu.

    Nossa! Que legal! Eu estou com suspeita de COVID-19, onde posso fazer este teste diagnóstico?

    Calma! O CORONAYEAST ainda está sendo desenvolvido pelo LGE!

    Benefícios da pesquisa, caso os resultados sejam positivos

     Uma vez que o CORONAYEAST estiver pronto e funcional, seus benefícios serão extensos. Vamos falar um pouco disso agora…

    Primeiro, o preço. Imagine a diferença de custo entre produzir um diagnóstico dependente de insumos importados e infraestrutura especializada (como é o caso do qRT-PCR) e um teste em que um microorganismo faz tudo. A levedura cresce fácil – coloque um pouco de açúcar e pronto. Sem contar que o Brasil tem uma infraestrutura bastante robusta para isso. Isto é, já produzimos bastante desse fungo para usarmos na produção de etanol, por exemplo. E o diagnóstico só dependeria dela, a S. cerevisiae modificada (com um pouco de Angiotensina II). Estimamos custo de produção até 100 vezes menor que para o teste de PCR!

    Outra vantagem importante é a especificidade. Como falamos, a detecção do SARS-CoV-2 é permeada por um GPCR e, por isso, é bastante específica. A única possibilidade de se alterar o sinal captado pelo AT1 é a ligação do vírus com ACE2. Aliás, usarmos a ACE2 também é outra garantia de especificidade, porque sabemos que esta é a única forma que o coronavírus da covid-19 reconhece uma célula hospedeira. Também não prevemos a alteração da funcionalidade desta enzima por qualquer outro composto presente na saliva. Esta é uma característica do CORONAYEAST que o coloca à frente dos atuais testes rápidos, porque sabemos o quanto estes têm altas taxas de resultados falsos.

    Ademais, o diagnóstico para Covid-19 a partir do biossensor baseado em levedura detecta o vírus inteiro. Isso quer dizer que 1) não precisamos extrair material genético viral, como o teste de PCR; 2) não é baseado em anticorpos, como nos atuais testes rápidos imunológicos, permitindo identificar potenciais vetores da doença, ainda que assintomáticos; 3) poderia ser usado em superfícies para teste da presença do vírus, permitindo a correta desinfecção de ambientes. CORONAYEAST se apresenta como um conceito disruptivo e inovador que está sob atual desenvolvimento e poderá mudar a forma como fazemos diagnósticos virais!

    E sabe o que é mais interessante de tudo isto? É tecnologia brasileira, pesquisa nacional, feita por cientistas do nosso país. Barateando o custo para diagnóstico e o tempo de resposta do resultado. 

    Este texto foi elaborado a partir de uma pesquisa financiada pela FAPESP, cujo processo é n.2018/03403-2

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Para Saber mais

    Chauhan DS, Prasad R, Srivastava R et al. Comprehensive Review on Current Interventions, Diagnostics, and Nanotechnology Perspectives against SARS-CoV-2. Bioconjug Chem 2020:acs.bioconjchem.0c00323.

    Nakamura, Y., Ishii, J. and Kondo, A. (2014), Construction of a yeast‐based signaling biosensor for human angiotensin II type 1 receptor via functional coupling between Asn295‐mutated receptor and Gpa1/Gi3 chimeric Gα. Biotechnol. Bioeng., 111: 2220-2228. doi:10.1002/bit.25278

    Tang Y-W, Schmitz JE, Persing DH et al. Laboratory Diagnosis of COVID-19: Current Issues and Challenges. McAdam AJ (ed.). J Clin Microbiol 2020;58:e00512-20.

    Os Autores

    Ana Arnt é Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência!

    Carla Maneira da Silva Mestranda em Genética de Micro-organismos pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Realiza suas atividades de pesquisa no Laboratório de Genética e Bio-Energia (LGE). Possui experiência na área de genética e engenharia metabólica. Mais especificamente na produção de compostos de interesse econômico a partir de micro-organismos. Assim como na produção de biossensores baseados em levedura.

    Fellipe Mello é Engenheiro químico (2014) e doutor em ciências (2019) pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é post doc em engenharia genética no Laboratório de Genômica e bioEnergia no Instituto de Biologia da Unicamp. Tem experiência na área de engenharia química, com ênfase em termofluidodinâmica, no reaproveitamento de biomassas e purificação de proteínas; e na área de genética, com ênfase em engenharia metabólica e estudo de QTLs.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sabia que leveduras podem fazer diagnóstico de Covid-19?

    Texto escrito por Fellipe Mello, Carla Maneira da Silva e Ana Arnt

    Existem vários testes diagnósticos para a Covid-19, com maior ou menor precisão. Além de ter um resultado altamente confiável, uma das questões que é relevante pra este momento é, termos também uma agilidade nos resultados, com o menor valor possível!

    No Laboratório de Genômica e bio-Energia (LGE) da Unicamp, tivemos a ideia de aplicar leveduras na fabricação de um novo tipo de teste diagnóstico para COVID-19. Este laboratório é especializado, há mais de vinte anos na engenharia genética e aplicação de leveduras em processos industriais.

    O diagnóstico foi denominado CORONAYEAST e será baseado em leveduras que mudam de cor e emitem fluorescência na presença do vírus. Mas antes de falar do teste diagnóstico, vamos conhecer um pouco melhor as leveduras!

    Mas porque leveduras?

    Leveduras são microorganismos unicelulares pertencentes ao reino Fungi. Apesar de não ouvirmos muito falar seu nome, algum dos alimentos mais comuns do nosso cotidiano, como pães e vinhos, são produzidos com uma ajudinha desses pequenos seres. Além disso, leveduras podem ser aplicadas na fabricação de diversos outros produtos industriais, muitas vezes substituindo matérias-primas não-renováveis.

    Devido à sua grande importância histórico-econômica as leveduras – principalmente a espécie Saccharomyces cerevisiae – foram um dos primeiros seres a terem seu genoma sequenciado! E, a partir daí, diversas ferramentas genéticas, capazes de realizar modificações genéticas direcionadas e específicas foram desenvolvidas para esses organismos. Uma das ferramentas mais conhecidas e utilizadas por pesquisadores para a edição genética, não apenas de leveduras, mas também de diversos outros organismos, é o CRISPR/Cas9. É essa técnica que está sendo aplicada pelos pesquisadores do LGE para construir o CORONAYEAST. Ficou curioso? Acesse este vídeo e saiba mais sobre o CRISPR.

    De levedura alimentar à levedura para diagnóstico

    A utilização de leveduras como biossensores não é de hoje. Biossensores são organismos capazes de identificar compostos e acusar sua presença por meio de mudanças estruturais visíveis e/ou mensuráveis. A ideia por trás desse conceito fundamenta-se na compreensão de como as leveduras são e se “comportam” para detectar potenciais parceiros sexuais. Isso acontece através de uma série de reações químicas, com respostas fisiológicas bem específicas. São estas reações que nos interessam, quando estudamos biossensores, pois elas podem ser, digamos assim, “hakeadas” por meio da realização de edições genéticas.

    Basicamente, o que acontece é que leveduras apresentam em sua parede celular um receptor de hormônios reprodutivos (também conhecidos como feromônios). Esse receptor faz parte da classe dos Receptores Acoplados à Proteína G (GPCRs). Estes receptores, apesar deste nome longo e difícil, são comuns em uma variedade de espécies e particularmente  abundantes em mamíferos.

    O que fazemos em laboratório é substituir o GPCR original da levedura por outros GPCRs provenientes de outros organismos. Dessa forma, esta levedura será capaz de perceber outros tipos de sinais – pois cada receptor reconhece hormônios bem específicos. Assim, a substituição do tipo de ação efetuada por esse sinal permite que leveduras tornem-se verdadeiras plataformas de detecção de compostos diversos. No caso do CORONAYEAST, o GPCR que inserimos conseguirá detectar mudanças extracelulares causadas pelo vírus  da COVID-19: SARS-CoV-2!

    Como a levedura detecta o vírus

    É por meio de uma linhagem modificada geneticamente da levedura S. cerevisiae que funcionará o diagnóstico por CORONAYEAST. A linhagem biossensora será capaz de expressar um sistema de recepção viral, assim como um GPCR humano que percebe mudanças fisiológicas que ocorrerem apenas mediante a infecção. Ficou confuso?

    Isto quer dizer que a levedura, funcionando com um GPCR modificado, também expressará (vai produzir proteínas específicas que são) um sistema de recepção viral – como um sensor de movimento, que detecta quando algo passa na frente, por exemplo, só que neste caso, detecta apenas o SARS-CoV-2! 

    E como a levedura nos avisa que o está presente na amostra? 

    Vocês podem estar se perguntando como a levedura nos indica a presença do vírus! Esta é uma das partes interessantes! Quando há presença no novo coronavírus, a levedura muda de cor e emite fluorescência (basicamente: a levedura brilha!). Isso acontece porque o SARS-CoV-2, ao se ligar a este receptor viral, irá causar uma mudança fisiológica no meio onde está a levedura. O GPCR irá captar exatamente essa mudança e isso irá desencadear uma cascata de sinalização dentro da célula que irá orientá-la a mudar de cor. 

    Sua aplicação poderá ocorrer de duas formas:

    (1) Como um teste quantitativo de laboratório. Neste caso, as amostras incubadas com a levedura poderão ser lidas por um aparelho capaz de medir fluorescência – a intensidade de fluorescência das amostras corresponderá a quantidade de partículas virais na amostra ou;

    (2) Como um teste qualitativo em domicílio. Este teste funcionará como um aparato de leitura, semelhante a um teste de gravidez, acusará a presença viral por meio de mudança de cor, após a adição de saliva.

    Finalizando

    Neste primeiro texto, apresentamos um pouquinho do projeto que o LGE, da Unicamp, vem desenvolvendo, ainda com resultados iniciais apenas. Vamos explicar ainda como funciona a pesquisa e de que maneira trabalhamos no laboratório, para alcançar os resultados, nos próximos textos. Aguarde e acompanhe esse trabalho!

    Este texto foi elaborado a partir de uma pesquisa financiada pela FAPESP, cujo processo é n.2018/03403-2

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Para saber mais

    Adeniran A, Sherer M, Tyo KEJ (2015) Yeast-based biosensors: Design and applications. FEMS Yeast Res ;15:1–15.

    Lengger B, Jensen MK (2020) Engineering G protein-coupled receptor signalling in yeast for biotechnological and medical purposes. FEMS Yeast Res ;20:87

    Morales-Narváez E, Dincer C (2020) The impact of biosensing in a pandemic outbreak: COVID-19. Biosens Bioelectron ;163:112274.

    Outros textos do Especial Covid-19

    Diagnóstico por RT-qPCR, o que é isso?

    Como se detecta o coronavírus?

    Os Autores

    Ana Arnt é Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência! 😉

    Carla Maneira da Silva Mestranda em Genética de Micro-organismos pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), realiza suas atividades de pesquisa no Laboratório de Genética e Bio-Energia (LGE), possui experiência na área de genética e engenharia metabólica, mais especificamente na produção de compostos de interesse econômico a partir de micro-organismos, assim como na produção de biossensores baseados em levedura.

    Fellipe Mello é Engenheiro químico (2014) e doutor em ciências (2019) pela Universidade Estadual de Campinas, atualmente é post doc em engenharia genética no Laboratório de Genômica e bioEnergia no Instituto de Biologia da Unicamp. Tem experiência na área de engenharia química, com ênfase em termofluidodinâmica, no reaproveitamento de biomassas e purificação de proteínas; e na área de genética, com ênfase em engenharia metabólica e estudo de QTLs.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e que são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • “Programa Nutrir Campinas: impactos em época de pandemia do COVID-19”

    Texto produzido por Ana Clara Duran e pesquisadoras do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alimentação da Unicamp (NEPA/UNICAMP)

    Em abril de 2020 foi confirmado que a pandemia do COVID-19 havia atingido todos os estados do Brasil (1). Porém, em um cenário em que as principais medidas de prevenção são o isolamento social e medidas de higiene, as populações mais vulneráveis são as mais afetadas, incluindo uma maior dificuldade de aquisição de alimentos (2).

    Essas populações com dificuldades econômicas e sociais são as que apresentam maiores índices de Insegurança Alimentar e Nutricional (IAN), ou seja, apresentam maiores dificuldades de acesso a alimentos de qualidade de forma adequada (3), o que aumenta o seu risco de desenvolver ou agravar doenças como obesidade, diabetes, hipertensão, depressão e doenças mentais (4). Ademais, evidências recentes demonstram um maior risco de complicações quando o paciente diagnosticado com COVID-19 apresenta obesidade ou diabetes. 

    O Programa Nutrir Campinas

    Em Campinas, um terço dos domicílios apresentavam IAN previamente a pandemia do COVID-19, o que pode ser ainda mais intensificado durante essa época de crise, exigindo medidas emergenciais (5). Assim, a Prefeitura de Campinas, através da Lei no 15.892 de 30 de março de 2020, declarou a expansão do Programa Nutrir Campinas para até 26 mil famílias(6). O Nutrir Campinas é um Programa Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) implementado em 2016 para auxiliar famílias em vulnerabilidade no município. Estas famílias recebem um cartão alimentação que pode ser utilizado em estabelecimentos de vendas de alimentos credenciados no valor mensal de R$94,00 (7, 8).

    O Programa, que substituiu a entrega de cestas básicas – ação conhecida por ser menos eficiente e custo-efetiva do que transferência diretas de renda –  ainda apoia o comércio local, já atendia até início de 2020 cerca de seis mil famílias, o que equivale a mais de 30 mil pessoas em situação de pobreza (7). Os novos cartões, distribuídos a partir de abril, podem ser utilizados por até 90 dias na compra de, além de gêneros alimentícios, produtos de higiene pessoal e limpeza, essenciais para a diminuição da disseminação do vírus (8). A extensão deste programa emergencial em mais três meses está atualmente em fase de discussão.

    O Núcleo de Estudos e Pesquisa em Alimentação da Unicamp

    Considerando que a identificação de populações mais vulneráveis em tempos de crises devem ser prioridade nos esforços para reduzir a fragilidade e o tempo de recuperação após a crise (9), o monitoramento de estratégias como o Programa Nutrir Campinas é essencial. Assim, pesquisadores, alunos de graduação e pós-graduação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (NEPA) da UNICAMP desenvolveram um projeto de pesquisa e extensão para avaliar os comportamentos de compra de alimentos com o cartão-alimentação do Programa Nutrir Campinas entre os beneficiários convencionais e emergenciais, além de avaliar, em uma sub-amostra de beneficiários, a situação de IAN durante e após a pandemia do COVID-19.

    O desenvolvimento do projeto

    O projeto de extensão e pesquisa está sendo realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas e utilizará informações socioeconômicas e de participação dos beneficiários fornecidas pela Secretaria e também dados dos estabelecimentos onde as compras de alimentos são realizadas, fornecidos pela empresa que gerencia os cartões-alimentação. 

    Assim, verificaremos os locais de compra dos beneficiários previamente cadastrados no Programa e analisaremos a distância que os beneficiários percorrem para comprar alimentos. Após essa etapa, compararemos os comportamentos de compra (valor de compra, tipo e distância percorrida até os estabelecimentos) antes, durante e após a pandemia. Essa mesma avaliação será realizada entre os beneficiários emergenciais que serão comparados aos beneficiários do Programa Nutrir Campinas que já recebiam o benefício antes da pandemia da COVID-19. Ademais, em uma subamostra de participantes, avaliaremos por meio telefônico o estado de segurança alimentar e nutricional durante o período de isolamento social e seis meses após sua finalização no Município de Campinas. Estes beneficiários também receberão informações acerca de como melhor utilizar seus benefícios de acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira (10). 

    Os resultados serão discutidos com a Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos. A parceria entre o NEPA/Unicamp e a Prefeitura de Campinas tem o potencial de contribuir para o aprimoramento do Programa Nutrir Campinas, auxiliando no manejo do programa e na tomada de decisões futuras acerca de proteção social dessa população.

    Força Tarefa Unicamp: a pesquisa em tempos de pandemia

    [Nota do Editorial] Este é o primeiro texto produzido por uma das pesquisas já em andamento da Força Tarefa da Unicamp – que além dos trabalhos de diagnóstico tem produzido pesquisa em várias áreas de conhecimento. Em breve traremos mais textos e debates sobre a ciência em tempos de pandemia, realizados pela Força Tarefa da Unicamp.

    Para saber mais

    1. El País (2020) Evolução dos casos de coronavírus no Brasil.

    2. Lima J (2020) Por que as periferias são mais vulneráveis ao coronavírus, Nexo Jornal.

    3. Bezerra TA, Olinda RAd, Pedraza DF (2017) Insegurança alimentar no Brasil segundo diferentes cenários sociodemográficos, Ciência & Saúde Coletiva, 22:637-51.

    4. Gundersen C, Ziliak JP (2018) Food Insecurity Research in the United States: Where We Have Been and Where We Need to Go, Applied Economic Perspectives and Policy;40(1):119-35.

    5. Souza BFdNJd, Marin-Leon L, Camargo DFM, Segall-CorrÊA AM (2016) Demographic and socioeconomic conditions associated with food insecurity in households in Campinas, SP, Brazil, Revista de Nutrição, 29:845-57.

    6. Campinas (2020) Lei nº 15.892 de 30 de março, altera a Lei nº 15.017, de 26 de maio de 2015, que “institui o Programa Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional `NUTRIRCAMPINAS`, estabelece critérios de inclusão, interrupção e exclusão, e dá outras providências”.

    7. Campinas (2019) Prefeitura de Campinas. Programa Nutrir Campinas entrega mais 900 cartões em Dezembro 2019.

    8. Campinas (2020) Prefeitura de Campinas. Prefeitura disponibiliza cartões Nutrir emergenciais a partir do dia 17.

    9. Dixon N (2019) Identification and inclusion of vulnerable populations during emergency planning: A real-world application.

    10. Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica (2014) Guia Alimentar para a População Brasileira 2ª edição.

    Outros Textos do blogs

    Alguns questionamentos sobre governo, um vírus e a fome

    As Autoras

    Ana Clara da Fonseca Leitão Duran é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (NEPA) da UNICAMP e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva na área de concentração de Epidemiologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Também é pesquisadora associada do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (NUPENS/USP).

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Especial Covid-19: 100 dias

    O Brasil e a Universidade em Março

    Lançamos o Especial Covid-19 dia 20 de março de 2020. No dia 27 de junho, completamos 100 dias de trabalho dedicado no Blogs de Ciência da Unicamp. O que aconteceu neste meio tempo (ou um pouco antes do lançamento)?

    O primeiro caso confirmado no Brasil data de 26 de Fevereiro. No dia 20 de março, dia de lançamento do Especial Covid-19 no Blogs, tínhamos 977 casos confirmados da doença, com 11 óbitos. Aos 100 dias do especial, tivemos 1.313.667 casos confirmados, 57.070 óbitos.

    Tela do Painel Coronavírus em 27.06/2020

    A Universidade Estadual de Campinas interrompeu as atividades presenciais no dia 14 de março. O anúncio sobre a parada foi feito um dia antes. Outras universidades foram parando suas atividades nos dias seguintes e as escolas até o final do março estavam praticamente todas com as aulas suspensas também.

    A equipe do Blogs já vinha estudando temas específicos sobre a Covid-19 e o Novo Coronavírus. Alguns blogs individuais iniciaram suas publicações entre os dias 18 e 19 de março. Entre os dias 14 e 19 de março, o comitê editorial do Blogs reuniu-se e decidiu elaborar um especial dedicado integralmente à Covid-19. Neste sentido, o Especial Covid-19 priorizou atualizações técnico-científicas sobre a doença e seus efeitos na sociedade, conhecimentos básicos para entender melhor os números, tabelas e gráficos que vem sendo veiculados, as notícias, além de materiais para crianças, entrevistas, arte, etc.

    Um trabalho coletivo

    Não há o que comemorar nestes tempos. Em 100 dias de Covid-19 nós temos um balanço de nosso trabalho e reflexões sobre o que consideramos o papel da Divulgação Científica no enfrentamento da doença em nosso país…

    Foram 100 dias de trabalho. O que fizemos neste tempo? Investigamos os acontecimentos diariamente, analisando artigos publicados em modo “pre-print”, conversando com especialistas, elaborando pautas, combatendo fake news, participando de entrevistas, lives, podcasts em vários canais de divulgação científica. Neste meio tempo, também integramos a Força Tarefa da Unicamp, na Frente de Comunicação. Um esforço feito por toda a equipe do Blogs de Ciência da Unicamp, que inclui vários blogueiros e colaboradores, para que a compreensão desta doença se faça mais acessível possível.

    100 dias de Especial Covid-19

    100 dias de Especial Covid-19

    Foram 103 postagens, com 43 autores. Destes, 63% são mulheres, 37% homens. Cientistas que já atuavam como Divulgadores Científicos, ou que iniciaram seu trabalho neste campo, para o nosso Especial. Para os novos escritores, também incluímos um breve treinamento e conversas sobre as primeiras publicações. Além disso, todas as postagens do especial passam por uma revisão técnica e científica, tudo para a Divulgação Científica cumprir seu propósito. Isto é: a preocupação de comunicar informações corretas e linguagem acessível.

    Também ressaltamos, neste aspecto, que o Especial Covid-19 tem diferenças, comparadas com os outros três especiais já lançados pelo portal. Inicialmente por não ter um tempo delimitado de publicações. Optamos por deixar o especial no ar, com postagens atualizadas pelo tempo que for necessário. Outra diferença é a presença de autores convidados, além dos blogueiros do portal. Por fim, também contamos atualmente com os blogueiros do ScienceBlogs Brasil, que desde março integraram o Blogs da Unicamp.

    Desde o dia 20 de março, ao completar 100 dias de Especial no dia 27 de Junho, tivemos 218 mil visualizações ao material elaborado pelos autores, além de 301 mil e 386 mil acessos via Facebook e Twitter, respectivamente. Destes acessos, temos uma faixa etária predominante entre 25 e 34 anos e 54% dos leitores são mulheres e 46% homens. Nestes 100 dias, nosso portal geral alcançou a marca de 807 mil acessos. Também ressaltamos, neste meio tempo, um crescimento expressivo de seguidores em todas as mídias sociais.

    Um balanço geral

    A Divulgação Científica proposta pelo Blogs de Ciência da Unicamp é feita a muitas mãos, grande parte em um trabalho voluntário presente tanto na equipe administrativa e técnica, quanto na produção de conteúdos pelos blogueiros. Todo este coletivo de pessoas tem, como princípio, o compromisso com o desenvolvimento de propostas que articulem ciência e sociedade por meio da comunicação.  

    No Especial Covid-19, esse compromisso fica ainda mais evidente, dado o impacto das informações sobre a pandemia não apenas na saúde pública, mas em todas as áreas da sociedade. Quando iniciamos tudo em 20 de março, não imaginávamos que seriam tantos dias em isolamento (para quem conseguiu se manter em isolamento). Ainda conhecíamos muito pouco sobre a doença. Hoje conhecemos mais, mas temos conosco que ainda há muito o que aprender (com e sobre a doença).

    Nesse meio tempo, crescemos. Ampliamos não apenas nosso trabalho, mas a nossa compreensão do papel da divulgação científica em um mundo que enfrenta uma de suas maiores crises dos últimos anos (e certamente a maior crise de grande parte das pessoas que nos lê…). O conhecimento, para nós, é ferramenta para viver e entender a sociedade. Dessa forma, a divulgação científica é um dos modos de traçar este diálogo, entre o que é produzido dentro de centros de pesquisa (e aqui no Brasil, majoritariamente dentro de Universidades Públicas, como a UNICAMP) e as pessoas de uma sociedade.

    O Especial Covid-19, e toda a equipe que vem trabalhando neste especial, seguirá neste propósito de diálogo enquanto esta divulgação se fizer necessária, agradecendo a todos que escrevem, estudam, publicam, lêem, compartilham, comentam e nos ajudam a tornar nosso trabalho possível a cada dia.

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