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  • Uma palavrinha sobre estágio supervisionado

    Autoria

    Zero

    Nos cursos de licenciatura e pedagogia no Brasil, temos algumas disciplinas de estágio supervisionado, parte da sua carga-horária tem como objetivo que o estudante vá para a escola e acompanhe os docentes em exercício.

    A alguns anos entrei em discussão com familiares que por suas próprias razões decidiram fazer como segunda graduação pedagogia e licenciatura na área em que é bacharel. No primeiro caso, a pessoa já tinha muitos anos de experiência docente em outras áreas de atuação, e negociou por fora com seu supervisor de estágio para que fosse liberado de acompanhar suas aulas, e este concordou e emitiu o documento declarando que frequentou as horas necessárias no estágio. No segundo caso, a pessoa não tinha experiência docente e julgando ser uma ação dispendiosa, também conseguiu negociar por fora para que seu supervisor de estágio declarasse que frequentou as horas necessárias na sala de aula.

    Ao trazer esse tema para debate, os argumentos que ouvi em defesa dessas ações foram:

    • fulano já é docente experiente, não faz sentido que ele fique assistindo as aulas;
    • sicrano quer apenas o diploma;
    • se fosse remunerado eu iria;
    • são muitas horas desperdiçadas;
    • a pessoa não sabia que teria que fazer estágio;
    • a pessoa escolheu fazer licenciatura pois foi o único curso que ela conseguiu;
    • a pessoa vai aprender a ensinar independente do estágio;
    • se a pessoa trabalha e estuda, não terá tempo de fazer o estágio.

    Por muito tempo esse assunto ficou entalado, mas hoje decidi trazer pro blog. Quando fiz estágio, cumpri as horas à risca, frequentava as salas de aula, aguardava o intervalo, anotava no caderno o que acontecia na sala, fazia críticas sobre os docentes, sobre a sala, sobre o contexto todo, preparava a regência com base naquelas observações e sentindo o andamento da turma, e sem receber nenhum auxílio financeiro para isso, nem mesmo o transporte ou a alimentação eram fornecidos.

    Agora vamos para a resposta aos argumentos que escuto:

    Fulano já é docente experiente, não faz sentido que ele fique assistindo as aulas. Se a experiência docente já é na área em que está sendo feita a formação, deveria ser possível emitir alguma declaração da instituição que faça equivalência nessas horas a serem cumpridas. Mas a experiência docente por si em outra área não se equivale, isto é, as abordagens para ensino de matemática são diferentes daquelas para o ensino de química (estou fazendo licenciatura em química, então isso está mais do que evidente). Ainda que as disciplinas ou eixos curriculares tenham aspectos comuns, temos de considerar que na ocasião do estágio, estamos observando o trabalho de um profissional em exercício, assim, certamente há o que possamos aprender com isto.

    Sicrano quer apenas o diploma. Há nessa afirmação o interesse no título associado a essa formação, seja qual for a razão para esse interesse, ainda que nobre, coloca em xeque a garantia de que a certificação esteja sendo emitida com um controle de qualidade razoável. Isto não significa que querer o diploma seja errado, mas o “querer apenas o diploma” tem implícito a intenção de não cometer nenhum ato gravemente ilícito de modo que consiga seu nome timbrado no diploma daquela instituição. Pense assim, se houvesse 100% de certeza de que não seria descoberto e nem punido por isso, a pessoa com essa intenção emitiria seu diploma com as credenciais da instituição, já que não tem a intenção de passar por sua formação.

    Se fosse remunerado eu iria. Acho curioso como essa afirmação não se dá conta de que há uma carga-horária total no curso, e que o estágio cobre parte dela. Digo isso pois temos tantas horas de disciplinas e não somos remunerados para cursá-las, precisamos entregar certificados de atividades extra-curriculares equivalente também a um grande número de horas, e não há uma garantia de que essas horas gastas foram remuneradas. Contudo, a exigência de que o estágio supervisionado seja remunerado para realizá-lo, é inverter a relação de interesses nesse processo formativo. O interessado em se formar é o estagiário, não a instituição que o acolhe, e nos cenários que frequentei, o número de interessados é muito maior do que de instituições com vagas remuneradas disponíveis. Assim, por que esse argumento não se aplica com disciplinas teóricas? Ain… não vou assistir às aulas de Didática porque não sou remunerado para isso. Claro que preferiria ser remunerado para tudo, ter auxilio transporte, auxilio alimentação, mas a situação não é assim.

    São muitas horas desperdiçadas. Assistir a um profissional exercendo sua atividade com seu público-alvo e por vezes envolvido com os estagiários nestas ações é um tempo desperdiçado? Será que pensam que isso é verdade em estágios nas áreas de engenharia, arquitetura, enfermagem? Mas talvez aquele que afirme isso realmente esteja se visualizando como um profissional docente daqui a algum tempo. Digo isso pois há uma aprendizagem nesse ínterim, mas que dependerá do que o estagiário estará fazendo nestas horas. Se acompanhar a aula, observar, interagir, tomar nota e refletir sobre o evento, estará aprendendo muito, ainda que não seja uma aprendizagem quantificável em número de técnicas, quantidade de conceitos ou abordagens famosas.

    A pessoa não sabia que teria que fazer estágio. Quando nos inscrevemos em um curso de graduação, há uma série de documentos que são disponibilizados, dentre eles há o plano do curso, que delibera sobre as disciplinas, a carga-horária e outros requisitos. Para que a inscrição ocorra, assinamos dizendo que estamos cientes desses documentos, quer tenhamos realmente lido esses documentos ou não. Assim, a justificativa de que não sabia, remete a própria responsabilidade do individuo como um cidadão adulto em responder por si na sociedade (experimenta assinar algumas coisas no banco sem ler… veja se eles terão tanta pena de sua ingenuidade).

    A pessoa escolheu fazer licenciatura pois foi o único curso que ela conseguiu. De fato, os cursos de licenciatura de forma geral, costumam ter uma nota de corte menor, que permitem às pessoas acessá-los mais facilmente. Contudo, a escolha por cursá-los é espontânea, não há uma imposição que exigem à pessoa cursar esta graduação (diferente do serviço militar que é obrigatório). Assim, a decisão é voluntária, ainda que existam razões nobres por trás dela, não deveria caber a outros essa responsabilidade e suas consequências.

    A pessoa vai aprender a ensinar independente do estágio. Isso é verdade, definitivamente verdade. Assim como em outras áreas, o profissional aprenderá a exercer seu ofício mediante sua prática regular. A diferença é que podemos ter construções desmoronando e pessoas morrendo por conta dessa inexperiência. Mas parece que quando falamos em “ensinar”, os prejuízos que a inexperiência causa são minimizados, afinal não parece “ocorrer nada de grave” com isso, embora ocorra, e essas consequências serão percebidas (ou não) ao longo dos anos e de formas subjetivas. Razão esta, que reforça essa minização dos danos que a inexperiência em sala de aula ocasione. Digo que embora tenha feito os estágios certinho, quando entrei na sala de aula, ainda me sentia imatura e inexperiente, avaliando hoje minhas aulas de antigamente, considero-as muito ruins em comparação com hoje (isso não quer dizer que tenham realmente sido muito ruins, mas que hoje elas melhoraram bastante). O estágio assim serviu de uma base inicial dessa experiência, evitando assim que os danos ao meu público-alvo fossem maiores.

    Se a pessoa trabalha e estuda, não terá tempo de fazer o estágio. De fato, trabalhar, estudar e fazer estágio é algo bastante pesado para qualquer ser humano (ainda mais se considerarmos que há outras tarefas em casa a serem realizadas), mas daí entramos na questão de assumir um compromisso do qual não conseguirá cumprir. Se eu me comprometo a algo do qual não tenho condições de realizar, de quem é o erro? Digo isso, pois muitas vezes assumimos compromissos impossíveis por uma dificuldade em compreendermos nossas próprias limitações.

    Tive colegas de graduação que trabalhavam, estudavam, cuidavam de suas famílias, faziam PIBID e iam para o estágio… não sei que horas esses colegas dormiam, mas eles sabem seus próprios limites e julgaram conseguirem cumprir estes requisitos. Meus limites são diferentes dos seus, e das pessoas à nossa volta, há quem durma 4 horas por dia e está ótimo, há quem durma 10 horas por dia e vive com o corpo quebrado, há quem consiga estudar 10 horas seguidas, há quem estude 1 hora e precise descansar o resto do dia. Assim, essa questão não gira em torno do estágio, do trabalho e do estudo, e sim do quanto nos conhecemos antes de assumirmos um compromisso, para depois não culparmos o compromisso por nossa própria limitação.

     

    A discussão seguiu com um desfecho peculiar, pois quando devolvi a questão aos envolvidos sobre se eles na posição de docentes responsáveis pelo estágio supervisionado, viriam a permitir e deliberar que seus estudantes fizessem o mesmo que fizeram, a resposta foi negativa. Isto é, na hipótese de avaliarem seus próprios comportamentos, os mesmos não o aprovariam.

    Para concluir esse texto, enxergo que a resolução sobre como funcionam os estágios supervisionados é uma pauta de colegiados e reuniões sobre a estruturação de cursos e disciplinas, daquelas que com bastante sofrimento conseguimos reunir docentes dispostos a participar. Ao mesmo tempo, que ocupar uma cadeira para tais decisões seja o resultado de uma longa e insistente caminhada dentro de uma série de instituições e aderindo às suas normas, sem as quais as mesmas não viriam a qualificá-lo para que viesse ocupar este lugar. Em minha posição como docente de matemática, aderi à causa das provas escritas não serem compulsórias, isto é, que os alunos possam ser aprovados com conceito máximo, sem a necessidade de realizá-las. Essa é minha causa, da qual defendo e enfrento oposição, mas sigo insistente nessa direção.

    Em relação ao estágio supervisionado, não me coloquei até o momento em posição de discuti-lo, nem de votar a seu respeito, uma vez que leciono na graduação em Química, não estou envolvida nessas disciplinas. Mas acredito que sua proposta pedagógica possa sim ser repensada com alternativas para dispor de mais opções aos estudantes que precisem realizá-las, contudo isso é algo a ser reformulado de cima para baixo, ou seja, cabe ao docente repensar a forma como validará o período de estágio supervisionado e não ao estudante procurar meios diferentes para realizá-lo. Salvo é claro sugestões e propostas que venham a ser aderidas pelo docente.

    // Esse é um texto que demorei bastante tempo para maturar, e pensei muito sobre se deveria ou não postá-lo aqui. Embora não seja um tema diretamente ligado à matemática, é uma discussão que acredito auxiliar a posição de docente como profissional, e dessa forma ter seus processos formativos respeitados e zelados em prol de seu exercício adequado. Assim, eu como licencianda em química do IFRJ venho cumprindo as disciplinas das quais não consegui equivalência, realizando os processos avaliativos propostos e frequentando as aulas.

    Alguns de meus colegas me tratam com indiferença em sala de aula, outros fazem uso de mim como uma ponte entre a disciplina que lecionam e minha expertise, e tais relações são proveitosas, tanto para mim que posso acompanhar meus colegas em seu exercício no magistério superior, como para eles que visualizam oportunidades incomuns de conexões. Então para aqueles em particular adeptos à filosofia, que consideram não terem nada a aprender assistindo as aulas de outros profissionais no estágio supervisionado, optando assim pela desonestidade frente à essa disciplina, encerro este post com uma frase do escritor grego Esopo.

    Ninguém é grande demais que não possa aprender, nem pequeno demais que não possa ensinar

    Créditos da imagem de capa a 41330 por Pixabay

    Sobre quem escreveu

    Podem me chamar de Zero, fiz Licenciatura em Matemática pela USP, Mestrado na UNESP sobre a aprendizagem de Pensamento Computacional, Doutorado na UNICAMP sobre a aprendizagem de Demonstrações Matemáticas, Especialização em Informática Aplicada à Educação no IFRJ e atualmente sou docente de Matemática e curso Licenciatura em Química, ambos no IFRJ.

    Como citar:  

    SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Uma palavrinha sobre estágio supervisionado. Revista Blogs Unicamp, Vol.10, N.1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/uma-palavrinha-sobre-estagio-supervisionado/. Acesso em: DD/MM/AAAA

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Por @assumption111 no Freepik (original)

    Edição: clorofreela

  • Pesamentos sobre a formação de professores no pós pandemia

    Texto escrito por Jonathan Cardoso e Pedro Leal

    Quando decidimos escrever este texto, gostaríamos de poder trazer diferentes visões das consequências que a pandemia pode trazer para a formação de professores de biologia, a respeito das nossas vivências como alunos de graduação em licenciatura biologia. Como nossa formação pode ser afetada no futuro pela pandemia? Então através desse pensamento desenvolvemos o texto a seguir

    Um acervo pro futuro, existe um lado positivo?

    O ensino remoto vem sendo pauta de muitos debates nesse ano que passou, seja na educação infantil, no ensino fundamental, médio ou superior. Como aluno de graduação em Biologia tenho mais propriedade para falar sobre como o ensino remoto vem acontecendo na universidade ou no curso. Assim, me pego pensando sobre como será a educação pós pandemia. Me deparo com a ideia dos acervos digitais criados, tais como, os vídeos gravados por professores que não imaginavam que um dia fariam tal projeto.

    Por que imagine só: Uma professora que tem mais de 20 anos de docência em Biologia molecular, e de um ano para cá passa a produzir artefatos culturais que serão eternos dali pra frente, e que poderão servir de auxílio para seus alunos no futuro. Quem sabe  para interessados na área que não tiveram a oportunidade de ter uma informação aprofundada em um assunto tão específico.

    Percebam que falo aqui sobre alguns professores, mas se pensarmos em nível mundial, o quanto esse acervo não deve ser imenso no futuro?

    O que poderia nos trazer de produtivo?

    Me enche os olhos de alegria toda a vez que penso nessa possibilidade. É evidente, que existem muitos assuntos que podemos abordar que não são tão otimistas em relação à educação pós pandemia. Porém trago esse pensamento porque acho importante também pensar o que pode nos trazer de produtivo esse momento tão difícil. Pessoas que nunca nem imaginavam lidar com essas ferramentas da tecnologia estão se reinventando e criando conteúdos através por meio dela. Isso é muito interessante. Imaginar que daqui pra frente esses professores, após suas aulas presenciais, poderão disponibilizar esses conteúdos para o auxílio no entendimento de seus estudantes.

    Através disso, é possível sim ter uma visão de que acontecimentos positivos podem estar presentes no período pós pandemia para alunos de licenciatura em biologia. Contudo é inevitável perceber que existem receios em relação a como iremos nos formar neste período remoto, como aqueles que estão no fim do curso. Como vamos administrar os estágios docentes? E os Trabalhos de conclusão de curso?

    Os receios da formação à distância

    Em um curso de graduação de licenciatura, é importante pensarmos nesse que é um dos pontos chaves da formação dos professores: os estágios de docência. É estranho pensar em como um professor seria capaz de se formar sem nunca ter entrado em sala de aula, por isso os estágios são componentes fundamentais na maioria dos cursos de formação de professores. Porém, com a situação da pandemia, isso se torna um tanto quanto inviável. Algumas disciplinas da graduação estão sendo realizadas de maneira online, mas o estágio não. O impasse é o seguinte: Mesmo ciente da situação das escolas, que ainda tentam realizar as aulas de maneira remota, com vários estudantes que não possuem acesso à essas aulas, como manteremos os estágios dos futuros professores?

    Por um lado, podemos pensar que alguns dos conhecimentos adquiridos podem ser aproveitados, já que não sabemos como será o pós-pandemia. Será que alguns dos modelos de aulas que estamos utilizando agora serão mantidos? Por que nesse caso, seria interessante que os futuros professores vivenciassem um pouco dessa experiência. Mas por outro lado, será que vale a pena trocar um momento tão importante da graduação do licenciando, que é o contato com a realidade escolar e com a sala de aula, pelo ensino remoto com pouco ou nenhum contato com os alunos? Para mim, que estou no último ano da minha graduação sempre me pego pensando: Quero fazer esses estágios de uma vez e me formar logo, mas será que para a minha formação, vale a pena “perder” essa experiência ou troca-la por um período de aulas remotas? É uma situação bem complicada…

    “Será que eles conseguirão vivenciar essa experiência universitária na sua totalidade?”

    Pensando ainda nessa questão do “último ano de graduação”, me coloco no lugar dos que estão entrando agora nesse contexto do Ensino Superior. A entrada na universidade traz tantas mudanças na nossa vida, mudanças que na maioria das vezes nos fazem crescer, seja nas perspectivas, ou até mesmo na forma que encaramos as nossas responsabilidades (pelo menos eu senti essas e diversas outras mudanças). Mas será que os alunos que estão ingressando agora na Universidade, durante esse período de ensino remoto, conseguirão sentir essas mudanças também? Será que eles conseguirão vivenciar essa experiência universitária na sua totalidade? Acredito que ainda não conseguimos inventar nada capaz de substituir as experiências presenciais.

    Certas incertezas durante a formação

    Sendo assim, penso que apesar desse período em que precisamos repensar o ensino ter trazido diversas coisas positivas para nossa prática docente, algumas outras atividades não conseguem ser realizadas de forma remota ou online, elas precisam que isso tudo se resolva e as coisas voltem “ao normal”. Penso que para alguns casos, os novos recursos que aprendemos e desenvolvemos durante esse período de pandemia podem acrescentar sim na nossa prática pós-pandemia.

    No entanto nos estágios de docência muito pouco sera aproveitado, pois as atividades precisam acontecer da maneira “tradicional”, precisamos do contato humano, da experiência presencial, olho no olho, cara a cara, e não há espaço para o “tela a tela”.


    Para mais textos acesse o Blog.

    Este texto foi escrito e publicado originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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