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  • A gratuidade da universidade pública é inquestionável

    Texto por Matheus Naville Gutierrez

    A PEC 206 pode destruir a universidade pública brasileira. Precisamos defendê-la de argumentos falsos.

    O deputado Kim Kataguiri (Democratas-SP) colocou em pauta hoje um projeto que visa alterar a constituição, o qual ele é relator. A PEC 206/2019, redigida em 2019 pelo deputado General Peternelli (PSL-SP), propõe a cobrança de mensalidade nas universidades públicas para todos os seus frequentadores, e aqueles que não puderem pagar, podem usufruir da universidade pública gratuitamente. O progresso científico e tecnológico brasileiro é diretamente afetado e atacado com esse projeto, que antes de mais nada, é deturpado e usa de pressupostos errôneos. Primeiramente, a PEC usa pressupostos completamente equivocados. Vamos debatê-los a seguir.

    O texto enganador da PEC

    Logo após a leitura do texto da PEC, uma problemática bem clara sobre o pressuposto do projeto de lei se mostra. A defesa nefasta que está acontecendo nas redes sociais não leva em consideração os parâmetros da lei em si.

    Trecho PEC
    Trecho retirado da PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N.º206 , DE 2019

    Conforme o texto acima, a lei propõe justamente que exista uma comissão que avalie a situação socioeconômica dos estudantes e faça uma deliberação sobre o pagamento ou não da mensalidade. Ou seja, a base é que TODOS os estudantes paguem mensalidade, estando apenas alguns eximidos da conta. Decerto, essa lógica levanta muitas questões problemáticas. Vamos a algumas delas:

    Como essa comissão será formada? Como ela atenderá todos os estudantes? Quais critérios serão utilizados para essa escolha? Essa comissão não poderia ser utilizada de forma a excluir ainda mais os estudantes? Eles não precisariam passar por mais uma etapa burocrática para conseguir se manter na universidade pública?

    Uma vez que esse debate entrou na esfera pública novamente, podemos nos debruçar em alguns pressupostos que esse projeto de lei. A seguir, coloco algumas dessas questões para conversa.

    Quem frequenta a universidade pública?

    Inicialmente, a defesa dessa PEC sugere que as universidades públicas brasileiras são frequentadas majoritariamente por pessoas oriundas das classes mais altas. Sendo assim, elas teriam o poder aquisitivo necessário para pagar os custos de seus estudos na universidade. Ainda que esse discurso pareça verdadeiro, ele atualmente é falso. Segundo dados da pesquisa do perfil socioeconômico dos estudantes de graduação das universidades federais, o perfil brasileiro é: 53,5% dos estudantes vivem com renda de até 1 salário mínimo por pessoa nas famílias. Esta pesquisa coletou dados de 63 universidades federais brasileiras. Confira abaixo os dados na tabela:

    É necessário debater sobre as formas que universidade pública elitiza o conhecimento e cria modos de facilitar a permanência de pessoas com renda maior, nós sabemos disso. Contudo, o projeto de lei não serve como resposta para esse problema.

    Ou seja, a PEC coloca como responsável por essa problemática os estudantes. Como assim? Atualmente, a universidade não possibilita o acesso e a permanência de pessoas sem os recursos financeiros, o que falarei mais adiante. Mas o mais relevante é: cria uma disputa por vagas e cotas entre os próprios estudantes já em situação de vulnerabilidade social e financeira. Esta PEC cria, portanto, uma narrativa de embate entre os estudantes para tirar o foco da problemática real das universidades: as políticas públicas e como são feitos os investimentos.

    Atacando o problema de verdade

    Para que essa elitização velada da universidade comece a ser combatida de verdade, precisamos focar em duas frentes. Primeiramente, o debate sobre o vestibular. Ele sim, um gargalo colocado de forma proposital para excluir uma parcela dos estudantes. Ele afunila a entrada na universidade, principalmente quem não consegue dedicar o tempo necessário de estudos para enfrentar a maratona dos vestibulares (e não consegue pagar por cursos pré-vestibulares).

    Em seguida, as políticas públicas de permanência. A universidade pública brasileira é um espaço de formação que exige a dedicação quase exclusiva de seus alunos, sem tempo para trabalhos externos. Para criar condições aos estudantes usufruam de suas possibilidades formativas, a universidade precisa garantir moradia, alimentação e renda para os estudantes.

    Nossa defesa, como política pública, é oposta ao projeto de lei. Isto é, o financiamento para permanência de estudantes na universidade pública deve ser proveniente de políticas públicas inclusivas, que abarquem a diversidade, origem e identidades diversas. Quem deve financiar esses estudantes, portanto, não devem ser eles mesmos, mas políticas públicas destinadas a sua formação.

    O que se desenvolve na universidade pública no Brasil?

    Ao mesmo tempo, o discurso de se pagar é nefasto por não compreender a complexidade da produção e da vivência nas universidades brasileiras. A ideia de que é um local de apenas estudo, em que o estudante apenas assiste aulas e realiza provas é falacioso. A universidade pública, desde os estudantes de graduação, desenvolve ciência, forma profissionais, produz conhecimento que retornará para a sociedade.

    O desenvolvimento da ciência brasileira, realizada por graduandos e pós-graduandos, foi o que nos garantiu o desenvolvimento de diagnósticos, com agilidade e eficiência, durante toda a pandemia da Covid-19, aqui na Unicamp e em várias universidades brasileiras. Além disso, a grande quantidade de pesquisas e atuações acadêmicas neste período, em todas as áreas de conhecimento, tiveram participação ativa de estudantes ainda em formação, de modo voluntário ou com bolsas, que minimizaram os efeitos da doença em toda a sociedade brasileira.

    Uma nação que busca o progresso sustentável e tecnológico precisa do desenvolvimento científico, que acontece unicamente nas universidades públicas. Isto é, a proposta de se pagar para estudar em uma universidade pública, além de afastar futuros cientistas que poderiam surgir de diversas origens sociais e econômicas, deturpa a própria ideia de desenvolvimento científico em nosso país.

    A pós-graduação: ela também pode ser afetada em médio e longo prazo

    O pós-graduando, hoje, vivencia uma carreira de uma avassaladora precarização, sem recursos, com bolsas sem ajustes e com a visão social de que é “apenas um estudante”. Não, não é. O estudante de graduação e pós-graduação são profissionais que desenvolvem trabalhos em sua área de formação, desde o início do curso. Você, por exemplo, aceita trabalhar de graça por vários anos, sem nenhuma renda? Pois é, além de atuar de graça, ainda precisaria pagar, neste caso.

    Na perspectiva desta lei, que prevê cobrança de mensalidade na graduação, também não afetaria essa etapa que acontece na universidade pública? Se cobrarmos os estudantes de graduação, depois de quanto tempo a pós-graduação que será cobrada? Essa proposta de lei é um afronte gigantesco à autonomia e ao ideal de universidade pública.

    A educação deve sempre ser pública, gratuita, de qualidade e de fácil acesso

    Em suma, esse é um projeto de lei que ataca diretamente a constituição nacional que garante o acesso à educação pública, gratuita e de qualidade para para todas as pessoas da nação. Em primeiro lugar, a garantia que ela é pública é a base para o desenvolvimento da ciência, da extensão e do ensino sem a necessidade de cumprir uma agenda empresarial e de resultados. Juntamente, a educação precisa ser gratuita, para garantir que todas as pessoas tenham acesso ao desenvolvimento cidadão, profissional, científico e humanístico. Assim como ela também precisa ser de fácil acesso, garantindo que todas as pessoas que busquem uma instituição de ensino consiga acessá-la.

    O problema da elitização velada das universidades é importante e de necessária discussão. Mas que ela seja feita de forma séria, verdadeira e com propostas reais de sua superação, e não seja retirado do Estado brasileiro a sua responsabilidade.

    Atualização (24 de maio, 19h21; Editorial)

    A PEC não está mais em tramitação, enquanto finalizávamos o texto, em função do pedido de Audiência Pública, com participação de representantes da sociedade civil organizada, conforme consta neste documento.

    Para saber mais

    Beraldo, Gabriela (2022) Bolsa Capes, do MEC, completa 9 anos sem reajuste. entenda o que isso significa, 23 de março de 2022.

    BRASIL. PEC 206/2019, Dá nova redação ao art. 206, inciso IV, e acrescenta § 3º ao art. 207, ambos da Constituição Federal, para dispor sobre a cobrança de mensalidade pelas universidades públicas.

    UFES. Pesquisa nacional apresenta o perfil dos estudantes de graduação das universidades federais, 17 de maio de 2019.


    Publicado originalmente no blog PEMCIE.


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadoresAlém disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp.

  • Pesamentos sobre a formação de professores no pós pandemia

    Texto escrito por Jonathan Cardoso e Pedro Leal

    Quando decidimos escrever este texto, gostaríamos de poder trazer diferentes visões das consequências que a pandemia pode trazer para a formação de professores de biologia, a respeito das nossas vivências como alunos de graduação em licenciatura biologia. Como nossa formação pode ser afetada no futuro pela pandemia? Então através desse pensamento desenvolvemos o texto a seguir

    Um acervo pro futuro, existe um lado positivo?

    O ensino remoto vem sendo pauta de muitos debates nesse ano que passou, seja na educação infantil, no ensino fundamental, médio ou superior. Como aluno de graduação em Biologia tenho mais propriedade para falar sobre como o ensino remoto vem acontecendo na universidade ou no curso. Assim, me pego pensando sobre como será a educação pós pandemia. Me deparo com a ideia dos acervos digitais criados, tais como, os vídeos gravados por professores que não imaginavam que um dia fariam tal projeto.

    Por que imagine só: Uma professora que tem mais de 20 anos de docência em Biologia molecular, e de um ano para cá passa a produzir artefatos culturais que serão eternos dali pra frente, e que poderão servir de auxílio para seus alunos no futuro. Quem sabe  para interessados na área que não tiveram a oportunidade de ter uma informação aprofundada em um assunto tão específico.

    Percebam que falo aqui sobre alguns professores, mas se pensarmos em nível mundial, o quanto esse acervo não deve ser imenso no futuro?

    O que poderia nos trazer de produtivo?

    Me enche os olhos de alegria toda a vez que penso nessa possibilidade. É evidente, que existem muitos assuntos que podemos abordar que não são tão otimistas em relação à educação pós pandemia. Porém trago esse pensamento porque acho importante também pensar o que pode nos trazer de produtivo esse momento tão difícil. Pessoas que nunca nem imaginavam lidar com essas ferramentas da tecnologia estão se reinventando e criando conteúdos através por meio dela. Isso é muito interessante. Imaginar que daqui pra frente esses professores, após suas aulas presenciais, poderão disponibilizar esses conteúdos para o auxílio no entendimento de seus estudantes.

    Através disso, é possível sim ter uma visão de que acontecimentos positivos podem estar presentes no período pós pandemia para alunos de licenciatura em biologia. Contudo é inevitável perceber que existem receios em relação a como iremos nos formar neste período remoto, como aqueles que estão no fim do curso. Como vamos administrar os estágios docentes? E os Trabalhos de conclusão de curso?

    Os receios da formação à distância

    Em um curso de graduação de licenciatura, é importante pensarmos nesse que é um dos pontos chaves da formação dos professores: os estágios de docência. É estranho pensar em como um professor seria capaz de se formar sem nunca ter entrado em sala de aula, por isso os estágios são componentes fundamentais na maioria dos cursos de formação de professores. Porém, com a situação da pandemia, isso se torna um tanto quanto inviável. Algumas disciplinas da graduação estão sendo realizadas de maneira online, mas o estágio não. O impasse é o seguinte: Mesmo ciente da situação das escolas, que ainda tentam realizar as aulas de maneira remota, com vários estudantes que não possuem acesso à essas aulas, como manteremos os estágios dos futuros professores?

    Por um lado, podemos pensar que alguns dos conhecimentos adquiridos podem ser aproveitados, já que não sabemos como será o pós-pandemia. Será que alguns dos modelos de aulas que estamos utilizando agora serão mantidos? Por que nesse caso, seria interessante que os futuros professores vivenciassem um pouco dessa experiência. Mas por outro lado, será que vale a pena trocar um momento tão importante da graduação do licenciando, que é o contato com a realidade escolar e com a sala de aula, pelo ensino remoto com pouco ou nenhum contato com os alunos? Para mim, que estou no último ano da minha graduação sempre me pego pensando: Quero fazer esses estágios de uma vez e me formar logo, mas será que para a minha formação, vale a pena “perder” essa experiência ou troca-la por um período de aulas remotas? É uma situação bem complicada…

    “Será que eles conseguirão vivenciar essa experiência universitária na sua totalidade?”

    Pensando ainda nessa questão do “último ano de graduação”, me coloco no lugar dos que estão entrando agora nesse contexto do Ensino Superior. A entrada na universidade traz tantas mudanças na nossa vida, mudanças que na maioria das vezes nos fazem crescer, seja nas perspectivas, ou até mesmo na forma que encaramos as nossas responsabilidades (pelo menos eu senti essas e diversas outras mudanças). Mas será que os alunos que estão ingressando agora na Universidade, durante esse período de ensino remoto, conseguirão sentir essas mudanças também? Será que eles conseguirão vivenciar essa experiência universitária na sua totalidade? Acredito que ainda não conseguimos inventar nada capaz de substituir as experiências presenciais.

    Certas incertezas durante a formação

    Sendo assim, penso que apesar desse período em que precisamos repensar o ensino ter trazido diversas coisas positivas para nossa prática docente, algumas outras atividades não conseguem ser realizadas de forma remota ou online, elas precisam que isso tudo se resolva e as coisas voltem “ao normal”. Penso que para alguns casos, os novos recursos que aprendemos e desenvolvemos durante esse período de pandemia podem acrescentar sim na nossa prática pós-pandemia.

    No entanto nos estágios de docência muito pouco sera aproveitado, pois as atividades precisam acontecer da maneira “tradicional”, precisamos do contato humano, da experiência presencial, olho no olho, cara a cara, e não há espaço para o “tela a tela”.


    Para mais textos acesse o Blog.

    Este texto foi escrito e publicado originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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