Tag: Imunidade

  • Alimentação no inverno

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Helena Previato

    Como citar:  

    Previato,Helena (2023) Alimentação no inverno. Revista Blogs Unicamp, V.09, N.01, 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/08/04/alimentacao-no-inverno/ 
    Acesso em dd/mm/aaaa
    Sobre a imagem destacada:

    Sobreposição de fotos: à esquerda tem uma pessoa sentada pensando, parcialmente coberta, ao centro tem uma porção de caldo amarelo em uma tigela e à direta há um gato preto e branco com uma roupa com listras amarelas e azuis.

    Atribuição:

    Fotografias disponibilizada via Pexels, no Canva; arte por Clorofreela

  • Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária – Faz sentido isso?

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt e Marina Fontolan

    Faz sentido restringir espaços entre vacinados e não vacinados?

    Recentemente aprovado, o Projeto de Lei 1674/2021 trata do Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária (PSS). O que você sabe sobre isso?

    O referido PL acabou de ser aprovado no senado e agora será apreciado na Câmara dos Deputados. Ele criou o PSS, que seria um documento para pessoas que estão imunizadas contra a COVID-19 para que tenhamos políticas públicas de suspensão ou abrandamento de medidas restritivas. Tais condições são relativas às informações de vacinação e/ou imunização das pessoas em relação a doenças específicas.

     A premissa para esta lei é exercer um controle de possíveis epidemias e pandemias futuras – além da própria COVID-19 – mas mantendo a liberdade de ir e vir, dentro de parâmetros de segurança previamente estabelecidos.

    Dessa maneira, a lei parte do pressuposto que podemos adotar determinados critérios para diminuir ou suspender medidas que restrinjam nossos movimentos em situações de crise sanitária.

    A pergunta que talvez seja importante se fazer para esta lei é: faz sentido dividir espaços entre vacinados e não vacinados?

    Há diferentes questões que envolvem este debate. Vamos destrinchar alguns deles aqui

    A vacinação não é compulsória;

     Sim! É verdade. A vacinação não é compulsória e defendemos isto! Não compreendemos a vacinação, mesmo sendo obrigatória, como uma ação que o Estado brasileiro pode efetuar de forma coercitiva. Existe diferença substancial entre estas duas noções. Assim, a vacinação, por ser obrigatória, pode se vincular a atos punitivos quando não tomarmos. Por exemplo, pode-se restringir nosso acesso a concursos públicos ou serviços públicos específicos, por meio de lei.

    Podemos seguir sem tomar as vacinas que decidimos não tomar – mas aquelas que consideram-se obrigatórias, podem ter medidas de restrição para acesso de serviços fornecidos pelo nosso país.

    Não deveria ter discriminação de espaços por ações individuais e opções relacionadas ao nosso corpo;

    Este é um ponto interessante e repleto de vieses. Não existe discriminação no sentido de preconceitos contra a pessoa que não quer se vacinar. Mas existe, no pressuposto da lei, a intenção de que pessoas vacinadas ou imunizadas estão seguras e, portanto, podem circular sem prejudicar outras ao seu redor.

    Nestes casos, a idealização da lei poderia ser entendida pelo bem coletivo, mais do que pela criminalização do que se faz com o corpo individual e as decisões acerca disso… O que nos leva para o próximo item. 

    O estado não deveria controlar nossos corpos;

    A princípio não. Mas esta fala é perniciosa em tantos sentidos, não é mesmo? A liberdade sobre os nossos próprios corpos é um debate absolutamente profundo e necessário. Que não se restringe à vacinação. Ela diz respeito a termos o direito de assumirmos quem nós somos – diz respeito à nossa identidade como cidadão de uma sociedade, de uma nação. Assim, o direito ao nosso próprio corpo é parte da minha condição humana e de minha vivência neste país.

    Eventualmente esta liberdade é cerceada quando eu coloco em risco a vida e a segurança dos outros. De qualquer modo, a noção de risco à sociedade é mais vago e difícil de delimitar do que pode parecer.

    Existem várias pessoas que vêm lutando pelo direito de ser quem são, juridicamente, em nosso país há décadas. Por exemplo, direito de ir e vir, casar com quem quiserem, beijar, transar, ter filhos com quem quiserem, quando (e se) quiserem.

    O Estado, ao tornar a vacina obrigatória, não controla o teu corpo – ele te dá a opção de usar diversos serviços públicos ou te restringir acesso a eles.

    Ninguém tem qualquer direito de agir coercitivamente em relação ao teu corpo, vacinando-te. Tens razão, o estado não deveria controlar nossos corpos. Mas não é em processos de vacinação que isto acontece, mesmo quando isto é obrigatório.

    A segurança sanitária coletiva está acima da individual;

    Sim! A segurança sanitária diz respeito à coletividade. A vacina, individualmente, não faz sentido. Se você está vacinado sozinho, não existe qualquer vantagem em relação ao controle da doença e sua circulação. A vacina é um projeto público de controle de doenças em nossa sociedade. E é por isso que, idealmente, ela é obrigatória. Pois visa à saúde da humanidade, acima de indivíduos isolados.

    É fundamental um indivíduo se vacinar, junto com os milhões que vivem próximo a ele. A vacinação, mais do que nos proteger isoladamente, faz com que os vírus não circulem. Neste sentido, quem não pode vacinar por alguma questão de saúde particular, também está protegida! E a vacinação de algumas doenças – talvez a COVID-19 se encaixe aí (ainda precisamos de alguns dados sobre isso) – precisam ser periódicas. Como a gripe, por exemplo.

    Existe controle de doenças altamente infecciosas com documentos “teste de detecção negativo” com teste de validade

    Exato, os testes de detecção feitos isoladamente, sem continuidade – especialmente em doenças em que a reinfecção pode ocorrer – são sempre um retrato do passado (que se relacionam à janela imunológica). Por isso, se estamos circulando, em um país com a nossa taxa de transmissão como está, os testes são fundamentais – mas eles são certificações temporárias, com validade de curtíssimo prazo. Em todo o caso, “teste negativo” sempre tem validade relacionada à janela imunológica – que é o tempo em que nós nos infectamos até o tempo do teste conseguir detectar os vírus. No caso da COVID-19, nossa janela é de no mínimo 5 dias. Assim, o resultado obtido hoje diz respeito ao tempo transcorrido entre a coleta, somados 5 dias de uma possível infecção.

    Mas o Projeto de Lei ainda abrange outras questões delicadas

    Este PL não se trata apenas da COVID-19, especificamente. É um projeto que se propõe a pensar futuramente a gestão de crises sanitárias, com outras epidemias e/ou pandemias.

    Na Justificação (páginas 8-12), há alguns pontos preocupantes para firmar a possibilidade de suspendermos medidas restritivas, como dado científico.

    Trecho da Justificação do Projeto de Lei

    Inicialmente, é exatamente por termos poucas pessoas imunizadas com a vacina que, ainda, as pessoas não estão em plena condição de retomarem suas “atividades normais”. Novamente, a vacinação é um processo de massa – não individual.

    Além disso, pensar que temos poucas pessoas infectadas é um grande risco. Primeiro, temos os casos das pessoas assintomáticas, que estão infectadas, transmitem o vírus (que pode matar outras pessoas) e não são testadas.

    Em segundo lugar, o Brasil não está fazendo testagem em massa da população. Seguimos ocupando um lugar irrisório no hanking mundial em relação à testagem por milhão de habitantes. Especialmente se levarmos em consideração o andamento da pandemia no Brasil e a quantidade de mortes ainda crescente (e a transmissão, literalmente, correndo solta).

    Isso faz com que não tenhamos a dimensão real de quantas pessoas já se infectaram e aquelas que estão infectadas. Por fim, o argumento de ‘imunidade de rebanho’ criado por meio das pessoas infectadas naturalmente não existe. A cidade de Manaus foi um exemplo disso! A maior parte da população foi infectada e isso não gerou imunidade. A vacinação é um ato coletivo e precisamos que ela seja feita o mais rápido possível.

    Mas já existe passaporte para outras doenças, quando viajamos para o exterior!

    Outro ponto importante desta questão está relacionado à entrada em outros países. Não é de hoje que alguns países exigem que as pessoas estejam vacinadas para determinadas enfermidades. Um exemplo disso é o México, um país que exige que as pessoas que entrem em seu território estejam vacinadas contra febre-amarela. No entanto, é importante notar que, mesmo estando vacinados, há países que continuam não aceitando a entrada de pessoas de determinadas nacionalidades ou que tenham certos países de origem. Este é o caso dos brasileiros já totalmente vacinados contra a Covid-19. Afinal, os países temem a circulação de variantes e a morosa vacinação no Brasil está sendo fator decisivo nisso. Assim, mesmo que o governo brasileiro crie seu próprio ‘passaporte vacinal’, ele pode não ser aceito em outros países.

    Por outro lado, o passaporte entre países com as doenças sob controle – ou no caso de inexistência da doença há muitos anos (mas ainda existência de hospedeiros intermediários, como no caso da febre amarela) o passaporte adquire outro sentido: a da tentativa de manter a doença erradicada naquela localidade. Um passaporte contra a febre amarela entre fronteiras de países (como Brasil e México) faz mais sentido do que um passaporte interno entre localidades de uma cidade, no caso da COVID-19. Estamos habitando os mesmos espaços e circulamos em espaços conjuntos, antes de adentrar um território cujo acesso seja restrito. Enquanto não controlarmos a circulação do vírus com medidas não farmacológicas, além da vacina em conjunto, e mantivermos a transmissão alta na população, este passaporte tem pouca efetividade na prática.

    Finalizando

    Por fim, na justificação, a ideia de que “muita gente não está infectada e portanto pode circular” em uma doença que ao infectar uma pessoa, pode passar despercebida em formas brandas ou até assintomáticas, transmitindo sem que percebamos, é um risco que temos debatido desde o início da pandemia. O controle tem que ser via diminuição de contatos, enquanto não tivermos uma cobertura vacinal adequada em nossa população!

    Nosso posicionamento segue termos políticas públicas efetivas, rápidas e seguras para estancarmos a transmissão da doença: vacinação em massa, uso de máscaras, distanciamento social (isolamento social quando possível) e auxílio para populações vulneráveis.

    Não existe mágica para vencermos o vírus, não existe passaporte de segurança, fora medidas não farmacológicas aplicadas à risca, com vacinação em massa.

    Autoria

    Ana de Medeiros Arnt, Bióloga, Doutora em Educação, Professora de Biologia do Instituto de Biologia da Unicamp, coordenadora do Blogs de Ciência da Unicamp e do Especial COVID-19

    Marina Fontolan, Historiadore, Doutorande no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, divulga ciência no Grupo Infovid e no Todos Pelas Vacinas

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19 e para o Todos Pelas Vacinas

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vacinas: de onde vêm e para onde vão

    Recentemente temos ouvido falar muito sobre todas as pesquisas que têm sido realizadas para se descobrir uma vacina contra a Covid-19: Inglaterra, China, Rússia, todos estão correndo para ser o primeiro país a ter uma vacina aprovada para uso humano e que seja realmente eficiente em gerar uma imunidade em nós. Mas como que realmente funciona uma vacina e porque – em geral – demora-se tanto para desenvolver uma?

    Imunidade ativa e passiva

    Antes de falarmos sobre vacina, precisamos ter dois conceitos muito bem claros em nossa cabeça: Imunidade Ativa e Passiva. A Imunidade Ativa é aquela em que o nosso próprio corpo desenvolve a resposta imune contra o patógeno, um processo demorado, mas que nos garante uma proteção que pode durar décadas, a chamada memória imunológica (explicada no texto sobre anticorpos). Já a Imunidade Passiva, ocorre quando adquirimos anticorpos já prontos a partir de um outro organismo que os produziu. Esse processo garante uma imunidade rápida e eficiente, porém ela é temporária. A Imunização Passiva acontece, por exemplo, quando a mãe está amamentando o filho ou quando utilizamos de soros antiofídicos e antiaracnídicos, após picadas de cobras e aranhas.

    O processo de imunidade ativa pode ser desencadeado tanto de forma natural quanto de forma artificial. O primeiro acontece quando entramos em contato com o patógeno no próprio ambiente, como quando pegamos uma gripe. Já o segundo processo acontece quando somos expostos de forma intencional ao patógeno – que muitas vezes está enfraquecido ou destruído – ou a partes dele, como ocorre no processo de vacinação. 

    Histórico da vacina e o que é vacina

    O conceito de vacina foi descoberto no século XVIII por Edward Jenner, considerado o pai da imunologia, que observou que fazendeiros que contraiam a varíola da vaca, ficavam protegidos contra a varíola humana. A partir dessas observações, Jenner infectou pessoas com a varíola da vaca e após algum tempo, infectou essas mesmas pessoas com a varíola humana, observando que estas não ficavam doentes como as pessoas que não eram infectadas pela varíola da vaca anteriormente. Com isso, ele comprovou sua hipótese e criou a primeira vacina. Décadas mais tarde, no ano de 1980, a OMS declarou oficialmente a erradicação da varíola no mundo 1.

    Mas afinal, o que é a vacina?

    Vacinas nada mais são do que os patógenos – causadores de doenças que conhecemos – enfraquecidos, mortos ou fragmentos deles, que são injetados nos organismos para simular uma infecção natural (no processo dito acima de Imunização Ativa Artificial). Foi a partir desse processo que muitas doenças desapareceram de vários países, como a varíola, poliomielite, tuberculose e outras. Mas também é por causa da negligência e do crescente movimento Anti-vax que muitas doenças estão voltando a circular em países que anteriormente não a tinham mais, como é o caso do sarampo aqui nas Américas. 

    Leva-se anos para desenvolver uma vacina (a média de tempo é de 10 anos 2), e durante todos esses anos ela é testadas de inúmeras formas para ser segura para podermos tomarmos. Muito se fala sobre febre e a dor local após tomar uma vacina, mas isso nada mais é do que uma reação do corpo comum para qualquer infecção. A febre é até uma forma do nosso sistema imune combater alguns patógenos e, desde que não seja alta, está tudo bem.

    A única contra-indicação de vacinas são para pessoas alérgicas à algum componente dela. Contudo, essas pessoas são minorias na população e para elas estarem seguras contra o patógeno todos a sua volta precisam estar vacinados. Neste ponto é importante lembrar que a vacina é um pacto social. Isto é, quando a maioria da população toma a vacina, protege também quem não pode tomar, pois diminui a circulação dos vírus patógenos. Assim, todos nós precisamos nos vacinar para gerar a chamada Imunidade de Rebanho.

    Tipos de Vacina

    Mas voltando às vacinas propriamente ditas, não existe somente um tipo delas, mas sim vários. Aqui vamos explicar somente os principais 3, 4:

    – Vacinas de Patógenos Vivos:

    calma, não entremos em pânico por causa do nome! Apesar desse tipo de vacina ter sim o patógeno causador da doença vivo ele está sempre atenuado, ou em outras palavras, enfraquecido. Nesse tipo de vacina, o patógeno (seja um vírus, bactéria ou outro microorganismo), passa por um processo que compromete sua habilidade de causar a doença em nós, apesar dele ainda conseguir infectar nossas células. Em casos de vírus, muitas vezes o vírus que infecta humanos é cultivado em células de macacos ou outros animais por várias gerações, até que ele adquira mutações que fazem com que ele infecte muito bem células de macaco, ao mesmo tempo que perde a capacidade de infectar muito bem as nossas células, e então ele está atenuado.

    Normalmente, esse tipo de vacina é o melhor, pois em geral é necessário somente uma dose, a resposta e memória imunológica é de longa duração, gerando uma resposta imune celular e humoral (também comentada no texto de anticorpos). Contudo, há uma pequena chance de reversão do vírus, em que ele readquire a capacidade de infectar nossas células com força total e causar a doença que estamos tentando prevenir. É por esse fato que tal vacina é tão difícil de produzir, pois os pesquisadores muitas vezes não conseguem diminuir esse risco e o projeto da vacina não segue em frente.

    – Vacinas de Patógenos Inativado (morto)

    como o próprio nome diz, esse tipo de vacina nos dá o patógeno inteiro também, mas ele está morto. E com isso já temos uma vantagem logo de cara: não há o risco de reversão, como nos casos de patógenos atenuados. Contudo, também há alguns problemas. Pelo patógeno estar morto, ele não consegue se replicar dentro de nossas células, o que prejudica a formação de uma resposta imune celular. Assim, o tipo de resposta imune que vamos desenvolver é principalmente do tipo Humoral (focando nos anticorpos). Além disso, esse tipo de vacina, em geral, requer diversas doses de reforço e muitas vezes o uso de Adjuvantes: substâncias capazes de aumentar a eficiência da resposta imune contra o patógeno que estamos injetando junto.

    – Vacinas de Subunidades:

    Graças a biotecnologia que temos hoje em dia, caso um patógeno seja muito perigoso e não possamos usar ele inteiro, podemos trabalhar com partes dele, como com alguma proteína dele ou outro fragmento. Dessa forma nós tiramos todo o risco de patogenicidade da vacina, além de ser facilmente produzido em larga escala. Contudo, novamente temos problemas: o uso de adjuvantes, o maior número de doses de reforço e somente a resposta imune humoral participando. Além disso, ainda há um segundo fator problemático: algumas pessoas podem não responder a esse fragmento que está sendo utilizado na vacina. 

    O caso mais emblemático é o da vacina de Hepatite B. É relativamente comum encontrarmos pessoas que tomaram diversas doses da vacina para Hepatite B e constaram como “não-reagentes”, isto é, não desenvolveram anticorpos contra o vírus. Por questões genéticas da própria pessoa, mesmo que ela tome 1000 doses dessa vacina, ela jamais vai responder a esse fragmento. Isso quer dizer que ela é mais suscetível ao vírus da Hepatite B do que eu (que hipoteticamente sou reagente) e vai morrer caso contraia a doença? Não, de forma alguma! Isso só quer dizer que para esse pedaço específico do vírus, usado para fazer a vacina, ela não é capaz de responder, contudo, caso ela entre em contato com o vírus inteiro, ela responderá normalmente à ele, como qualquer outra pessoa.

    Vacinas contra Covid-19

    Atualmente as duas principais concorrentes para ser a primeira vacina contra Covid-19 são as vacinas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e a vacina da Sinovac Biotech, uma empresa chinesa com base em Pequim. Enquanto a vacina da Sinovac Biotech se baseia no modelo de vacina com o vírus morto 4, 5, a vacina da universidade de Oxford, se baseia em um novo modelo nunca utilizado antes em vacinas, em que se usa um vetor viral 4, 6, 7. Mas o que é isso? Um vetor viral nada é do que um vírus, criado geneticamente para carregar e produzir o material genético de outro organismo. No caso da vacina, esse vírus “caminhão” é responsável por causar um resfriado em macacos, mas foi inativado e engenhado geneticamente para ter as informações e ser capaz de produzir a proteína Spike, a principal proteína do SARS-CoV-2. 

    Atualmente, ambas as vacinas já estão na fase 3 de testes onde milhares de seres humanos estão sendo testados com elas para se descobrir se a resposta imune que elas causam em nós é realmente protetora. Até agora, as informações que temos é que ambas as vacinas não são perigosas para nós e conseguem desenvolver anticorpos, mas a dúvida que fica é: será que essa proteção é realmente eficiente em nos proteger? E principalmente: quanto tempo essa proteção durará?

    Para saber mais

    1. Organização Panamericana de Saúde (2020) Erradicação da varíola: um legado de esperança para COVID-19 e outras doenças 
    2. Pronker, ES, Weenen, T. C, Commandeur, H, Claassen, EH, & Osterhaus, AD (2013) Risk in vaccine research and development quantified. PloS one, 8(3), e57755. 
    3. Rauch, S, Jasny, E, Schmidt, KE, & Petsch, B (2018) New vaccine technologies to combat outbreak situations. Frontiers in immunology, 9, 1963.
    4. Callaway, E (2020a) The race for coronavirus vaccines: a graphical guide; Nature, 28 April.
    5. Gao, Q, Bao, L, Mao, H, Wang, L, Xu, K, Yang, M,& Gao, H (2020) Development of an inactivated vaccine candidate for SARS-CoV-2; Science.
    6. van Doremalen, N, Lambe, T, Spencer, A, Belij-Rammerstorfer, S, Purushotham, J N, Port, J. R, & Feldmann, F (2020) ChAdOx1 nCoV-19 vaccination prevents SARS-CoV-2 pneumonia in rhesus macaques. bioRxiv. 
    7. Mullard, Asher (2020) COVID-19 vaccines start moving into advanced trials. Nature

    Outras Leituras:

    Outros textos sobre Vacinas no Especial

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 2)

    MODERNizAndo a vacina contra a COVID-19

    Vacina COVID-19 – Por que demora?

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Uma pandemia impulsionando outra – Parte 2: Resistência bacteriana a antimicrobianos: por que se preocupar?

    Esse texto é continuação do post: Uma pandemia impulsionando outra – Parte 1: O uso de antimicrobianos durante a pandemia da covid-19

    A resistência a antimicrobianos (RAM) é conhecida como um problema que não tem fronteiras e é um problema global. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a OMS, uma pandemia é caracterizada por sua disseminação e não necessariamente pela gravidade da doença. Indiscutivelmente, a RAM também pode ser considerada uma pandemia que embora seja mais insidiosa e com menos efeitos imediatos na vida cotidiana, possui impactos negativos potencialmente mais amplos. Vamos entender por que isso acontece nesse post. Vem com a gente!

    Como falamos anteriormente, o uso de antimicrobianos está aumentado pelo uso dessas drogas no tratamento e na “prevenção “ da covid-19 tanto no ambiente hospitalar quanto na comunidade. Curiosamente, a resistência das bactérias aos antimicrobianos, que é sempre uma preocupação no meio hospitalar, parece não estar recebendo a devida atenção nesse momento. É por isso que muitos cientistas da área estão tentando chamar a atenção para a importância de um potencial agravamento da pandemia global de RAM.

    As UTIs, locais onde concentram os pacientes mais graves da covid-19, são epicentros comuns para o desenvolvimento da RAM. O uso exacerbado de antimicrobianos pode, portanto ter grandes consequências em hospitais que já apresentam elevada prevalência de bactérias resistentes a múltiplas drogas, levando a um aumento de mortalidade devido ao reduzido arsenal de antibióticos para tratar as infecções ou coinfecções adquiridas. Portanto, há comprometimento também de pacientes pós-cirúrgicos, transplantados ou quimioterápicos, por exemplo. Como terminamos falando no post anterior, não estamos falando que não se deve usar antimicrobianos nem que as coinfecções devam ser subestimadas. Mas os profissionais de saúde devem considerá-las num plano integrado para limitar o fardo da morbimortalidade durante a pandemia da covid-19 e, ao mesmo tempo, evitar um possível agravamento da RAM.

    Uma medida muito disseminada de proteção contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2) é a higienização das mãos… medida excelente, funcional e simples! Porém, muitas vezes realizada com o uso de sanitizantes ou sabões antibacterianos, que contém agentes químicos que, apesar de não adicionar muita coisa em termos de proteção, podem dar gatilho para a resistência antimicrobiana. E isso acontece porque um dos mecanismos de resistência das bactérias são bombas de efluxo que literalmente jogam os antimicrobianos para fora da célula. Muitas vezes, as bombas que conferem resistência a esses sanitizantes são as mesmas daquelas necessárias para conferir a RAM.

    Esses agentes biocidas caem na rede de esgoto e chegam ao ambiente, onde acabam elevando as concentrações dessas drogas. Claro que no caminho essas drogas são diluídas, mas temos que considerar a concentração final desses agentes… Se muito elevadas, muitas bactérias vão morrer, isso pode impactar negativamente os ecossistemas e, ao mesmo tempo, evitar o desenvolvimento da RAM. Porém concentrações baixas (sub-inibitórias) podem aumentar a pressão seletiva e promover oportunidades para o surgimento e a seleção da RAM. De forma muito simplificada, concentrações sub-inibitórias dessas drogas ativam vias de respostas ao estresse que, por sua vez, aumentam a ocorrência de mutação nas bactérias. Isso está relacionado a uma maior taxa de variabilidade entre entre as células bacterianas e, portanto,  a maiores possibilidades do surgimento e seleção de indivíduos resistentes daquela população. O fenômeno da seleção sub-inibitória é muito bem estudado para antibióticos, mas pouco para biocidas. Não podemos, portanto, desconsiderar os efeitos ambientais, uma vez que níveis aumentados de antimicrobianos são liberados no ambiente aumentando os níveis de resistência em animais (selvagens e de corte), na agricultura e nos ambientes naturais.

    [atualização 27/07]: É importante ressaltar que resíduos dos antimicrobianos que tomamos são eliminados pelas fezes e pela urina, caindo na rede de esgoto e, consequentemente, no ambiente. É tudo um ciclo, uma grande bola de neve! É algo que, realmente, deve nos preocupar!

    Falamos brevemente da ocorrência da RAM em hospitais e no meio ambiente. Mas por que devemos nos preocupar tanto!?

    Nos últimos anos a RAM já é citada com a maior ameaça global à saúde pública e à economia global, mas agora está não só eclipsada pela covid-19, como também corre risco de ser agravada por essa nova pandemia. Ou seja: muitos especialistas agora temem que o esforço global para manter a RAM sob controle possa enfrentar um revés durante a pandemia

    Vamos falar com números:

    A RAM já mata cerca de 700.000 pessoas por ano. Numa estimativa grosseira, e considerando-se que a covid-19 mantenha as taxas de mortalidade pelo restante do ano, estima-se que a RAM resultará em 130.000 morte a mais neste ano. As mortes por COVID podem superar as mortes por RAM neste ano de 2020 e o uso de antimicrobianos em pacientes com COVID também pode até reduzir o aumento na mortalidade por COVID em curto prazo mas, por outro lado, a consequência é um provável aumento na mortalidade por RAM a longo prazo. Estima-se que até 2050, a mortalidade associada a RAM será aumentada para 10 milhões de mortes por ano!  Tudo indica que que a covid-19 será controlada em um tempo consideravelmente menor.

    A movimentação dos pesquisadores é para que os princípios da administração de antibióticos não sejam relaxados mesmo nesses tempos de pandemia. A necessidade do tratamento com antibiótico deve ser avaliada rapidamente e interrompida se não for necessária. Observe que não estamos advogando em favor do uso profilático (preventivo) desses medicamentos! Além disso, quem deveria informar o antibiótico de escolha é o laboratório de microbiologia e baseado no micro-organismo e no padrão de resistência observado.

    Falamos anteriormente que a OMS já se manifestou contra o uso de antibióticos durante o tratamento inicial de covid-19. Essa cautela deve-se principalmente em relação a dois pontos: 1) o uso inapropriado e exacerbado de antimicrobianos pode contribuir para a emergência da RAM, daí a necessidade de se reduzir o uso inapropriado e exacerbado de antimicrobianos (sim, a repetição aqui foi intencional!) e; 2) o uso de antimicrobianos no tratamento da covid-19 pode levar à população a assumir que todos os antibióticos são elegíveis para o tratamento de infecções virais.

    A ocorrência de infecções por patógenos resistentes pode ser significantemente mitigada pela administração de antimicrobianos baseada em evidência em todos os setores (agricultura e medicina veterinária e humana). Embora tenhamos tempo, a RAM não será contida sem o desenvolvimento de novas vacinas, medicamentos e testes rápidos (assim como na COVID!).

    Curiosamente, as estratégias de utilizadas para reduzir a transmissão da covid-19 (distanciamento social, lock-down, fechamento de fronteiras, lavar as mãos com água e sabão) podem, também, reduzir o espalhamento da RAM! Detalhe que a redução das viagens (fechamento de fronteiras) diminui a movimentação de genes de RAM entre países!  Seria muito interessante ver estudos que comparem dados de prevalência de infecções causadas por bactérias RAM antes e depois da pandemia de covid-19, bem como dos perfis de resistência que estão surgindo…

    Essa tabela aqui (modificada de Nieuwlaat et al., 2020) ajuda a comparar as duas pandemias:

    Finalizando:

    • A resistência a antimicrobianos é uma pandemia que já preocupa cientistas e profissionais da saúde há um tempo, tem impactos relevantes e estima-se que nos próximos anos será ainda mais preocupante.
    • Ainda não sabemos o real impacto da pandemia da covid na pandemia da RAM, mas estamos preocupados e alerta para seu provável agravamento e suas possíveis consequências.
    • É importante uma estratégia multifacetada contra os organismos RAM que envolva: a) estudos prospectivos sobre coinfecções na covid-19 para orientar o tratamento com antimicrobianos; b) monitoramento e relato transparente dos padrões de RAM nas UTIS para guiar o uso adequado de antimicrobianos; c) esforço global coordenado para estabelecer uma estrutura de governança, vigilância e relatos de RAM, tanto agora como depois da pandemia da covid-19.
    • É comum pessoas acreditarem que antibióticos podem ser utilizados para infecções virais (gripe). Usar termos como antivirais pode ajudar a entender que existem diferentes tipos de medicamentos para diferentes tipos de infecção.

    Referências:

    • Antimicrobial resistance in the age of COVID-19. Nat Microbiol. 2020;5(6):779. doi:10.1038/s41564-020-0739-4
    • Bengoechea JA, Bamford CG. SARS-CoV-2, bacterial co-infections, and AMR: the deadly trio in COVID-19?. EMBO Mol Med. 2020;12(7):e12560. doi:10.15252/emmm.202012560
    • Hsu J. How covid-19 is accelerating the threat of antimicrobial resistance. BMJ. 2020;369:m1983. Published 2020 May 18. doi:10.1136/bmj.m1983
    • Murray AK. The Novel Coronavirus COVID-19 Outbreak: Global Implications for Antimicrobial Resistance. Front Microbiol. 2020;11:1020. Published 2020 May 13. doi:10.3389/fmicb.2020.01020
    • Nieuwlaat R, Mbuagbaw L, Mertz D, et al. COVID-19 and Antimicrobial Resistance: Parallel and Interacting Health Emergencies [published online ahead of print, 2020 Jun 16]. Clin Infect Dis. 2020;ciaa773. doi:10.1093/cid/ciaa773
    • Rawson TM, Ming D, Ahmad R, Moore LSP, Holmes AH. Antimicrobial use, drug-resistant infections and COVID-19 [published online ahead of print, 2020 Jun 2]. Nat Rev Microbiol. 2020;1-2. doi:10.1038/s41579-020-0395-y
    • Rawson TM, Moore LSP, Castro-Sanchez E, et al. COVID-19 and the potential long-term impact on antimicrobial resistance. J Antimicrob Chemother. 2020;75(7):1681-1684. doi:10.1093/jac/dkaa194
    • Rossato L, Negrão FJ, Simionatto S. Could the COVID-19 pandemic aggravate antimicrobial resistance? [published online ahead of print, 2020 Jun 27]. Am J Infect Control. 2020;S0196-6553(20)30573-3. doi:10.1016/j.ajic.2020.06.192
    • Yam ELY. COVID-19 will further exacerbate global antimicrobial resistance [published online ahead of print, 2020 Jun 13]. J Travel Med. 2020;taaa098. doi:10.1093/jtm/taaa098

    Aproveite e nos siga no Twitter, no Instagram e no Facebook! E se for fazer comprinhas na Amazon, use nosso link!

    Este post foi publicado originalmente no blog Meio de Cultura

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Uma pandemia impulsionando outra – Parte 1: O uso de antimicrobianos durante a pandemia da covid-19

    Em cerca de 8 meses a covid-19 surgiu, espalhou por todo o mundo e se tornou uma pandemia de efeitos devastadores… O que talvez você não saiba é que, paralelamente à covid-19, uma outra pandemia vem ganhando cada vez mais importância trazendo muita preocupação dos cientistas da área. A relação entre as duas é importante, sendo um caso de uma pandemia impulsionando outra. E quando falamos de pandemia impulsionada não estamos falando da covid-19, mas sim da pandemia que já estava em andamento, a das bactérias multidroga resistentes (também chamadas de superbactérias).

    Ainda não temos uma terapia licenciada ou uma vacina para o tratamento da covid-19 e cujo alvo seja o SARS-CoV-2 (o novo coronavírus). Essa situação tem levado diversos médicos a considerarem e testarem drogas baseadas na modulação da resposta imunológica (reduzindo a inflamação) observada em testes in vitro (como falamos no post anterior “Antibiótico contra vírus?”). Muitas vezes, esse hype prematuro em torno de possíveis terapias para a covid-19 é associado a relatos da mídia e de líderes políticos que amplificam o possível uso dessas drogas — apesar da falta de evidências clínicas de sua eficácia. Isso pode contribuir, ainda, para a escassez dessas drogas para quem efetivamente precisa; como, por exemplo, aconteceu com a cloroquina aqui no Brasil.

    Sabemos que infecções respiratórias causadas por vírus podem fazer com que pacientes tenham mais chances de serem acometidos por coinfecções causadas por fungos e/ou bactérias. Da mesma forma, infecções prévias podem atuar agravando o quadro da infecção respiratória. Apesar de ainda estarmos aprendendo sobre a progressão da covid-19, acredita-se que esses cenários que envolvem coinfecção piorem o quadro da doença. Por exemplo, sabe-se que a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 pode aumentar a colonização e a adesão bacterianas ao tecido, e que as infecções combinadas podem resultar no aumento da destruição tecidual que, por sua vez, pode facilitar a disseminação sistêmica dos patógenos, aumentando o risco de infecções da corrente sanguínea e sepse.

    É relevante considerarmos essas questões, pois, além dos riscos relacionados aos vários efeitos colaterais, ao reduzirem a resposta imunológica, essas intervenções podem acabar aumentando o risco de infecções bacterianas secundárias e potencialmente fatais. Por isso, é sempre importante ressaltar a necessidade de se realizar análises cuidadosas acerca das dosagens e da forma de administração das drogas, além da importância de os pacientes estarem sendo acompanhados de perto pele uma equipe médica.

    E aonde queremos chegar com isso tudo?

    Apesar dos poucos dados disponíveis sobre o assunto, o que está sendo observado é que há um aumento considerável na prescrição de antimicrobianos, ainda que não seja observado um aumento proporcional no número de coinfecções durante as internações por covid-19. Só para você ter uma ideia, as estimativas sugerem que cerca 60-70% dos pacientes são tratados com antimicrobianos, ainda que de 1% a 10% tenham apresentado coinfecção fúngica ou bacteriana.  Esses pacientes podem, portanto, estar recebendo desnecessariamente antibióticos com eficácia questionável ou ainda não comprovada. Sem contar que, inclusive, em alguns lugares, as terapias com antimicrobianos fazem parte do protocolo de tratamento clínico inicial ou até “preventivo”

    Orienta-se que a administração de antimicrobianos seja feita, sempre que possível, com um antibiótico de espectro curto e direcionado ao patógeno primário, ou seja, aquele a que se quer combater. No caso da covid-19, os principais sintomas observados são tosse e febre – que já estão associados a um maior uso de antibióticos nos hospitais e na comunidade. E, além disso, quando os médicos não possuem todas as informações necessárias para entender realmente o que está acontecendo ao paciente, eles tendem a utilizar mais antibióticos —situação que parece ter se agravado ainda mais com os atendimentos remotos, que ocorrem a distância, via chamada pelo celular ou computador (telessaúde).

    Claro que temos que lembrar que os hospitais estão lotados e que pacientes em estado crítico são, geralmente, intubados e ficam hospitalizados por semanas em UTIs. Essa situação cumpre praticamente todos os requisitos necessários para a ocorrência de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS – esse é o nome chique do que chamávamos simplesmente de infecção hospitalar). E, ainda por cima, dados hospitalares mostram um aumento lento e constante da resistência a múltiplas drogas pelas bactérias Gram-negativas, que podem ser potencialmente mortais quando associadas  à covid-19. Mais preocupantemente, existem evidências clínicas que sugerem que o uso empírico e inadequado de antibióticos de amplo espectro pode estar associado a maior mortalidade, pelo menos em casos de sepse.

    Além de tudo isso que falamos, preocupa o fato de que é frequentemente observado o uso de antibiótico de amplo espectro (que são desenvolvidos para matar uma grade variedade de bactérias) nesses tratamentos. Isso é preocupante uma vez que o uso excessivo e inapropriado dessas drogas (uma vez que as terapias não são focadas para a eliminação de um único patógeno primário) podem acabar agravando os quadros de resistência a antimicrobianos.

    Para terminar, é importante ressaltarmos que a Organização Mundial da Saúde, a OMS, desencoraja o uso de antibióticos para casos leves de covid-19, ainda que recomende o uso em casos graves com risco aumentado de infecções bacterianas secundárias e morte.

    Vamos falar sobre resistência e porque pensar sobre ela é tão importante. Veja na continuação desse post!

    Clique para ler: Uma pandemia impulsionando outra – Parte 2: Resistência bacteriana a antimicrobianos: por que se preocupar?

    Resumindo o que falamos até agora:

    • Antimicrobianos estão sendo comumente prescritos para prevenção ou tratamento da COVID-19, mesmo sem a ocorrência de coinfecção bacteriana presumida ou confirmada diretamente relacionada ao covid-19, ou que coocorrem no momento da infecção, ou que seja associada aos cuidados de saúde (internação prolongada em UTI)
    • Evidências atuais sugerem que a coinfecção não-viral (bacteriana ou fúngica) em pacientes com covid-19 é baixa (1 a 10%). Contudo, as taxas de prescrição e uso de antimicrobianos de amplo espectro são altas (60 a 70%).
    • A utilização de antibióticos, principalmente de amplo espectro, pode contribuir para o agravamento da pandemia já em curso das superbactérias, que são resistentes a vários antibióticos e, portanto, difíceis de serem mortas.

    Referências:

    • Antimicrobial resistance in the age of COVID-19. Nat Microbiol. 2020;5(6):779. doi:10.1038/s41564-020-0739-4
    • Bengoechea JA, Bamford CG. SARS-CoV-2, bacterial co-infections, and AMR: the deadly trio in COVID-19?. EMBO Mol Med. 2020;12(7):e12560. doi:10.15252/emmm.202012560
    • Hsu J. How covid-19 is accelerating the threat of antimicrobial resistance. BMJ. 2020;369:m1983. Published 2020 May 18. doi:10.1136/bmj.m1983
    • Murray AK. The Novel Coronavirus COVID-19 Outbreak: Global Implications for Antimicrobial Resistance. Front Microbiol. 2020;11:1020. Published 2020 May 13. doi:10.3389/fmicb.2020.01020
    • Nieuwlaat R, Mbuagbaw L, Mertz D, et al. COVID-19 and Antimicrobial Resistance: Parallel and Interacting Health Emergencies [published online ahead of print, 2020 Jun 16]. Clin Infect Dis. 2020;ciaa773. doi:10.1093/cid/ciaa773
    • Rawson TM, Ming D, Ahmad R, Moore LSP, Holmes AH. Antimicrobial use, drug-resistant infections and COVID-19 [published online ahead of print, 2020 Jun 2]. Nat Rev Microbiol. 2020;1-2. doi:10.1038/s41579-020-0395-y
    • Rawson TM, Moore LSP, Castro-Sanchez E, et al. COVID-19 and the potential long-term impact on antimicrobial resistance. J Antimicrob Chemother. 2020;75(7):1681-1684. doi:10.1093/jac/dkaa194
    • Rossato L, Negrão FJ, Simionatto S. Could the COVID-19 pandemic aggravate antimicrobial resistance? [published online ahead of print, 2020 Jun 27]. Am J Infect Control. 2020;S0196-6553(20)30573-3. doi:10.1016/j.ajic.2020.06.192
    • Yam ELY. COVID-19 will further exacerbate global antimicrobial resistance [published online ahead of print, 2020 Jun 13]. J Travel Med. 2020;taaa098. doi:10.1093/jtm/taaa098

    Aproveite e nos siga no Twitter, no Instagram e no Facebook! E se for fazer comprinhas na Amazon, use nosso link!

    Este post foi publicado originalmente no blog Meio de Cultura

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Antibiótico contra vírus? O curioso caso da azitromicina contra a COVID-19

    Diversas combinações de medicamentos estão compondo o chamado “Kit COVID-19”. Presença quase constante neles, um antimicrobiano utilizado para infeções bacterianas chama atenção: a azitromicina… o que ela está fazendo ali? Existe alguma base científica para essa indicação? Quais seriam possíveis consequências dessa medicação?

    A azitromicina é um antimicrobiano bacteriostático, da classe dos macrolídeos, que atua impedindo a síntese de proteínas nas bactérias. Possui amplo uso na prática clínica, sendo escolhida para o tratamento de infecções do trato respiratório, da pele e de tecidos moles causadas por diversas bactérias Gram-positivas e espécies bacterianas atípicas.

    A gravidade e a mortalidade de infecções virais do sistema respiratório (e aqui a gente também está falando da COVID-19) são associadas a uma resposta inflamatória excessiva caracterizada por uma produção excessiva de citocinas (você pode ter ouvido por aí sobre a tal “tempestade de citocinas).[1]

    E onde esses dois pontos (azitromicina e COVID-19) se encontram?

    De onde surgiu a ideia de usar um antibacteriano no tratamento de uma infecção viral causada pelo SARS-CoV-2?

    Primeiro de tudo, já tínhamos evidências in vitro[2] (que fique bem claro!) de que a azitromicina pode prevenir a replicação de vírus como o influenzavírus humano H1N1 e o zikavírus. Agora, novos estudos também in vitro demonstraram que a azitromicina aumenta o pH das células hospedeiras, o que pode dificultar os processos de entrada, replicação e dispersão do SARS-CoV-2. Além disso, esse antimicrobiano poderia reduzir os níveis da enzima furina das células hospedeiras, o que poderia dificultar o processo de entrada do vírus na célula.

    Ok… mas e em relação à imunologia… será que temos alguma hipótese para sustentar o uso da azitromicina?

    Os macrolídeos (a azitromicinaé dessa classe, falei ali em cima, lembra?) têm demonstrado efeitos imunomodulatórios e anti-inflamatórios, ao atenuarem a produção de citocinas anti-inflamatórias e promoverem a produção de anticorpos (imunoglobulinas). E isso poderia ajudar na redução das complicações decorrentes do estado pró-inflamatório induzido pela infecção pelo SARS-Cov-2.

    Muitas evidências… in vitro… mas elas são o bastante para que a azitromicina seja liberada para ser fornecida como profilaxia ou como tratamento para indivíduos contaminados? Se você tem acompanhado a evolução do uso da cloroquina/hidroxicloroquina deve saber que não é bem assim… É muito importante avaliarmos a eficácia do medicamento in vivo e de forma controlada no contexto da pandemia

    E, nesse contexto, é de grande relevância consideramos, também, os efeitos colaterais do seu uso: distúrbios gastrintestinais, aumento do intervalo QT (observado em eletrocardiograma, indicando alterações cardíacas), problemas para pacientes com problemas hepáticos e renais.

    Ainda carecemos de estudos in vivo para avaliarmos adequadamente a droga. Os estudos que estão disponíveis ainda têm muitos problemas (grupos pequenos, seleção enviesada de pacientes e tratamentos, dentre outros…).

    A ciência é feita a partir do acúmulo de evidências e estudos são validados pelos pesquisadores pela acurácia dos métodos utilizados no estudo. A validação pelos pares acontece pois metodologias adequadas (e aqui incluímos: uso de placebo, testes duplo cego, estudos multicêntricos, quantidade de amostras/pacientes, análise de resultados, dentre outros vários pontos) geram resultados confiáveis!

    Concluindo…

    Ainda não temos tratamentos comprovadamente eficazes para a COVID-19, e há uma busca mundial para o reposicionamento de fármacos já utilizados. Azitromicina está sendo utilizada em todo mundo de forma off-label[3], mas ainda não temos evidências que suportem o uso desse antimicrobiano num contexto de COVID-19 sem coinfecção bacteriana associada. Para a azitromicina, o caminho a ser seguido é, ou pelo menos deveria ser, o mesmo do que aconteceu com a cloroquina: antes de confiar em relatos milagrosos e anedóticos, é necessária a realização de estudos clínicos controlados antes de sair declarando que a droga é mais uma maravilha do mundo. As evidências são limitadas e enviesadas e estudos sistemáticos e controlados poderão mostrar se a droga tem efeito quando utilizada sozinha, se tem efeito sinérgico quando associado a outro medicamento, ou se não tem efeito. Além dos efeitos colaterais que também podem ser aumentado quando em associação com outras drogas.

    Todos queremos um medicamento eficaz contra o SARS-Cov-2, mas que seja identificado pela medicina baseada em evidências!

    No próximo post vamos falar um pouquinho sobre resistência bacteriana no contexto da COVID-19. Vamos falar um pouquinho dos mecanismos e dos riscos envolvidos no uso indiscriminado de antibióticos.

    NOTAS:

    [1]Citocinas e tempestade de citocinas. Citocinas são moléculas reguladoras produzidas por diversas células do sistema imune. Elas atuam modulando nossa resposta imunológica, podendo ser citocinas inflamatórias (p.ex.: TNF, IL-1, IL-2, IL-6, IL-7) ou antiinflamatórias (p.ex.: IL-4, IL-10, IL-13, TGFβ). Na tempestade de citocinas, há uma liberação excessiva das citocinas pró-inflamatórias que resultam no recrutamento de muitas células inflamatórias. O resultado disso são danos ao tecido local. Para mais, consulte o Blog Microbiologando da UFRGS.

    [2] Experimentos in vitro e in vivo: Os experimentos in vitro são aqueles realizados nas primeiras etapas de um estudo. Eles são realizados sem a participação de seres vivos. Geralmente são utilizadas células cultivadas em laboratório ou mesmo órgãos de animais abatidos (p.ex.: córneas de bovinos obtidas de abatedouros). Em etapas mais avançadas, quando se tem evidências da segurança da substância, os experimentos são realizados com seres vivos. Num primeiro momento geralmente utiliza-se invertebrados, peixes ou roedores, para, num momento posterior, utiliza-se humanos. Os ensaios in vitro e in vivo com animais não-humanos são chamados de estudos pré-clinicos. Os ensaios com seres humanos são os ensaios clínicos. Antes de serem iniciados, os ensaios com animais vertebrados devem ser aprovados pela CEUA (Comissão de Ética no Uso de Animais) e os ensaios clínicos  devem ser aprovados pelo CEP (Comitê de Ética em Pesquisa).

    [3] Uso off-label de medicamentos: Todos os medicamentos registrados no Brasil recebem aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uma ou mais indicações que passam a constar na sua bula. Acontece, porém, que essas podem não ser as únicas indicações possíveis, ou seja: o medicamento pode continuar sendo estudado para outros usos. Quando sua eficácia é comprovada para essas novas indicações, a Anvisa as inclui na bula. A opção de um médico em tratar seus pacientes com um medicamento em uma situação não prescrita na bula (seja por analogia de mecanismo de ação, base fisiopatológica das doenças) é chamada de “uso off-label”. O uso off label de um medicamento é feito por conta e risco do médico que o prescreve, e pode eventualmente vir a caracterizar um erro médico, mas em grande parte das vezes trata-se de uso essencialmente correto, apenas ainda não aprovado. Para mais informações, consulte o site da Anvisa.

    Para esse post foram consultadas as seguintes referências:

    • Choudhary, R; Sharma, AK. “Potential use of hydroxychloroquine, ivermectin and azithromycin drugs in fighting COVID-19: trends, scope and relevance.” New microbes and new infections, vol. 35 100684. 22 Apr. 2020, doi:10.1016/j.nmni.2020.100684
    • Gbinigie, K; Frie, K. “Should azithromycin be used to treat COVID-19? A rapid review.” BJGP open vol. 4,2 bjgpopen20X101094. 23 Jun. 2020, doi:10.3399/bjgpopen20X101094
    • Pani, A et al. “Macrolides and viral infections: focus on azithromycin in COVID-19 pathology.” International journal of antimicrobial agents, 106053. 10 Jun. 2020, doi:10.1016/j.ijantimicag.2020.106053

    Aproveite e nos siga no Twitter, no Instagram e no Facebook! E se for fazer comprinhas na Amazon, use nosso link!

    Esse post foi originalmente escrito pelo blog Meio de Cultura

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

plugins premium WordPress