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  • Para além das vacinas: a dependência tecnológica e financeira brasileira

    Por Ulisses Rubio

    Recentemente tem se comentado sobre a dependência do Brasil com relação ao desenvolvimento de vacianas e em relação à fabricação dos insumos necessários para fabricá-las, os IFAs. No entanto, não é somente em momentos de dificuldade para importar que se pode ver a dependência Brasileira. Uma maneira de evidenciar esta dependência é analisando o balanço de pagamentos.

    Balanço de Pagamentos é o conjunto de contas através do qual um país elenca e calcula, em valores monetários, todas as transações entre seus residentes e não residentes. Visto por certa perspectiva, este Balanço mostra quanto de Dólares está saindo do país e quanto de Dólares etá entrando no país. Quando o saldo das transações entre residentes e não residentes é positivo, o país acumula Dólares. Caso contrário, há perda de Dólares. Uma vez que praticamente tudo o que um país compra do exterior deve ser pago em Dólares, obter Dólares é imprescindível. Dito de outra maneira, exportar é imprescindível. Mas, olhar para isto é ver somente parte do problema. E, ainda assim, estaríamos olhando bem superficialmente para esta parte do problema.

    Balança Comercial

    Expliquemos mais. O que os residentes no Brasil podem comprar de não residentes se resume a bens e serviços. Mas, os residentes no Brasil também podem vender bens e serviços para não residentes. Como ilustra a Figura 1.

    Figura 1: Balança Comercial (Bens e Serviços). Estamos construindo uma ilustração simplificada para o Balanço de Pagamentos.

    No caso dos bens, até que o Brasil consegue manter um saldo positivo (vende mais do que compra). Como podemos visualizar no Gráfico 1, após 2001 o saldo foi praticamente sempre positivo. Mas este saldo não é folgado e, portanto, suscetível de se tornar um saldo negativo (isto é, perda de Dólares), como foi a tendência entre 2012 e 2014. A despeito disso, o problema mesmo é com os serviços. O saldo entre os serviços que os residentes no Brasil vendem para não residentes menos o que compram de não residentes é persistentemente negativo e em valor monetário nada desprezível (Gráfico 2). Quando juntamos bens e serviços percebemos uma oscilação entre períodos com valores negativos e períodos com valores positivos, mas com os saldos negativos sendo mais persistentes e atingindo maiores magnitudes (Gráfico 3).

    Opa! Vamos respirar um pouco. Até agora falamos de bens e serviços. O Brasil vende muitos bens. Também compra muitos. O problema maior são os serviços, que o Brasil compra bem mais do que vende. Em resumo, nestas contas podemos notar a dificuldade em evitar períodos de saídas de Dólares. E… bem… vocês sabem… nós não fabricamos Dólares. Precisamos obtê-los.

    A Conta Financeira

    Mas aí vem a outra parte do problema. Digamos que somando o que os residentes no Brasil vendem para não residentes seja inferior ao que compram. Não dá para ficar saindo Dólares do país por muito tempo né? Aí entra a conta financeira. Em resumo esta conta abrange todo o dinheiro de residentes que é investido fora do país  menos todo o dinheiro de não residentes que é investido país (Brasil). Há duas formas principais de não residentes colocarem seu dinheiro no Brasil: se eles compram ou constroem uma empresa (é o chamado investimento direto) ou se eles compram papéis no mercado financeiro (chamado investimento em carteira). A ilustração pode ser vista na Figura 2.

    Figura 2: A Conta Financeira (Adicionada à figura da Balança Comercial – Bens e Serviços). Estamos construindo uma ilustração simplificada para o Balanço de Pagamentos.

    Se estiver entrando mais dinheiro (tecnicamente chamam de capital) do que saindo, o país está obtendo mais Dólares. Repare que para esta conta os saldos negativos significa entradas de Dólates (portanto, inverso ao que é para as outras contas). Em geral, este é o caso do Brasil. Como podemos ver nos Gráficos 4, 5 e 6, os saldos são predominantemente negativos, significando que entram mais investimentos de não residentes do que saem investimentos de residentes para o exterior. Isto significa entrada de Dólares, contribuindo para contrabalançar as saídas de Dólares devido aos períodos de saldo negativo na Balança Comercial de Bens e Serviços juntos.

    A conta Rendas

    Para muitos, atrair estes capitais deve ser a meta número um do Brasil. Mas, de outro ponto de vista, podemos ver que esta necessidade de atrair capitais externos pode trazer problemas. Este dinheiro não vem de graça, não é? Eles esperam se transformar em mais dinheiro ainda. Isto é, os investidores externos esperam receber de volta ou lucro, ou juros, ou dividendos (aquilo que as empresas na Bolsa de Valores pagam para quem tem ações dela). Começamos assim a falar da conta de Rendas. Esta é o saldo daquelas rendas que os residentes no Brasil recebem por terem investido seu dinheiro (capital) em outros países menos o que os não residentes recebem por terem investido seu dinheiro (capital) no Brasil  (algumas rendas derivadas do trabalho também entram na conta de rendas, mas é valor pouco significativo). Esta relação pode ser vista na Figura 3.

    Figura 2: A Conta Rendas (Adicionada na Figura 2). Temos uma ilustração simplificada para o Balanço de Pagamentos, mas suficiente para nosso objetivo no artigo.

    No caso do Brasil, a soma de valores de renda que é recebida por não residentes é bem maior do que o valor da soma que os residentes no Brasil recebem por investirem o seu dinheiro fora do Brasil, gerando saldos negativos contínuos na conta de Rendas (isto é, saída de Dólares), como podemos observar nos gráficos 7, 8, e 9.

    Transações Correntes

    Quando a Balança Comercial (Bens e Serviços) é somada à Conta de Rendas, temos as Transações Correntes: a soma das transações de bens, serviços e rendas. Como entre estas três contas somente há saldos positivos mais persistentes nas transações de bens, este saldo positivo não é suficiente para contrabalançar os saldos negativos nas contas de serviços e de rendas. De modo que os saldos em transações correntes são persistentemente negativos (ou seja, há saídas de dólares), como podemos observar no Gráfico 10.

    E como o Brasil paga por isto? Como obtemos os Dólares para pagar estes saldos negativos? Bem.. no geral são duas maneiras: 1) ou atrai ainda mais investimentos de não residentes (investimentos externos) ou 2) tenta ter saldos positivos na balança comercial. Aí vocês olham e dizem: – Eita!! Mas tem algo aí! Onde isto vai chegar? Considerando a opção 1: vem dinheiro; para pagar a remuneração deste dinheiro precisa que mais dinheiro de fora venha pro Brasil; este círculo é infinito?

    Como resposta, só posso dizer: – pois é! Pode ser que não. E muito provavelmente não será. Pode ser que chegue um momento que os não residentes não queiram mais trazer seus dinheiros (capitais) para o Brasil. O leitor otimista certamente me chamaria a atenção: – ainda bem que ainda tem a opção 2, né? Respondo: – Sim, tem. Mas não é tão simples.

    A dependência vista pelo Balanço de Pagamentos

    O problema é que em geral o Brasil exporta bens e serviços de baixa tecnologia e importa bens e serviços de alta tecnologia. Como os preços das mercadorias de baixa tecnologia aumentam e diminuem com maior rapidez, pode acontecer que mesmo exportando mais o Brasil não consiga obter tantos Dólares porque o preço, em Dólares, baixou.

    Ainda que não aconteça de o preço dos produtos que o Brasil exporta diminuírem (ou não diminuírem muito), ainda temos outro problema. Quando se diz que a economia vai bem, em geral, se diz que o PIB (Produto Interno Bruto) está crescendo. Se diz isto porque quando o PIB cresce significa que a renda dos brasileiros está crescendo também: isto é, mais lucros e mais salários. Bem… Se o total de lucros e salários está aumentando, este aumento não vai ficar paradinho, né? Em geral, ou vai para o consumo (gastos das famílias), ou para investimentos (empresas decidindo comprar coisas para aumentar a quantidade que podem produzir).

    [porém]

    Acontece, minha cara ou meu caro leitora(o), que para aumentar a capacidade produtiva como um todo, em geral, é necessário importar máquinas e equipamentos (lembram das importações de alta tecnologia?) e muitas destas importações são acompanhadas de compra de serviços, como fretes e manutenção (lembra da balança de serviços?). Ou seja, para tudo isto precisamos de Dólares. Num momento em que pessoas de fora do Brasil não estão interessadas em trazer os seus dinheiros para cá, fica difícil de o Brasil obter os Dólares necessários para manter estas importações de bens e serviços.

    Finalmente está aí exposta a dependência financeira e tecnológica do Brasil. Não produz aquilo que é necessário para manter um crescimento do PIB. Então é necessário importar. Mas para importar precisa de Dólares. Se não entram Dólares porque os não residentes estão receosos de trazerem seus capitais para o Brasil, este país fica com dificuldades para manter suas importações. Com isto, fica difícil manter o crescimento, manter o número total de empregos. Assim, se entram Dólares através de investimentos externos, isto tende a prejudicar nossa capacidade futura para importar devido à saída de dólares para remunerar os capitais investidos (a conta de Rendas).

    O autor

    Ulisses Rubio Urbano da Silva, Graduado em Ciências Econômicas pela UNESP. Mestre e Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP, enfatizando estudos em História Econômica. Pesquisas em Pensamento Econômico Brasileiro, em diálogo com Pensamento Social Brasileiro. Atualmente leciona Economia e disciplinas da área de Administração no CECA/UFAL.

    Este texto foi escrito originalmente para o blog Sobre Economia

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Impactos da Pandemia de Covid-19 sobre a Economia Brasileira

    Texto escrito por Paulo Ricardo S. Oliveira*

    A chamada “segunda onda” da pandemia de Sars-Cov-2, isto é, a crise econômica do pós-pandemia, tem sido objeto de discussão entre os especialistas. As necessidades de isolamento social impostas pela pandemia certamente tem impactos sobre a economia, e é sabido que os efeitos deletérios na economia podem perdurar para além da dissolução da crise sanitária. Mas em qual proporção a pandemia deve afetar a economia brasileira? Nesta nota, busca-se lançar luz sobre essa questão com bases na avaliação dos dados da atividade econômica no primeiro trimestre e nas projeções para a retração do PIB brasileiro no ano de 2020.

    Antes de analisar os dados, é importante reconhecer que a crise da pandemia não cessa a retomada do crescimento da economia brasileira. A crise da pandemia chega ao Brasil num período de estagnação econômica, que pode ser visto como um desdobramento da crise financeira global e da crise política brasileira, com efeitos mais dramáticos a partir de 2014. Em 2015, por exemplo, o PIB brasileiro encolheu -3,15%. Em 2016, houve nova retração de -2,90%. Desde então, temos observado taxas de crescimento inferiores a 1,5%, nível considerado baixo para as economias emergentes. Por fim, no ano passado, a economia brasileira cresceu apenas 1,08%, e é neste contexto de estagnação que a crise da pandemia nos atinge.[1]

    Impactos da pandemia no 1º Trimestre/ 2020

    De acordo com os dados oficiais, o PIB brasileiro recuou -1,5% no primeiro trimestre de 2020, em relação ao último trimestre de 2019. Sob a ótica da oferta, o PIB industrial recuou -1,4%, serviços -1,6%, enquanto a produção agropecuária apresentou crescimento de 0,6%.  Do lado da demanda, a pandemia afetou significativamente o consumo das famílias, que caiu -2,0% no 1° Trimestre/2020 – maior queda desde 2001. Na contramão, a formação bruta de capital, isto é, a compra das empresas de bens de capital como máquinas e equipamentos, cresceu 3,1%, sobretudo pela baixa base de comparação do 4º Trimestre/2019. Por fim, os gastos do governo cresceram apenas 0,2%, mesmo diante da gravidade da pandemia[2].  

    Os índices de atividade, divulgados para os meses entre janeiro e junho/2020, revelam que, apesar de indicadores positivos na comparação mês a mês desde maio/2020, indústria, comércio e serviços acumulam quedas significativas na comparação entre o 1° Trimestre/2020 e o 1° Trimestre/2019, como mostra a Tabela 1.

    Tabela 1. Índices de atividade econômica na indústria, serviços e comércio – Junho/2020

     IndústriaComércioServiços
    Taxa de variação mensal (ref. Maio/20)8,9%12,6%5,0%
    Taxa de variação mensal (ref. Junho/19)-9,0%-0,9%-12,1%
    Taxa de variação semestral (ref. 1S/19)-10,9%-7,4%-8,3%
    Notas: Comércio – índice de volume de vendas no comércio varejista ampliado | Serviços – índice de volume de serviços | Indústria – índice de produção física industrial.
    Fonte: Elaboração própria com bases nas Pesquisa Mensal de Comércio, Pesquisa Mensal de Serviço e Pesquisa Industrial Mensal do IBGE.

    De forma contra intuitiva, nota-se que a indústria foi o setor mais afetado na comparação trimestral, acumulando queda de -10,9% no 1° Trimestre/2020. Da mesma forma, a despeito das taxas positivas para comparação mês a mês, o comércio encolheu -7,4% e os serviços -8,3% no 1° Trimestre/2020. A Tabela 2 mostra a queda por categoria econômica industrial.

    Tabela 2. Variação da Produção Física Industrial por Categoria Econômica

    Var. 1T/2020 1T/2019Var. Mensal Jun/2020 Jun/2019Var. Mensal Jun/2020 Maio/2020
    Bens de capital-21,2-22,213,1
    Bens intermediários-6,6-5,94,9
    Bens de consumo-16,2-11,615,9
          Bens de consumo duráveis-36,8-35,182,2
          Bens de consumo semiduráveis e não duráveis-10,3-5,66,4
    Fonte: Produção Industrial Mensal – Produção Física/ IBGE.

               

    Nota-se, que o fechamento do semestre, reforça a persistência dos indicadores negativos e revertem os indicadores positivos verificados nas contas nacionais no 1° Trimestre/2020.

    Em relação ao emprego, os dados mais recentes apontam que a taxa de desocupação vem crescendo desde maio/2020, quando estava em 10,5%, e atingiu o ponto máximo do período no final de julho/2020, quando chegou a 13,7%. Também na última semana de julho, o país tinha 5,8 milhões de pessoas afastadas do trabalho devido ao distanciamento social, 8,3 milhões de pessoas em trabalho remoto, 18,7 milhões de pessoas trabalhando menos que o habitual e 29,5 milhões de pessoas com rendimentos menor do que o habitual. Mais preocupante, estima-se que, neste momento, 18,5 milhões de pessoas não procuram emprego por conta da pandemia ou por falta de trabalho na sua localidade e 43,0% dos domicílios nacionais recebem auxílio emergencial.

    Para se ter uma ideia da dimensão da amplitude do auxílio emergencial, o bolsa família, um dos maiores programas de transferência de renda da história recente brasileira, beneficiou 13,5% dos domicílios brasileiros, em 2019 [3].

    Por fim, é possível verificar que os impactos no setor externo da economia brasileira têm sido consideráveis. As exportações caíram -7,7% e as importações -5,21% no 1º Semestre/2020. Apesar das quedas relativamente baixas, o impacto qualitativo da crise sobre a pauta de exportação merece destaque. Como esperado, dada a elasticidade renda das exportações e importações[4], isto é, como a demanda internacional de cada bem responde a movimentos na renda internacional, a queda foi maior para produtos mais complexos e menor para produtos menos complexos. Produtos mais complexos são produzidos em países mais avançados tecnologicamente, demandam mais conhecimentos para serem manufaturados e possuem maior valor agregado. A Tabela 3 mostra a variação das exportações e importações por categoria de complexidade para economia brasileira.

    Tabela 3. Variação das Exportações por Categoria de Complexidade – 1° Trimestre/2020

    Grau de ComplexidadeExportações (bilhões USD)% do total exportadoVar. % 2019/2020
    Baixa28,3427,9%-6,5%
    Média-baixa                  45,645,0%7,9%
    Média-alta22,622,3%-25,5%
    Alta46,34,5%-30,6%
     Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Ministério da Economia e do Observatório de Complexidade Econômica.

    Nota-se que as quedas mais acentuadas nas exportações se deram nas categorias de produtos mais complexos, isto é, a pandemia alterou a qualidade da pauta exportadora nacional. A reversão deste impacto qualitativo vai depender da recuperação das economias parceiras e do grau de protecionismo que pode ampliar-se no pós-pandemia. A queda nas importações, no entanto, foi mais equilibrada dentre as principais categorias de complexidade, como mostra a Tabela 4.

    Tabela 4. Variação nas Importações por Categoria de Complexidade – 1º Trimestre/2020

    Grau de ComplexidadeImportações (bilhões USD)% do Total ImportadoVar. % 19/20
    Baixa3,84,8%-24,0%
    Média-baixa                  21,527,1%-5,6%
    Média-alta36,345,7%-2,4%
    Alta17,622,2%-5,0%
     Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Ministério da Economia e do Observatório de Complexidade   Econômica.

    Projeções de Impactos da pandemia em /2020

    Infelizmente, as principais projeções para economia brasileira no 2º semestre de 2020 reforçam a continuidade das quedas verificadas até o momento. A projeção mais recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a economia brasileira deve encolher -9,1%, em 2020[5]. A mesma instituição também prevê que a economia global sofrerá retração de -4,9% neste ano.  As projeções do Banco Central do Brasil (BCB), no entanto, são mais otimistas, prevendo uma retração anual de -6,4%, ao mesmo tempo que reconhece que o nível de incerteza continua elevado para os próximos trimestres[6].

    Uma das projeções mais robustas sobre os impactos econômicos da pandemia, que utiliza dados da matriz-insumo produto brasileira, foi feito pelo Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ[7]. O estudo prevê três cenários para o comportamento do PIB e os componentes da demanda final, em 2020, como mostra a Tabela 5.

    Tabela 5. Projeções de retração do PIB brasileiro – 2020

    CenáriosVar. PIBConsumo das FamíliasFormação Bruta de CapitalGasto do GovernoExportações
    Otimista-3,1%-1,5%-10,0%2,5%-6,6%
    Referência-6,4%-3,8%-20,0%2,5%-15,7%
    Pessimista-11,0%-8,3%-30,0%2,5%-20,4%
    Fonte: GIC UFRJ

    Em síntese, as diferentes fontes convergem em relação às previsões para economia brasileira em 2020. Mesmo as estimativas do governo já se aproximam do cenário de referência, e a estimativa do Fundo Monetário Internacional do cenário mais pessimista estimado pelos pesquisadores do IE/UFRJ. Neste cenário, até o final de 2020, espera-se que as exportações brasileiras caiam -20,4%, a formação bruta de capital fixo -30% e o consumo das familiais -8,3%.  O aumento de 2,5% nos gastos do governo, foram estimados a partir da previsão dos gastos adicionais com a saúde pública.

     Considerações Finais

    Em suma, os números e projeções do ano corrente indicam que os impactos da crise sobre a economia brasileira serão consideráveis, piores do que os verificados em virtude dos desdobramentos da crise financeira e política de 2014. Certamente, os impactos não afetarão apenas a economia nacional, mas também as demais economias globais. As economias que não lograram o rápido controle da epidemia e continuam alimentando altos níveis de incerteza sobre a capacidade de controle da crise sanitária tendem a sofrer mais intensamente os impactos da “segunda-onda”.

    É preciso ter em mente que essa crise, além do maior impacto sobre PIB brasileiro, tem caráter bastante distinto da crise financeira global de 2008[8]. Por afetar diretamente a capacidade produtiva, a crise da pandemia faz com que as políticas monetárias sejam relativamente ineficazes na retomada da atividade.

    É por isso que policymakers do mundo inteiro têm cada vez mais destacado a importância da política fiscal expansionista (gasto do governo) para a retomada econômica no pós-pandemia. As autoridades econômicas nacionais, no entanto, tendem a perceber a pandemia e seus impactos como um fenômeno temporário, e descartar a possibilidade da ampliação dos investimentos públicos. Essa percepção incorreta da gravidade da crise pode comprometer a recuperação econômica e prolongar o cenário de estagnação da economia brasileira. 

    Do ponto de vista do choque externo e da política comercial e industrial no pós-crise, é provável que os efeitos da queda na renda global e políticas mais protecionistas de comércio afetem as exportações brasileiras de forma significativa. É válido lembrar que, apesar da predominância do consumo interno sobre o produto nacional, a indústria brasileira é altamente dependente da importação de insumos industriais e pode ser afetada pela quebra de algumas cadeias de fornecimento que serão afetadas por possíveis guinadas protecionistas.

    Por outro lado, esse recuo na liberalização comercial pode gerar algum espaço para implementação de políticas industriais e comerciais mais alinhadas com os objetivos de desenvolvimento da indústria nacional. De todo modo, qualquer movimento neste sentido parece improvável diante da atual visão liberalizante das autoridades econômicas nacionais.


    Para saber mais

    [1] Dados do IBGE, Sistema de Contas Nacionais Anuais. Produto Interno Bruto (PIB) a preços básicos, variação real anual.

    [2] Dados do IBGE, Sistema de Contas Nacionais Trimestrais. Dados dessazonalizados, disponíveis em https://sidra.ibge.gov.br/tabela/5932#/n1/all/v/6564/p/201901,201902,201903,201904,202001/c11255/all/d/v6564%201/l/v,p,t+c11255/resultado

    [3] PNAD-Covid/IBGE (2020) Dados da PNAD-COVID/IBGE, disponíveis em  https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/ .

    [4] Informalmente, elasticidade renda das importações e exportações refere-se a mudança percentual no volume destes dois fluxos após uma variação na renda.

    [5] Dados do World Economic Outlook, Junho/2020 do FMI, disponíveis em https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/06/24/WEOUpdateJune2020

    [6] Dado do Relatório de Inflação do Banco Central, Junho/2020 disponível em https://www.bcb.gov.br/content/ri/relatorioinflacao/202006/ri202006p.pdf

    [7] Dados disponíveis em  https://www.ie.ufrj.br/images/IE/grupos/GIC/GIC_IE_NT_ImpactosMacroSetoriaisdaC19noBrasilvfinal22-05-2020.pdf

    [8] Ver análise da Nota do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica, disponível em http://www3.eco.unicamp.br/images/arquivos/nota_cecon_coronacrise_natureza_impactos_e_medidas_de_enfrentamento.pdf

    O autor

    Paulo Ricardo S. Oliveira é Doutor em Desenvolvimento Econômico (IE-UNICAMP), Professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e Economista do Observatório PUC-Campinas.

    Este texto foi publicado originalmente no Blog Sobre Economia

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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