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  • Preprints: o que são e como fazer sua divulgação científica

    Em janeiro do ano passado, um grupo de pesquisadores da Escola de Ciências Biológicas Kusuma, na Índia, publicou um manuscrito em que apontava uma “misteriosa semelhança” entre o novo Coronavírus e o (Vírus da Imunodeficiência Humana, em inglês, Human Immunodeficiency Virus) HIV, vírus causador da Aids.

    No texto, os autores especulavam que essa coincidência dificilmente teria ocorrido ao acaso, abrindo espaço para teorias conspiratórias que afirmavam que partes do código genético do vírus foram inseridas intencionalmente.  

    O manuscrito continha falhas metodológicas grosseiras e, após receber críticas generalizadas da comunidade científica, foi retirado do repositório onde havia sido publicado, o bioRxiv. Mas o estrago já havia sido feito, e perfis nas redes sociais, veículos de imprensa e até um Nobel de medicina divulgaram amplamente que o coronavírus havia sido criado em laboratório por cientistas chineses. 

    Como um estudo com tão pouca qualidade conseguiu ser publicado? Isso aconteceu porque se tratava de um preprint, um relato de pesquisa que não passou pela avaliação dos pares e que é compartilhado em um servidor público antes de ir para um periódico científico. O principal objetivo dos preprints é acelerar o processo de comunicação das pesquisas entre os especialistas, uma vez que a divulgação em revistas acadêmicas pode demorar meses ou até mesmo anos, o que faz deles uma boa opção para as áreas que costumam ter urgência na publicação de seus resultados, como é o caso da saúde. 

    Desvantagens dos preprints

    Por ser um trabalho que ainda não passou pela avaliação por pares, os preprints também apresentam desvantagens, como a possibilidade de publicação de pesquisas com erros metodológicos, pouco confiáveis ou até mesmo fraudulentas. Embora os repositórios (atualmente existem mais de 60) possuam seus sistemas de triagem, estes ocorrem de forma superficial e são concluídos em poucos dias. Em geral, as avaliações buscam detectar apenas se há plágio, conteúdo ofensivo ou não científico e risco à saúde da população, sem verificar os métodos, conclusões ou qualidade do artigo. 

    A principal forma de controle de qualidade desses trabalhos ocorre por meio do feedback dos leitores – que são, na maior parte das vezes, cientistas – como um mecanismo de autocorreção. No entanto, ainda existem poucos estudos que indiquem a frequência com que esses preprints são examinados ou como os autores lidam com as críticas recebidas. O que se sabe é que os principais servidores ou não moderam a seção de comentários ou controlam apenas aqueles que são ofensivos e não pertinentes, além de ser um recurso pouco utilizado, com apenas 10% de todos os preprints recebendo algum tipo de comentário.  

    Por todos esses fatores, é preciso ter cautela ao fazer a divulgação científica de um preprint, para não correr o risco de dar como fato estabelecido um conhecimento que ainda está em construção ou uma conclusão enganosa. 

    Abaixo, apresento cinco dicas de cuidados que podem ser tomados ao escrever uma reportagem sobre esses estudos. Embora essas dicas tenham sido pensadas com o intuito de auxiliar jornalistas em suas matérias, elas podem ser aplicadas por qualquer divulgador científico e são interessantes mesmo para o caso de pesquisas que já passaram pela avaliação dos pares.

    1) Seja claro 

    Informe aos seu públicos-alvo que o estudo que está sendo divulgado é um preprint, que os resultados ainda são preliminares e podem ser contestados no futuro. Se possível, explique como ocorre o processo científico e a avaliação por pares e lembre-se que o sensacionalismo pode criar falsas expectativas em seu público, especialmente no caso de tratamento para doenças graves como a Covid. Tome cuidado para não apresentar como cura algo que é apenas o primeiro de vários passos ou, pior, algo que não é eficaz. 

    2) Verifique a reputação dos autores

    Qual é a formação desses cientistas? Eles são especialistas no assunto sobre o qual estão escrevendo? Em qual instituição eles trabalham? Há algum conflito de interesses que possa trazer desconfiança para os resultados? Eles já estiveram envolvidos em alguma polêmica ética, como acusações de fraude ou plágio? Já publicaram trabalhos em periódicos renomados? 

    Tenha em mente que dentro de uma área mais ampla existem várias subcategorias e que um biólogo não vai necessariamente entender de microbiologia, da mesma forma que um microbiologista nem sempre será especialista em virologia. 

    Se o pesquisador for brasileiro, é possível encontrar o currículo dele na plataforma Lattes, disponibilizada pelo CNPq. Se for um autor estrangeiro, esses dados podem ser procurados em locais como o ResearchGate, o ORCID ou o perfil deles no Google Scholar. 

    3) Busque a avaliação de especialistas independentes 

    É muito comum que os veículos de mídia entrevistem apenas os autores do estudo em suas reportagens. Embora essa consulta seja importante para entender como foi feita a pesquisa, é preciso ter em mente que existe um conflito de interesses e que nenhum cientista irá apresentar as limitações do próprio estudo ou confessar que errou nas conclusões. 

    Procure especialistas (idealmente, mais de um) na área do preprint e peça a opinião dele sobre o estudo. Pergunte sobre as metodologias, conclusões e cálculos estatísticos e verifique se é algo que realmente vale a pena publicar ou se é melhor esperar a publicação oficial em um periódico. 

    4) Desconfie de tudo   

    As conclusões da pesquisa se opõem ao atual conhecimento sobre o assunto, são muito sensacionalistas ou abrem espaço para teorias da conspiração? Nem sempre um jornalista sem formação em ciência será capaz de identificar falhas na metodologia – por isso a importância do tópico anterior –, mas tenha cautela com cientistas e pesquisas que afirmem ter respostas para tudo. 

    Dê preferência a fontes honestas, que reconheçam as próprias limitações e não tenham medo de dizer quando não sabem de alguma coisa. A ciência é construída por meio do trabalho coletivo de indivíduos, grupos e instituições ao redor do mundo, então olhe para o volume de opiniões e não para o que apenas uma pessoa diz. 

    5) Se errar, corrija! 

    Você divulgou um preprint muito interessante, mas que foi retratado algum tempo depois. O que fazer agora? Seguir o exemplo da comunicação entre pares e publicar uma errata que tenha o mesmo destaque da publicação original. Ninguém gosta de admitir que errou, mas estudos apontam que o público tende a ser mais benevolente e a avaliar a integridade de autores que cometem erros de forma mais positiva quando eles corrigem a informação.  

    Isso se torna ainda mais importante na atual epidemia de fake news e desinformações, em que grupos tentam deliberadamente confundir e manipular pessoas por meio de informações desonestas, como ocorreu no caso que abre este texto. Embora os autores daquele preprint pareçam ter cometido um erro honesto, ele foi amplamente utilizado por teóricos da conspiração para influenciar um comportamento xenófobo e ainda hoje, mais de um ano depois, existem pessoas que acreditam que o coronavírus foi criado em laboratório. 

    Nesse contexto, dar à correção a mesma visibilidade concedida ao preprint torna mais fácil o processo de verificação. Mas, tome cuidado para não reforçar a informação errônea quando for refutá-la, efeito conhecido como “tiro pela culatra”. 

    Aqui, você pode ler um texto bastante interessante do Roberto Takata sobre como evitar cair nessa armadilha.

    Referências

    BARATA, Germana. Pandemia acelera produção e acesso a preprints. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/pandemia-acelera-producao-e-acesso-a-preprints/ 

    FORSTER, Victoria. No, the coronavirus was not genetically engineered to put pieces of HIV in It. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/victoriaforster/2020/02/02/no-coronavirus-was-not-bioengineered-to-put-pieces-of-hiv-in-it/?sh=e8d59a356cbc 

    MAKRI, Anita. What do journalists say about covering Science during COVID-19 pandemic? Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41591-020-01207-3  

    MARIOSA, Erica. Fake News, Desinformação e Infodemia. Qual a diferença? Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/mindflow/?p=634 

    MARQUES, Fabrício. Correção veloz de erros: Produção científica sobre o novo coronavírus tem trabalhos cancelados por equívocos e falhas metodológicas, na maioria cometidos de boa-fé. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/correcao-veloz-de-erros/ 

    ORDWAY, Denise-Marie. Covering biomedical research preprints amid the coronavirus: 6 things to know. Disponível em: https://journalistsresource.org/health/medical-research-preprints-coronavirus/ 

    SANT’ANA, Fabiano. Entenda o que são e como funcionam os preprints. Disponível em: https://galoa.com.br/blog/entenda-o-que-sao-e-como-funcionam-os-preprints 

    SPINAK, Ernesto. Acelerando a comunicação científica via preprints. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2019/10/04/acelerando-a-comunicacao-cientifica-via-preprints/#.YGtkvOhKhPY 

    TAKATA, Roberto. Errei. E agora? Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/blog/errei-e-agora/ 

    TIJDINK, Joeri; MALICKI, Mario; GOPALAKRISHNA, Gowri; BOUTER, Lex. Preprints são um problema? Cinco formas de melhorar a qualidade e credibilidade dos preprints. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2020/10/15/preprints-sao-um-problema-cinco-formas-de-melhorar-a-qualidade-e-credibilidade-dos-preprints/#.YGtj2uhKhPZ 

    Este texto é original e exclusivo do Especial Covid-19

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Fazer Divulgação Científica sobre pandemia em uma sociedade do espetáculo

    Em dias como os que temos vivido temos sempre uma enxurrada de informações, decorrentes da imensa expectativa que temos sobre os números de eficácia, segurança, incidência e vários e outros termos que nos chegam sem que consigamos parar para pensar e elaborar os dados com cautela.

    Claro que vocês todos – nós todos… – temos cobrado publicação de dados. Também é verdade que, diferente de qualquer outro momento experienciado por quem está vivo hoje, nunca tivemos tanto interesse em uma vacina. Simultaneamente a isso, nunca uma pandemia em um mundo em que as informações nos chegam em tamanha velocidade e quantidade.

    Toda essa expectativa, frente a este cenário, é perfeitamente compreensível. Há uma ansiedade imensa em termos os dados em mãos para dizermos:

    – temos a solução!
    – assim vai funcionar!
    – eis aqui a resposta final!

    Todavia, a ciência não funciona com respostas finais. Nem com resultados estanques. Para fazer ciência, para termos respostas, para analisarmos nossos dados: precisamos de tempo.

    Penso no que diria Guy Debord, escritor da obra Sociedade do Espetáculo (1967) e Comentários do Espetáculo (1988) ao ver como não apenas a mídia tradicional torna a realidade imagética – mas a partir das redes e mídias sociais, todos nós participamos disso de diferentes modos. Como assim? Ora, como atualmente vemos o tempo inteiro imagens de nós mesmos, dentro de aplicativos em que “produzimos conteúdos” para sermos consumidos, como produtos.

    Mas o que isto tem a ver com a pandemia e as vacinas?

    O processo de midiatização de nós mesmos já era crescente nas redes sociais. Ao iniciarmos uma vivência de isolamento social, para aqueles que têm acesso a esses recursos digitais, o uso das redes tornou-se muitas vezes não somente um momento de fuga para lazer, compartilhamento de memes e notícias, mas trabalho cotidiano e, também, único meio de comunicação constante.

    Neste cenário, temos um aumento de divulgadores científicos e jornalistas cada vez mais aparecendo em todas as mídias e redes, buscando produzir conteúdos diversificados para públicos diferentes. Estas ações em tempos de pandemia funcionam como uma forma de se comunicar com um público cada vez maior, numa tentativa de “furar bolhas” como costumamos falar.

    Em alguns momentos desta pandemia, a ideia dos excessos de informação se fez mais presente. A OMS, por exemplo, tem trabalhado com o termo de “infodemia”, que seria essa “pandemia de informações”. No sentido que vem sendo debatida, a infodemia não se vincula apenas a informações falsas. Ou seja, se relaciona a qualquer tipo de informação sobre a COVID-19 e sua enorme quantidade sendo publicada cotidianamente no mundo, sem que consigamos acompanhar, filtrar, ler/ver/ouvir, aprender, pensar…

    A questão, portanto, é o excesso. Mas também à dificuldade que temos de peneirar tudo isso, com a calma e acurácia necessária.

    Sociedade da Informação

    Não é recente também o debate sobre a sociedade da informação – esta que nos impossibilitaria a vivência de experiências. Por quê? Exatamente por estarmos sempre atrasados em relação à última notícia, leitura, livro, vídeo, live, stories, do momento. Larrosa diz que na sociedade da informação estamos sempre muito bem informados – mas não no sentido de termos sabedoria, mas de termos muitas informações sobre tudo. Mais do que isso, ao termos informações, temos também que expressar muitas opiniões o tempo inteiro. 

    (Que o diga quem tem Twitter e segue os “assuntos do momento”…)

    E por ter informação e, consequentemente, opinião, que o sujeito informado não consegue que nada lhe aconteça. Nada acontece ao sujeito informado e opinativo pois não há tempo para viver. É preciso consumir a próxima notificação, com mais informação, para novamente falarmos nossa próxima opinião.

    Parece uma grande obviedade, não é mesmo?

    Juntemos as ideias da sociedade da informação e da sociedade do espetáculo. Isto é, nossa sociedade precisa não só produzir constantemente informações, mas conteúdos e imagens (que serão consumidos por pessoas).

    E é assim que temos lidado diariamente com nossa comunicação – falamos de engajamento, seguidores, alcance de cada palavra, cada tag, cada foto, imagem e vídeo que obtivemos a cada publicação. Acompanhamos métricas, nos aprisionamos nos gráficos e consumimos a nós mesmos nesse processo.

    Na pandemia, portanto, não só nossa vida tornou-se isso tudo (ou só isso?). Mas tudo acaba sendo de alguma maneira disponibilizado ao vivo. Enquanto produzimos e reproduzimos em plataformas simultaneamente, escrevendo freneticamente.

    Comentamos, escutamos livres, conversamos, baixamos os últimos artigos, tentamos entender os cálculos, os modelos, os protocolos, as métricas, as imagens…

    Terça-feira, mais uma vez, a coletiva de imprensa para divulgar os dados da Coronavac, vacina que será produzida pelo Instituto Butantã, em convênio com a Sinovac, virou um grande espetáculo de dispersão e tensão.

    Expectativa? Imagine…

    Estamos super tranquilos. Sim! Estamos ansiosos e, óbvio, queremos muito ter dados que nos indiquem que a solução está logo ali, na etapa que virá.

    De modo algum este texto nega a urgência de minimizar os impactos da pandemia na sociedade.

    Todavia, o frenesi que novamente caímos (e nos incluímos nisso), causa também desencontro de informação, confusão e ajuda (SIM) no processo de desinformação.

    O conhecimento científico tem seu tempo para ser construído. Temos falado sobre isso desde o início da pandemia. O tempo da divulgação também precisa ser retomado. 

    Estava no texto manuscrito que “é preciso que respiremos”… Tendo em vista a situação noticiada hoje, sobre Manaus, eu diria que É PRECISO QUE TODOS NÓS CONSIGAMOS NOS UNIR PARA QUE TODOS RESPIREM!

    O conhecimento não se faz com furor e pelos excessos. Tampouco se faz de maneira solitária e com um ou outro ato de grande nome que salvará – ou condenará – a todos. Não estamos em uma ficção em que um herói (branco, hétero, pai de família) explode um avião, percorre o mundo, estanca um apocalipse zumbi e consegue retornar para os braços da família que o aguarda.

    A sociedade do espetáculo – que transforma nossa vida em uma narrativa ficcional, não se trata do consumo de informações e imagens dos outros, mas de nós mesmos. Nosso tempo de vida, nossa condição de diálogo, nosso tempo com nossos pensamentos e com uma análise mais calma e menos superficial de tudo o que tem acontecido.

    A vacina

    Sim. Ela foi anunciada. A vacina que temos e teremos em breve é a que, neste momento, é possível. Se a ciência tem seu tempo, fez – até o momento – a que teve condições de produzir.

    Nossa, então ela não é boa, nem confiável? Sério?

    Vamos lá: as vacinas que estão sendo produzidas e serão aplicadas em nosso país são eficazes, são seguras e diminuirão MUITO os efeitos que temos vivido nesta pandemia.

    Isso inclui lotação em UTIs e capitais SEM OXIGÊNIO nas alas hospitalares. Isso inclui diminuir pessoas morrendo em casa por falta de espaços em hospitais. Também se relaciona a uma quantidade menor de pessoas adoecendo. Isso, por fim, significa um tempo para retomar nosso país.

    É verdade que nunca se perguntou a eficácia e à segurança de vacinas antes, do modo como temos visto agora. Também é preciso admitir que nunca tínhamos vivido uma pandemia, cujo isolamento tornou a informação em tempo real tão acessível (na quantidade, na qualidade, na linguagem), mas tão inacessível (na quantidade, na qualidade, na linguagem).

    Aligeiramentos

    Se o jornalismo precisa de novidade, é importante lembrar que não em detrimento da análise embasada e da promoção do burburinho caótico. No entanto, se a divulgação ainda tem dúvidas, antes de dar respostas aos seguidores, precisa atentar-se ao tempo da análise dos dados.

    E, acima de tudo, embora humanos e todos erremos (muitas e muitas vezes – e façamos o mea culpa, sincero e fundamental), o diálogo ainda é a nossa ferramenta mais basal para construção coletiva e colaborativa, que vale a pena investir. 

    Assim, não é atropelando processos que conseguiremos estancar notícias falsas. Não é escrevendo sem fôlego que frearemos as ansiedades exacerbadas.

    Furor

    Após todo o espetáculo e comentários do espetáculo de terça-feira, as notícias de quarta, e o caos sem fôlego desta quinta – dias, cálculos e notícias nada triviais – precisamos sim de cobranças severas e direcionadas. Bem como precisamos nos atentar à ética das palavras, da divulgação, das notícias. Além disso, seguimos buscando a empatia das ideias, das defesas científicas, em cada cobrança de políticas públicas de nossos governantes.

    A espetacularização ocupa as telas e nos impõe estados de urgência. Urgência que já está sendo vivida por todos aqueles que estão expondo-se sem auxílios financeiros, aguardando testes diagnósticos (que apodrecem em estoques empoeirados). Ou, ainda, quando vemos mães que perdem empregos por não ter onde (ou com quem) deixar seus filhos.

    A vida inteira aconteceu quando pequenos donos de seus negócios batalham diariamente por decisões que levam ao endividamento ou à demissão de funcionários. Quando não são os dois acontecimentos simultaneamente.

    Enquanto isso,

    Nas lives com palavras de exaltação, entre flashes, dúvidas e palmas, as covas cotidianas e coletivas seguem sendo abertas, as UTIs sendo lotadas, oxigênio faltando (OXIGÊNIO FALTANDO), metrôs permanecem abarrotados, entre contas bancárias tão vazias.

    Dessa forma, tentamos entender os dados, analisá-los, debater com colegas. Neste meio tempo, vemos as fake news sendo propagadas, distorcendo nossos diálogos e análises – por pessoas que ocupam postos em veículos de comunicação tidos como mídia tradicional. E isto não pode deixar de ser mencionado!

    No meio de tudo isto, seguimos produzindo o espetáculo. Entretanto, seguimos não conseguindo respeitar o que prometemos defender: o tempo da ciência, do conhecimento, da divulgação científica para apresentar e analisar DADOS. E com estes dados, cobrar posturas políticas que (aí sim) minimizem os efeitos tão vorazes, desta pandemia.

    Não por um preciosismo extremo e sisudo. Mas por defendermos que é pelo acesso ao conhecimento científico e pelo diálogo estabelecido entre pessoas, sobre o conhecimento construído, que tomaremos decisões menos submissas, com menos opressão, obscurantismo e autoritarismo.

    Um dia de cada vez – mas sem esquecer que muitos dias nos esperam.

    Por fim,

    Este texto é um desabafo, teoricamente embasado. Mas ainda assim, um desabafo. E um abraço, longo e demorado, em cada colega da Divulgação e Jornalismo Científicos que tem arduamente trabalhado para analisar dados, artigos, documentos, buscando agir da maneira mais ética, empática e socialmente responsável quanto possível.

    E segue sendo um desabafo, para que tenhamos tempo, com responsabilidade e consigamos (juntos) ajudar a todos os que vem (literalmente) perdendo o fôlego e a vida no meio deste caos cotidiano.

    Para Saber Mais

    DEBORD, G (2000) Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto.

    DEBORD, G (1997) A Sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo, Rio de Janeiro: Contraponto.

    LARROSA, Jorge (2002) Notas sobre a experiência e o saber da experiência, Revista Brasileira de Educação.

    MORAES, ALC (2016) Cultura da imagem e sociedade do espetáculo. São Paulo: UNI, 2016

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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