Tag: levedura

  • Como acontece a interação da levedura com o coronavírus?

    Texto escrito por Fellipe Mello, Carla Maneira da Silva e Ana Arnt

    Até esse ponto, nos textos anteriores, introduzimos uma variedade de conceitos importantes no desenvolvimento do conceito da CORONAYEAST. Vocês podem recapitular as ideias aqui e aqui.

    Vamos revisar as modificações genéticas que a S. cerevisiae deve apresentar para detectar o vírus:

    • O receptor do vírus e regulador da Angiotensina II (ACE2),
    • O “detector” de angiotensina (AT1)
    • As proteínas que fazem a levedura biossensora mudar de cor (os genes repórter).

    Tá, e como isso tudo vai funcionar de forma que a levedura irá acusar a presença do vírus? 

    Primeiro, você precisa saber que, pra funcionar, o biossensor atua na presença de Angiotensina II – que será adicionado ao CORONAYEAST da mesma forma que “tampões de corrida” são adicionadas ao teste rápido – ou seja, um conjunto de reagentes que permite que a reação ocorra e o sinal seja visível. Vamos pensar então nos dois cenários: a levedura na presença e ausência do vírus.

    Na ausência do vírus, a levedura modificada está em um meio contendo uma concentração conhecida de Angiotensina II. Neste cenário, o ACE2 está disponível para converter a Angiotensina II em Angiotensina 1-7, diminuindo a concentração do primeiro. Desta forma, o AT1 não será ativado, uma vez que seu receptor – a Angiotensina II – não estará lá. Receptor não ativado: gene repórter não produzido e levedura não muda de cor.

    Na presença do vírus, a alta afinidade que a proteína Spike do SARS-CoV-2 possui com a ACE2 faz com que sua atividade enzimática fique comprometida. Desta forma, quanto mais vírus, menos ACE2 disponível. Logo: Angiotensina II acumula no meio extracelular, uma vez que a ACE2 está “ocupada” com o SARS-CoV-2, ou, em termos biológicos: a função enzimática de conversão em Angiotensina 1-7 foi capturada pelo vírus. Isto quer dizer que: mais Angiotensina II no meio extracelular significa maior a ativação do receptor AT1.

    É aqui que entra o resultado da nossa pesquisa! Na presença do vírus, portanto, o receptor AT1 ativado da levedura modificada geneticamente emitiria um sinal que faria o gene repórter ativar e produzir uma proteína que faria a levedura mudar de cor: fluorescente ou vermelha, a olho nu.

    Nossa! Que legal! Eu estou com suspeita de COVID-19, onde posso fazer este teste diagnóstico?

    Calma! O CORONAYEAST ainda está sendo desenvolvido pelo LGE!

    Benefícios da pesquisa, caso os resultados sejam positivos

     Uma vez que o CORONAYEAST estiver pronto e funcional, seus benefícios serão extensos. Vamos falar um pouco disso agora…

    Primeiro, o preço. Imagine a diferença de custo entre produzir um diagnóstico dependente de insumos importados e infraestrutura especializada (como é o caso do qRT-PCR) e um teste em que um microorganismo faz tudo. A levedura cresce fácil – coloque um pouco de açúcar e pronto. Sem contar que o Brasil tem uma infraestrutura bastante robusta para isso. Isto é, já produzimos bastante desse fungo para usarmos na produção de etanol, por exemplo. E o diagnóstico só dependeria dela, a S. cerevisiae modificada (com um pouco de Angiotensina II). Estimamos custo de produção até 100 vezes menor que para o teste de PCR!

    Outra vantagem importante é a especificidade. Como falamos, a detecção do SARS-CoV-2 é permeada por um GPCR e, por isso, é bastante específica. A única possibilidade de se alterar o sinal captado pelo AT1 é a ligação do vírus com ACE2. Aliás, usarmos a ACE2 também é outra garantia de especificidade, porque sabemos que esta é a única forma que o coronavírus da covid-19 reconhece uma célula hospedeira. Também não prevemos a alteração da funcionalidade desta enzima por qualquer outro composto presente na saliva. Esta é uma característica do CORONAYEAST que o coloca à frente dos atuais testes rápidos, porque sabemos o quanto estes têm altas taxas de resultados falsos.

    Ademais, o diagnóstico para Covid-19 a partir do biossensor baseado em levedura detecta o vírus inteiro. Isso quer dizer que 1) não precisamos extrair material genético viral, como o teste de PCR; 2) não é baseado em anticorpos, como nos atuais testes rápidos imunológicos, permitindo identificar potenciais vetores da doença, ainda que assintomáticos; 3) poderia ser usado em superfícies para teste da presença do vírus, permitindo a correta desinfecção de ambientes. CORONAYEAST se apresenta como um conceito disruptivo e inovador que está sob atual desenvolvimento e poderá mudar a forma como fazemos diagnósticos virais!

    E sabe o que é mais interessante de tudo isto? É tecnologia brasileira, pesquisa nacional, feita por cientistas do nosso país. Barateando o custo para diagnóstico e o tempo de resposta do resultado. 

    Este texto foi elaborado a partir de uma pesquisa financiada pela FAPESP, cujo processo é n.2018/03403-2

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Para Saber mais

    Chauhan DS, Prasad R, Srivastava R et al. Comprehensive Review on Current Interventions, Diagnostics, and Nanotechnology Perspectives against SARS-CoV-2. Bioconjug Chem 2020:acs.bioconjchem.0c00323.

    Nakamura, Y., Ishii, J. and Kondo, A. (2014), Construction of a yeast‐based signaling biosensor for human angiotensin II type 1 receptor via functional coupling between Asn295‐mutated receptor and Gpa1/Gi3 chimeric Gα. Biotechnol. Bioeng., 111: 2220-2228. doi:10.1002/bit.25278

    Tang Y-W, Schmitz JE, Persing DH et al. Laboratory Diagnosis of COVID-19: Current Issues and Challenges. McAdam AJ (ed.). J Clin Microbiol 2020;58:e00512-20.

    Os Autores

    Ana Arnt é Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência!

    Carla Maneira da Silva Mestranda em Genética de Micro-organismos pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Realiza suas atividades de pesquisa no Laboratório de Genética e Bio-Energia (LGE). Possui experiência na área de genética e engenharia metabólica. Mais especificamente na produção de compostos de interesse econômico a partir de micro-organismos. Assim como na produção de biossensores baseados em levedura.

    Fellipe Mello é Engenheiro químico (2014) e doutor em ciências (2019) pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é post doc em engenharia genética no Laboratório de Genômica e bioEnergia no Instituto de Biologia da Unicamp. Tem experiência na área de engenharia química, com ênfase em termofluidodinâmica, no reaproveitamento de biomassas e purificação de proteínas; e na área de genética, com ênfase em engenharia metabólica e estudo de QTLs.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Leveduras, genes modificados e diagnóstico de Covid-19

    Texto escrito por Fellipe Mello, Carla Maneira da Silva e Ana Arnt

    No primeiro texto, falamos um pouco do desenvolvimento do teste diagnóstico para Covid-19 baseado em uma levedura modificada geneticamente. Mas agora, neste segundo texto, vamos explicar um pouco mais sobre o que são estas modificações e de que modo ela acontece na levedura. Isto é, vamos entrar um pouco mais a fundo no mundo da Engenharia Genética para entender melhor como a ciência trabalha e é produzida!

    Levedura modificada geneticamente – o que estamos modificando nela?

    Organismos geneticamente modificados (OGM) são mais comuns do que imaginamos. O ser humano tem utilizado vastamente o melhoramento genético em benefício da nossa sociedade. Por exemplo, a seleção de características de interesse em animais e plantas – que é traço de nossa organização social desde os primórdios. Além disso, temos a produção de químicos específicos por microrganismos,  

        O CORONAYEAST não é diferente: é um biossensor viral baseado em uma levedura que precisa ter seu genoma editado para servir a esse propósito. Para tal, precisamos inserir no microorganismo alguns genes heterólogos. Calma, o nome é difícil, mas a explicação é simples…  Isto é, o que quisemos dizer é que são genes que a espécie Saccharomyces cerevisiae não possui naturalmente.

    Como já falamos sobre o funcionamento do CORONAYEAST, podemos dividir essas modificações genéticas em três grupos principais: 1) proteína ACE2 de humano, responsável tanto pela percepção do SARS-CoV-2 quanto pelo controle do hormônio angiotensina II (já vamos explicar!); 2) receptor AT1 de humano, receptor de membrana da classe das proteínas do tipo G que consegue detectar angiotensina II e enviar um sinal pra célula; 3) os genes repórter, que produzem proteínas que conferem a mudança de cor e fluorescência na levedura e que são ativados pelo receptor AT1.

    Agora é que vem a parte complicada e cheia de termos. Mas respira fundo aí que a gente vai explicar com calma um por um!

    ACE2, AT1 e SARS-CoV-2: quê?

    A ACE2 – Enzima Conversora de Angiotensina 2 é encontrada naturalmente em humanos. Assim, ela tem o papel de regular os níveis de Angiotensina II no nosso organismo, convertendo-a em Angiotensina 1-7.

     A Angiotensina II é um hormônio peptídeo que atua na vasoconstrição e, junto com a ACE2, faz parte do sistema renina-angiotensina (RAS), que é um intricado e complexo sistema de regulação da nossa pressão arterial. Além disso, também estão presentes os receptores de membrana, como o AT1. O AT1, como dissemos, consegue perceber a concentração de angiontesina II no meio e enviar um sinal para a célula reagir em conformidade. Ou seja, a resposta celular varia de acordo com a quantidade do hormônio detectado. Ademais, esse receptor de membrana faz parte da classe dos GPCR. Ou seja: o AT1 reage apenas à presença de angiotensina II e consegue detectar baixas concentrações deste hormônio. 

    Todavia, o entendimento de todo esse sistema é importante não apenas para entender o CORONAYEAST. Foi essencial também para elucidar os efeitos da COVID-19 em pacientes. O SARS-CoV-2 tem apenas uma forma de infectar nossas células: através da ligação com a ACE2 . Portanto, ao detectar uma possível célula hospedeira, o SARS-CoV-2 se liga a essa enzima e faz com ela não consiga desempenhar seu papel normalmente. Resumindo: quando o vírus nos infecta, o ACE2 fica comprometido e, por isso, apresentamos maiores níveis de angiotensina II.

    Mas e o gene repórter? Pois é, Faltou explicar este último dos 3 elementos que precisamos modificar na levedura: o ACE2, o AT1 e o Gene Repórter…

    Gene Repórter: o que é e por que ele é necessário?

    Para fechar o sistema biossensor, precisamos de um, ou mais, gene repórter. Entretanto, para ficar claro o porquê e como vamos usar esse artefato, precisamos de uns conceitos básicos de genética. Mas calma, não é nada muito complicado. O que precisamos saber é que os genes são estruturas formadas de subunidades que regulam sua expressão. Ou seja: pra um gene ativar e produzir uma proteína ele precisa estar sob uma condição específica. Por fim, quem regula essa condição e diz se o gene deve ativar é o promotor. Isto é: não basta um ser vivo “ter um gene” para determinada função. Assim, este gene precisa de um agente externo (o promotor) para ser ativado (e produzir uma proteína que funcione!).

    Mas, e o Gene Repórter? É um gene que é inserido junto com os genes de interesse da nossa pesquisa. Dessa forma, no nosso caso da Levedura Saccharomyces cerevisiae, o gene que produz o ACE2 e o gene que produz o AT1. Isto é, quando produzimos um Organismo Geneticamente Modificado, podemos também inserir um gene repórter junto com os genes que queremos que funcionem naquele organismo. Por quê? O gene repórter tem uma atividade facilmente rastreável – produz proteínas luminescentes ou que promovem mudança de cor, por exemplo. Em suma, com isto conseguimos saber que os genes que inserimos estão “funcionando”.

    Assim, no caso desta levedura, o gene repórter produz proteínas que conferem a mudança de cor e fluorescência. Quer dizer, isso quando ativadas pela sinalização dentro da célula gerada pelo receptor AT1!

    Para finalizar: o que tudo isto têm a ver com o teste CORONAYEAST?

    Por fim, depois de explicar todos os genes, receptores, hormônios e enzimas que estão envolvidos na técnica, vamos voltar ao RAS? Lembra que o AT1 percebe a presença de angiotensina II e envia um sinal para a célula?

    Pois bem, esse sinal diz pra um promotor específico, o FIG1, que ele deve ativar um gene. No caso do nosso biossensor, a gente vai colocar um gene repórter regulado pelo FIG1. Na verdade, vamos colocar dois (e por isso falamos que o CORONAYEAST pode ser usado no laboratório ou em casa). Quais? Um gene que produz uma proteína fluorescente e um gene que produz um pigmento visível à olho nu.

    Mas, como isso tudo funciona na presença e ausência do vírus? Agora que explicamos tudo isso, no próximo texto vamos falar com mais detalhes sobre a interação da levedura com o vírus mais apropriadamente!

    Este texto foi elaborado a partir de uma pesquisa financiada pela FAPESP, cujo processo é n.2018/03403-2

    Força Tarefa da Unicamp

    A pesquisa que embasou esta postagem é fruto da “Força Tarefa da Unicamp”. Assim, faz parte de um conjunto pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Para saber mais

    Adeniran A, Sherer M, Tyo KEJ (2015) Yeast-based biosensors: Design and applications FEMS Yeast Res;15:1–15.

    Azzi L, Carcano G, Gianfagna F et al (2020) Saliva is a reliable tool to detect SARS-CoV-2 J Infect 2020;81:e45–50.

    Burrell LM, Johnston CI, Tikellis C et al. ACE2, a new regulator of the renin–angiotensin system. Trends Endocrinol Metab 2004;15:166–9.

    Imai Y, Kuba K, Rao S et al (2005) Angiotensin-converting enzyme 2 protects from severe acute lung failure Nature 2005;436:112–6.

    Nakamura Y, Ishii J, Kondo A (2014) Construction of a yeast-based signaling biosensor for human angiotensin II type 1 receptor via functional coupling between Asn295-mutated receptor and Gpa1/G i3 chimeric Gα. Biotechnol Bioeng;111:2220–8

    Takata, R (2010) O que é um gene repórter afinal?Gene Repórter

    Verdecchia, P, Cavallini, C, Spanevello, A, & Angeli, F (2020) The pivotal link between ACE2 deficiency and SARS-CoV-2 infection European journal of internal medicine, 76, 14–20.

    Zhang H, Penninger JM, Li Y et al (2020) Angiotensin-converting enzyme 2 (ACE2) as a SARS-CoV-2 receptor: molecular mechanisms and potential therapeutic target Intensive Care Med 2020;46:586–90.

    Os Autores

    Ana Arnt é Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência!

    Carla Maneira da Silva Mestranda em Genética de Micro-organismos pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Realiza suas atividades de pesquisa no Laboratório de Genética e Bio-Energia (LGE). Possui experiência na área de genética e engenharia metabólica. Mais especificamente na produção de compostos de interesse econômico a partir de micro-organismos. Assim como na produção de biossensores baseados em levedura.

    Fellipe Mello é Engenheiro químico (2014) e doutor em ciências (2019) pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é post doc em engenharia genética no Laboratório de Genômica e bioEnergia no Instituto de Biologia da Unicamp. Tem experiência na área de engenharia química, com ênfase em termofluidodinâmica, no reaproveitamento de biomassas e purificação de proteínas; e na área de genética, com ênfase em engenharia metabólica e estudo de QTLs.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sabia que leveduras podem fazer diagnóstico de Covid-19?

    Texto escrito por Fellipe Mello, Carla Maneira da Silva e Ana Arnt

    Existem vários testes diagnósticos para a Covid-19, com maior ou menor precisão. Além de ter um resultado altamente confiável, uma das questões que é relevante pra este momento é, termos também uma agilidade nos resultados, com o menor valor possível!

    No Laboratório de Genômica e bio-Energia (LGE) da Unicamp, tivemos a ideia de aplicar leveduras na fabricação de um novo tipo de teste diagnóstico para COVID-19. Este laboratório é especializado, há mais de vinte anos na engenharia genética e aplicação de leveduras em processos industriais.

    O diagnóstico foi denominado CORONAYEAST e será baseado em leveduras que mudam de cor e emitem fluorescência na presença do vírus. Mas antes de falar do teste diagnóstico, vamos conhecer um pouco melhor as leveduras!

    Mas porque leveduras?

    Leveduras são microorganismos unicelulares pertencentes ao reino Fungi. Apesar de não ouvirmos muito falar seu nome, algum dos alimentos mais comuns do nosso cotidiano, como pães e vinhos, são produzidos com uma ajudinha desses pequenos seres. Além disso, leveduras podem ser aplicadas na fabricação de diversos outros produtos industriais, muitas vezes substituindo matérias-primas não-renováveis.

    Devido à sua grande importância histórico-econômica as leveduras – principalmente a espécie Saccharomyces cerevisiae – foram um dos primeiros seres a terem seu genoma sequenciado! E, a partir daí, diversas ferramentas genéticas, capazes de realizar modificações genéticas direcionadas e específicas foram desenvolvidas para esses organismos. Uma das ferramentas mais conhecidas e utilizadas por pesquisadores para a edição genética, não apenas de leveduras, mas também de diversos outros organismos, é o CRISPR/Cas9. É essa técnica que está sendo aplicada pelos pesquisadores do LGE para construir o CORONAYEAST. Ficou curioso? Acesse este vídeo e saiba mais sobre o CRISPR.

    De levedura alimentar à levedura para diagnóstico

    A utilização de leveduras como biossensores não é de hoje. Biossensores são organismos capazes de identificar compostos e acusar sua presença por meio de mudanças estruturais visíveis e/ou mensuráveis. A ideia por trás desse conceito fundamenta-se na compreensão de como as leveduras são e se “comportam” para detectar potenciais parceiros sexuais. Isso acontece através de uma série de reações químicas, com respostas fisiológicas bem específicas. São estas reações que nos interessam, quando estudamos biossensores, pois elas podem ser, digamos assim, “hakeadas” por meio da realização de edições genéticas.

    Basicamente, o que acontece é que leveduras apresentam em sua parede celular um receptor de hormônios reprodutivos (também conhecidos como feromônios). Esse receptor faz parte da classe dos Receptores Acoplados à Proteína G (GPCRs). Estes receptores, apesar deste nome longo e difícil, são comuns em uma variedade de espécies e particularmente  abundantes em mamíferos.

    O que fazemos em laboratório é substituir o GPCR original da levedura por outros GPCRs provenientes de outros organismos. Dessa forma, esta levedura será capaz de perceber outros tipos de sinais – pois cada receptor reconhece hormônios bem específicos. Assim, a substituição do tipo de ação efetuada por esse sinal permite que leveduras tornem-se verdadeiras plataformas de detecção de compostos diversos. No caso do CORONAYEAST, o GPCR que inserimos conseguirá detectar mudanças extracelulares causadas pelo vírus  da COVID-19: SARS-CoV-2!

    Como a levedura detecta o vírus

    É por meio de uma linhagem modificada geneticamente da levedura S. cerevisiae que funcionará o diagnóstico por CORONAYEAST. A linhagem biossensora será capaz de expressar um sistema de recepção viral, assim como um GPCR humano que percebe mudanças fisiológicas que ocorrerem apenas mediante a infecção. Ficou confuso?

    Isto quer dizer que a levedura, funcionando com um GPCR modificado, também expressará (vai produzir proteínas específicas que são) um sistema de recepção viral – como um sensor de movimento, que detecta quando algo passa na frente, por exemplo, só que neste caso, detecta apenas o SARS-CoV-2! 

    E como a levedura nos avisa que o está presente na amostra? 

    Vocês podem estar se perguntando como a levedura nos indica a presença do vírus! Esta é uma das partes interessantes! Quando há presença no novo coronavírus, a levedura muda de cor e emite fluorescência (basicamente: a levedura brilha!). Isso acontece porque o SARS-CoV-2, ao se ligar a este receptor viral, irá causar uma mudança fisiológica no meio onde está a levedura. O GPCR irá captar exatamente essa mudança e isso irá desencadear uma cascata de sinalização dentro da célula que irá orientá-la a mudar de cor. 

    Sua aplicação poderá ocorrer de duas formas:

    (1) Como um teste quantitativo de laboratório. Neste caso, as amostras incubadas com a levedura poderão ser lidas por um aparelho capaz de medir fluorescência – a intensidade de fluorescência das amostras corresponderá a quantidade de partículas virais na amostra ou;

    (2) Como um teste qualitativo em domicílio. Este teste funcionará como um aparato de leitura, semelhante a um teste de gravidez, acusará a presença viral por meio de mudança de cor, após a adição de saliva.

    Finalizando

    Neste primeiro texto, apresentamos um pouquinho do projeto que o LGE, da Unicamp, vem desenvolvendo, ainda com resultados iniciais apenas. Vamos explicar ainda como funciona a pesquisa e de que maneira trabalhamos no laboratório, para alcançar os resultados, nos próximos textos. Aguarde e acompanhe esse trabalho!

    Este texto foi elaborado a partir de uma pesquisa financiada pela FAPESP, cujo processo é n.2018/03403-2

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

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    Unicamp – Coronavírus

    Para saber mais

    Adeniran A, Sherer M, Tyo KEJ (2015) Yeast-based biosensors: Design and applications. FEMS Yeast Res ;15:1–15.

    Lengger B, Jensen MK (2020) Engineering G protein-coupled receptor signalling in yeast for biotechnological and medical purposes. FEMS Yeast Res ;20:87

    Morales-Narváez E, Dincer C (2020) The impact of biosensing in a pandemic outbreak: COVID-19. Biosens Bioelectron ;163:112274.

    Outros textos do Especial Covid-19

    Diagnóstico por RT-qPCR, o que é isso?

    Como se detecta o coronavírus?

    Os Autores

    Ana Arnt é Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência! 😉

    Carla Maneira da Silva Mestranda em Genética de Micro-organismos pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), realiza suas atividades de pesquisa no Laboratório de Genética e Bio-Energia (LGE), possui experiência na área de genética e engenharia metabólica, mais especificamente na produção de compostos de interesse econômico a partir de micro-organismos, assim como na produção de biossensores baseados em levedura.

    Fellipe Mello é Engenheiro químico (2014) e doutor em ciências (2019) pela Universidade Estadual de Campinas, atualmente é post doc em engenharia genética no Laboratório de Genômica e bioEnergia no Instituto de Biologia da Unicamp. Tem experiência na área de engenharia química, com ênfase em termofluidodinâmica, no reaproveitamento de biomassas e purificação de proteínas; e na área de genética, com ênfase em engenharia metabólica e estudo de QTLs.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e que são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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