Tag: matemática

  • A ilusão da Maioria

    Autoria

    Zero

    Oi, para quem não sabe, essa é a minha aparência (uma das).

    Mas porque estou falando disso?

    Pelo menos para mim, uma das maiores questões de sermos quem somos é o receio de como as pessoas intolerantes na sociedade reagirão. Um receio das sanções que posso sofrer, algumas violências diretas ou indiretas que podem se dirigir à mim. Porém ja faz bastante tempo que fortaleço uma ideia que me encorajou e acredito também poder encorajar outras pessoas em situações que tenham receio do que as pessoas intolerantes farão. Digo isso também às situações em geral que possam levar pessoas a terem receio de serem elas mesmas por conta de outras que são intolerantes, seja por etnia, crença, costume, preferências, etc.

    Agora acompanhe meu raciocínio, vamos considerar os indivíduos de uma sociedade representados na imagem abaixo. Os gatinhos como as pessoas que respeitam as outras, e os quadradinhos as intolerantes. Olhando o todo, vemos que há 10 gatinhos e 6 quadradinhos, logo os gatinhos são a maioria.

    Porém vamos acrescentar as conexões. Digamos que todos os quadradinhos nessa sociedade interajam somente entre si. Nesse caso, teremos uma rede assim:

     

    Na visão desses quadradinhos, a sociedade se resume ao seu perfil, por exemplo, que a sociedade seja cis-heteronormatividade. Embora estes quadradinhos não formem a maioria, eles estão conectados uns aos outros dando-lhes a impressão de estarem em contato com uma parte grande da sociedade, como numa bolha, onde todos ali pensam parecido e forma-se a crença de que tal pensamento seja o predominante.

    Contudo, a ilusão da maioria também pode afetar os gatinhos. Imagine que 5 gatinhos interajam com outros 5 quadradinhos, de modo que nenhum quadradinho interaja com mais do que 5 gatinhos.

    Neste cenário, cada gatinho tem a percepção de que a sociedade seja formada por 5 quadradinhos e 1 gatinho (ou seja, seu grupo representa 16% da sociedade), enquanto cada quadradinho tem a percepção de que a sociedade seja formada por 6 quadradinhos e 4 gatinhos (ou seja, seu grupo representa 60% da sociedade).

    Agora imagine que os outros 5 gatinhos decidiram interagir na sociedade, e passaram a se conectar cada um deles com dois quadradinhos, de modo que cada quadradinho não se conecte com mais do que dois novos gatinhos.

    Neste cenário, metade dos gatinhos tem a percepção de que a sociedade seja formada por 5 quadradinhos e 1 gatinho (ou seja, seu grupo representa 16% da sociedade), a outra metade dos gatinhos tem a percepção de que a sociedade seja formada por 2 quadradinhos e 1 gatinho (ou seja, seu grupo representa 33% da sociedade). Por outro lado, cada quadradinho agora tem a percepção de que a sociedade seja formada por 6 quadradinhos e 6 gatinhos (ou seja, seu grupo representa 50% da sociedade).

    Essa é a ilusão da maioria. Pois embora os gatinhos sejam a maioria da sociedade, eles se enxergam como minoria. Pois os quadradinhos estão representando pivôs de conexões. Podemos contextualizar melhor este cenário quando pensamos em alguns pivôs de conexões na nossa sociedade, como líderes religiosos, atores, atletas, influenciadores, jornalistas, artistas, divulgadores científicos e professores. Sim, professores são pivôs de conexões, por exemplo, esse semestre eu tive 140 alunos se encontrando pessoalmente comigo toda semana por períodos de 90 a 300 minutos.

    Mas como explicado, a ilusão da maioria ocorre devido as conexões existentes serem muito direcionadas à minoria, e por isso parecem ser a maioria. Para romper com esta ilusão é necessário que duas técnicas sejam aplicadas em simultâneo!

    • Aumentar as conexões
    • Furar as bolhas

    No nosso caso, fazer com que os gatinhos tenham interação com uma parcela maior da sociedade, descobrindo assim que há mais gatinhos do que quadradinhos. Ao mesmo tempo, fazer com que os quadradinhos interajam não só com outros quadradinhos.

    Embora essa pareça uma solução simples, ela é deveras complicada quando nos sentimos a minoria, quando temos receio de sofrermos algum tipo de violência, de sermos sancionados pelo simples fato de querermos ser quem somos.

    A ilusão da maioria tem ainda um viés mais obscuro, que envolve não só sentir-se minoria, mas buscar participar da aparente minoria. Desde alisar o cabelo, fingir ser cis-heteronormativo, negar suas práticas religiosas ou simplesmente usar vestimentas e cores que não lhe agradam.

    Enfim, além de não serem questões simples de se resolver, são até certo ponto perigosas, mas definitivamente necessárias. Eu como docente de matemática e atuando na divulgação científica, tento trazer esse tema para os espaços que ocupo, abrindo assim conexões à outros gatinhos que assim como eu, já se sentiram minoria frente a uma minoria de quadradinhos.

     

    Sobre quem escreveu

    Podem me chamar de Zero, fiz Licenciatura em Matemática pela USP, Mestrado na UNESP sobre a aprendizagem de Pensamento Computacional, Doutorado na UNICAMP sobre a aprendizagem de Demonstrações Matemáticas, Especialização em Informática Aplicada à Educação no IFRJ e atualmente sou docente de Matemática e curso Licenciatura em Química, ambos no IFRJ.

    Como citar:  

    SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. A ilusão da maioria. Revista Blogs Unicamp, Vol.10, N.1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/a-ilusao-da-maioria/. Acesso em: DD/MM/AAAA

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Gatos ferais no parque Kakaako – CC BY 2.0Por Daniel Ramirez no Flickr (original)

    Bandeiras: Canva Pro

    Edição: clorofreela

  • O problema Água, Luz e Esgoto

    Quem sabe se ligar de um modo diferente você consiga conectar as 3 companhias nas 3 casas?

    Depois de tentar por muitas e muitas vezes unir as 3 casinhas com Água, Luz e Esgoto, ouvi que era impossível. Mas acreditei parcialmente…

    Passavam-se os anos, e de vez em quando eu pegava este desafio para tentar resolver, pensando de formas diferentes, tentando estratégias diferentes… Mas nunca chegando a uma solução.

    No começo de 2011 estava em meu quinto semestre de graduação em Matemática, quando conheci um professor pra lá de peculiar. Ele se apresentava como E.T. (as abreviações de seu nome), e suas aulas de Cálculo III eram estranhamente dinâmicas, bem humoradas e interativas. Meu trajeto até este semestre tinha sido bastante turbulento, muitas reprovações, dúvida constante sobre se eu estava no curso certo, se deveria ou não continuar, ao mesmo tempo que tinha um grande prazer por tudo aquilo que acontecia nas aulas, ainda que não conseguisse corresponder.

    Em meio a essas aulas, veio a notícia de que estaria começando naquele semestre um evento todas as sextas-feiras, chamado Seminários de Coisas Legais e ocorreria às 13h13. O professor convidava a toda a turma para quem quisesse compor as apresentações, bastava entrar em contato, a única condição é que o tópico apresentado deveria “ser legal”.

    Assistindo as apresentações ficava claro que eram realmente seminários legais, e dava vontade de apresentar também. Mas o que eu poderia levar de legal, se mal conseguia o 5.0 necessário pra passar nas disciplinas? Então veio a memória daquele desafio de ligar as 3 casinhas com Água, Luz e Esgoto. Entrei em contato com o professor e apresentei o problema, ele achou legal o suficiente para expor, mas queria ver o que eu faria antes de marcar a apresentação.

    Pesquisei bastante, em blogs, sites, e vários lugares e tentei escrever em matematiquês até formar um “argumento” que garantisse o problema não ter solução. Fiz várias análises, tentei reescrevê-lo de diferentes maneiras utilizando toda aquela matemática que conhecia, usei muitas imagens, e cheguei a um argumento que me convencia de realmente não ter solução. Estava perfeito aos meus olhos, até levar aos professores que estariam me auxiliando naquele momento, e descobri que minha demonstração não demonstrava nada XD. Era algo empírico, mostrava para alguns casos, mas nem de longe garantiria a abrangencia daquele resultado. Hoje analisando, realmente eu não poderia ter chegado naquela demonstração sozinha, já que faltavam algumas ferramentas que estavam para além do repertório conhecido de geometria.

    Enfim, com a orientação deles vim a aprender uma propriedade nova de geometria, um resultado que garantiria realmente não ter solução para este problema. Admito que precisei ler umas 20 vezes essa propriedade, fazer rascunhos com valores, testes e tudo mais pra começar a entender mais ou menos o que ela dizia. Mas a parte legal é que estava satisfatória para apresentar.

    Então essa jovem, com seus 19 anos, que até então teve um trajeto acadêmico de muitos tropeços e quedas nas disciplinas mais básicas do curso, ganha seu momento de palestrar.

    No dia fui de bicicleta para o campus, embaixo de uma chuva torrencial. Cheguei mais molhada do que se tivesse pulado numa piscina, e me sequei com papel toalha no banheiro uns 20 minutos antes de começar. Nervosismo, ansiedade, uma platéia que já seria intimidadora para uma aluna mediano, estava agora em silêncio para me ouvir falar de algo que eu segurava com dificuldade.

    Essa foi uma experiência que realmente me influenciou positivamente. Minha primeira palestra. Minha primeira apresentação de um tópico de matemática para o público acadêmico (fora as atividades dentro de disciplinas). Mas foi um momento que recebi coragem e apoio de vários professores, em particular deste que se apresentava como E.T. Depois disso tive uma maior segurança e estímulo para apresentar em outros lugares, para falar de matemática e me arriscar em aprender propriedades apenas por achá-las legais. Tanto que 12 anos depois estou aqui escrevendo sobre esta experiência.

    E então… cade a demonstração?

    Vamos lá, para a parte 3 deste texto, pois a demonstração merece todo um desenvolvimento cuidadoso.

    Trabalhar em cima desta demonstração, de certa forma, me incentivou a pesquisar e estudar matemática de forma séria e divertida.

    Vamos começar!

    Primeiramente devemos olhar nosso problema como uma questão de grafos no plano bidimensional:

    Cada casa ou companhia equivale a um vértice, ou seja, uma unidade pontual;

    Para facilitar a notação, vou redesenhá-los como pontinhos no plano, denotados por B (casa azul), Y (casa amarela), R (casa vermelha), G (companhia de água), C (companhia de luz) e P (companhia de esgoto).

    Vamos definir também que toda conexão entre uma casa e uma empresa será chamada de aresta.

    Mas não necessariamente estas arestas precisam ser segmentos de retas (basta que seja uma linha que comece e termine em vértices e não se cruze com nenhuma outra linha). Exemplo de duas arestas G-B e G-Y.

    Por fim, cada região do plano, totalmente cercada por arestas, será chamada de uma face. Por exemplo, se eu inserir as arestas C-B e C-Y, formamos duas faces cercada pelos vértices G, C, B e Y (sim, são duas faces, a interna em laranja e a externa que representa o restante do plano).

    Assim, temos 6 arestas (B, Y, R, G, C e P) e seeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee o problema tiver solução, então ele deverá ter 9 arestas:

    • G-B, G-Y, G-R

    • C-B, C-Y, C-R

    • P-B, P-Y, P-R

    Então, se sabemos o número de vértices e de arestas, podemos usar a fórmula de Euler para determinar o número de faces (eu falo um pouco sobre a fórmula de Euler no contexto tridimensional neste texto O Garlon faz vários cortes no poliedro, mas a fórmula de Euler é implacável).

    Para o plano: (número de faces) + (número de vértices) – (número de arestas) = ​​2

    (número de faces) + 6 – 9 = ​​2

    (número de faces) = ​​5

    Assim, seeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee houver solução, teremos 5 faces, 9 arestas e 6 vértices.

    Vamos agora analisar como será a relação destas 5 faces com nossas 9 arestas.

    Faces formadas por 1 aresta (chamaremos de Faces-1): besteira! Pois teríamos um vértice ligado a ele mesmo com uma mesma aresta. Veja que na figura abaixo temos duas faces foramadas pela aresta G-G, a face interna e a face externa.

    Faces formadas por 2 arestas (chamaremos de Faces-2): estranho! Pois estamos fazendo ligando duas vezes uma mesma companhia de uma casa. Veja que na figura abaixo temos duas faces foramadas por duas arestas G-B e B-G, a face interna e a face externa.

    Faces formadas por quantidades ímpares de arestas: sem sentido… pois teríamos uma ligação entre duas casas, ou entre duas companhias (o famoso “gato”). Veja que na figura abaixo temos duas faces foramadas por três arestas G-B, B-C, G-C, a face interna e a face externa.

    Veja que na figura abaixo temos duas faces foramadas por cinco arestas B-Y, Y-P, P-R, R-C, C-B, a face interna e a face externa.

    Com isso, as faces da nossa solução devem ser formadas por um número par de arestas, maior ou igual a 4.

    No entanto, existe um teorema matemático válido para grafos no plano, que diz:

    2*(número de arestas) = ​​1*Face-1 + 2*Face-2 + 3*Face-3 + 4*Face-4 + 5*Face-5 + 6*Face-6 + …

    onde Face-N representa o número de faces formadas por N arestas.

    Agora combinando o resultado da fórmula de Euler, de quando supomos que o problema teria solução, com este novo teorema, temos que:

    2*9 = ​​1*Face-1 + 2*Face-2 + 3*Face-3 + 4*Face-4 + 5*Face-5 + 6*Face-6 + …

    Mas como vimos antes, faces com 1 aresta, 2 arestas e qualquer quantidade ímpar de arestas, não faz sentido para nossa solução. Então temos:

    18 = ​​1*0 + 2*0 + 3*0 + 4*Face-4 + 5*0 + 6*Face-6 + 7*0 + 8*Face-8 + …

    Simplificando fica:

    18 = 4*Face-4 + 6*Face-6 + 8*Face-8 + …

    Mas observe que pela fórmula de Euler, eu tenho 5 faces, então:

    Face-4 + Face-6 + Face-8 + Face-10 + Face-12 + … = 5

    Ou seja,

    18 = 4*Face-4 + 6*Face-6 + 8*Face-8 + 10*Face-10 + 12*Face-12 … ≥ 4*5 + 6*0 + 8*0 + 10*0 + 12*0 + …

    Concluímos com isso que:

    18 ≥ 20

    Mas isso é um absurdo!

    Logo, como consequência temos que aquela hipótese inicial de que o problema teria solução no plano, é falsa.


     

    Sobre o autor

    Podem me chamar de Zero, fiz Licenciatura em Matemática pela USP, Mestrado na UNESP sobre a aprendizagem de Pensamento Computacional, Doutorado na UNICAMP sobre a aprendizagem de Demonstrações Matemáticas, Especialização em Informática Aplicada à Educação no IFRJ e atualmente sou docente de Matemática e curso Licenciatura em Química, ambos no IFRJ.

Como citar:  

SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. O problema Água, Luz e Esgoto. (2023). Revista Blogs Unicamp, Vol. 9, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/11/29/o-problema-agua-luz-e-esgoto/. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Sobre a imagem destacada:

Fotografia Freepik. Arte por Juliana Luiza.

O problema Água, Luz e Esgoto

Autor

Zero

Eu era criança quando o tio Marcelo (um amigo bem próximo de meus pais) me apresentou o seguinte desafio:

Existem 3 casinhas (Azul, Amarela e Vermelha) e 3 companhias (Água, Luz e Esgoto).

Então cada casa precisa ser conectada com cada uma dessas companhias, traçando uma linha no papel sem que se cruzem.

Vamos fazer um exemplo, comecei ligando as três casas com Água.

Então liguei a casa vermelha com Luz e Esgoto.

Então liguei a casa amarela com Luz e Esgoto.

Então liguei a casa azul com Luz.

Agora só falta ligar a casa azul com Esgoto… mas por onde? Observe que todas as regiões ao redor da companhia de Esgoto já estão fechadas.

Ou seja, por onde quer que passemos, precisaremos cruzar uma dessas linhas.

Gostou desse problema?

Que tal tentar resolvê-lo?

Quem sabe se ligar de um modo diferente você consiga conectar as 3 companhias nas 3 casas?

Depois de tentar por muitas e muitas vezes unir as 3 casinhas com Água, Luz e Esgoto, ouvi que era impossível. Mas acreditei parcialmente…

Passavam-se os anos, e de vez em quando eu pegava este desafio para tentar resolver, pensando de formas diferentes, tentando estratégias diferentes… Mas nunca chegando a uma solução.

No começo de 2011 estava em meu quinto semestre de graduação em Matemática, quando conheci um professor pra lá de peculiar. Ele se apresentava como E.T. (as abreviações de seu nome), e suas aulas de Cálculo III eram estranhamente dinâmicas, bem humoradas e interativas. Meu trajeto até este semestre tinha sido bastante turbulento, muitas reprovações, dúvida constante sobre se eu estava no curso certo, se deveria ou não continuar, ao mesmo tempo que tinha um grande prazer por tudo aquilo que acontecia nas aulas, ainda que não conseguisse corresponder.

Em meio a essas aulas, veio a notícia de que estaria começando naquele semestre um evento todas as sextas-feiras, chamado Seminários de Coisas Legais e ocorreria às 13h13. O professor convidava a toda a turma para quem quisesse compor as apresentações, bastava entrar em contato, a única condição é que o tópico apresentado deveria “ser legal”.

Assistindo as apresentações ficava claro que eram realmente seminários legais, e dava vontade de apresentar também. Mas o que eu poderia levar de legal, se mal conseguia o 5.0 necessário pra passar nas disciplinas? Então veio a memória daquele desafio de ligar as 3 casinhas com Água, Luz e Esgoto. Entrei em contato com o professor e apresentei o problema, ele achou legal o suficiente para expor, mas queria ver o que eu faria antes de marcar a apresentação.

Pesquisei bastante, em blogs, sites, e vários lugares e tentei escrever em matematiquês até formar um “argumento” que garantisse o problema não ter solução. Fiz várias análises, tentei reescrevê-lo de diferentes maneiras utilizando toda aquela matemática que conhecia, usei muitas imagens, e cheguei a um argumento que me convencia de realmente não ter solução. Estava perfeito aos meus olhos, até levar aos professores que estariam me auxiliando naquele momento, e descobri que minha demonstração não demonstrava nada XD. Era algo empírico, mostrava para alguns casos, mas nem de longe garantiria a abrangencia daquele resultado. Hoje analisando, realmente eu não poderia ter chegado naquela demonstração sozinha, já que faltavam algumas ferramentas que estavam para além do repertório conhecido de geometria.

Enfim, com a orientação deles vim a aprender uma propriedade nova de geometria, um resultado que garantiria realmente não ter solução para este problema. Admito que precisei ler umas 20 vezes essa propriedade, fazer rascunhos com valores, testes e tudo mais pra começar a entender mais ou menos o que ela dizia. Mas a parte legal é que estava satisfatória para apresentar.

Então essa jovem, com seus 19 anos, que até então teve um trajeto acadêmico de muitos tropeços e quedas nas disciplinas mais básicas do curso, ganha seu momento de palestrar.

No dia fui de bicicleta para o campus, embaixo de uma chuva torrencial. Cheguei mais molhada do que se tivesse pulado numa piscina, e me sequei com papel toalha no banheiro uns 20 minutos antes de começar. Nervosismo, ansiedade, uma platéia que já seria intimidadora para uma aluna mediano, estava agora em silêncio para me ouvir falar de algo que eu segurava com dificuldade.

Essa foi uma experiência que realmente me influenciou positivamente. Minha primeira palestra. Minha primeira apresentação de um tópico de matemática para o público acadêmico (fora as atividades dentro de disciplinas). Mas foi um momento que recebi coragem e apoio de vários professores, em particular deste que se apresentava como E.T. Depois disso tive uma maior segurança e estímulo para apresentar em outros lugares, para falar de matemática e me arriscar em aprender propriedades apenas por achá-las legais. Tanto que 12 anos depois estou aqui escrevendo sobre esta experiência.

E então… cade a demonstração?

Vamos lá, para a parte 3 deste texto, pois a demonstração merece todo um desenvolvimento cuidadoso.

Trabalhar em cima desta demonstração, de certa forma, me incentivou a pesquisar e estudar matemática de forma séria e divertida.

Vamos começar!

Primeiramente devemos olhar nosso problema como uma questão de grafos no plano bidimensional:

Cada casa ou companhia equivale a um vértice, ou seja, uma unidade pontual;

Para facilitar a notação, vou redesenhá-los como pontinhos no plano, denotados por B (casa azul), Y (casa amarela), R (casa vermelha), G (companhia de água), C (companhia de luz) e P (companhia de esgoto).

Vamos definir também que toda conexão entre uma casa e uma empresa será chamada de aresta.

Mas não necessariamente estas arestas precisam ser segmentos de retas (basta que seja uma linha que comece e termine em vértices e não se cruze com nenhuma outra linha). Exemplo de duas arestas G-B e G-Y.

Por fim, cada região do plano, totalmente cercada por arestas, será chamada de uma face. Por exemplo, se eu inserir as arestas C-B e C-Y, formamos duas faces cercada pelos vértices G, C, B e Y (sim, são duas faces, a interna em laranja e a externa que representa o restante do plano).

Assim, temos 6 arestas (B, Y, R, G, C e P) e seeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee o problema tiver solução, então ele deverá ter 9 arestas:

  • G-B, G-Y, G-R

  • C-B, C-Y, C-R

  • P-B, P-Y, P-R

Então, se sabemos o número de vértices e de arestas, podemos usar a fórmula de Euler para determinar o número de faces (eu falo um pouco sobre a fórmula de Euler no contexto tridimensional neste texto O Garlon faz vários cortes no poliedro, mas a fórmula de Euler é implacável).

Para o plano: (número de faces) + (número de vértices) – (número de arestas) = ​​2

(número de faces) + 6 – 9 = ​​2

(número de faces) = ​​5

Assim, seeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee houver solução, teremos 5 faces, 9 arestas e 6 vértices.

Vamos agora analisar como será a relação destas 5 faces com nossas 9 arestas.

Faces formadas por 1 aresta (chamaremos de Faces-1): besteira! Pois teríamos um vértice ligado a ele mesmo com uma mesma aresta. Veja que na figura abaixo temos duas faces foramadas pela aresta G-G, a face interna e a face externa.

Faces formadas por 2 arestas (chamaremos de Faces-2): estranho! Pois estamos fazendo ligando duas vezes uma mesma companhia de uma casa. Veja que na figura abaixo temos duas faces foramadas por duas arestas G-B e B-G, a face interna e a face externa.

Faces formadas por quantidades ímpares de arestas: sem sentido… pois teríamos uma ligação entre duas casas, ou entre duas companhias (o famoso “gato”). Veja que na figura abaixo temos duas faces foramadas por três arestas G-B, B-C, G-C, a face interna e a face externa.

Veja que na figura abaixo temos duas faces foramadas por cinco arestas B-Y, Y-P, P-R, R-C, C-B, a face interna e a face externa.

Com isso, as faces da nossa solução devem ser formadas por um número par de arestas, maior ou igual a 4.

No entanto, existe um teorema matemático válido para grafos no plano, que diz:

2*(número de arestas) = ​​1*Face-1 + 2*Face-2 + 3*Face-3 + 4*Face-4 + 5*Face-5 + 6*Face-6 + …

onde Face-N representa o número de faces formadas por N arestas.

Agora combinando o resultado da fórmula de Euler, de quando supomos que o problema teria solução, com este novo teorema, temos que:

2*9 = ​​1*Face-1 + 2*Face-2 + 3*Face-3 + 4*Face-4 + 5*Face-5 + 6*Face-6 + …

Mas como vimos antes, faces com 1 aresta, 2 arestas e qualquer quantidade ímpar de arestas, não faz sentido para nossa solução. Então temos:

18 = ​​1*0 + 2*0 + 3*0 + 4*Face-4 + 5*0 + 6*Face-6 + 7*0 + 8*Face-8 + …

Simplificando fica:

18 = 4*Face-4 + 6*Face-6 + 8*Face-8 + …

Mas observe que pela fórmula de Euler, eu tenho 5 faces, então:

Face-4 + Face-6 + Face-8 + Face-10 + Face-12 + … = 5

Ou seja,

18 = 4*Face-4 + 6*Face-6 + 8*Face-8 + 10*Face-10 + 12*Face-12 … ≥ 4*5 + 6*0 + 8*0 + 10*0 + 12*0 + …

Concluímos com isso que:

18 ≥ 20

Mas isso é um absurdo!

Logo, como consequência temos que aquela hipótese inicial de que o problema teria solução no plano, é falsa.


 

Sobre o autor

Podem me chamar de Zero, fiz Licenciatura em Matemática pela USP, Mestrado na UNESP sobre a aprendizagem de Pensamento Computacional, Doutorado na UNICAMP sobre a aprendizagem de Demonstrações Matemáticas, Especialização em Informática Aplicada à Educação no IFRJ e atualmente sou docente de Matemática e curso Licenciatura em Química, ambos no IFRJ.

Como citar:  

SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. O problema Água, Luz e Esgoto. (2023). Revista Blogs Unicamp, Vol. 9, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/11/29/o-problema-agua-luz-e-esgoto/. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Sobre a imagem destacada:

Fotografia Freepik. Arte por Juliana Luiza.

  • Porque o ângulo da ligação tetraédrica é 109°?

    Porque o ângulo da ligação tetraédrica é 109°?

    Autor

    Zero

    Na minha última aula de Química Geral (já contei que estou cursando Licenciatura em Química?), vimos sobre ângulos de ligação entre átomos e os nomes que essas geometrias recebiam.

    No caso das geometrias planas (linear e trigonal planar), era fácil entender porque os ângulos de 180° e 120° apareciam (dividir um círculo de 360° em 2 ou 3 partes).

    Na geometria bipiramidal trigonal o raciocínio segue parecido, basta enxergar um trigonal planar combinado com um linear, justificando os 120° e 180°.

    Na geometria octaédrica “vemos” um monte de ângulos retos, então é fácil entender porque os ângulos de 90°.

    Contudo, você percebeu que pulamos a geometria tetraédrica?

    É dito que para ela o ângulo de ligação é de 109°… mas porque?

    Você pode até justificar dizendo que é o ângulo que faz o maior afastamento entre os átomos… mas porque 109° e não 112° ou 106°?

     

    Na minha última aula de Pré-Cálculo para professores de Química (agora digo minha aula, pois era eu que estava ministrando), fazia a revisão dos conteúdos das aulas anteriores, e após tratar logaritmos, quis revisar de uma forma mais prática funções trigonométricas. Então passei esta geometria molecular e propús algo divertido para a turma.

    Se alguém ali, nos próximos 40 minutos, conseguisse mostrar porque aquele ângulo é de 109°, a turma inteira (que assinou a presença naquele dia), ganharia mais 0,5 na média. Detalhe: valia tudo o que estivesse ao alcance da turma, desde pesquisar na internet, no chat-gpt, procurar professores ou veteranos pra responder, mas eles deveriam ser capazes de “explicar” porque são 109°.

    (Isso significa que poderiam ser utilizados recursos quaisquer da matemática, desde que quem fosse explicar, conseguisse entender o que está sendo feito. Sendo capaz de justificar todos os procedimentos adotados)

    (Essa proposta colaborativa foi bastante motivadora e penso usá-la novamente na próxima aula de revisão, pois mesmo quem não precisava daquele 0,5 na média, tinha a intenção de querer ajudar o restante da turma)

    Quase estourando o tempo, conseguiram encontrar a explicação e processá-la de um modo que justificasse o motivo 🙂

     

    Ficou curioso para saber como encontrar esse ângulo?

    Então mostrarei agora a resolução que esperava dos meus alunos (e que fiz para eles após a explicação de sua colega).

    Comece imaginando um tetraedro regular:

    Então vamos pegar uma de suas faces (por exemplo a base) e calcular o seu apótema (que seria a altura de uma aresta que divide o polígono em triângulos isósceles congruentes).

    Como estamos procurando o ângulo, não faz mal escolhermos uma medida para os lados do triângulo, neste caso vou assumir que o triângulo tem lado 2. Agora sabendo que o ângulo interno do triângulo equilátero é de 60°, e que os triângulos internos são isósceles, então seu menor ângulo será de 30°. Logo o apótema A poderá ser descrito como:

    tang(30°) = A/1 = A

    Então vou calcular a altura de uma das faces do tetraedro:

    Sabendo que seu ângulo interno é 60°, então sua altura H será:

    tang(60°) = H/1 = H

    Por fim, vou procurar descobrir o valor da altura X do tetraedro, utilizando o teorema de pitágoras nesse triângulo imaginário que criei, onde A é um dos catetos e H é a hipotenusa:

    Temos que:

    Tang(30°)² + X² = Tang(60°)²

    Substituindo os valores da tangente de 30° e 60°, fica:

    (√3/3)² + X² + √3²

    X² = 3 – 3/9

    X² = 24/9

    X = √(24/9) = 2√6/3

    Assim, sabendo que a altura do tetraedro é 3/2 e sua aresta vale 2, podemos expressar o valor do ângulo θ, como:

    cos(θ) = (2√6/3)/2 = √6/3

    θ = arccos(√6/3) ~ 35.26°

    Retomando ao nosso problema, estamos procurando o ângulo de ligação α que vai do centro do tetraedro até seus vértices. Assim, essas ligações formarão triângulos isósceles, logo dois dos seus ângulos serão iguais. Mas já descobrimos que θ = arccos(√6/3), com isso basta fazer a diferença da soma dos ângulos internos de um triângulo para encontrar α.

    α = 180° – arccos(√6/3) – arccos(√6/3) ~ 109.47°

     

    Ufa! Acho que isso explica porque geralmente não vemos essa explicação 🙂

     
     

    Sobre o autor

    Podem me chamar de Zero, fiz Licenciatura em Matemática pela USP, Mestrado na UNESP sobre a aprendizagem de Pensamento Computacional, Doutorado na UNICAMP sobre a aprendizagem de Demonstrações Matemáticas, Especialização em Informática Aplicada à Educação no IFRJ e atualmente sou docente de Matemática e curso Licenciatura em Química, ambos no IFRJ.

    Como citar:  

     SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. (2023). Porque o ângulo da ligação tetraédrica é 109°? Revista Blogs Unicamp, V.9, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/11/29/porque-o-angulo-da-ligacao-tetraedrica-e-109/
    Acesso em dd/mm/aaaa.

    Sobre a imagem destacada:

    Imagem disponível no Freepik, editada por Clorofreela.

  • Rejeitar ≠ Ignorar

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Marcos Henrique de Paula Dias da Silva

    Como citar:  

    de Paula Dias da Silva, Marcos Henrique (2023) Rejeitar ≠ Ignorar. Revista Blogs Unicamp, V.09, N.01, 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/08/02/rejeitar-≠-ignorar/
    Acesso em dd/mm/aaaa
    Sobre a imagem destacada:

    Menina resolvendo exercícios na lousa, olhando para a foto.

    Atribuição:

     Fotografia por gpointstudio no Freepik, arte por Clorofreela.

  • Funções complexas tem gráficos fofos

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Marcos Henrique de Paula Dias da Silva

    Como citar:  

    de Paula Dias da Silva, Marcos Henrique (2023) Funções complexas tem gráficos fofos. Revista Blogs Unicamp, V.09, N.01, 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/08/02/funcoes-complexas-tem-graficos-fofos/ 
    Acesso em dd/mm/aaaa
    Sobre a imagem destacada:

    Estilização visual do gráfico da função apresentada pelo autor f(z) = z⁴ = (x⁴ – 6x².y² + y⁴) + (4.x³.y – 4.x.y³).i

    Atribuição:

    Gráfico disponibilizado pelo autor. Edição por Clorofreela.

  • A “culpa” não é do Nordeste

    O resultado das últimas eleições presidenciais mexeu bastante com os ânimos da população brasileira. Dentre os tantos absurdos ditos e suas consequências danosas, há um em particular que envolve colocar, no Nordeste, a “culpa” pelo ex-presidente não ter sido eleito. Ouvi muita gente bufando de raiva contra essa região do país, e gostaria de tratar neste post, que essa “culpa” ao qual se referem, não é do Nordeste.

    Recentemente estava preparando minhas aulas da disciplina Tratamento de Dados, quando decidi trazer os dados do índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM) para as 10 cidades do Rio de Janeiro com melhores índices, as 10 cidades com piores índices, e a cidade em que o instituto onde trabalho está situado.

    O índice FIRJAN analisa o desenvolvimento socioeconômico de cada um dos mais de 5 mil municípios brasileiros, em três áreas: Educação e Saúde, Emprego & Renda, elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), com base em dados oficiais disponibilizados pelos Ministérios da Economia, da Educação e da Saúde.

    Assim, associado a este índice, coloquei também a porcentagem de votos no ex-presidente Jair Messias Bolsonaro no 2.º turno de 2018, e no 2.º turno de 2022, como apresento a seguir.

    Na coluna da direita (B2022 – B2018) apresento a diferença na porcentagem de votos que este candidato recebeu no ano de 2022 em comparação a 2018.

    Município IFDM (2016) Bolsonaro 2018 Bolsonaro 2022 B2022 – B2018
    Itaperuna 0.8180 73.67% 65.26% -8.41%
    Nova Friburgo 0.8089 72.83% 59.44% -13.39%
    Piraí 0.7931 61.79% 51.59% -10.20%
    Volta Redonda 0.7921 64.13% 52.88% -11.25%
    Rio de Janeiro 0.7886 66.35% 52.66% -13.69%
    Petrópolis 0.7826 74.20% 62.25% -11.95%
    Itaguaí 0.7815 74.97% 64.34% -10.63%
    Resende 0.7787 74.28% 61.86% -12.42%
    Niterói 0.7784 62.46% 48.79% -13.67%
    Carmo 0.7766 53.34% 45.37% -7.97%
    Duque de Caxias 0.6637 68.79% 58.31% -10.48%
    Varre-Sai 0.6346 66.43% 63.46% -2.97%
    Arraial do Cabo 0.6300 74.73% 64.12% -10.61%
    Cambuci 0.6264 59.85% 49.57% -10.28%
    São Gonçalo 0.6189 67.35% 55.42% -11.93%
    Santa Maria Madalena 0.6186 63.34% 48.51% -14.83%
    Sumidouro 0.6170 71.94% 64.30% -7.64%
    São Francisco de Itabapoana 0.6158 71.10% 66.95% -4.15%
    Queimados 0.6048 68.47% 58.90% -9.57%
    Belford Roxo 0.5963 68.88% 60.20% -8.68%
    Japeri 0.5816 66.48% 58.30% -8.18%

    Você mesmo pode ver que em nenhuma destas 21 cidades, tivemos uma porcentagem de votos em 2022 maior do que em 2018.

    Ou seja, de 3 a 15% da população de cada uma destas cidades, que em 2018 votou em Bolsonaro, mudou seu voto após 4 anos.

    Tirando a média aritmética das diferenças destas 21 cidades, temos que em cada cidade, em média 10% da população que em 2018 votou em Bolsonaro, mudou seu voto após 4 anos.

    Observe também que em 2018, Bolsonaro venceu todas estas 21 cidades, já em 2022 ele venceu em 17 destas 21 cidades.

    Isto nos mostra que, em 4 anos no papel presidente do Brasil, este candidato perdeu muitos dos seus eleitores, tanto nas cidades com melhores índices FIRJAN, como naquelas com piores.

    Assim, não é o Nordeste o único “culpado” por hoje termos um presidente diferente, mas a “culpa” também se deve aos eleitores das outras regiões do país, incluindo estas 21 cidades do Rio de Janeiro, que em 4 anos puderam refletir sobre a escolha que realizaram.

    Imagem de capa

    Fonte das informações: TSE
    Infográfico: G1

  • Dilema do Prisioneiro e o Lockdown

    Dilema do Prisioneiro é um famoso experimento mental da teoria dos jogos (ramo da matemática aplicada que estuda situações estratégicas onde os participantes escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno), que apesar de variações nos valores, pode ser exemplificado como:

    Duas pessoas são presas (A e B) por um crime e mantidas em celas separadas.

    Então apresentam a ambas a mesma proposta:

    • se você confessar e seu parceiro ficar em silêncio, você estará livre e seu parceiro cumprirá 10 anos de prisão;
    • se você ficar em silêncio e seu parceiro confessar, você cumprirá 10 anos de prisão e ele estará livre;
    • se você e seu parceiro confessarem, ambos cumprirão 5 anos de prisão;
    • se nenhum dos dois confessar, ambos cumprirão 1 ano de prisão.
    Prisioneiro “B” se mantêm em silêncioPrisioneiro “B” confessa
    Prisioneiro “A” se mantêm em silêncioAmbos cumprirão 1 ano“A” cumprirá 10 anos enquanto “B” sai livre
    Prisioneiro “A” confessa“A” sai livre enquanto “B” cumprirá 10 anosAmbos cumprirão 5 anos

    Esquema da relação

    Nesse dilema cada prisioneiro precisa fazer a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. Assim nesse dilema surge a questão da desconfiança na hora de buscar uma consequência pequena para ambas as partes (manter o silêncio) e do medo de ser traído pelo parceiro que pode agir de modo egoísta, obtendo assim a liberdade sem se importar com o que ocorra ao outro. 

    Numa situação dessa, como você agiria?

    O medo mútuo de ser “traído” nesse caso, leva ambos a confessarem, fazendo com que sofram uma penalidade bem maior do que manter o silêncio.

    Ok, mas o que isso tem a ver com o Lockdown?

    De fato, vamos trocar no dilema os protagonistas de prisioneiros para cabelelereiros.

    Em uma pequena comunidade bem isolada de qualquer outra, o único serviço presencial que atende aquela população é o de cabeleleiro, e lá existem dois cabeleleiros (X e Y) que atendem a toda a demanda dessa população. Mas com a pandemia e o surgimento dos casos de COVID-19 nessa região, decretaram o fechamento de seus estabelecimentos até que houvesse uma grande redução nos casos.

    Porém as contas não param de surgir e ambos os cabeleleiros precisam lidar com essa situação:

    • se eu obedeço a restrição enquanto meu concorrente atende escondido, eu começarei a acumular dívidas, mas ele vai faturar mais (pois agora todos os clientes iriam apenas pra ele), e também o número de casos não vai diminuir, então a restrição continuaria;
    • se eu atender escondido enquanto meu concorrente obedece a restrição, ele começará a acumular dívidas, mas eu vou faturar mais (pois agora todos os clientes iriam apenas pra mim), e também o número de casos não vai diminuir, entao a restrição continuaria;
    • se ambos atendemos escondidos, manteremos o mesmo faturamento de antes, não teremos dívidas, mas o número de casos não vai diminuir, então a restrição continuaria;
    • se ambos cumprimos as restrições, ambos acumularemos dívidas, mas o número de casos diminuiria, então a restrição terminaria.
     Cabeleleiro Y obedece a restriçãoCabeleleiro Y continua atendendo
    Cabeleleiro X obedece a restriçãoAmbos tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 reduzemY tem lucro, X tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 continuam
    Cabeleleiro X continua atendendoX tem lucro, Y tem prejuízo, mas os casos de COVID-19 continuamAmbos mantêm seus faturamentos, mas os casos de COVID-19 continuam

    Esquema da relação

    Nesse dilema cada cabelereiro precisa fazer a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar (senão não seria um atendimento escondido), e nenhum tem certeza da decisão do outro. Assim nesse dilema surge a questão da desconfiança na hora de buscar uma consequência pequena para ambas as partes (ter prejuízo/acumular dívidas) e do medo de ser traído pelo parceiro que pode agir de modo egoísta, obtendo assim seu lucro (ou mantendo seu faturamento) sem se importar com o que ocorra ao outro. 

    Numa situação dessa, como você agiria?

    O medo mútuo de ser “traído” nesse caso, leva ambos a atenderem escondidos, fazendo com que seus faturamentos se mantenham mas que o número de casos de COVID-19 continuem.

    Percebeu agora a relação desse dilema com o Lockdown?

    Nesse contexto simplificado, temos dois estabelecimentos apenas (dois prisioneiros), enquanto que nos contextos mais próximos da realidade temos incontáveis estabelecimentos (incontáveis prisioneiros), sendo tentados com a oferta de agirem de forma egoísta (confessarem) sem se importar com as consequências que isso resultará aos outros (tanto seus parceiros, quanto o fato do número de casos de COVID-19 continuarem).

    A solução para o Dilema do Prisioneiro, é o pensamento colaborativo, de entender que se cada um buscar apenas o melhor apenas para si, chegarão a um resultado pior do que se buscarem uma solução melhor para o coletivo. Deixo ao leitor, a tarefa de encontrar a solução para o Dilema do Cabelereiro.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Zero

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Podemos comparar estas duas cidades? Exercícios complexos para uma pergunta simples (parte 2)

    No dia 26 de maio me perguntaram sobre a relação entre os casos confirmados e quantidade de óbitos de duas cidades, Porto Alegre e Hong Kong. A ideia geral da pergunta era: estes números são semelhantes?

    Ao tentar responder a pessoa ao que parecia uma pergunta simples, me vi envolta a inúmeras questões importantes sobre todo o fenômeno da COVID-19 e o quanto, também, temos apresentado dados sem que necessariamente as pessoas saibam não apenas receber a informação, mas questioná-las e compreendê-las de maneira menos apressada. 

    A pergunta gerou uma pesquisa que foi se estendendo, se estendendo e cá estamos, no segundo texto da série!

    O primeiro texto pode ser lido aqui. Em resumo, no dia 26 de maio, Porto Alegre tinha 1049 casos confirmados e 32 óbitos. Hong Kong tinha 1066 casos confirmados e 4 óbitos. No primeiro texto, eu busquei analisar algumas questões relacionadas à população total das duas cidades e, também, densidade populacional.

    Neste segundo texto, eu vou apresentar um pouco de como estas cidades estavam 15 dias depois, no dia 09 de Junho e comparar com os dados anteriores…

    Vamos aos dados?

    Ao olhar os números do dia 09 de Junho, 15 dias depois, como estão os dados destas duas cidades?

    • Hong Kong tinha 1.108 casos confirmados da doença, segue com 4 óbitos, 55 casos ativos (3 destes em estado crítico) e 1049 recuperados. Isto representa um aumento de 3,8% de casos confirmados em relação aos números de 26 de maio.
    • Porto Alegre tem 1.712 casos confirmados de Covid-19, têm 45 óbitos, 619 casos recuperados e 4.753 casos suspeitos em análise (aguardando o resultado). Isto representa um aumento de 63,2% de casos confirmados e 40,62% de aumento de óbitos em relação aos números de 26 de maio.

    Quadro 1. Dados totais e percentuais nas datas 26 de Maio e 09 de Junho.

    Imagino que já seja possível compreender, nestes números, como olhá-los isoladamente não faz sentido e podemos cair em falsas impressões de que tudo está tranquilo.

    Vou propor um exercício que sempre é interessante, e que pode ser feito entre o pior e melhor cenário do dia. Não temos o cenário de Hong Kong, por isso pode ser pensado como injusta a comparação. Considerando o pior cenário, no dia 09 de Junho, teríamos 4.753 casos suspeitos que se confirmariam via testes. Neste caso, ao invés de 1.712 casos, teríamos 6.465 confirmações (um aumento de 616,3% de casos confirmados).

    Se metade destes casos em análise se confirmarem, já seriam 2.376 casos confirmados a mais, gerando um total de 4.088 casos confirmados (o que nos daria um aumento de 389,7% de casos confirmados). O melhor cenário seria todos estes casos em análise negativarem. No melhor cenário para o dia 09 de Junho, tivemos um aumento de 63,2% de casos confirmados e 40,62% de óbitos.

    Existem outros dados relevantes?

    Na primeira postagem desta série, eu apresentei os dados comparando o número de infectados a cada 100 mil habitantes e a densidade populacional. Então, abaixo, vou apresentar os mesmos dados nas duas datas já mencionadas.

    Para retomar os dados populacionais:
    – Porto Alegre tem cerca de 1.483.770 habitantes e uma densidade populacional de 2.837,52 habitantes por km2 (segundo dados da Prefeitura de Porto Alegre).

    – Hong Kong tem cerca de 7.493.240 habitantes e uma densidade populacional de 6.510,23 habitantes por km2 (Segundo o Index Mundi).

    Quadro 2. Comparação entre Números absolutos e comparativos à densidade populacional e número de habitantes em 26 de Maio e 09 de Junho

    Estes dados nos mostram que em Porto Alegre, tivemos um aumento de 81,92% de casos confirmados por 100 mil habitantes, enquanto Hong Kong teve um aumento de 2,07% de casos confirmados. 

    Em relação à densidade populacional dos casos confirmados, Porto Alegre teve um aumento de 62,68%, enquanto Hong Kong teve um aumento de 3,23%.

    Não apenas os dados das duas cidades eram diferentes na data do dia 26 de maio, como descrito no primeiro post desta série, como observar estes dados 15 dias depois aponta para uma diferença que, infelizmente, é gigantesca.

    Ao olhar os óbitos nas duas cidades, novamente a diferença se faz gritante. Hong Kong manteve a quantidade de óbitos, nestes últimos 15 dias. A relação de óbitos, no entanto, precisa de um olhar mais atento – que também será abordado em um próximo texto.

    Vamos observar as medidas das duas cidades…

    Hong Kong impôs um período de severo isolamento social na cidade. Quando o novo coronavírus foi anunciado, dia 31 de Dezembro de 2019, pela questão geográfica de proximidade, Hong Kong tomou medidas preventivas rapidamente. No dia 03 de Janeiro já havia controle dos desembarcados no aeroporto, com política de quarentena para quem tivesse qualquer sintoma. O primeiro caso foi registrado no dia 23 de Janeiro e a cidade foi impondo uma agenda de controle e registro de cada caso que aparecia. A partir do dia 13 de Fevereiro, fez um isolamento severo, sem lockdown, mas controlando a circulação de pessoas, proibição de viagens, fechamento de escolas e universidades e quarentena para pessoas que chegavam na cidade. O uso de máscaras na região, em casos de doenças infecciosas, já é um hábito. Hong Kong é uma das cidades com maior densidade populacional do mundo e, mesmo assim, a quantidade de mortos se mantém a mesma há mais de 2 meses, com um crescimento pequeno de casos confirmados.

    A flexibilização das práticas de isolamento social em Hong Kong, neste caso, se faz a partir não da análise dos números brutos de um dia ou uma semana, mas de meses de controle dos contatos sociais de modo disciplinado, aliado a uma testagem em massa da população (o que ainda vamos debater na próxima postagem da série). Lembrando que Hong Kong registrou seu primeiro caso em 23 de Janeiro, a flexibilização no dia 26 de maio seria 125 dias depois da primeira confirmação de casos da COVID-19 no país.

    Ainda é bom falar que esta flexibilização não se faz por uma ideia de que não existirá contaminação, mas a partir do controle de casos que forem aparecendo – via testes, fechando e abrindo a cidade de maneira disciplinada e estruturada, aumentando a capacidade hospitalar.

    Os dados de Porto Alegre – considerando que esta cidade que apresenta bons índices em relação ao Brasil – devem ser observados com cautela quando percebemos que existe, sim, um aumento da quantidade de contágio, internações e com uma enorme quantidade de casos em análise. Porto Alegre implementou um protocolo para aeroportos no dia 28 de Janeiro. O primeiro caso confirmado na cidade foi noticiado no dia 08 de Março, dia 16 de Março as aulas são suspensas. As medidas de flexibilização que vinham sendo debatidas no dia 26 de Maio, aconteciam 81 dias após o primeiro caso registrado na cidade, com 2.743 casos em análise (aguardando resultado).

    Reportagem da Gaúcha ZH de Tiago Boff no dia 26 de Maio, sobre o transporte público na capital gaúcha.

    Enquanto isso, tal como a reportagem acima afirma, o isolamento proposto em Porto Alegre – assim como em várias capitais brasileiras – não tinha uma adesão tão grande quanto deveria (por inúmeros motivos políticos, econômicos e sociais). 

    Nestes 15 dias – entre 26 de maio e 9 de junho – não apenas Hong Kong se manteve estável em relação às mortes, como permaneceu com uma média de testes populacional muito maior do que em nosso país. Mesmo assim, com uma quantidade de testes menor, aumentamos nossos casos confirmados e mortes de maneira expressiva. Vale lembrar que o Brasil, na data de 09 de Junho, estava fazendo 6 vezes menos testes do que Hong Kong, por milhão de habitantes. Com isso, temos uma quantidade de casos que são considerados leves e moderados que não têm sido testados em nosso país. Em toda a análise que apresentei aqui, desconsiderei completamente os casos de subnotificação por falta de testes.

    Finalizando

    Este post foi estruturada como resposta a uma pergunta feita no dia 26 de maio. É o segundo texto elaborado e minha ideia era não apenas apresentar os dados, mas tentar trabalhar um pouco sobre como, dentro da divulgação científica e dentro das áreas de pesquisa, vamos buscando compreender e estudar estes dados.

    Ainda há bastante temas para trabalhar em cima disso, vou falar um pouco sobre testes, subnotificações, modelagem epidemiológica e determinantes sociais da doença. Alguns destes itens já foram trabalhados aqui no blogs, outros ainda não… Este exercício se mostra interessante, mesmo alguns números ficando, aparentemente, desatualizados, pois nos impõe garimpar dados, olhar diferentes fontes, fazer perguntas aos números que nos são apresentados.

    Para escrever este texto, assim como o primeiro, eu contei com a leitura, revisão e boas conversas com uma galera da Divulgação Científica e da Unicamp, que eu faço questão de agradecer aqui:Marco Henrique, do blog zero (que além da revisão e das mil ideias, fez as imagens e corrigiu todos os cálculos! hehehe), o Samir Elian, do blog Meio de Cultura A Erica Mariosa, do blog Mindflow, o Roberto Takata, do blog Gene Reporter e o Professor Hyun Mo Yang, do Instituto de Matemática, Estatística e Ciências da Computação (IMECC) da UNICAMP.

    Para saber mais

    AAA INOVAÇÃO. Linha do Tempo do Coronavírus no Mundo [31/12/19 até 10/06/2020]. Acesso em 09/06/2020.

    BOFF, Thiago (2020) Passageiros e motoristas de linhas que podem ser suspensas afirmam que ônibus circulam lotados em Porto Alegre Gaúcha ZH, Porto Alegre, 26 de Maio de 2020. Acesso em 15/06/2020

    CRONOLOGIA DA PANDEMIA COVID-19. Wikipedia. Acesso em 09/06/2020.

    DIHL, Bibiana. Porto Alegre é a primeira cidade do país a ter decreto de emergência reconhecido pelo governo federal. Gaúcha ZH Porto Alegre, 02/04/2020. Acesso em 09/06/2020.

    GONZATO, Marcelo (2020). Porto Alegre tem a quarta menor incidência de coronavírus entre as capitais. Gaúcha ZH Saúde.

    HONG KONG. (2020a) Coronavirus  Acesso em 15/06/2020

    HONG KONG (2020b) Latest Situation of Novel Coronavirus infection in Hong Kong Acesso em 15/06/2020

    HONG KONG NÃO TÊM (2020) Hong Kong não tem novos casos de coronavírus pela 1ª vez em quase 2 meses. Valor Econômico. Acesso em 09/06/2020.

    LIMA, Lioman. (2020). Coronavírus: 5 estratégias de países que estão conseguindo conter o contágio. BBC Brasil, 18/03/2020. Acesso em 09/06/2020

    MINISTÉRIO DA SAÚDE (2020) Coronavírus Brasil. Acesso em 09/06/2020.

    MOTA, Renato. Países asiáticos voltam a ver seus números da Covid-19 crescerem. Olhar Digital, 07/04/2020. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE. Secretaria de Saúde (2020a). Boletim COVID-19 nº 65/2020. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE. Secretaria de Saúde (2020b). Boletim COVID-19 nº 78/2020. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE. (2020c) Prefeitura prorroga decreto de isolamento social e libera mais alguns setores. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE (2020d). Vigilância do novo coronavírus mobiliza área de saúde da Capital. Acesso em 15/06/2020

    PORTO ALEGRE (2020e). Saúde Municipal se mobiliza para vigilância do coronavírus

    ROCHA, Camilo. (2020). Os estudos que mostram o impacto positivo do isolamento social.   Nexo Jornal, 21 de abr de 2020. Acesso em 09/06/2020.

    SORDI, Jaqueline (2020). Lupa na Ciência: Estudos mostram eficácia do isolamento social contra Covid-19 e projetam cenários. Agência Lupa, 20 de abril de 2020. Acesso em 09/06/2020.

    YUGE, Claudio. (2002). Países que já haviam controlado a COVID-19 confirmam a 2ª onda de infecções. Canal Tech, 06 de Abril de 2020. Acesso em 09/06/2020.

    WORLDOMETERS. Coronavírus. Acesso em 09/06/2020.

    ZUO, Mandy; CHENG, Lilian; YAN, Alice e YAU, Cannix. (2019). Hong Kong takes emergency measures as mystery ‘pneumonia’ infects dozens in China’s Wuhan city.South China Moorning Post,  31 dezembro de 2019. Acesso em 09/06/2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Lendo gráficos sobre a COVID-19

    Vemos cada vez mais nos jornais e outras mídias o uso de gráficos das mais variadas formas. Porém, uma pergunta relevante é: todo mundo sabe ler e interpretar estes gráficos? Conheça os principais tipos neste post!

    Estamos em uma época em que a troca de informações de forma rápida e eficiente é mais que necessária, não somente para pesquisadores que estão lutando para lidar com os problemas causados pelo coronavírus, mas para administradores públicos que precisam se organizar e para a população em geral que quer se manter informada. Logo é importante saber interpretar estes dados, para não acabar com visões distorcidas da realidade.

    Gráficos lineares

    Vamos pegar um exemplo:

    Gráfico de casos de COVID-19 no Brasil. Fonte: MonitoraCovid-19 (Icict/Fiocruz)

    Para a leitura de qualquer gráfico, começamos por identificar o que cada eixo representa. Neste exemplo, o eixo vertical representa o número de pessoas infectadas com o SARS-CoV-2 e no eixo horizontal representa a data desde o início da epidemia.

    Cada ponto neste gráfico representa um dado oficial de casos, isto é, são dados observados que mostram a situação real em um determinado instante. Já a curva formada pela ligação dos pontos é conhecida como interpolação linear, ela serve para termos uma noção do comportamento do número de casos entre cada medida experimental e dar uma idéia do comportamento geral dos dados, porém tem pouco poder preditivo sobre casos futuros.

    Gráficos logarítmicos

    Como o crescimento do número de casos é bastante rápido, sendo aproximadamente exponencial, é comum usar uma escala chamada “logarítmica” para mostrar os mesmos dados. Veja os mesmos dados em uma escala logarítmica:

    Gráfico semi-log de casos de COVID-19 no Brasil. Fonte: MonitoraCovid-19 (Icict/Fiocruz)

    Note a escala do eixo vertical. A cada trecho o valor é multiplicado por 10, essa é a principal característica que distingue um gráfico “linear” (isto é, uma escala proporcional) como caso anterior, e um gráfico em escala logarítmica. Neste tipo de gráfico distâncias iguais no eixo vertical não representam o mesmo acréscimo nos valores totais representados!

    Em especial, como somente o eixo vertical está em escala logarítmica, tendo o eixo horizontal sendo mantido em escala linear, este gráfico é comumente chamado de “semi-logarítmico” (ou semi-log).

    Quanto mais próximo de uma reta, mais o comportamento dos dados se aproxima de um comportamento exponencial. Podemos ver que nos primeiros dias o número de casos se multiplica por dez aproximadamente a cada oito dias, já nas últimas semanas temos uma diminuição na velocidade de aumento dos casos. Esta perda de força pode ser um bom sinal, isto é, que o número de pessoas sendo contaminadas pelos já doentes está diminuindo, ou um problema nos dados devido a subnotificação, uma vez que a falta de testes faz com que apenas casos graves sejam testados.

    Regressões

    Alguns gráficos, além de mostrar os pontos experimentais, mostram uma curva que representa uma função matemática que melhor descreve os dados reais. Esta curva é chamada regressão (ou projeção), e ajuda a ter uma ideia do comportamento geral dos dados e dá um poder preditivo maior em relação a uma simples interpolação linear.

    Gráfico linear com número de casos (linha sólida) e previsão para os próximos dias (linha pontilhada). Fonte: Painel Coronavírus Brasil (Fiocruz Bahia e UFBA)

    A confiabilidade dessas previsões depende muito do modelo matemático implementado, então é necessário buscar gráficos de fontes confiáveis como a Fiocruz.

    Conclusão

    Com a imensa chuva de informações que recebemos nesta época de pandemia, é necessário ter cuidado dobrado ao interpretar estes dados. Confira como estes dados estão passados para que você possa ter uma idéia concreta da situação e busque sempre fontes confiáveis para se informar!


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
    Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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