Tag: medidas sanitárias

  • Vamos abrir as escolas? (parte 2)

    Apenas no dia 24 de setembro, tivemos 831 óbitos no Brasil, acumulados, temos 139.808 óbitos confirmados no Brasil, até esta data. Como lidar com os debates de abertura de escolas, quando ainda temos em nosso país tantas mortes diárias?

    Temos escutado diversas opiniões, olhar algumas delas talvez seja importante para pensarmos a abertura das escolas. É o que faremos hoje e nos próximos textos em que vamos olhar para algumas falas comuns que escutamos quando perguntamos se as escolas deveriam mesmo abrir… 

    1. Os bares abriram! Como assim não podem abrir escolas?

    Talvez a pergunta correta fosse: será que os bares deveriam ter aberto? Qual o nível de segurança de um lugar como um bar, como controlar entradas e saídas destes espaços, quando grande parte funciona com seu público circulando na rua?

    Não faz sentido comparar bares e escolas, pois os bares não deveriam, pela lógica, estarem abertos. Há evidências de “superespalhamento” da COVID-19 em espaços como bares e eventos sociais (como casamentos), publicados sobre Hong Kong (saiba mais aqui e aqui). Assim, estes seriam os maiores responsáveis (10% dos casos de infecções rastreados). 

    Vale lembrar a reportagem da BBC, que aponta a partir de um estudo estadunidense as atividades de maior risco:

    Retirado da Reportagem “Apenas a vida de vocês importa?”

    Talvez por termos aberto comércios, shoppings e bares é que as escolas passaram a ser mais um fator de risco e não “o grande fator de risco”. Mas definitivamente, não é porque os bares abriram, que escolas também podem abrir (essa comparação não faz sentido!).

    – Mas, a economia, ela está sofrendo demais, sabe?

    Pois, sim. a economia está sofrendo. Já discutimos isso em várias postagens aqui no Especial. Também discutimos sobre necropolítica, vale a pena conferir…

    2. Se mantivermos os protocolos sanitários nas escolas, não vai funcionar?

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que para abrir escolas o indicado é ter uma abordagem baseada no RISCO de contaminação (veja na íntegra as recomendações da OMS aqui). Neste sentido, talvez mais importante do que pensar se escolas no Brasil devem abrir, seja pensar sobre: em que municípios e em quais estados escolas podem abrir. 

    Além disso, os benefícios e os riscos devem ser mensurados em relação a intensidade de transmissão na região da escola. Isto é, não adianta pensar em abrir escolas no BRASIL. Isto é, a análise de abertura tem que ser pensada em relação à comunidade escolar em cada cidade. Por exemplo: a transmissão está elevada? Como são as condições sanitárias desta região? Como as crianças chegarão na escola?

    Outros fatores, segundo a OMS, devem ser levados em consideração nesta conjuntura, tais como: os impactos de se manter a escola fechada nas comunidades, a realidade de populações vulneráveis, as desigualdades sociais e a relação do processo de ensino aprendizagem. Além disso, a OMS recomenda que deve ser analisado se as escolas conseguem operar em boas condições sanitárias e se as autoridades locais têm condições de agir rapidamente, caso necessário.

    Mas, vocês podem perguntar: o que são boas condições sanitárias, para a OMS?
    Recomendações OMS para abertura das escolas
    Recomendações OMS para abertura das escolas

    Aqui vou fazer algumas observações que penso ser pertinente:

    Somos o 7º país do mundo em óbitos por milhão de habitantes. 

    No entanto, somos o 82º país do mundo em quantidade de testes por milhão de habitantes.

    O que isto quer dizer? Que embora nós tenhamos aumentado a quantidade de testes realizados aqui no Brasil, os dados confirmados de óbitos e infectados nos colocam nos dez primeiros colocados. Mas de testagem e aferição de doentes em 82º lugar. Estamos testando pouco e, mesmo assim, confirmando muitas mortes. (Se às vezes parece confuso comparar os números da Covid-19 “por milhão de habitantes” ou em números absolutos, veja estas postagens: 1, 2, 3).

    Esta semana foi anunciado, aqui em Campinas, que na cesta básica destinada aos estudantes em isolamento social não terá arroz em função do valor. Como um município que não consegue garantir 5kg de arroz por aluno que precisa da cesta básica, garantirá testes diagnósticos à equipe que trabalha na escola e alunos? (A dúvida é sincera e vale a indicação de que teremos um texto sobre segurança alimentar em breve…).

    Será que conseguimos ter uma noção segura de risco e manter boas condições sanitárias para proteger a saúde e segurança de todos na escola (estudantes, funcionários e docentes) sem a realização de testes em massa em nosso país?

    Como diz o dito popular: fica aí o questionamento

    Voltemos às recomendações da OMS:

    “Higiene e práticas diárias na escola e nas salas de aula: Distanciamento físico de pelo menos 1 metro entre indivíduos, incluindo espaçamento de carteiras, higiene das mãos e respiratória frequente, uso de máscara apropriada para a idade, ventilação e medidas de limpeza ambiental devem ser implementadas para limitar a exposição” (tradução minha).

    A OMS recomenda, ainda, triagem de alunos e funcionários e recomendações de que caso apresente qualquer sintoma ou mesmo não se sinta bem, que fiquem em casa sem qualquer penalidade.

    Assim, aqui talvez fosse pertinente perguntar-se: É possível manter afastamento de 1 metro de cada carteira, com todas as crianças retornando? Como seria a dinâmica de retorno para criar condições MÍNIMAS de saúde para que estas recomendações tornarem-se efetivas?

    Além disso, quando pesamos os benefícios do retorno, talvez seja importante não apenas fazer um check list de benefícios e malefícios. Mas apontar quais os riscos deste suposto benefício do retorno.

    Destaco, ainda, o recente documento lançado pelo Ministério da Saúde (MS), “Orientações para retomada segura das atividades presenciais nas escolas de educação básica no contexto da pandemia da Covid-19” (leia na íntegra aqui). Neste documento, há um detalhamento sobre como as escolas devem agir em caso de reabertura. As orientações, no entanto, são sugestões a serem seguidas pelas escolas. Estas não são, portanto, obrigadas a seguir todas as recomendações do MS.

    No documento brasileiro, por exemplo, consta:

    “As orientações abaixo são gerais e deve-se sempre observar as normas e orientações estaduais e municipais na implantação dessas medidas e na determinação de reabertura das escolas, sejam elas da rede municipal, estadual ou federal. É importante reforçar a autonomia federativa, uma vez que as decisões sobre a implementação de estratégias são tomadas localmente, em colaboração com serviços de saúde. 

    Essas ações, ao longo de todo o processo de planejamento e execução, precisam ser articuladas com toda a Rede de Atenção à Saúde (RAS) e demais setores do respectivo ente federado capazes de orientar, acompanhar e dar suporte à escola e toda a comunidade escolar. Com isso, os Grupos de Trabalho Intersetoriais Municipais (GTI-M) do PSE tem um papel central na articulação desses atores envolvidos nas orientações deste documento. É importante que o tema da Covid-19 seja incluído no planejamento das aulas, sendo trabalhado em conjunto com as ações de promoção da saúde e recomendações do Ministério da Saúde e integradas com as disciplinas escolares, como forma de agregar ao aprendizado” (Brasil, 2020, p.5-6).

    Em suma, o retorno às aulas tem como premissa as condições de orientar, acompanhar e dar suporte à escola e toda a comunidade escolar por parte da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Neste contexto, seria importante à comunidade escolar – pais e gestão da escola – estarem em contato com a RAS e cobrarem estas ações antes do retorno efetivo das crianças.

    Por fim?

    Assim, seria recomendável, ANTES de reabrirem as escolas, assegurar que teremos estas condições em cada escola e comunidade escolar: distanciamento entre classes, escalonamento para intervalos, refeições, entradas e saídas de alunos; testes e rastreamento de contatos de funcionários, docentes e estudantes; análise de grupos de risco e contatos destas pessoas com indivíduos que apresentam riscos (pessoas idosas ou com comorbidades).

    Além disso, obviamente, uma análise detalhada da região e localidade para assegurar-se que não temos uma situação de risco neste momento – o que conseguiríamos dizer se tivéssemos testes em quantidades suficientes (o que está longe de ser uma realidade!).

    No próximo texto, vou propor que pensemos sobre outras falas comuns, tais como “é justo as crianças perderem o ano escolar por causa da Covid-19?”; “não dá para esperar a vacina, em algum momento teremos que voltar!” e “os pais e as crianças estão cansados, talvez seja bom voltar levando-se em conta a saúde mental” (também parecida com a fala) “não se contaminar é importante, mas conviver com outras crianças também!”.

    Por enquanto, acho, já temos bastantes ideias para pensar e discutirmos juntos (ou o famoso: por hoje é só, pessoal…).

    P.S.: um update rápido

    Só para lembrar que, junto a este debate, ontem (24/09) enquanto produzíamos este texto, o nosso Ministro da Educação Milton Ribeiro declarou que o ensino remoto acentuou a desigualdade no Brasil – o que tem sido apontado como um dos possíveis benefícios do retorno (minimizar esta desigualdade). Tal debate não leva em conta, claro, as condições em que as escolas estão e de que modo vai acontecer o retorno. Vale a pena destacar a fala, conforme o jornal Estado de São Paulo:

    BRASÍLIA – O ministro da Educação, Milton Ribeiro, reconhece que a pandemia do novo coronavírus acentuou a desigualdade educacional no País. “Não é um problema do MEC, mas um problema do Brasil”, afirmou em entrevista ao Estadão. Ribeiro acredita que não faz parte das atribuições do ministério resolver a falta de acesso à internet de alunos que não conseguem acompanhar aulas online ou se envolver na reabertura de escolas.

    Na entrevista, o Ministro afirma que haverá repasses para os municípios e para as escolas, para compras de insumos de proteção. O questionamento de se estas medidas asseguram estudantes, funcionários e docentes, feitas no início do texto, permanece.

    Para Saber Mais:

    ADAM, D.C., WU, P., WONG, J.Y. ET AL. (2020) Clustering and superspreading potential of SARS-CoV-2 infections in Hong Kong. Nat Med

    BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE (2014). Oficina Nacional de Planejamento no Âmbito do SUS.

    BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE (2020) Orientações para retomada segura das atividades presenciais nas escolas de educação básica no contexto da pandemia da Covid-19.

    HSIANG, S, ALLEN, D, ANNAN-PHAN, S et al (2020) The effect of large-scale anti-contagion policies on the COVID-19 pandemic Nature 584, 262–267.

    ROVÊDO, T (2020) Educação corta arroz da cesta entregue a alunos de Campinas; A Cidade On 

    WHO (2020) Q&A Schools and Covid-19

    WORLD METERS (2020) https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sobre o período de incubação da doença e suas relações com a quarentena…

    A doença da Covid-19 vem nos impondo uma série de desafios cotidianos. Para nós, no sentido individual, já temos percebido que a doença no Brasil não são apenas números que se somam dia a dia. Já são nomes de conhecidos, amigos e familiares que viram estatística, ou não – dependendo da gravidade dos sintomas e se é necessário hospitalização. Nos casos mais severos, acompanhamos apreensivos internações e, muitas vezes e infelizmente, a despedida de longe dessas pessoas – por medidas sanitárias. 

    Por outro lado, cientificamente, temos tentado compreender a doença em uma velocidade recorde, sem o tempo comum para revisar estudos e debatê-los com colegas da nossa área.

    Período de incubação, o que é isso?

    Um dos artigos que nos chegou às mãos recentemente (publicado no dia 10 de março), aponta que “Nosso entendimento atual do período de incubação do COVID-19 é limitado”. Este estudo analisou o contágio e aparecimento de sintomas de 181 pessoas com infecção confirmada para SARS-CoV-2, ou também conhecido como Novo Coronavírus, antes de 24 de fevereiro deste ano, fora da província de Wuhan (China).

    O período de incubação é o tempo entre o momento em que alguém se infecta pela doença, até o patógeno iniciar sua replicação (e a pessoa tornar-se infecciosa também). No caso da COVID-19, o período de incubação em média é de 5,1 dias.

    Mas este período varia! Segundo a Organização Mundial da Saúde, o período de incubação da Covid-19 ocorre entre 1 e 14 dias. Este estudo, publicado por Lauer e colegas, mostrou que 2,5% das pessoas analisadas apresentaram sintomas em 2,2 dias após a infecção pelo vírus e 97,5% das pessoas apresentam sintomas em 11,5 dias. 

    Qual a relevância deste debate para o combate à transmissão da doença?

    Em geral, ao apresentar os sintomas da doença, o que temos chamado de estar sintomático, é associado à transmissão do patógeno (neste caso o vírus SARS-CoV-2). Entretanto, as evidências mais recentes de transmissão do novo Coronavírus por pessoas levemente sintomáticas e, até mesmo, assintomáticas, foi possível observar que o período de incubação pode ser menor que o período de incubação estimado nos estudos. E isto tem implicações importantes tanto para a dinâmica de transmissão da doença, quanto para a implementação de estratégias de contenção de seu espalhamento na sociedade.

    Se formos compreender que a partir do dia 1 de infecção (isto é: algumas horas após termos sido expostos ao vírus) nós já estamos, potencialmente, transmitindo esta doença até 15 dias após esta exposição, a projeção de isolamento preventivo seria 15 dias, no mínimo. 

    Como assim, 15 dias no mínimo?

    Sim. Considerando, por exemplo, que eu me infectei hoje, dia 10 de abril, e em 15 dias eu não apresentei qualquer sintoma, tudo indicaria que eu passei do período de incubação e, não serei mais um agente transmissor do vírus a partir do dia 25 de abril (aproximadamente e de acordo com o que temos de dados neste momento).

    Todavia, a partir do primeiro sintoma – mesmo que muito leve – este tempo de isolamento precisa se prolongar a contar do primeiro dia de aparecimento do sintoma. Alguns estudos apontam evidências, por exemplo, de carga viral alta e um longo período de eliminação do vírus, em pacientes que apresentam sintomas críticos da Covid-19 por muitos dias após início do tratamento da doença (estes são os pacientes que precisam de internação hospitalar com tratamento em UTIs).

    De modo geral, a fase infecciosa se prolonga, para aquelas pessoas que demonstram sintomas, até (no mínimo) 7 dias após o aparecimento do primeiro sintoma e (conjuntamente) 3 dias após cessarem a febre e mais algum sintoma que esteja ocorrendo (coriza, tosse, espirros, falta de ar, dor de cabeça…). O mais prudente, portanto, seria o isolamento total durante esta fase.

    Sobre isolamento social e espacial: qual a relevância disto?

    Já falamos em algumas postagens anteriores e seguiremos apontando esta medida como a principal ferramenta de estancar a transmissão da doença COVID-19! Os estudos sobre a transmissão e o período de incubação apresentados neste post nos mostram que a transmissibilidade do vírus pode iniciar muito brevemente após a infecção e varia entre as pessoas infectadas.

    Estes estudos também apontam que a pessoa infectada segue contagiando outras pessoas por vários dias após os sintomas desaparecerem. Considerando que cerca de 85% das pessoas infectadas apresentam nenhum sintoma, ou sintomas muito leves (muitas vezes não sendo contabilizadas em países que não estão realizando testes em massa), não sabemos quando ou se fomos infectados. Mas neste caso podemos estar espalhando o vírus mesmo assim!

    Dessa forma, o isolamento social e espacial é a medida mais segura, uma vez que prevê que tenhamos pouco contato entre pessoas, diminuindo a possibilidade de nos contagiarmos e contagiarmos outras pessoas. Nosso contato com objetos contaminados e não desinfectados, ou com outras pessoas que estejam infectadas – mesmo sem apresentar sintomas e ou adoecimento aparentes – é a maneira mais rápida do espalhamento do vírus. 

    Infelizmente, o tempo de isolamento é longo e, sim, têm impactos na nossa vida psicológica, financeira e afetiva. Mas não existe outro modo seguro de minimizar os efeitos da disseminação do Coronavírus na sociedade enquanto não entendermos melhor os outros aspectos desse vírus.

    Mais uma vez: fique em casa

    Não cansaremos de falar isto: fique em casa se você puder, diminua a sua exposição em espaços públicos, não visite, cumprimente, beije ou abrace pessoas – especialmente aquelas que não estão cumprindo o isolamento social.

    Se for possível, em sua casa, tente não compartilhar objetos como pratos e talheres. Se você mora com mais pessoas e precisa sair, tome todas as precauções já indicadas em nossas redes sociais para manter as pessoas de sua casa sem contaminação também. 

    Para saber mais:

    LAUER, S. A.; GRANTZ, K. H.; BI, Q.; JONES, F. K. et al. The Incubation Period of Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) From Publicly Reported Confirmed Cases: Estimation and Application. Ann Intern Med, Mar 10 2020.

    Liu, Yang; Yan, Li-Meng; Wan, Lagen; Xiang, Tian-Xin; Le, Aiping; Liu, Jia-Ming; Peiris, Malik; Poon, Leo; Zhang, Wei. Viral dynamics in mild and severe cases of COVID-19. Publicado em 19 de Março de 2020. DOI:https://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30232-2

    Li, Ruiyn; Pei, Sen; Chen, Bin; Song, Yimeng; Zhang, Tao; Yang, Wan; Shaman, Jeffrey.  Substantial undocumented infection facilitates the rapid dissemination of novel coronavirus (SARS-CoV2). Science, 16 Mar 2020, DOI:10.1126/science.abb3221

     

    Figura de capa: Por David S. Goodsell, RCSB Protein Data Bank; 

    doi: 10.2210/rcsb_pdb/goodsell-gallery-019

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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