Tag: meio ambiente

  • Estudo traz primeiro registro de contaminação por microplásticos em morcegos

    Autoria

    Paulo Andreetto de Muzio

    O plástico é um produto barato, versátil e bastante difundido por todo o mundo. Seu descarte inadequado constitui um problema ambiental que cresce cada vez mais. Microplásticos já haviam sido encontrados em peixes, aves, água engarrafada e até mesmo no leite materno humano. Neste contexto, uma pesquisa recém-publicada apresentou o primeiro registro de morcegos contaminados por microplásticos.

    O morcegos são uma ordem de mamíferos bastante diversa, prestando serviços ecossistêmicos imprescindíveis, como a polinização, a dispersão de sementes e o controle de insetos (inclusive pragas agrícolas). Algumas espécies de plantas pioneiras necessárias à regeneração de áreas degradadas, por exemplo, são polinizadas e dispersas exclusivamente por morcegos.

    Desde 2017, foram analisados 81 morcegos de 25 espécies diferentes, que ocorrem em 26 pontos rurais e urbanos do estado do Pará, como áreas de vegetação natural, de plantação de cacau e dentro de cidades ou próximo a elas. Os resultados mostraram que 96,3% dos morcegos possuíam resíduos plásticos em pelo menos um de seus órgãos analisados: pulmões, estômago e intestino.

    Os microplásticos compreendem tamanhos micro (1 a 5 milímetros) e nano (menores que 1 milímetro). Os resíduos plásticos estão distribuídos em todos os ambientes, seja no ar atmosférico, seja no ambiente terrestre. Aqueles do tipo fibra são os mais abundantes no ambiente e provêm principalmente das roupas, da degradação das fibras têxteis plásticas. Esse produto de degradação tem sido observado na precipitação atmosférica, transformando-se em microfibras respiráveis, o que por si só sugere potencial exposição das microfibras a organismos que apresentam respiração pulmonar.

    O estudo acende um alerta, já que seres humanos e morcegos possuem sistemas respiratórios semelhantes, podendo ser suscetíveis a contaminações semelhantes. Ainda assim, nos resultados da pesquisa, houve uma diferença significativa entre a contaminações do sistema respiratório e do digestivo, sendo que o segundo foi mais afetado.

    A ingestão de microplásticos causam efeitos adversos em diferentes espécies, como alteração das funções endócrinas alteradas, diminuição da massa corporal dos filhotes e inflamação dos tecidos. Nas aves, causa desaceleração no desenvolvimento sexual. Em altas concentrações, podem ainda causar uma falsa sensação de saciedade, levando os indivíduos à fome. Além disso, microrganismos e metais podem aderir às superfícies dos microplásticos, sendo contaminantes adicionais. Nos morcegos, a ingestão e a inalação de microplásticos podem causar até a extinção local de espécies, afetando as funções do ecossistema, como como polinização, dispersão de sementes e controle de insetos.

    Os morcegos possuem diferentes características de forrageamento, considerando tanto o tipo de alimento (flores, frutos, invertebrados e vertebrados) e estratégia de captura (áreas abertas, clareiras, bordas de vegetação) e habitat (urbano ou intocado). Assim, a contaminação de morcegos insetívoros e onívoros pode ser explicada pela transferência de resíduos plásticos entre diferentes níveis tróficos. As microfibras também podem ser depositadas nas superfícies de frutas e organismos terrestres. Dessa forma, os morcegos podem absorver alimentos e inalar microfibras em aerossol, permitindo a contaminação por ingestão e inalação, respectivamente.

     

    Sobre quem escreveu

    Paulo Andreetto de Muzio é graduado em Relações Públicas (2005) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Especializou-se em Jornalismo Científico (2016) pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo – Labjor, da Universidade de Campinas – Unicamp, e é mestre em Divulgação Científica e Cultural (2020), também pelo Labjor. Atua na Frente Ampla Democrática Socioambiental (FADS).

    Como citar:  

    Muzio, Paulo Andreetto. (2024). Estudo traz primeiro registro de contaminação por microplásticos em morcegos. Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.1. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/estudo-traz-primeiro-registro-de-contaminacao-por-microplasticos-em-morcegos/. Acesso em: DD/MM/AAAA 

    Sobre a imagem destacada:

    Foto: Morcego – CC BY 2.0 por Andy Morffew no Wikimedia Commons (original); identificado na wikipedia como Carollia perspicillata

    Recipientes plásticos – Imagem por rawpixel.com (original)

    Edição: clorofreela

  • Crônica de uma distopia: sobre o debate de mudanças climáticas em meio à pandemia

    Texto de Maria Clara Sosa

    Estaríamos vivendo uma distopia? Nas últimas semanas, nos deparamos com diversas notícias fora do comum… Neve em diversas cidades do Brasil, temperaturas próximas aos 50°C no Canadá, incêndios florestais na Sibéria… Mas não foi esse o início, em Março de 2020 o mundo parou. Noticiaram a maior pandemia das últimas décadas, ficamos em casa. Dessa forma, alguns de nós acreditamos que seria o momento de ressignificar certos hábitos, ressignificar encontros, ressignificar nossas relações com o ambiente ao nosso redor (nossa casa, nosso jardim, nosso quarto, nossa rua…). Entretanto, o que isto tem a ver com as mudanças climáticas?

    Os cientistas nos mostraram ainda que seria necessário ressignificar nossa relação com o meio ambiente. Assim, fica cada vez mais claro que a pandemia da COVID-19 é, também, uma questão da crise ambiental.

    Sobre o IPCC e algumas implicações

    Recentemente, foi lançado o novo IPCC, relatório da ONU sobre as mudanças climáticas e ambientais, apontando a humanidade como grande causadora destas mudanças que temos debatido, na ciência e na sociedade, ao longo das últimas décadas. Mas isso é importante de ser debatido, em meio a uma pandemia que ainda não está controlada?

    A degradação de ecossistemas e destruição de habitats expõem as comunidades humanas aos diferentes animais e doenças infecciosas com as quais não estamos adaptados, ocasionando doenças de alta letalidade e com altos níveis de infecciosidade (este debate já foi tratado no Blog Natureza Crítica). Dessa maneira, em abril de 2021, governantes, entre eles o presidente estadunidense Joe Biden e outros 40 representantes, cientes dos impactos das mudanças climáticas, se encontraram na Cúpula do Clima. Assim, com este encontro, traçaram novas metas para a redução da emissão de gás carbônico, e alternativas para um desenvolvimento sustentável. 

    O discurso brasileiro em contrapontos próprios

    Durante o discurso na Cúpula, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro apresentou uma fala com a intenção de se mostrar alinhado à Cúpula, mas divergente àquilo que é visto na prática do Ministério do Meio Ambiente na atual gestão. Além disso, foram apresentadas metas vagas e incoerentes com as ações relacionadas à preservação e fiscalização ambiental. Às vésperas da COP 26 (Conferência sobre Mudança Climática), que ocorrerá em Novembro deste ano, assistimos à demissão do ministro da boiada, Ricardo Salles.

    Todavia, apesar da substituição de um dos ministros de maior desserviço para a agenda ambiental brasileira já vistos historicamente, provavelmente, veremos poucas mudanças na postura do governo. Um dos motivos para não acreditar na mudança é o avanço do PL490/21 que enfraquece a proteção de áreas indígenas, essenciais na manutenção da floresta.

    IPCC, estagnações e políticas

    Ainda em 2021, o IPCC – Painel intergovernamental sobre mudanças climáticas fez o relatório mostrando os impactos  da humanidade no clima e afirma que tais impactos já são irreversíveis. Portanto, cada vez mais iremos testemunhar eventos climáticos extremos e sentiremos o aumento da temperatura média global. É necessário a diminuição rápida na quantidade de emissões de gases de efeito estufa e ainda assim, essa diminuição será apenas para não piorar a questão climática. É importante salientar apenas que, apesar da necessidade de mudar nossos próprios paradigmas e hábitos no plano individual, isso ainda não é o suficiente. De forma, a estagnar o máximo possível a aceleração das mudanças climáticas é primordial a instauração de um novo sistema socioeconômico. O capitalismo e o sistema de acúmulo são incompatíveis com qualquer ideia de sustentabilidade. É necessário que deixemos de ser apenas consumidores, pois é isso que somos no sistema capitalista.

    Após a apresentação desse quadro, questiono o silêncio ensurdecedor de políticos e da sociedade em relação ao posicionamento ambiental, mesmo com tantos eventos palpáveis gritando por mudanças. Talvez seja porque nós brancos tenhamos a memória curta.

    Nós esquecemos muito rapidamente.

    Como Davi Kopenawa Yanomami analisa, no livro A Queda do Céu, que os brancos precisam continuamente escrever suas ideias e conhecimentos em papéis para que estes não se percam. E ouso acrescentar a tal pensamento, que ainda assim, apesar dos papéis, dos estudos, nós esquecemos. Talvez semana que vem os tabloides já tenham esquecido dos eventos extremos desta semana e nada de efetivo seja feito em relação a isso. Assim como a Cúpula do Clima ocorreu ainda este ano e não há mais falas sobre o que ficou acordado. Bem como o governo brasileiro já esqueceu de suas promessas no combate às mudanças climáticas… Para que lembremos, precisamos ser afetados. Sendo o afeto aquilo que nos deixa marcas, nos faz produzir sentidos, e em um mundo cheio de informação essa produção de sentidos é escassa (Larrosa, 2002).  

    Por fim, está claro que cada vez mais eventos extremos irão ocorrer , está claro que precisamos de alguma forma agir e encontrar ações de redução de emissão de gás carbônico, está claro que precisamos de ações políticas efetivas de forma a frear alguns impactos das mudanças climáticas, e está claro que isso ultrapassa o plano individual e dos sujeitos. 

    Mas antes, precisamos nos lembrar, precisamos produzir sentido, precisamos deixar de esquecer, precisamos nos deixar afetar pelo mundo, precisamos de pessoas com sonhos utópicos que de alguma forma quebrem essa bolha distópica em que vivemos e nos incitem a simplesmente caminhar. Citando um pedaço do poema de Eduardo Galeano: 

    “Que tal se delirarmos por um tempinho
    Que tal fixarmos nossos olhos mais além da infâmia
    Para imaginar outro mundo possível?”

    Para saber mais

    IPCC AR6 Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change

    ALESSI, Gil (2021) Indígenas isolados no Brasil entram em risco de extinção com avanço de projeto na Câmara El Pais

    BBC Ricardo Salles: saída tardia de ministro não mudará política pró-desmatamento de Bolsonaro, dizem ONGs

    CHAMORRO, Paulinia (2021) Não há plano B: precisamos de um novo sistema socioeconômico, diz membro brasileiro do IPCC National Geographic

    Embrapa (2021) As mudanças ambientais e a saúde humana: impactos da degradação ambiental sobre surtos de doenças infecciosas

    FAPESP (2021) Novo Relatório do IPCC WG1-AR6: Implicações para o Brasil e o planeta

    GALZO, Wesley (2021) Entenda o que é a Cúpula de Líderes sobre o Clima e como ela impacta o Brasil CNN

    Instituto Socioambiental (2021) Mundo mais quente e Brasil inadimplente

    KOPENAWA, Davi; ALBERTS, Bruce. A Queda do Céu: Palavras de um xamã yanomami. Companhia das Letras, São Paulo, 2015.

    LARROSA, Jorge (2002) Notas sobre a experiência e o saber da experiência Revista Brasileira de Educação

    MATOSO, Filipe, GOMES, Pedro Henrique (2021) Cai o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente G1

    MODELLI, Lais, GARCIA, Mariana (2021) Veja repercussão do discurso de Bolsonaro na Cúpula do Clima; ‘governo sai como entrou: desacreditado’ G1

    PLANELLES, Manuel (2021) Relatório da ONU sobre o clima responsabiliza a humanidade por aumento de fenômenos extremos El Pais

    Mais textos de Maria Clara Sosa

    A Autora

    Maria Clara Sosa é bióloga pela Unicamp e mestre em Educação em Ciências e Matemática, na Unicamp, pesquisadora no Grupo de Pesquisa em Educação em Ciências (PEmCie) da Unicamp e FURG.

    Este texto foi publicado originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Pessoas mais expostas à COVID-19 são também as mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas

    Com 5 prioridades para a ação climática e a equidade social o mundo pós-pandemia pode ser socioambientalmente mais justo

    A crise global instalada pela pandemia do coronavírus mostra como as desigualdades sociais são agravadas em situações em que grupos vulneráveis ficam mais expostos à contaminação: pessoas de baixa renda, minorias e grupos marginalizados que muitas vezes atuam em setores essenciais, incluindo empregos autônomos e informais.

    Foto de Max Böhme no Unsplash

    Com milhões de infectados, mais da metade da força de trabalho global está em risco de perder seus meios de subsistência. Isso sem considerar aqueles já enfrentavam o problema da fome, intensificado pela perda de renda, o aumento dos preços dos alimentos e a interrupção das cadeias de abastecimento dos alimentos durante a pandemia.  

    A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO)[1] já chamou a COVID-19 de “vírus da fome” ao concluir que uma entre nove pessoas no mundo sofre de desnutrição crônica (cerca de 265 milhões), 54 milhões sendo crianças[2], em especial, nos países em desenvolvimento, onde os meios de subsistência são precários.

    Em um ano marcado pela pandemia global, 2020 também registrou uma onda global de protestos que destacou a necessidade urgente de abordar a ação climática e a justiça social. Isso inclui o movimento Black Lives Matter (vidas negras importam), contra o racismo, iniciado nos Estados Unidos após a morte de George Floyd em consequência de truculência policial

    Manifestações do movimento Black Lives Matter contra o racismo se espalharam pelo mundo em 2020. Foto de Sushil Nash no Unsplash

    A insatisfação global sobre os rumos do planeta com o crescimento exponencial da contaminação pelo coronavírus gera uma oportunidade para que os países repensem estratégias de recuperação mais sustentáveis e resilientes. Para isso, incluir o combate à desigualdade social e ambiental precisa estar no cerne de suas políticas públicas.

    A estratégia de recuperação pós-COVID – oxalá consigamos garantir imunização para todos o quanto antes – deve abordar a desigualdade, a crise econômica e as mudanças climáticas numa perspectiva integrada. Para isso, cinco iniciativas viáveis podem contribuir com esse objetivo:

    1. Políticas de proteção social

    Garantir renda básica e acesso aos cuidados de saúde para grupos excluídos, como moradores de rua, trabalhadores informais e migrantes pode ser particularmente importante para os cidadãos afetados pela falta de emprego resultante das restrições impostas pela pandemia. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT)[3], o mundo perdeu 255 milhões de postos de trabalho na pandemia. Isso inclui os pequenos agricultores, que sofrem diretamente os impactos do clima na sua produção.

    2. Empregos verdes

    A perda de trabalho durante a pandemia prejudicou o sustento de famílias em todo o mundo. O investimento em atividades verdes que podem incentivar a segurança alimentar, como energia limpa e restauração de ecossistemas, é fundamental para gerar novos postos de trabalho mais sustentáveis após a pandemia. Planos de recuperação e requalificação profissional também podem ser elaborados para apoiar estratégias de transição para trabalhadores e comunidades que dependem de setores que precisam encolher ou se adaptar para reduzir sua pegada de carbono, como é o caso da indústria do petróleo.

    3. Equidade de gênero

    Medidas de longo prazo são necessárias para apoiar as mulheres, que já representam quase 40% da força de trabalho em todo o mundo, segundo deste ano do Banco Mundial[4]. Só no setor de saúde e serviço social, por exemplo, 70% dos 136 milhões de profissionais são mulheres. Isso significa que manter a atual política desigual de salários é inviável.

    4. Agricultura familiar

    Práticas agroecológicas bem planejadas são essenciais para o clima e freiam o risco de insegurança alimentar. Dados do Censo Agropecuário 2017-2018[5], realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que 76,8% dos 5,073 milhões de estabelecimentos rurais do Brasil foram caracterizados como pertencentes à agricultura familiar. Em muitos países, as importações restritas de suprimentos essenciais de alimentos e a falta de trabalhadores para colher as safras levaram à escassez de produtos alimentícios.  

    5. Transporte de baixo carbono

    Se o transporte público não for melhorado, com tecnologias mais limpas e preço mais acessível, a mobilidade de populações vulneráveis vai ser ainda mais prejudicada. Mobilidade equitativa e sustentável, como ônibus elétricos, sistemas de ônibus rápido e mobilidade ativa – ciclismo e caminhada, devem ser impulsionados para avançarmos nos objetivos de saúde pública e climáticos. O transporte de passageiros é a fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEE) que mais cresce no Brasil – entre 1990 e 2012, subiu de 84 para 204 mi/ton – sendo a principal fonte de emissões municipais e o segundo no Brasil depois da agropecuária, conforme dados divulgados pelo Observatório do Clima.[6]

    “A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 7 milhões de mortes são causadas pela má qualidade do ar em todo o mundo” (WHO, 2015)[7]


    Durante a pandemia, o modelo de trabalho home office deve se estabelecer, com impacto considerável no modelo vigente de locomoção. No entanto, vale ressaltar o gap digital como outro fator de desigualdade no Brasil. Isso foi visto de forma mais flagrante com a escolaridade inadequada para famílias de baixa renda, com dificuldade no acesso à banda larga e internet em todas as regiões do país.


    Por uma sociedade com mais justiça social e climática

    Conforme a recuperação toma forma, investimentos em ambiente e sociedade de longo prazo serão necessários em todos os níveis de governo. Neste sentido, a dicotomia homem-natureza deve ser diluída e mais recursos financeiros devem ser aportados para apoiar o mundo pós COVID-19.

    Além das medidas mencionadas, políticas fiscais equitativas, precificação de carbono, tributação justa e revisão da dívida de países vulneráveis são igualmente importantes.

    A redução das desigualdades também requer a participação ativa dos cidadãos para que uma nova agenda socioambientalmente justa possa acolher a voz das populações mais vulneráveis com adesão efetiva de suas demandas. Afinal, os dados cotidianos sobre a pandemia continuam a dar sinais de que ela está longe de ser extinta. E os países pobres já ficaram para trás na corrida pela vacina. 

    #mudançasclimáticas #COVID-19 #coronavírus #ambienteesociedade #vulnerabilidade #justiçaclimática #governançaambiental #sociologiaambiental #todospelasvacinas #blogsunicamp

    Referências:

    [1] The impact of COVID-19 on food security and nutrition. Disponível em: http://www.fao.org/policy-support/tools-and-publications/resources-details/es/c/1287907/https://www.wfp.org/stories/risk-hunger-pandemic-coronavirus-set-almost-double-acute-hunger-end-2020

    [2] FORE, Henrietta H. et al. Child malnutrition and COVID-19: the time to act is now. The Lancet, v. 396, n. 10250, p. 517-518, 2020. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)31648-2/fulltext?rss=yes#articleInformation

    [3] ILO Monitor: COVID-19 and the world of work. Seventh edition. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@dgreports/@dcomm/documents/briefingnote/wcms_767028.pdf

    [4] https://data.worldbank.org/indicator/SL.TLF.TOTL.FE.ZS

    [5] https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/21814-2017-censo-agropecuario.html

    [6] OBSERVATÓRIO DO CLIMA (2008). Diretrizes para Formulação de Políticas Públicas em Mudanças Climáticas no Brasil. Disponível em: http://intranet.gvces.com.br/arquivos/mudancasclimaticasnobrasil.pdf.

    [7] WORLD HEALTH ORGANIZATION. Reducing Global Health Risks through mitigation of Short- Lived Climate Pollutants. Scoping Report for Policy-makers. Scovronick N, editor. Switzerland; 2015.

    Jaqueline Nichi é graduada em Jornalismo e Sociologia, com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança local.

    Este texto foi escrito orinalmente no blog Natureza Crítica

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Surfando as crises globais: segunda onda da COVID-19 e ondas de calor

    A pandemia do coronavírus causou 1,3 milhões de mortes no mundo até o momento. A poluição atmosférica mata 7 milhões de pessoas todos os anos. Por que a crise climática não é vista como crise?

    A Covid-19 escancarou a vulnerabilidade da globalização e tem sido um experimento não programado sobre os impactos das mudanças do clima. Se por um lado, o confinamento afetou a economia e a sanidade mental, por outro, se revelou benéfica para o meio ambiente. Como resultado involuntário, as medidas de contenção da pandemia ajudaram a melhorar a qualidade do ar, com a redução das emissões de CO2, principal gás de efeito estufa (GEE), e dos poluentes tóxicos, especialmente nos centros urbanos.

    Segundo a Organização Mundial de Meteorologia (WMO, 2020), o confinamento resultou numa redução de 17% nas emissões de GEE em abril, em comparação com 2019. Entretanto, um estudo da Nature Climage Change reportou que a redução nas emissões globais de GEE e de poluentes por causa da pandemia será “insignificante” para alterar o rumo das mudanças climáticas na Terra, levando a uma redução de apenas 0,005ºC a 0,01ºC na temperatura do planeta.

    Esta não é a primeira vez que vivemos um período de redução das emissões de gases poluentes em decorrência de uma diminuição das atividades humanas. Durante a crise financeira de 2008, por exemplo, percebeu-se reduções destes gases. Mas, após esse período, as emissões foram retomadas em níveis ainda maiores em decorrência do esforço econômico de recuperação. Isso só reafirma que as melhorias são efêmeras e pontuais, uma vez que não estão acontecendo transformações sistêmicas, nos processos decisórios, nas estruturas de produção de bens, no modelo de consumo, no uso da terra e na matriz de transportes atuais.

    Por que a crise climática não tem o mesmo apelo da sanitária?

    A questão sanitária é vista como crise porque pressupõe a retomada ao estado “normal” após ser superada. Já a questão climática, não alcança esse status porque cresce de forma gradual. Mesmo assim, esta é uma oportunidade de testemunhar um período propício para reavermos a implementação de políticas públicas e o esforço coletivo a fim de descarbonizar a sociedade e a economia.

    Essas mudanças vão depender das políticas de recuperação das atividades no pós-pandemia, mas também de um esforço coletivo para garantir sua implementação para que essa redução não seja apenas temporária.

    Além disso, apenas mudanças estruturais na economia e nas matrizes de transporte e energia não serão capazes de sustentar reduções em longo prazo porque são oriundas de respostas individuais. Em vez de atitudes tomadas por imposição, como a suspensão de voos e a limitação do uso de carros, é preciso maior conscientização para atingirmos as metas de emissões de GEE.

    Doenças infecciosas são assustadoras porque são imediatas e pessoais, com impacto direto no dia a dia. A mudança climática pode parecer impessoal e distante, com causas difusas.

    5 medidas viáveis para reduzir os impactos do clima e evitar novas pandemias

    1. Reduzir o desmatamento ajuda a conter a perda de biodiversidade, motivo de propagação de doenças infecciosas transmitidas por animais forçados a migrarem para novos habitats porque as florestas onde viviam foram derrubadas.

    2. Repensar nossas práticas agrícolas, incluindo aquelas que dependem da criação de animais em ambientes fechados, mais suscetíveis a transmissões entre animais e humanos.

    3. Combater a poluição do ar causada pela queima de combustíveis fósseis, minimizando os impactos de infecções respiratórias como o coronavírus.

    4. Gerar energia a partir de fontes de baixo carbono, como a solar e eólica, reduzindo a emissão de poluentes atmosféricos responsáveis por problemas de saúde e mortes prematuras que pressionam os sistemas de saúde.

    5. Fomentar a governança participativa, com forte atuação dos cientistas para aconselhar os formuladores e gestores de políticas públicas em respostas baseadas em fatos e na avaliação de riscos.

    Para Saber Mais

    FORSTER, Piers M et al, Current and future global climate impacts resulting from COVID-19, Nature Climate Change, v10, n10, p913-919, 2020.

    A autora

    Por Jaqueline Nichi graduou-se em Jornalismo e Sociologia, com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa centra-se nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança local.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza Crítica

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Bem como, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Isolamento social muda a dinâmica do meio ambiente durante a pandemia

    Por Caroline Marques Maia, Luciane Borrmann e Vinícius Nunes Alves

    Benefícios momentâneos ao meio ambiente durante a pandemia não indicam, necessariamente, que a natureza está sendo restaurada dos estragos causados por humanos

    Diminuição da poluição atmosférica em grandes cidades, águas mais limpas, passagem incomum de animais silvestres em centros urbanos, praias vazias com tartarugas desovando em massa. Essas e outras consequências da redução da circulação humana e o seu impacto no meio ambiente têm sido noticiadas durante a pandemia e são importantes para reflexões sobre as questões ambientais no planeta. Mas será que apenas efeitos benéficos estão ocorrendo no meio ambiente em função do distanciamento social? “Alguns animais podem se beneficiar de forma mais imediata, como aves voltando a nidificar em certas áreas ou peixes reocupando canais outrora poluídos, mas mesmo a natureza dando mostras de reparos, isso não significa dizer que esteja se recuperando”, pondera a bióloga Lilian Hoffmann.

    Pela primeira vez em cerca de 80 anos, a montanha Dhauladhar, que faz parte da cordilheira do Himalaia, pôde ser avistada novamente na Índia. Esse fenômeno ocorreu devido à queda da poluição atmosférica pela diminuição da produção nas fábricas e o trânsito reduzido na quarentena. Na China, essa redução chegou a 25% desde o início da pandemia, sendo que o isolamento social no país pode ter salvo entre 50 e 75 mil pessoas da morte devido à poluição, de acordo com a Universidade Stanford

    Para Evangelina Vormittag, médica e doutora em patologia e saúde ambiental da Universidade de São Paulo (USP), conhecida como “Dra. Poluição”, essas reduções de poluição ilustram o quanto se polui o ar diariamente e como o menor consumo favorece um futuro mais saudável e mais sustentável. A médica afirma que “o benefício de um ar menos poluído é imediato para a saúde da população, não apenas para aqueles com doenças respiratórias, mas também para doenças cardiovasculares, principalmente quando se trata de grupos mais sensíveis como crianças e idosos”. 

    Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2018, a poluição do ar foi responsável por 320 mil mortes nas Américas e 51 mil no Brasil por ano. “Enfermidades como asma e infarto são acentuadas pela baixa qualidade do ar e isso tem custos econômicos (perda de produtividade e custo de internação) que podem ser mensurados em estudos científicos de poluição atmosférica sobre a saúde”, avalia Evangelina.

    A poluição atmosférica em centros urbanos, como na imagem, caiu consideravelmente com a redução nas atividades industriais e no trânsito pelo isolamento social. Crédito: Unsplash

    E não é apenas a poluição atmosférica que reduziu nos últimos meses. As águas do rio Ganges no Norte da Índia – um dos rios mais poluídos do mundo – estão ficando mais limpas, como noticiou em abril o jornal indiano India Times.  Mesmo os canais de Veneza na Itália, famosos por seu mau cheiro, estão com as águas mais claras e nítidas por falta de circulação de barcos, fenômeno que foi relatado pelo G1 em março. Até as vibrações que as atividades humanas diárias causam na crosta terrestre diminuíram com o isolamento social, permitindo que os dispositivos sísmicos detectem outros movimentos menores com sinais mais claros, noticiou a revista científica Nature

    Vantagens para a fauna

     Locais antes dominados pela presença humana agora estão dando passagem para animais silvestres como onças-pardas, coiotes e perus nos Estados Unidos, javalis na Espanha, leopardos em vários locais da Índia, cervos no Japão, todos exemplos das recentes aparições registradas em área urbana. E não é apenas a visita desses animais em locais bem urbanizados que tem sido notada. Em Fort Lauderdale, em Miami, a Veneza americana, as águas mais claras possibilitam que os caranguejos no seu habitat natural possam ser observados. 

              Bodes caminhando em bando no País de Gales. Crédito: Conta pública da @bbcbrasil no Twitter

    A fauna ainda está se beneficiando de outras formas por causa da redução na circulação de pessoas durante a pandemia. Um bom exemplo são as notícias, como da revista Veja, sobre tartarugas marinhas desovando em massa nas praias vazias, inclusive no Brasil. Até mesmo animais cativos estão sendo favorecidos. Depois de quase 10 anos de tentativas de acasalamento sem sucesso, o zoológico vazio de Hong Kong registrou esse ato ocorrendo naturalmente entre um casal de pandas, algo que pode ser vantajoso para a conservação dessa espécie. 

    Depois de quase uma década sem reproduzir, pandas acasalam em zoológico sem visitação em Hong Kong. Crédito: HKFP

    Apesar desses efeitos aparentemente otimistas para a fauna, resta a dúvida se todos eles são mesmo saudáveis para os animais. “Muitos animais que visitam as ruas podem estar atrás de comida, por exemplo, entrando em contato com resíduos descartados, e podem acabar se contaminando”, aponta Lilian, que é doutora em Biologia Animal e bolsista do Programa Arquipélago e Ilhas Oceânicas.

    Só impactos positivos?

    Existe também um outro lado sobre as consequências da pandemia atual para o meio ambiente. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se grandes empresas petrolíferas e políticas econômicas usarem o atual recesso econômico como pretexto para desacelerar a transição para a energia limpa, a redução das emissões globais de carbono que estão ocorrendo neste ano não ajudarão a combater as mudanças climáticas. Por exemplo, na Arábia Saudita houve grandes quedas nos preços do petróleo, o que está fazendo o país aumentar sua produção em parceria com a Rússia. 

    O próprio isolamento social, apesar de diminuir o consumo de energia no segmento industrial, tende a aumentar as contas de energia nas residências. Segundo a Agência Brasil, a despesa do consumo residencial de energia elétrica pode aumentar em até 20%, e as estimativas do Ministério de Minas e Energia indicam que os gastos com o gás natural podem subir até 23%.

    Em um período que os holofotes estão voltados principalmente para a crise da saúde, o Brasil está caminhando para “compensar” a queda na emissão de gases de efeito estufa pela redução de atividades de transporte e de indústrias com uma tendência de aumentar o desmatamento. Como a própria vegetação “sequestra” gás carbônico, o desmatamento resulta em mais gás carbônico (CO2) na atmosfera. 

    Segundo relatório recente do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) realizado pelo Observatório do Clima,as emissões de carbono devem aumentar até 20% em 2020 devido ao grande aumento do desmatamento”. Isso ocorre principalmente na Amazônia desde 2019, com a gestão do ministro do meio ambiente Ricardo Salles, já denunciado por improbidade administrativa, tanto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo quanto pela Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Asibama-DF) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 

    “Alguns políticos e outros tomadores de decisão se aproveitam do momento de dificuldade de acompanhamento da sociedade para executar ações maléficas ao coletivo, tais como aumento na exploração de minérios, aprovação de legislação inadequada ou ainda destituição de decretos e portarias de proteção de biodiversidade, culturas indígenas e quilombolas. Isso acaba desfazendo resultados de grandes lutas passadas para a proteção de ecossistemas, biodiversidades e culturas”, destaca Camila Domit, bióloga do Centro de Estudos do Mar (UFPR). 

    Há ainda a ameaça de aumento de ações ilegais que prejudicam o ambiente e a fauna quando o foco da população e dos governantes está na manutenção das necessidades básicas e na busca de soluções para a pandemia. “Atividades ilícitas proliferam em épocas de pouca ou nenhuma fiscalização, e pode-se ver isso em atividades como desmatamento, garimpo, tráfico de animais silvestres, caça e pesca ilegal”, aponta Lilian. Um exemplo disso é a associação criminosa voltada para o desmatamento e o garimpo ilegais em terra indígena no Mato Grosso, que foi descoberta e apreendida pela Polícia Federal recentemente com mandados de prisão dos envolvidos, e busca e apreensão das ferramentas.

    Aumento no volume de descartáveis

    Outro impacto negativo é o aumento da quantidade de lixo descartável usado em alimentos e, principalmente, em hospitais. A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) calculou em março que no país poderia ter um expressivo aumento de geração de resíduos sólidos domiciliares (15 a 25%) e de hospitalares em unidades de atendimento à saúde (10 a 20 vezes). 

    No Brasil, a capital paulista recentemente suspendeu a lei de proibição de materiais plásticos para comercialização de alimentos, supostamente pelas embalagens ajudarem na higienização e na prevenção da doença. Além disso, máscaras e luvas usadas pelas pessoas para proteção estão sendo descartados incorretamente à céu aberto nas ruas, gerando ainda mais poluição no ambiente, inclusive nos próprios oceanos. “A maior parte do lixo que chega às praias vem das cidades e como continua sendo produzido muitas vezes sem destino adequado, continua um problema, afetando negativamente a biodiversidade”, conclui Camila.

    Máscaras usadas para proteção contra o coronavírus são descartadas muitas vezes nas próprias ruas, gerando assim mais poluição no ambiente. Crédito: Pixabay

    A experiência globalizada do isolamento social ilustra que a cultura de produção e consumo têm impactos sobre meio ambiente e fauna. E mesmo os efeitos positivos da pandemia podem ser apenas um alento temporário, mas não a solução para os problemas que a civilização humana causa na natureza, como superexploração e poluição ambientais, e extinção em massa de espécies.

    Lab-19, projeto de divulgação científica de um grupo de alunos do curso de especialização em jornalismo científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor-Unicamp), engajados, como tantos, em contribuir para a disseminação de informações corretas e confiáveis sobre a epidemia de covid-19 para públicos diversos.

    Caroline Marques Maia é bióloga, mestre e doutora em zoologia. Comanda o Blog ConsCIÊNCIA Animal e é gestora-diretora do Clube Ciência e do Writing Center do Instituto Gilson Volpato de Educação Científica (IGVEC).

    Luciane Borrmann é jornalista e educadora ambiental.

    Vinícius Nunes Alves é biólogo, com mestrado em ecologia e conservação de recursos naturais. É colunista do jornal Notícias Botucatu.

  • Propostas dos candidatos à Presidência do Brasil para o Meio Ambiente (2018)

    Texto por  Paulo Andreetto de Muzio

    O que seu candidato ou candidata a presidente do Brasil propõe para o meio ambiente? Se pra você esta é uma questão importante na hora de votar, então vale a pena ler o material que preparamos.

    A exemplo do trabalho feito pelo pessoal do Mural Científico ao analisar as propostas dos presidenciáveis sobre Ciência e Tecnologia, meu parceiro aqui do blog Felipe Zanusso sugeriu que fizéssemos uma análise das propostas ambientais dos candidatos.

    A temática ambiental é muito ampla. Não envolve apenas árvores, floresta e natureza selvagem. Sim, isto faz parte. Mas meio ambiente também trata de saneamento básico, abastecimento de água para a população, habitação digna, entre outros subtemas que, de alguma forma refletem em saúde e qualidade de vida para as pessoas. Deste modo, analisar 13 Programas de Governo bastante distintos entre si foi um grande e trabalhoso desafio.

    Para realizar este trabalho, tentamos compreender o que o cada candidato (e sua equipe) entendia por meio ambiente. Se tinha uma visão mais abrangente, se trazia conhecimentos técnicos, ou se ficava só no clichê. Alguns dos Programas citam nada ou quase nada em relação ao tema. Outros têm capítulos específicos para tratar de questões ambientais. Há também aqueles que trabalharam o tema de forma transversal entre os diferentes tópicos do Plano de Governo. Ainda sim, entendemos que quanto mais detalhadas as propostas, melhores elas são. Além de trazerem mais argumentos técnicos, denotam um maior comprometimento do presidenciável com o que está escrito e descrito ali. Propostas vagas e clichês retóricos qualquer um pode fazer e encaixá-los posteriormente nas ações mais diversas e não necessariamente relacionadas ao meio ambiente.

    Fizemos buscas de palavras para ver se encontrávamos termos como “ambiental”, “meio ambiente”, “sustentável”, “sustentabilidade”, “preservação”, “proteção”, “conservação”, “unidades de conservação” e “áreas protegidas”.

    Os Planos mais bem elaborados foram os mais difíceis de analisar, e provavelmente a investigação tenha sido mais superficial por conta da riqueza de detalhes. Deste modo, fiquem à vontade para contribuírem com dados que acharem pertinentes e que possam ter sido omitidos neste trabalho.

    O Natureza Crítica analisou as informações que constam nos Planos de Governo que foram entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas sabemos que os candidatos dão declarações que fornecem mais detalhes sobre suas propostas ou mesmo as contradizem. Também pode acontecer de o que está proposto no Programa, contradiga o histórico de atuação do candidato. Portanto, mais uma vez, pedimos que contribuam com dados e links para esta discussão nos comentários.

    Álvaro Dias (Pode)

    O Plano de Governo do Candidato Álvaro Dias tem 15 páginas (contando com a capa).

    A palavra “ambiente” aparece 4 vezes, sendo que em 3 compõe meio ambiente, conforme nos trechos reproduzidos abaixo:

    “O crescimento sustentado será alcançado através do estímulo ao empreendedorismo e do aumento e melhoria na qualidade da infraestrutura instalada, sem negligenciar um olhar atento à interiorização e ao meioambiente.” (pág. 5 )

    “O meio-ambiente não pode ser negligenciado e desenvolvimentos tecnológicos devem ser utilizados para a sua preservação.” (pág. 8)

    “Tecnologia como aliada para preservar o meio-ambiente” (pág. 10)

    O último trecho é uma das diretrizes do Plano. Em um primeiro momento é proposto que o desenvolvimento não negligencie o meio ambiente. Em um segundo momento, o Plano propõe o uso da tecnologia para a proteção ambiental.

    O radical “sustent” aparece 9 vezes, sendo 4 para sustentavel, 4 para sustentado e 1 para sustentabilidade. Em todas as vezes os termos estavam relacionados ao desenvolvimento e crescimento econômico.

    O Plano é dividido em três grandes áreas: Sociedade, Economia e Instituições. Entretanto, a única das 19 metas do Plano do candidato (que no arquivo do Plano de Governo não é captada pela busca de palavras) que tem o viés ambiental, “VERDE-ÁGUA E SANEAMENTO 100%”, está inserida em Sociedade, não e Economia. Seguem abaixo os ítens desta meta:

    • Preservação e aproveitamento integral dos biomas nacionais
    • Proteção dos mananciais (replantio de matas em 3500 municípios)
    • Gestão produtiva dos cursos d’água e aquíferos
    • Cumprimento do Plano RenovaBio (créditos para descarbonização)
    • Prioridade Saneamento: 20 bilhões ano/em esgoto tratado

    O mais interessante no Plano de Governo, no que diz respeito à área de meio ambiente, são justamente esses itens, nos quais a proteção ambiental é relacionada ao fornecimento de água. Ainda sim, preocupa o viés de produtividade econômica, que pode ser interpretado no 1º e no 3º ítem. O termo “preservação” remete à maior restritividade em termos de proteção ambiental. Portanto, preocupa sua direta associação com “aproveitamento integral dos biomas”, visto que o justo aproveitamento que temos que dar a biomas que estão seriamente ameaçados é sua preservação e recuperação.

    Em relação aos dois últimos ítens do planos de metas, pode-se notar uma preocupação em relação à mitigação da emissão de gases causadores do efeito estufa, além de uma importante concepção de que saneamento básico também é questão ambiental (apesar de não haver referência ao termo neste trecho).

    Cabo Daciolo (Patri)

    O Plano de governo do candidato Cabo Daciolo tem 17 páginas (contando com a capa) e aborda cinco grandes áreas: Educação, Saúde, Economia, Infraestrutura de Transportes e Segurança Pública.

    Não é feita nenhuma menção direta a Meio Ambiente. O mais próximo o Plano de Governo chega em mencionar conceitos ambientais acontece em dois trechos, às páginas 03 e 17, entretanto sempre atrelados a economia e sem maior detalhamento.

    Seguem os trechos:

    “O Brasil é um país estratégico no cenário político internacional. Possui inúmeras riquezas naturais; um elevado potencial tecnológico e científico; e não por acaso, é atualmente a maior economia da América Latina.”

    “Uma sociedade bem constituída socialmente, psicologicamente e espiritualmente encontra os caminhos do progresso; da justiça social; da distribuição justa da renda; da efetiva ação de segurança pública; do desenvolvimento econômico e sustentável e também valoriza os pilares da educação.”

    Ciro Gomes (PDT)

    O Plano de Governo de Ciro Gomes apresenta 59 páginas (excluindo capa e outras firulas), das quais 4 são inteiramente dedicadas ao tema “Desenvolvimento e Meio Ambiente”.

    A apresentação deste tema é trabalhada com o objetivo de desconstruir a oposição artificial entre a ecologia e a economia (conceitos utilizados no Plano). O primeiro parágrafo se encerra mostrando que as ações devem melhorar a qualidade de vida das pessoas, entretanto. Entretanto, antes disso, o texto dá uma leve escorregada no viés desenvolvimentista e afirma que “as políticas conservacionistas priorizaram a instituição de unidades protegidas como salvaguarda de nossa biodiversidade e pouco avançaram em políticas de harmonização da preservação com a produção.” Vale  lembrar que as áreas protegidas se enquadram em diferentes categorias, algumas permitindo atividades de produção, outras não. O conceito de preservação, que é utilizado no texto, refere-se a formas mais retristritivas de proteção ambiental.

    O Plano de Governo de Ciro Gomes apresenta 15 linhas de ação para a área de Meio Ambiente, o que já mostra uma boa preocupação com a pasta.

    O primeiro ponto positivo é que no Plano, a questão ambiental está relacionada ao abastecimento da população e à questão do saneamento básico, mostrando a uma visão abrangente em relação ao tema.

    O planejamento e o aspecto socioambiental estão bastante presentes as metas. O candidato defende a compatibilização da agenda governamental com a legislação específica da área ambiental. No que tange às unidades de conservação da natureza, a meta é implementar as já criadas, ou seja, tirá-las do papel. Se por um lado pretende abrir concessões à iniciativa privada para explorar economicamente essas áreas, por outro busca a formação de arranjos produtivos locais. Da mesma forma, o Plano indica que grandes obras devam ser acompanhadas de planejamento desses arranjos produtivos em seu entorno. O zoneamento ambiental também está previsto. Além disso, a regularização fundiária para territórios indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais também constam nas metas. Também está prevista a extensão rural.

    O candidato assume ainda compromisso com diversas ações necessárias para a redução da emissão de gases do efeito estufa.

    O último item das metas ambientais é a criação de uma política de proteção aos animais.

    Consta ainda no Plano uma atenção específica que será dada aos impactos da tragédia ambiental causada pela Samarco/Vale, em Mariana/MG.

    O radical “ambient” aparece 26 vezes no texto, sendo que em 20 está relacionado de alguma forma a meio ambiente.

    Geraldo Alckmin (PSDB)

    O Plano de Governo do ex-governador de São Paulo possui 16 páginas (incluindo muitas firulas gráficas, fotografias de página inteira e por aí vai)

    A temática ambiental aparece em apenas dois parágrafos sequenciais.

    Primeiro, é abordada como estratégia de relações exteriores, na qual o candidato toma como referência a agenda Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), definida pela Organização das Nações Unidas (ONU), e se compromete com a redução de emissão de gases, conforme Acordo de Paris. Promete ainda atenção especial à gestão da Amazônia.

    O segundo parágrafo se inicia associando o conceito de sustentabilidade ao de crescimento econômico. Em seguida, o candidato afirma “seremos firmes e técnicos na questão ambiental, evitando a politização e a visão de curto prazo que pautaram os debates ambientais”. Acredito que este seja o ponto mais polêmico das poucas propostas do candidato em relação à área ambiental. Como o parágrafo está inserido em seção  do Plano chamada “O Brasil da Esperança”, esperamos que haja firmeza e respeito ao conhecimento técnico quando se trata do meio ambiente, bem como visões de longo prazo. Entretanto, não podemos esquecer que a questão ambiental já é política por si só. Também não podemos deixar de citar o histórico de aparelhamento político na pasta de meio ambiente do estado de São Paulo durante a gestão do candidato, bem como a interferência em pareceres técnicos.

    O Plano indica ainda que o Brasil concilia desenvolvimento com preservação. Vale lembrar que o conceito de preservação remete à categoria mais restritiva de proteção.

    Na busca por palavras-chave, o radical “ambient” apareceu 3 vezes, “sustent” aparece 4 vezes (sendo 3 relacionado a meio ambiente) e “preserv” aparece uma vez.

    Guilherme Boulos (PSOL)

    O Candidato Guilherme Boulos apresenta 228 páginas de texto em seu Plano de Governo.

    Na busca de palavras, o radical “ambient” aparece 52 vezes, sendo que em 42 refere-se à temática ambiental. O radical “preserv” aparece 7 vezes e em 2 refere-se ao meio ambiente. A palavra “sustentável” aparece 11 vezes, vinculado geralmente ao desenvolvimento econômico. Em 3 está explicitamente relacionado ao meio ambiente. O termo “áreas protegidas” aparece uma vez no texto, “bem como “Unidades de Conservação”.

    O Plano de Governo apresenta uma introdução e 19 capítulos. Um deles é dedicado ao tema “TERRA, TERRITÓRIO E MEIO AMBIENTE: UM NOVO E URGENTE MODELO DE DESENVOLVIMENTO”, com 14 páginas.

    As propostas ambientais estão divididas em 6 grandes temas:

    • Reconhecimento, homologação, demarcação e regularização imediata de todas as terras indígenas, quilombolas e das populações tradicionais;
    • Reforma Agrária Popular e Agroecológica;
    • Acabar com o desmatamento e manejo e restauração das florestas com espécies nativas;
    • Proteção das águas e sistemas hídricos;
    • Defesa dos bens comuns e dos direitos da natureza;
    • Transição energética e produtiva, visando superar o uso dos combustíveis fósseis.

    As propostas estão bem detalhadas e mostram uma visão abrangente sobre o Meio Ambiente, valorizando tanto as pessoas quanto o valor intrínseco dos recursos naturais. O Programa de Governo propõe uma “economia verde” e dá grande destaque aos indígenas, quilombolas e populações tradicionais.

    O candidato também propõe a criação de áreas protegidas.

    A questão da água e do abastecimento urbano, o saneamento básico, assim como o compromisso com a redução da emissão de gases do efeito estufa para combater as mudanças climáticas estão presentes. O Plano ainda critica a atuação do agronegócio e se posiciona contra os transgênicos, pesticidas e afins, entendendo que a agricultura familiar é a solução.

    Na parte ambiental, o Programa está bem embasado. São citados diferentes biomas, conceitos técnicos, legislação, órgãos governamentais e Conferências sobre o tema. São mencionados ainda desastres como o causado pela mineradora Samarco/Vale em Mariana (MG).

    Além de conter um capítulo próprio, a preocupação com a temática ambiental aparece de forma transversal nos capítulos do Programa dedicados aos temas educação, cidades, cultura e relações internacionais.

    Henrique Meireles (MDB)

    Na busca de palavras, o radical “ambient” aparece 3 vezes, o verbete “proteção” aparece 2 vezes, o verbete “conservação” aparece 2 vezes. O radical “sustent” aparece 5 vezes, mas em apenas uma está relacionado a questões ambientais.

    O Plano de Governo do Candidato tem 20 páginas de texto corrido. É dividido em 5 grandes temas. Ao final do capítulo “O Brasil mais integrado”, que trata de investimentos em infraestrutura, são dedicados três parágrafos para tratar de temas ambientais.

    No texto o candidato defende a valorização da biodiversidade e proteção ao patrimônio natural. Em relação às Mudanças Climáticas, o candidato se compromete com a redução da emissão de gases do efeito estufa (conforme acordo de Paris), por meio de uma maior participação da bioenergia na matriz energética e incentivando o reflorestamento e o investimento em energias renováveis.

    O Candidato cita a importância de duas Unidades de Conservação criadas em 2018, mas não dá mais detalhes sobre metas em relação a criação de novas áreas protegidas. Defende ainda  que “Programas de redução do desmatamento na Amazônia, de recuperação de nascentes e de revitalização do Rio São Francisco precisam ser acelerados, assim como a conversão de multas ambientais em novos recursos para serem usados em programas de conservação e revitalização do meio ambiente.”

    Jair Bolsonaro (PSL)

    O Plano de Governo do candidato apresenta 81 páginas em slides de Power Point transformados em PDF.

    Na busca por palavras, o radical “ambient” aparece 4 vezes, sendo que em apenas 2 está relacionado à meio ambiente. Ainda assim, em uma delas “meio ambiente rural” está vinculado à uma nova infraestrutura agropecuária pretendida no Programa. Na outra, o candidato se refere ao licenciamento ambiental como criador de barreiras intransponíveis às pequenas centrais hidrelétricas.

    O verbete sustentável aparece apenas uma vez no ítem “Desenvolvimento Rural Sustentável (Atuação por Programas)”, também relacionado à infraestrutura agropecuária.

    A agropecuária pode ser tanto antagônica quanto aliada ao Meio Ambiente, dependendo de como é feita. Da forma como é colocada neste Programa de Governo, entendo que o presidenciável não traz nenhuma proposta ambiental. Vale lembrar que o candidato propõe a fusão dos ministérios da agricultura e meio ambiente.

    Só para dar uma colher de chá ao candidato, em algum momento ele menciona que “o Nordeste pode se tornar a base de uma nova matriz energética limpa, renovável e democrática”. Mas de resto, sua preocupação com energia é mais relacionada à questão econômica.

    João Amoedo (NOVO)

    Plano de Governo com 23, incluindo capa com foto do candidato.

    Na busca de palavras, o radical “sustent” aparece 12 vezes, ma podemos relacioná-lo de alguma forma à questão ambiental apenas em 6.  Já o radical “ambient” aparece 7 vezes, sendo que em 5 está relacionado a meio ambiente. “Conserv” aparece duas vezes. “Preserv” aparece 2 vezes, mas apenas em uma remete a preservação ambiental. O verbete “protegida” aparece uma vez.

    Entre os 10 ítens propostos no Plano, um deles é dedicado à área de meio ambiente: “Responsabilidade Com As Futuras Gerações Com Foco Na Sustentabilidade E Um Agronegócio Moderno Indutor Do Desenvolvimento”.

    O candidato começa com o mesmo discurso de exaltação da natureza que outros candidatos também fazem uso. Da mesma forma, dá aquela escorregada e diz que vai conciliar preservação e crescimento econômico e dá uma ênfase na exploração dos recursos naturais. Mais uma vez lembrando que preservação e exploração não podem caber na mesma frase. O que mostra o viés econômico do candidato aos pensar na questão ambiental. Mais adiante no plano propõe conciliação definitiva entre conservação e desenvolvimento agrícola. Assusta um pouco o uso da palavra definitiva. A conciliação é sempre bem vinda, mas esperamos que não seja o desenvolvimento agrícola em detrimento da conservação, como normalmente é a linha de trabalho de quem alia a questão ambiental ao viés econômico.

    Um ponto positivo é que o candidato entende, ainda que não com a acurácia necessária conforme indica a redação do texto, que saneamento básico é questão ambiental e que o objetivo é justamente melhorar a qualidade de vida das pessoas. É um ponto importante entender que o tema afeta a vida das pessoas hoje, o que contrapõe com o clichê das futuras gerações, também utilizado no texto.

    Amoedo traz ainda uma visão razoavelmente abrangente de meio ambiente: inclui água, florestas, biodiversidade, clima, pessoas. Propõe recuperação de rios, baías e praias, redução do desmatamento da Amazônia, parcerias com consórcios municipais e com o setor privado, uso de tecnologias, aplicação do Código Florestal, fim dos lixões, foco nas energias renováveis.

    João Goulart Filho (PPL)

    O Plano de Governo do Filho de Jango tem 14 páginas de texto corrido. Dos 20 itens do Programa, um é dedicado ao Meio Ambiente, ocupando cerca de uma página.

    O radical “ambient” aparece 4 vezes na busca por palavras, sendo que em 4 está relacionado à questão ambiental. O verbete “preservação” aparece uma vez. “Proteção” aparece apenas uma vez vinculado a meio ambiente.

    João Goulart Filho faz um diagnóstico sobre a questão ambiental no país e se compromete com a promoção do desenvolvimento com o uso racional dos recursos naturais, em contraponto à exploração predatória vigente. Critica a falta de contrapartida dos países desenvolvidos, aos quais são enviados nossos recursos e aponta o quanto isso impacta na vida das pessoas, dando exemplos como a desertificação, assoreamento e contaminação de corpos d’água, do solo, morte de fauna e flora, acumulação de lixo e poluição atmosférica. Cita ainda o desastre promovido pela Samarco/Vale em Mariana (MG).

    Referente às mudanças climáticas, o candidato escorrega ao afirmar que “apesar de a responsabilidade principal ser dos países ricos, temos que dar nossa contribuição.” Sim, temos que dar a nossa contribuição, mas dizer que a responsa é dos ricos, é não entender a nossa grandeza e a nossa riqueza. É quase entregar a Amazônia pros gringos.

    O candidato propõe barrar o uso predatório dos recursos naturais e planejamento a longo prazo (ponto positivo). Especifica que “o aumento da produção agropecuária deve resultar, principalmente, do aumento da produtividade nas áreas já ocupadas, e não da incorporação de novas áreas, garantindo, assim, as metas de redução de desmatamentos.” Também propõe rever o Novo Código Florestal (de 2012), apontando que o desmatamento só aumentou após sua implementação.

    Goulart Filho propõe ainda aumentar as multas e penas para crimes ambientais, principalmente em casos de desastres ecológicos. Ou seja, responsabilizar mais os grandes e não os pequenos, que é o como acontece na prática.

    O candidato também propõe acabar com os lixões, e fazer convênios com estados e municípios dar a destinação adequada aos resíduos sólidos. Se compromete ainda a garantir a cobertura de 100% da coleta e tratamento de esgoto nos centros urbanos, além de trabalhar a “transição para combustíveis menos poluentes e estimular políticas de transporte coletivo.“

    José Maria Eymael (DC)

    O presidenciável José Maria Eymael apresenta um Programa de Governo de apenas 9 páginas. Dos 27 itens do Plano, um é dedicado ao Meio Ambiente. Confira abaixo na íntegra.

    “MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL

    1. Proteger o meio ambiente e assegurar a todos o direito de usufruir a natureza sem agredi-la. Orientar as ações de governo, com fundamento no conceito de que a TERRA É A PÁTRIA DOS HOMENS.”

    Gostaríamos de ler mais. Um mínimo detalhamento que tire as expressões acima do campo do discurso vazio.

    Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

    O Plano de Governo de Lula tem 58 páginas, contando com capa, sumários e firulas afins. Dos 5 capítulos, um é inteiramente dedicado ao meio ambiente. O capítulo TRANSIÇÃO ECOLÓGICA PARA A NOVA SOCIEDADE DO SÉCULO XXI tem 14 páginas de texto.

    Na busca por palavras, o radical “ambient” aparece 66 vezes, sendo que em 62 está relacionado a meio ambiente. A palavra “sustentável” aparece 19 vezes. “Conservação” aparece 6 vezes e “Unidades de conservação” 3 vezes. “Preservação” aparece duas vezes, remetendo à biodiversidade.

    O Presidente propõe a construção de uma economia justa e de baixo carbono e defende que o Brasil precisa pensar no longo prazo. Propõe o investimento em agroecologia e mudança nas estruturas produtivas para garantir ar limpo para respirarmos, água potável, mares e rios salubres, e usufruto dos recursos naturais.

    Critica o governo Temer, no qual “o meio ambiente e os povos do campo, das florestas e das águas são tratados como moeda de barganha política, ao flexibilizar licenciamento ambiental, suspender demarcação de terras indígenas, reduzir as unidades de conservação, facilitar a grilagem, dentre outros tantos retrocessos.”

    O candidato defende uma economia de baixo impacto ambiental, com eficiência energética e reciclagem, investimento em energia eólica, biocombustíveis e química verde. Propõe uma reforma fiscal verde, que premiará investimentos e inovação em baixo carbono. Se compromete com a redução de gases de efeito estufa. Lula também propõe um novo marco regulatório para a mineração, citando a tragédia causada pela Samarco / Vale em Mariana (MG).

    De acordo com o Plano de Governo, o candidato entende que saneamento básico e abastecimento de água são questões ambientais e traz propostas para “para garantir a oferta de água para todos e todas com qualidade e regularidade, em sintonia com as metas do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) de Água e Saneamento da ONU”.

    O candidato também parece entender o desenvolvimento urbano como questão de meio ambiente, conforme mostrado no Plano, no qual são tratadas questões como moradia e resíduos sólidos.

    Em relação ao campo, o candidato incentiva a produção agroecológica para a produção de alimentos mais saudáveis e propõe um programa de regulação do agronegócio para a redução do desmatamento.

    O Plano contém ainda propostas de políticas fundiárias, de demarcação de terras, de direitos humanos e sociais no campo, de enfrentamento à seca e de inclusão social de pescadores artesanais. Também se compromete a construir políticas públicas de defesa dos animais.

    Em relação a redução do desmatamento o candidato se compromete a fiscalizar o cumprimento do Código Florestal, incluindo o Cadastramento Ambiental Rural fortalecer a proteção das unidades de conservação e dos demais bens da natureza. Entretanto, parece dar o foco nesta questão apenas para o bioma Amazônia.

    Propõe ainda uma política pública de educação ambiental.

    Marina Silva (Rede)

    O Plano de Marina Silva possui 46 páginas, incluindo capa e muitas firulas gráficas.

    O radical “ambient” aparece 31 vezes na busca por palavras, em apenas 20 remetendo a meio ambiente. “Sustentável” aparece 18 vezes e “sustentabilidade” apenas 4, lembrando que compõe inclusive o nome do partido político. A palavra “preservação” aparece 5 vezes, sempre ligada de alguma forma ao meio ambiente, Os termos “Unidades de Conservação” e “Áreas Protegidas” aparecem uma vez cada.

    A candidata propõe investimentos em saneamento básico e segurança hídrica, por meio de criação de capacidades institucionais nos municípios, parcerias público-privadas, investimento em pesquisa e tecnologia e preservação e recuperação de mananciais, nascentes, e demais corpos d’água. Também priorizará “políticas para a redução, reutilização, reciclagem dos resíduos sólidos, tendo como horizonte uma política de lixo zero”.

    Em relação a povos e comunidades tradicionais, Marina promete criar políticas de fomento às suas atividades econômicas, com atenção às suas especificidades culturais. Cita indígenas, quilombolas, ciganos, faxinalenses, pomeranos, caiçaras, pescadoras e pescadores artesanais, seringueiros, extrativistas, quebradeiras de coco babaçu e ribeirinhos. A candidata também se compromete com a demarcação de terras indígena e o reconhecimento e titulação de terras quilombolas. Marina propõe ainda a retomada dos processos de criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável – especialmente Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável e a implantação de um sistema de compensação financeira para as comunidades tradicionais que promoverem a preservação dos recursos naturais e da biodiversidade. Se compromete a envolvê-los em procedimentos de licenciamento ambiental que os impacte direta e indiretamente. Garante ainda programas educacionais diferenciados e adaptados às realidades e especificidades locais e o direcionamento de recursos de ciência e tecnologia para iniciativas dos povos tradicionais. A candidata promete ainda ações para a investigação de crimes ambientais e violação de direitos contra essas comunidades.

    A candidata da Rede se compromete ainda com a implementação de políticas que promovam o bem-estar dos animais, coibindo práticas que causam sofrimentos em atividades produtivas ou em pesquisa.

    Em relação ao meio urbano, Marina propões ações diversas relacionadas à habitação, revitalização de espaços públicos, gestão dos resíduos sólidos e redução da emissão de gases poluentes.

    Duas páginas são dedicadas à proposta de transição para uma economia de baixo carbono. Além da uma mudança no modelo energético, a candidata propõe a valorização de uma economia florestal como estratégia para combater as mudanças climáticas.

    Marina propõe ainda planejamento de uso da terra e se compromete a dar “tratamento específico, com o desenvolvimento de políticas públicas dirigidas para uma grande faixa situada no semiárido nordestino, onde estão concentrados os minifúndios no Brasil, com vistas a superar a situação de precariedade em que vivem centenas de milhares de famílias.” Garantirá financiamento para a agricultura familiar,  fundamental para produzir alimentos para o consumo interno, garantir o trabalho e a geração de renda no campo.

    Vera Lúcia (PSTU)

    O Plano de Governo de Vera Lúcia apresenta apenas 5 páginas de texto.

    Na busca por palavras, o radical “ambient” aparece duas vezes. “Proteção” aparece uma vez

    O termo meio ambiente aparece vinculado ao plano de obras públicas e a questão da reforma agrária. Dos 16 itens do Programa, não há um capítulo específico para Meio Ambiente. Entretanto, há item que propõe a regularização fundiária de áreas indígenas e quilombolas.

    Gostaríamos de saber mais detalhes sobre as propostas.

    Considerações Finais

    Os Planos de Governo de Guilherme Boulos (PSOL), Lula (PT) e Marina Silva (Rede) são os melhores estruturados e detalhados na área de meio ambiente, deixando as propostas de ações mais claras.

    Em seguida vem o de Ciro (PDT), seguido por Amoedo (NOVO). Logos atrás vêm João Goulart (PPL) e Álvaro Dias (Pode) empatados.

    Decepciona que os Planos de Geraldo Alckmin (PSDB) e Henrique Meirelles (MDB), representantes de dois partidos políticos enormes, tenham descrito tão pouco sobre suas propostas para a pasta.

    Jair Bolsonaro (PSL) não apresenta propostas ambientais, tal qual o time dos café-com-leite Cabo Daciolo (Patri), Eymael (DC) e Vera Lúcia (PSTU).

    Elaboramos um ranking abaixo para representar graficamente as propostas dos candidatos para a pasta de meio ambiente.

    Ranking das Propostas:

    1. Boulos, Lula e Marina
    2. x
    3. x
    4. Ciro
    5. Amoedo
    6. João Goulart e Álvaro Dias
    7. x
    8. Meirelles
    9. Alckmin
    10. x
    11. x
    12. x
    13. Bolsonaro, Daciolo, Eymael, Vera Lúcia

    Esta análise deu trabalho e pedimos desculpas se ocorreu algum erro de digitação ou de interpretação, ou mesmo a uma possível falta de padrão nas análises de cada Programa. Esta análise foi realizada nas horas vagas de quem trabalha em horário comercial, portanto pedimos a compreensão. A discussão não se fecha aqui e ainda temos um mês até o dia da votação para o 1º Turno das Eleições de 2018. Portanto, ainda há muita informação para trocarmos. Mais contribuições para este debate são bem vindas.

    Confira abaixo os Programas de Governo de cada candidato:


    Publicado originalmente no blog Natureza Crítica.

  • A importância do sistema nacional de unidades de conservação

    O Brasil, como praticamente todo brasileiro sabe, é um dos países com maior biodiversidade no mundo. Seja em espécies de plantas, animais ou micro-organismo, as terras e águas brasileiras são abundantes em formas de vida. Além disso, nosso país é um verdadeiro “baú” de riquezas minerais. Também é cada vez mais notório que os recursos naturais ensejam interesses distintos em diferentes grupos da sociedade. De um lado, setores mais ortodoxos da economia enxergam a necessidade de se explorar crescentemente o ambiente como essencial para o crescimento econômico. Por outro, a conscientização de que tais recursos tem valor maior do que o que podem oferecer economicamente também ganha espaço (existem modelos econômicos mais alinhados à preservação ambiental que defendem que isso é, mesmo economicamente, mais coerente no longo prazo).

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