Tag: método científico

  • Como se faz ciência em um grupo de pesquisa?

    Este texto é uma apresentação dos trabalhos dos bastidores das pesquisas do EMRC. Antes de entrar “mesmo” no laboratório, vamos falar um pouco do que é esse trabalho, como montamos projetos, como formamos pesquisadores e nos formamos pesquisadores. Ou seja, antes de falar da Medicina Experimental e o que significa trabalhar com isso, gostaríamos de falar sobre como chegamos até aqui . O que seria isso? Esse trabalho de formiguinhas coletivas, que pensam, escrevem, propõem, formam e fazem pesquisa, juntos.

    Para isso, gostaríamos de começar com a noção de que não basta estar numa universidade para fazermos pesquisa. É preciso, também, cumprir várias etapas anteriores. Hoje vamos falar um pouco dos editais de pesquisa e das propostas que fazemos a estes editais!

    O que é fazer pesquisa como grupo de pesquisa?

    Parece que fazer pesquisa é estar em laboratório, com jaleco, cheio de equipamentos. Talvez analisando dados que aparecem em uma placa de petri, tubos de ensaio, lupas ou microscópios. Há quem pense que por sermos professores e pesquisadores universitários de universidade pública, “nosso salário está garantido”. Portanto, é só entrar no laboratório e fazer nosso trabalho (nossa pesquisa).

    No entanto, não é tão simples assim… A pesquisa não é um simples “entrar em laboratório e trabalhar”. Vamos falar um pouco sobre isso hoje…

    Como se forma pesquisadores

    Somos um grupo de 9 pesquisadores. Parte do nosso trabalho é usar nossa trajetória de pesquisa anterior. E isto inclui nossa formação pregressa (tanto a graduação, quanto nossa especialização em uma área no Mestrado e Doutorado).

    No EMRC cada pessoa tem uma formação ligeiramente diferente uma da outra. Isto é, ali somos todos da área “biomédicas” – temos biólogos, veterinários, farmacêuticos, biomédicos, bioquímicos. Consideramos, aqui no Brasil, a pós-graduação nossa entrada em projetos de pesquisa de maneira cada vez mais “autônoma”. Ou seja, termos uma atuação mais propositivas. Não apenas executando as etapas experimentais, de campo e coleta de dados, mas elaborando-os também – que é um pouco do que falaremos aqui hoje). Cada pesquisador aqui do grupo tem formações também diferentes. Como assim? Isso não se restringe apenas ao “diploma” (como bioquímica ou biologia molecular, por exemplo). Mas diz respeito à linha de pesquisa dentro destas áreas de conhecimento. 

    Em cada uma destas etapas de formação, aprendemos sobre nossa área e nossos objetos de pesquisa, mas também aprendemos vários detalhes de como ser pesquisadores. Isso inclui: escrever projetos, orientar e formar novos pesquisadores, formar grupos de pesquisa, elaborar experimentos, desenvolver, analisar e debater dados obtidos em nossos experimentos.

    Nosso trabalho na universidade

    Ao organizar nosso trabalho na Unicamp, parte de tudo o que pensamos como cientistas é que não se caminha sozinho para produzir conhecimento. Neste sentido, o EMRC foi se organizando a partir da premissa de que fazer ciência junto é melhor, mais produtivo, mais criativo. Colaborativamente, temos ideias diferentes exatamente pela nossa formação que andou por caminhos que divergem. Mas também complementares, por trazerem olhares que não são sempre iguais, para o que estamos pensando.

    Isso é relevante, uma vez que a pesquisa não é – como dissemos no início deste texto – um ato de “entrar no laboratório e sair fazendo”. Isso contando que já temos um espaço para fazer pesquisa. Isto é, que os laboratórios e salas que trabalhamos já existiam quando entramos na Unicamp, ao menos em parte. Calma que isto é um capítulo a parte e vamos falar de estrutura em outro momento também, aguarde. Dessa forma, uma das etapas que precisamos para iniciar nossa pesquisa é verba para manter o trabalho cotidiano dos laboratórios. E como se consegue isso?

    Os editais! 

    Existem várias modalidades de investimento na ciência. Os mais comuns são os editais de pesquisa públicos e privados. Todos os anos – alguns anos com mais verba do que outros – os governos Federal e Estadual lançam editais de pesquisa via agências de fomento. Mas o que é isso? São instâncias do governo que são destinadas exclusivamente a captar recursos e lançar linhas de investimento. A Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo – mais conhecida como FAPESP é uma destas instâncias no Estado de São Paulo. No âmbito federal, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – mais conhecido como CNPq – é responsável por isso. Estas agências, anualmente, buscam recursos para financiar pesquisas científicas. Por exemplo, no caso da FAPESP há uma porcentagem do ICMS arrecadado destinado à agência, mas pode haver outras fontes também. Há também agências de fomento internacionais e privadas que podem lançar editais.

    Os editais são chamadas públicas para que propostas de pesquisa sejam inscritas. Isto é: qualquer instituição, grupos de pesquisa ou pesquisadores que se encaixarem nos critérios podem se inscrever. Estes editais não são para ganharmos dinheiro automaticamente… Eles são de concorrência. Ou seja: fazemos uma proposta do que pretendemos pesquisar. O que é isso? Escrever um projeto é montar um referencial teórico, perguntas, hipóteses, metodologias (que variam dependendo do tipo de pesquisa) e como analisaremos. Também há nesta proposta quantas pessoas se envolverão na pesquisa, no tempo que teremos para desenvolvê-la. Importante ressaltar que o tempo é estabelecido pelo edital, e não por nós, pesquisadores. Por fim, nós indicamos quanto dinheiro precisaremos para esta pesquisa e como nós o usaremos.

    Ah então vocês ganham dinheiro para isso???

    Sim, claro! O dinheiro para manter a pesquisa vem, exatamente, destes editais! E usamos o dinheiro no quê? No caso de um edital de pesquisa de laboratório, há vários itens. Por exemplo, há compras de equipamentos específicos, ou manutenção de equipamentos que já temos, compra de reagentes, cobaias, manutenção de cobaias. Além disso, temos pagamento de inscrição em eventos nacionais e internacionais para apresentar resultados, submissão dos resultados e artigos em periódicos. Muitas vezes, também podemos pedir bolsistas. Isto é, pagar para que parte do trabalho seja feito por pesquisadores em formação, tanto na graduação, quanto na pós-graduação.

    As propostas que mais se encaixarem nos critérios dos editais, ficam melhor colocados. No caso de sermos contemplados, há todo um trâmite burocrático para tocarmos este projeto. Isso inclui usar o recurso financeiro. No entanto, mais do que isso, além dos resultados da pesquisa, publicações e tudo mais, prestamos contas de como usamos o recurso. Se não usamos tudo, devolvemos à agência de fomento.

    Tá e a pandemia, hein?

    Nós tivemos, este ano, vários desafios na pesquisa. Um desses desafios foi nos adaptarmos na pesquisa com os projetos que já estavam em andamento. Além disso, tivemos editais emergenciais para a Covid-19. No EMRC há alguns dos pesquisadores que deram o ponta-pé inicial para a Força Tarefa da Unicamp. Várias pesquisas desenvolvidas neste grupo começaram a ser pensadas a partir da Covid-19. Assim, fomos procurando verbas específicas de editais internos (da própria Unicamp) ou externos – ganhamos alguns. Todavia isso não era tudo…

    Precisávamos de mais ações, então tivemos ações de diagnósticos, por exemplo. Isto é essencial: o conhecimento científico acumulado na universidade, e por pesquisadores do EMRC, foram fundamentais para prestar este serviço para a sociedade neste momento.

    Isto é, o trabalho de pesquisa, os editais, as verbas que são investidos em longo prazo na ciência, revertem em condições de termos respostas rápidas e práticas. E aqui falamos tanto como grupo de pesquisa. Mas também falamos como parte de uma universidade que teve faz pesquisa arduamente para ter esta condição. Isto é, em momentos de crise como a que estamos vivendo agora, temos pesquisadores e estruturas para pesquisa!

    Por fim…

    Vocês perceberam que não falamos nada de Medicina Experimental hoje, nem usamos termos dificílimos da área biomédica neste texto? Pois é! Nem só de terminologias técnicas vivem cientistas!

    Tudo o que estudamos na área da saúde e ciências biológicas serve para pensarmos a pesquisa e estruturarmos os próximos passos. Todavia, isso não basta. E foi um pouco disso que buscamos falar na postagem de hoje.

    Para Saber Mais

    LATOUR, B; WOOLGAR, S (1997) A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará.

    SCHWANTES, L (2020) “Só dá aulas”: o que faz (ou deveria fazer) um professor de universidade pública? Grupo PEmCie, Blogs de Ciência da Unicamp.

    SCHWANTES, L; ARNT, A (2020) “Só dá aulas”: o que fazemos na universidade pública? (parte 2 – a pandemia) Grupo PEmCie, Blogs de Ciência da Unicamp.

    FAPESP

    CNPq

    EMRC

    Força Tarefa da Unicamp

    O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Este texto foi publicado originalmente no blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Bem como, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Deus, hidroxicloroquina e unicórnios: é impossível demonstrar um negativo?

    Texto escrito por Fábio Machado

    Quem está habituado à discussão teológica está familiarizado com a afirmação de que seria “impossível demonstrar uma negativa”. Ela é rotineiramente usada por crentes e apologetas para argumentar que, “segundo a lógica”, é impossível dizer que Deus não existe, mesmo na total ausência de evidências da sua existência. Logo se você crê em Deus por fé apenas (sem evidencia), você não estaria sendo irracional ou ilógico. Esse argumentos sempre me soou estranho, mas eu honestamente não havia pensado nele por anos até que me deparei com alguns debates recentes na internet envolvendo a hidroxicloroquina e sua eficácia. A discussão segue mais ou menos assim:

    Crítico da hidroxicloroquina – Foi demonstrada a ineficácia da hidroxicloroquina

    Defensor da hidroxicloroquina – Não foi demonstrada sua ineficácia, porque é impossível demonstrar uma negativa.

    O que para mim o curioso nessa história toda é que a frase de efeito, ou truísmo, usado para corroborar esse raciocínio, de que  “é impossível demonstrar uma negativa” é obviamente falso. É completamente lógico derivar um argumento formal no qual a conclusão é a inexistência de algo. Por exemplo, digamos que estejamos argumentando sobre a existência de unicórnios. Eu poderia montar o seguinte argumento

    • P1 – Se unicórnios existem, deveria haver alguma evidência deles no registro fóssil.
    • P2 – Não existe evidência de unicórnios no registro fóssil.
    • Conclusão- Unicórnios não existem.

    Esse é um argumento logicamente válido no qual a conclusão (uma negativa) é a consequência lógica das premissas. Proposições negativas são tão demonstráveis quanto proposições positivas.

    “Mas, calma lá”, você pode pensar “o registro fóssil é notoriamente incompleto. Espécies podem simplesmente não estar representadas sem que isso signifique que elas nunca existiram”.

    Esse argumento remete ao problema da indução, que diz basicamente que nenhuma generalização baseada em observações limitadas pode ser bem sucedida. O exemplo clássico é a ideia de que, não importa quantos cisnes brancos você encontre na natureza, você nunca vai poder dizer que todos os cisnes são brancos, visto que você ainda pode encontrar um cisne negro que refute essa generalização. É importante ressaltar que, enquanto isso não invalida a ideia que proposições negativas são demonstráveis, isso parece levantar um problema sério para premissas que sustentem supostas inexistências.

    Porém, nem todas proposições são iguais. Imagine que, ao invés de você estar buscando cisnes negros, você que saber se um gene X está associado com a cor das penas em cisnes negros. Uma prática em genética para entender o funcionamento de um dado gene é exatamente deletar esse gene de um embrião, ou “nocautear” o gene. Se o gene era associado com a cor das penas, você espera que o embrião com o gene nocauteado desenvolva penas brancas (ou não-negras). Se o embrião continua desenvolvendo penas negras, você pode afirmar que o gene X não tem efeito sob a coloração negra das penas. Em forma de argumento formal:

    • P1- Se o gene X determina a cor negra da pena, sua remoção produziria penas sem essa coloração
    • P2- A remoção do gene não afeta a cor da pena
    • Conclusão- O gene X não afeta a cor da pena.

    Nesse caso não há ambiguidade alguma: uma vez que o mecanismo é proposto e testado, a ausência de um efeito implica que sua hipótese foi refutada: o mecanismo, como designado, não existe. A diferença é que, quanto mais específica é sua premissa inicial, mais certeza você pode conferir à sua conclusão.

    O caso de medicamentos tem mais a ver com o encontrar um mecanismo genético do que buscar unicórnios no registro fóssil: a ação de um remédio depende de que um mecanismo proposto seja verdadeiro, ou potencialmente verdadeiro. O que nos trás à hidroxicloroquina.

    Presidente Jair Bolsonaro no jardim do Palácio da Alvorada alimentando as emas e mostrando a caixa do remédio cloroquina para as emas, a mesma caixa que mostrou para os apoiadores no ultimo domingo 19/07. Sérgio Lima/Poder360. 23.07.2020

    Querida de três em cada três líderes com tendências autoritárias no continente americano (Trump, Bolsonaro e Maduro), a hidroxicloroquina foi alardeada com um possível tratamento ao COVID19 com base em um estudo feito em células in vitro (em placas de petri; aqui e aqui). Esse estudo demonstrou que a hidroxicloroquina em conjunto com azitromicina era capaz de prevenir a entrada do vírus em células vivas. Em investigações sobre a eficácia de medicamentos, a existência de algum tipo de efeito in vitro é considerado premissa básica para que mais estudos sejam realizados, para observar se um remédio pode ter efeito em seres vivos e, em última analise, humanos. De qualquer maneira, esse estudo deu o pontapé inicial à investigação sobre a eficiência da hidroxicloroquina contra o COVID19, resultando em diversos trabalhos que buscaram encontrar um efeito da droga em seres humanos infectados.

    Nada disso seria particularmente problemático se políticos não tivessem tomado para si o papel de decidir, com base em evidências problemáticas, quais são os tratamentos que devem ser seguidos. O que temos agora é a pior situação possível: enquanto a ciência demonstra a total ineficácia da hidroxicloroquina no tratamento de COVID19 (ver aqui e aqui, por exemplo), políticos e entusiastas destes mesmos governantes se veem na posição de ter que defender pseudociência por motivos meramente ideológicos. E é nesse momento que vemos as pessoas se agarrarem cada vez mais desesperadamente à argumentos falaciosos para defender sua posição. No caso da hidroxicloroquina, como coloquei anteriormente, surge essa ideia de que seu efeito positivo não pode ser negado, pois seria impossível demonstrar uma negativa. Como já argumentei, essa afirmação é falsa (é incrivelmente simples demonstrar um negativo). Mas seria esse o caso da hidroxicloroquina?

    Pra entender isso, precisamos entender um pouco como supostamente a hidroxicloroquina deveria funcionar. Para entrar nas células animais, o coronavírus pode se valer de dois mecanismos. O primeiro é se ligando a receptores de superfície das células do hospedeiro para introduzir o seu material genético diretamente no interior da célula. No segundo mecanismo, o vírus é absorvido por invaginações da membrana celular (endossomos) e invadem o citoplasma celular a partir daí. Esse segundo mecanismos, o realizado por endossomos, necessita de uma proteína funcional chamada catepsina L, que necessita de um meio ácido para funcionar. Nesse contexto, a hidroxicloroquina atua diminuindo a acidez do meio intracelular, impedindo a ação da catepsina L, impedindo a entrada do coronavírus na célula. Para voltar para nossas preposições, podemos descrever a atuação da hidroxicloroquina da seguinte forma:

    • P1- Para a hidroxicloroquina funcionar no combate a COVID19 ela necessita prevenir a entrada do coronavírus nas celulas pulmonares humanas.
    • P2- Hidroxicloroquina diminui a acidez intracelular, afetando o funcionamento da catepsina L.
    • P3- Catepsina L é usada pelo coronavírus para entrar na célula.

    Segundo essa lógica – e essa era a lógica que poderíamos aceitar no começo do ano – a hidroxicloroquina (potencialmente) funcionaria no combate a COVID19. Mas o diabo mora nos detalhes. As células usadas inicialmente para demostrar que a hidroxicloroquina funciona in vitro eram culturas de células de rins de macacos. Essas células normalmente apresentam resultados bons o suficiente para a maior parte dos fármacos, porém no caso do coronavírus a coisa parece ser mais complicada. Enquanto é verdade que em células de rim a Catepsina L é essencial para a ação de entrada do vírus, células pulmonares humanas não apresentam essa enzima em grandes quantidades.

    Ao invés, o mecanismo de entrada do coronavírus na célula é mediada por uma enzima chamada TMPRSS2. O problema é que, diferente da Catepsina L, o funcionamento da TMPRSS2 não é afetado pela alteração da acidez do meio celular. De fato, um estudo recente em células pulmonares humanas demonstrou que a hidroxicloriquina é incapaz de impedir a invasão das células pelo coronavirus. Assim, podemos atualizar a descrição da atuação da hidroxicloroquina da seguinte forma:

    • P1- Para a hidroxicloroquina funcionar no combate a COVID19 ela necessita prevenir a entrada do coronavírus nas celulas pulmonares humanas.
    • P2- Hidroxicloroquina diminui a acidez intracelular, afetando o funcionamento da catepsina L.
    • P3- Catepsina L é usada pelo coronavírus para entrar em células de rim.
    • P4- TMPRSS2, que é usada pelo coronavirus para entrar em células pulmonares, não é afetada pela hidroxicloroquina.

    E disso segue que

    • C- Hidroxicloroquina não funciona no combate a COVID19 através do mecanismo proposto.

    O que mostra que é plenamente lógico afirmar que a hidroxicloroquina não funciona.

    Óbvio que isso não vai satisfazer os defensores da droga, pois inúmeros outros mecanismos podem ser propostos, inclusive mecanismos sem o menor respaldo científico, como foi o caso da “pílula do câncer”, uma droga sem efeito também defendida pelo presidente da república.

    Eu acredito que a luta pela hidroxicloroquina vai durar muito mais tempo depois que sua discussão acadêmica estiver de fato encerrada. Estamos entrando em um caminho onde teorias conspiratórias, pseudociência e pseudofilosofia estarão intrinsecamente ligados com a política nacional. Vai ser um caminho tortuoso. Boa sorte a todos nós.

    *Para os nerds: sim, eu estou mais que ciente das problemáticas sobre o grau de confiabilidade em resultados experimentais e estatísticos. Você pode transformar todos esses argumentos em probabilísticos e chegar a conclusão que a hidroxicloroquina muito provavelmente não funciona (o que é basicamente a mesma, visto que a única “certeza” que podemos ter em termos científicos são aquelas referentes à altas probabilidades).

    Para saber mais

    Boulware DR, Pullen MF, Bangdiwala AS, et al. A Randomized Trial of Hydroxychloroquine as Postexposure Prophylaxis for Covid-19. N Engl J Med. 2020;383(6):517-525. doi:10.1056/NEJMoa2016638

    Cavalcanti, AB; Zampieri, FG; Rosa, RG et al (2020) Hydroxychloroquine with or without Azithromycin in Mild-to-Moderate Covid-19. The New England Journal of Medicine

    Liu, J., Cao, R., Xu, M. et al. Hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquine, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro. Cell Discov 6, 16 (2020). https://doi.org/10.1038/s41421-020-0156-0

    Wang, M., Cao, R., Zhang, L. et al. Remdesivir and chloroquine effectively inhibit the recently emerged novel coronavirus (2019-nCoV) in vitro. Cell Res 30, 269–271 (2020). https://doi.org/10.1038/s41422-020-0282-0

    O autor

    Fabio Machado é Biologo Evolutivo, pesquisador e professor. Amante dos animais, defensor da natureza, amigo do vento.

    Este texto foi escrito originalmente no Blog Haeckeliano.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Dia 11 de agosto, pela manhã, mais uma notícia: a vacina russa vai chegar em outubro! O presidente Putin informou que a fase de testes de eficácia já iniciou (o que seria a fase 3 de testes clínicos da vacina). Segundo a OMS, no registro consta que esta vacina ainda está na fase 1  (que testa a segurança da vacina).

    vacinação em massa, em outubro?

    Tal afirmação surpreendeu parte da comunidade científica.

    Mas por quê?

    Cada vez que anunciamos – aqui no blogs ou em qualquer canal de divulgação científica – uma pesquisa em andamento ou medicamentos e tratamentos em fase de pesquisa, temos tido o cuidado de verificar as informações e tentar compreendê-las para divulgar. 

    Uma das questões que rondam toda esta divulgação é a falta de transparência de cada etapa. Não vou me alongar aqui neste texto sobre as etapas em si, pormenorizadamente. Pois elas estão bem explicadas pelo Instituto Butantã e já foram pauta de uma longa live do Atila Iamarino. Também não detalharei questões específicas de questionamentos sobre a vacina, pois a Mellanie Dutra, da Rede Análise Covid-19, abordou muito bem. Mas vou falar do quê então? 

    Sobre a transparência nas pesquisas científicas em tempos de pandemia.

    Pode parecer exagero. Mas as críticas têm sido razoavelmente constantes. Não é que não queiramos acordar e ver estampado nas notícias e notificações que a vacina é um sucesso, que terapias alternativas funcionam, que medicamentos baratos e disponíveis a todos curam! Não temos divulgado milagres apenas porque a ciência não funciona deste modo…

    Antes de falar de transparência na pesquisa, vamos entender um pouco sobre pesquisa, a partir de vacinas?

    As vacinas precisam destas etapas mencionadas anteriormente – e elas levam tempo sim – pois cada uma destas etapas responde a uma série perguntas. Por exemplo: ela têm efeitos colaterais? Quais efeitos são estes? Quantas pessoas (em média) apresentam efeitos colaterais e o que isto representa em uma grande população?

    Em princípio, uma vacina é um modo preventivo em que nós inoculamos um vírus – ou fragmentos de vírus – para que nosso corpo gere uma resposta imunológica. Isto é: nós “enganamos” nosso sistema imune. Assim, quando entramos em contato com o vírus “mesmo” já temos uma resposta imunológica pronta.

    Porém na prática há vários detalhes que tornam as vacinas algo que não é tão simples assim de ser implementada. Isto não quer dizer que vacinas não são seguras… É exatamente o contrário, na verdade.

    As vacinas são cada vez mais seguras. Por quê? Ora, por termos implementado protocolos de segurança que se baseiam em um aprimoramento de nosso próprio conhecimento sobre as doenças, suas reações com anticorpos produzidos, suas ações dentro do corpo, tempo de ação e desenvolvimento de anticorpos, sintomas, etc.

    Também temos compreendido melhor os efeitos adversos (quando existem) e o limite de imunização em uma sociedade, ou como ela ocorre na sociedade. Isto é, nem todo mundo será imunizado pela vacina, algumas vacinas precisam de várias doses para provocarem a imunização, algumas são alergênicas (causam alergia) em pessoas e temos que ter estas informações antes de sairmos vacinando 7 bilhões de pessoas.

    A eficácia das vacinas hoje diz respeito a um conjunto de conhecimentos acumulados sobre nosso organismo, as doenças, junto com testes, experimentos, análises – que geram ainda mais conhecimento sobre as doenças e o funcionamento do nosso corpo.

    Tudo isto é feito baseando-se no método científico.

    Método científico?

    As inovações, invenções e compreensões advindas da ciência não são uma busca cega e desordenada. Muito menos fruto de ideias criativas que estavam à toa por aí, sem atentar-se a questões, debates e pensamentos que abordavam fenômenos naturais e sociais. A frase clássica de Newton “se enxerguei mais longe foi porque me apoiei em ombros de gigantes” é, exatamente, sobre isso. Para falar sobre objetos e fenômenos naturais e sociais, também nos apoiamos em quem estuda objetos e fenômenos naturais e sociais.

    É o quê, afinal de contas o método científico? O que ele têm a ver com tudo isso? De forma ampla, costuma-se falar em etapas ou sequências do método científico. O que seria isto?

    método científico e suas idas e vindas

    Observação de um fenômeno, elaboração de perguntas, elaboração de hipóteses (respostas possíveis para as perguntas pensadas previamente), resolução das hipóteses (aqui acontecem os planejamentos, organização e execução das etapas experimentais, observacionais, de campo, etc.), análise dos dados obtidos e conclusões. Isto é, esta sequência descrita são procedimentos que formam e consolidam os conhecimentos científicos.

    Embora pareça linear, ao longo de uma pesquisa, outras perguntas e hipóteses vão se somando, sendo pensadas, descartadas – gerando novas pesquisas, ou agregando novos elementos que, também, serão testados experimentalmente. 

    Tá bom, mas e o que isto tem a ver com o anúncio da vacina russa? 

    Em meio a uma pandemia tão grave como a COVID-19, temos sim uma corrida para ver quem consegue os melhores tratamentos – isto inclui vacinas. No entanto, as vacinas necessitam respeitar este conjunto de etapas a que chamamos comumente de método científico.

    Parte do “pôr à prova” os resultados e conclusões relaciona-se a apresentá-los à comunidade científica. Debater cada parte dos procedimentos do método científico – desde as perguntas, passando pelas hipóteses, protocolos experimentais, obtenção dos dados e, por fim, como analisamos os resultados!

    Grande parte dos debates sobre o método científico (que não se limita às etapas experimentais e de campo, como muitos acreditam) é sobre a transparência do seu desenvolvimento e execução. 

    Vocês podem estar pensando que tudo isso atrasa ainda mais a implementação da vacina e de tratamentos viáveis. Mas apesar de parecer “muita coisa” estamos falando de estabelecer, historicamente, critérios éticos e de segurança para a pesquisa não causar prejuízos em populações vulneráveis, não ter efeitos adversos e incontroláveis na população, não testar experimentos sem que as pessoas saibam que estão sendo cobaias – concordem com isto de maneira livre e esclarecida, dentre outros fatores. 

    É exatamente a partir da divulgação de resultados, compartilhando as etapas da pesquisa, protocolando em comitês de ética, apresentando publicamente o que estamos fazendo, que nosso trabalho cotidiano de pesquisa ganha transparência, pode ser não apenas compreendido pelos colegas, mas replicado se for necessário. Isto é, podemos repetir os experimentos, aferir resultados, inserir novas variáveis e levantar questões que não tinham sido feitas anteriormente.

    O que inúmeros veículos oficiais, científicos e jornalísticos apontaram ontem, dia 11 de agosto, é exatamente neste quesito: transparência.

    Ah, finalmente chegaste nisso! A transparência na ciência!!!

    As principais perguntas levantadas por cientistas, divulgadores científicos, instituições oficiais (como a OMS) foram: Onde estão os dados sobre a vacina? Quantas pessoas participaram como cobaia? De que forma aconteceram estes testes? Quem eram os sujeitos testados? Quais foram os efeitos colaterais? Se a vacina formou anticorpos, em quanto tempo foram feitos os testes? O tempo em que tudo isto ocorre é uma das grandes questões, por exemplo.

    Na Revista Nature foi apontado que a vacina Russa (Vacina Gamaleya) declarou ter 76 voluntários para as etapas 1 e 2 listadas no ClinicalTrials.gov, mas sem qualquer divulgação dos resultados ou quaisquer estudos pré-clínicos anteriores. E há preocupação acerca destes protocolos de segurança, protocolos éticos e, também, receio de tudo isso gerar medo da população quando uma vacina eficaz esteja pronta para ser aplicada na população.

    Veja que não queremos questionar a veracidade da vacina em si: mas se estão anunciando que em Outubro teremos vacinas disponíveis em algum lugar do mundo, queremos saber se elas são seguras e de que modo podemos confiar nisto que estão nos dizendo!

    Enfim, a próxima parte

    Este texto ficou razoavelmente longo, então juntamente com ele, outros questionamentos foram sendo levantados. Especialmente sobre como lidamos com informações científicas e os cuidados que devemos ter ao receber estas informações – sem cairmos no pessimismo, mas também sem nos animarmos achando que tudo se resolverá em um passe de mágica!

    A segunda parte do texto fala sobre isso, corre lá para ler também!

    Para saber mais

    Divulgadores Científicos Brasileiros

    Dutra, Mellanie (2020) Rússia: a vacina que ninguém viu ou sabe o que faz Rede Análise Covid

    Galhardo, JA A hierarquia das evidências científicas: por que não devemos acreditar em qualquer coisa? Rede Análise Covid

    Iamarino, Atila (2020a) Vacina Russa

    Iamarino, Atila (2020b) Vacinas contra a COVID-19

    Instituto Butantã (2020) Ensaios Clínicos

    Artigos e Livros

    Caceres, RÁ (1996) El método científico en las ciencias de la salud: las bases de la investigación biomédica, Madrid: Ediciones Díaz de Santos.

    Callaway, E (2020a) Russia’s fast-track coronavirus vaccine draws outrage over safety Nature

    Callaway, E (2020b) Coronavirus vaccines leap through safety trials — but which will work is anybody’s guess Nature.

    Galetto, M e Romano, A (2012) Experimentar: aplicación del método científico a la construcción del conocimento. Madrid: Narcea, SA de Ediciones. 

    Moghaddam, A; Olszewska, W; Wang, B; et al (2006) A potential molecular mechanism for hypersensitivity caused by formalin-inactivated vaccines; Nat Med 12, 905–907 

    Mullard, A (2008) Vaccine failure explained; Nature.

    Peeples, L (2020) News Feature: Avoiding pitfalls in the pursuit of a COVID-19 vaccine; PNAS April 14, 2020 117 (15) 8218-8221; first published March 30, 2020

    WHO (2020) More than 150 countries engaged in COVID-19 vaccine global access facility

    WHO (2020b) DRAFT landscape of COVID-19 candidate vaccines – August 10th 

    Wechsler, J (2020) COVID Vaccine Clinical Trials Require Fast Decisions, But No Shortcuts Applied Clinical Trials

    Outros textos do blogs

    Modernizando a vacina contra a COVID-19

    Vacina COVID-19 – Por que demora?

    Pandemia Covid-19: 150 dias

    Glossário da Covid-19

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Como se produz um resultado científico e o que isto tem a ver com a Covid-19?

    Vocês já tiveram a impressão de que a ciência é uma bagunça esquisita? Uma hora lemos que o café faz mal, noutro momento, café salva nossos corações… O chocolate então? Passa de vilão para herói ano sim, ano não… Tudo isso faz com que a ciência, os resultados e conhecimentos científicos muitas vezes sejam desacreditados. 

    Em tempos de pandemia da Covid-19, causado pelo SARS-CoV-2 (também conhecido como “coronavírus”), isso possa ser mais difícil de entender ainda! A cada dia são inúmeros artigos publicados, em velocidades que para quem está fora deste universo pode se perder e/ou se confundir facilmente.

    No post de hoje, gostaríamos de falar um pouco sobre o processo de produção de conhecimento acadêmico-científico e sua validação. A ideia é mostrar que a ciência pode parecer sim contraditória, mas é outro o processo que a move… E para isto, vamos falar um pouco da nossa pesquisa (que aparentemente se relaciona muito pouco com a COVID-19, mas ao mesmo tempo, tem tudo a ver com isso!).

    Somos cientistas diferentes! Não usamos jalecos brancos, nem luvas ou máscaras, nem ficamos dentro de laboratórios de pesquisa cheio de estantes com vidrarias e maquinários. Produzimos alguns resultados científicos diferentes daqueles que estes cenários procuram nos mostrar. Nosso “laboratório”, muito frequentemente, é uma sala comum com uma mesa e cadeiras, nosso uniforme pode ser qualquer roupa e nossos maquinários são muitos livros e um computador simples, cujo maior barulho é o das teclas sendo digitadas. Mas como assim? Existem jeitos diferentes de fazer ciência e produzir resultado científico?

    Sim! Existem. Costumeiramente, se explica a ciência como uma série de etapas estanques: pergunta, hipótese, experimentos, resultados e conclusões. Essa série, muitas vezes, é conhecida como o método científico (embora ele seja muito mais do que apenas estas etapas). Mas as coisas não são tão simples e lineares assim… 

    No nosso caso, pesquisamos a própria ciência: como ela é produzida, em que espaços e que sujeitos a produzem e como ela chega na sociedade, por exemplo. E este campo de pesquisa que atuamos nos ajuda a entender que os resultados científicos (os impactos ambientais, o estudo de doenças como a COVID-19 e a H1N1, os alimentos mais ou menos saudáveis, as formas de ensinar melhor conteúdos de ciência etc.) são feitos com base em muitos pontos em comum. E, por isso mesmo, os resultados científicos são temporais, fruto de um contexto e, por isso, variáveis e mutáveis.

    Mas que pontos em comum seriam estes?

    – A necessidade de uma metodologia demonstrada: o que costumamos chamar de “método científico”. Este ponto diferencia um resultado científico de qualquer outro “achismo” ou “crença”. Um resultado para ser considerado científico tem que ter passado por um processo, um conjunto de etapas, com uma análise que deve ser o mais detalhada possível. Esse processo ou metodologia pode ser feita em diferentes ambientes – em laboratório, no campo, em uma biblioteca, uma escola ou outro espaço –; ser feito com a ajuda de diferente instrumentos – computadores, máquinas de PCR, de sequenciamento, livros e outros – e ter um encadeamento de etapas uma após a outra, muito bem demarcadas, para que, se necessário, possa minimamente ser refeito (nas áreas biomédicas e de saúde, das ciências naturais e da terra, chamamos isso de replicação) ou compreendido e validado por outros pesquisadores da área, a partir da análise da coerência entre objetivos, metodologia e discussão dos dados;

    – A necessidade de amparo em outros resultados já publicados: um resultado científico considerado válido, que teve uma metodologia bem detalhada, deve ser amparado por outros resultados também científicos já publicados e livres para o acesso àqueles interessados na área em questão. Todas essas pessoas interessadas e atuantes em uma dada área compõem a comunidade de pesquisadores da mesma. O que chamamos de “amparo” não é apenas confirmação de nossos dados, mas parte dos estudos já existentes para realizar novas perguntas, embasar hipóteses, testar novos experimentos, ou buscar semelhanças ou mesmo diferenças em situações ou fenômenos específicos que estão sendo estudados;

    – A necessidade de respaldo pela comunidade científica de cada área: com o crescimento das pesquisas científicas e a intensa diversificação da ciência por áreas, cada vez mais pesquisadores se envolvem com a produção de resultados científicos. Assim, são essas comunidades de pesquisadores que respaldam estes resultados umas das outras e possibilitam dizer e determinar o que é científico ou não; o que pode ser considerado válido ou não. A análise destes resultados deve seguir determinadas etapas, que são averiguar a coerência entre hipóteses, objetivos de pesquisa, rigor metodológico e, por fim, apresentação dos resultados;

    – Os resultados terem validade: que fique claro que existem diferentes comunidades científicas, diferentes metodologias de pesquisa e, portanto, obviamente, diferentes resultados científicos e modos de apresentar estes resultados. Mas se todos passaram por essas etapas, eles são resultado considerados válidos!!! Quando ressaltamos a palavra “resultados válidos” não quer dizer que eles possuem um “selo de eternidade”, porém são considerados legítimos nesse momento em que foram a público. Isto ocorre até que outro estudo também siga estes passos, traga outras respostas e/ou novos questionamentos. Então, o aceito cientificamente é SEMPRE momentâneo! E o processo de produção de um resultado científico é MUITO variável, pois depende de cada um destes pontos.

    Observem que todas essas etapas são relacionadas umas às outras, são interdependentes; e, portanto, um resultado para ser considerado científico deve passar por todo este processo!

    Quando as pesquisas científicas parecem contraditórias, muitas vezes elas estão fazendo o que consideramos básico na produção de conhecimento: questionando. É a partir da análise de conhecimentos científicos passados, da observação de fenômenos, fatos, situações e, principalmente, do questionamento disto, que conseguimos avançar na ciência. 

    E veja: questionar não é “ter uma opinião diferente” e, por isso, discordar. Questionar nem sempre é discordar… O ato de questionar uma pesquisa (resultado, premissas, metodologias) é uma forma de testar as coerências, limites e novas possibilidades de aquele resultado, muitas vezes, seguir valendo. Também é possível acrescentar fatores que ou não foram pensados anteriormente ou não tínhamos condições técnicas e instrumentais para testarmos. E, claro, também podemos nos contrapor e buscar novas testagens que contradigam alguma pesquisa. 

    Portanto, os conhecimentos produzidos pela ciência são resultados diferentes de uma opinião qualquer baseada em alguma informação aleatória “que ouvimos falar do fulano ou do beltrano” ou que foi postada em twitter/facebook ou encaminhada via whatsapp, ou colada no painel do condomínio. 

    Como confiar no que lemos sobre a ciência se ela muda o tempo inteiro?

    Para podermos responder esta pergunta, é fundamental perceber que a ciência não muda o tempo inteiro… O mais correto seria apenas dizer que a ciência não é algo único e linear; e que os resultados científicos podem mudar o tempo inteiro. Quando falamos “a ciência” estamos falando de coletivos de pessoas que produzem e debatem o conhecimento, buscando o consenso (o tempo inteiro)!

    Além disso, muitas vezes, estes grupos estão analisando aspectos diferentes do mesmo objeto, como o coronavírus, por exemplo (mas isso é pauta para outra postagem, que faremos em breve…). 

    O que acontece agora, de maneira mais específica é que estamos vivendo uma situação que é exceção. Uma doença nova que apareceu e nos desafia a compreendê-la muito rapidamente, pois sua transmissão – o contágio entre uma pessoa e outra e consequente o espalhamento na sociedade – se dá numa velocidade muito grande.

    Estas pesquisas, que costumam se desenvolver com o passar dos anos – e um bocado de investimentos e incentivos governamentais – devem, também, tentar acompanhar as características desta doença que está tirando centenas de vidas em dias, e não em anos. Além disso, essas pesquisas buscam desenvolver estratégias de cura e contenção muito mais rapidamente do que temos condições, e estamos habituados a fazer, normalmente.

    Tudo isto gera, sim, insegurança entre os cientistas. Estamos todos correndo contra o tempo buscando entender essa doença enquanto ela rapidamente nos contamina. A insegurança, no entanto, não é em relação ao conhecimento científico e sua produção. Compreendemos, assim, que não existem milagres e que a ciência se faz colaborativamente. Dialogamos o que vem acontecendo e este diálogo que gera, sim, um pouco de ansiedade pela quantidade de informações e debates sobre tratamento, cura, modos de proteção individuais etc. Este é o modo pelo qual cientistas no mundo inteiro têm produzido conhecimento sobre a COVID-19 e o Coronavírus; e estabelecido comunicação para chegar a um consenso o mais rápido possível

    O conhecimento científico, com todos os seus questionamentos (e exatamente por causa deles!), é neste momento nossa melhor ferramenta para minimizarmos os efeitos avassaladores dessa doença. 

    E como eu posso ajudar?

    É difícil sentir-se impotente frente a tudo isso… A primeira questão que é fundamental é: não espalhe desinformação nem fake news e fique em casa se possível. Só isto já é, realmente, um grande passo.

    Não divulgue receitas milagrosas de cura, que não tenha um embasamento técnico-científico e tente seguir poucos canais de informação, mas confiáveis (aqui no Blogs fizemos uma lista especial para vocês!). Os canais de Divulgação Científica (como este blog e vários outros) têm buscado trabalhar as informações de maneira mais acessível possível, para que todos compreendam melhor todo este processo de pandemia que temos vivenciado…

    Por fim, mas não menos importante, se tiveres condições financeiras, busque coletivos seguros de ajuda a grupos em fragilidade social (cuidado com os golpes, ajude quem você conhece SEMPRE), universidades e centros de pesquisa, por exemplo. Vem sendo dito nas redes sociais, parece clichê, e é clichê, mas é verdade: quanto mais a quarentena funcionar, menos ela parecerá necessária!

    Para saber mais:

    LATOUR, Bruno & WOOLGAR, Steve (1997). A vida de laboratório. Rio de Janeiro: Relume Dumará.
    SCHWANTES, Lavínia. Ciência: muito se fala, pouco se define. In: MAGALHAES, Joanalira Corpes. Ensino de ciências: outros olhares, outras possibilidades. Rio Grande: Ed FURG, 2014. p. 43-50.WORTMANN, Maria Lucia Castagna (2008) A visão dos Estudos Culturais da Ciência. Com Ciência. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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