Tag: Mudanças Climáticas

  • Clima de eleição: adaptação climática estará nas propostas dos candidatos?

    Autoria

    Jaqueline Nichi

    A agenda dos candidatos a prefeitos e vereadores, na eleição de 2024, engloba diversos temas complexos com intersecção com o clima e meio ambiente, como saneamento, saúde e redução da poluição, segurança alimentar, gestão dos resíduos sólidos, transporte público, áreas verdes e eficiência energética.

    É quase impossível medir a sensibilidade ao tema dos milhares de candidatos que disputam prefeituras ou câmaras municipais no país, mas com base nos últimos pleitos, os temas ambientais ainda não são centrais nas campanhas da maioria dos aspirantes ao comando das cidades brasileiras.

    Nos últimos anos, o tema começa a ganhar relevância nas propostas que todos têm de apresentar ao registrarem suas candidaturas. E a população está cada vez mais atenta aos indicadores socioambientais que impactam diretamente as suas experiências como cidadãos. Em 2023, mais de 5 milhões de brasileiros, ou 7 em cada 10 cidadãos, foram afetados pelo impacto das chuvas e das secas no ano mais quente já registrado na história, segundo a Pesquisa Ipec encomendada pelo Instituto Pólis.

     

    Esta compreensão é ainda mais importante no Brasil de 2024, após um histórico de governo federal que agiu na contramão da agenda ambiental. O aumento dos riscos decorrentes das variações climáticas, como inundações e deslizamentos cada vez mais recorrentes, não nos deixa esquecer que um grande esforço coletivo e político precisa ser colocado em prática.

    A edição 2021 da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que apenas 390 dos 5.570 municípios do país têm alguma legislação sobre adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

    A próxima eleição, portanto, não permite mais a inação ao custo de vidas, especialmente de pessoas em comunidades vulneráveis, mais propensas aos impactos negativos do clima. Em 2024, só no primeiro mês do ano, mais de 100 mil pessoas foram afetadas pelas chuvas na região metropolitana do Rio de Janeiro, resultando em 12 mortes​​. Porto Alegre também enfrentou inundações, deixando 1,3 milhão de pessoas sem energia.

     

    O que isso significa em ano de eleições?

    Os desastres ambientais e climáticos têm relação direta com a administração das cidades no Brasil. Os centros urbanos estão entre os principais agentes do aquecimento global, por emitirem a maior parte dos gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, são os espaços mais impactados por eventos extremos, devido à alta densidade populacional e baixa infraestrutura adaptada às alterações do clima.

    Embora algumas políticas ligadas ao combate à mudança climática sejam compartilhadas entre o ente federal, estados e municípios, é papel dos governos municipais gerir a drenagem urbana, zeladoria, mobilidade, moradia e gestão e uso do solo. Câmaras municipais podem propor leis e políticas que melhor preparem seus municípios para eventos extremos ou aperfeiçoem normas ligadas ao tema, como é o caso dos planos diretores e leis de uso e ocupação do solo.

    Moradores retiram móveis e objetos danificados com a chuva em comunidade carioca.

    Foto: Márcia Foletto

    É certo que os eleitores continuarão a valorar outras pautas emergentes, como o desemprego, a saúde, a segurança e a inflação. Mas essas questões têm, de forma cada vez mais evidente, ligação direta com as mudanças climáticas. Os preços dos alimentos variam conforme as secas, a saúde pública precisa lidar com novos vírus e epidemias relacionadas à mudança de habitat de animais selvagens, e a economia pode se beneficiar com a criação de empregos verdes.

    Outro tema fundamental nestas eleições é acatar as evidências científicas e rejeitar as notícias falsas que os negacionistas do aquecimento global costumam propagar. Nessas próximas eleições, o acesso a informações qualificadas e confiáveis para melhor analisar os candidatos é de suma importância. Por isso, é preciso votar com consciência e exigir planos de adaptação com base na avaliação de vulnerabilidades dos municípios com estratégias e medidas específicas para lidar com os riscos identificados.

     

    Referências:

    MUNIC, Informações Básicas. Perfil dos municípios brasileiros. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2021. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/df/brasilia/pesquisa/1/74454?ano=2021

    IPEC. Crise Climática – Pesquisa de Opinião Pública. 2023. Instituto Polis. Disponível em: https://polis.org.br/estudos/crise-climatica-pesquisa-de-opiniao-publica/

     

     

    Sobre quem escreveu

    Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social. É doutora em Ambiente e Sociedade pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP) e mestre em Sustentabilidade (EACH-USP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas, adaptação e planejamento urbano e governança multinível e multiatores.

    Como citar:  

    Nichi, Jaqueline. (2024). Clima de eleição: adaptação climática estará nas propostas dos candidatos? Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.1. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/clima-de-eleicao-adaptacao-climatica-estara-nas-propostas-dos-candidatos/ Acesso em: DD/MM/AAAA 

    Sobre a imagem destacada:

    Ilustração digital e edição: clorofreela

  • Cobertura sobre mudanças climáticas é distante, técnica e limitada, diz estudo

    Cobertura sobre mudanças climáticas é distante, técnica e limitada, diz estudo

    Autora

    Jaqueline Nichi

     Brasil enfrentou o mês mais quente em 62 anos e foi só mais um reflexo do recorde de calor registrado em todo o mundo: a China estabeleceu um novo recorde de temperatura nacional de 52,2 °C, geleiras da Antártida alcançaram recordes de derretimento e inundações na Índia e na Coreia do Sul deixaram milhares de desabrigados. Um sistema de alta pressão chamado Cerberus — em homenagem ao cachorro de três cabeças da mitologia grega — causou incêndios florestais e condições extremas de calor na Europa, resultando na morte de mais de 60 mil pessoas.

    O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, anunciou que entramos na era da “fervura global” devido aos eventos climáticos destacados em 114 primeiras páginas de 84 jornais em 32 países, segundo o Carbon Brief.

    Ao avaliar a cobertura do tema em jornais e revistas de todo o mundo, fica evidente que a notícia precisa se aproximar mais do público e reduzir o jargão técnico. Essa análise também é resultado de uma pesquisa do Instituto Modefica, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que também aponta ser preciso ir além das pautas sobre Amazônia e explorar com mais profundidade as causas e os responsáveis pelas crises ambientais.

    De fato, o jornalismo é um instrumento relevante para conscientizar e gerar diálogo a respeito das mudanças climáticas. A cobertura da pauta climática pode influenciar as políticas públicas, as ações individuais e empresariais e mobilizar soluções.

    A partir da análise do estudo e da cobertura midiática global sobre a crise climática, cinco aspectos se destacam:

    1. Enquadramento da notícia: como a mídia apresenta as histórias climáticas é crucial. Isso inclui a escolha de palavras, títulos, manchetes e imagens utilizadas. Enquadramentos positivos podem inspirar ações, enquanto enquadramentos negativos podem causar desânimo e apatia. A cobertura também pode se concentrar em impactos locais ou globais, bem como em diferentes setores da sociedade.
    2. Precisão e evidências: as questões climáticas são complexas e multidisciplinares, o que exige que os jornalistas tenham um entendimento sólido dos conceitos científicos subjacentes. A utilização de fontes confiáveis e cientificamente embasadas é fundamental para manter a credibilidade.
    3. Diversidade de vozes: a pauta climática deve refletir uma variedade de perspectivas, incluindo científicas, políticas, econômicas e a visão das comunidades mais afetadas. Isso ajuda a enriquecer o debate e oferece uma compreensão mais completa das implicações das mudanças ambientais.
    4. Soluções e ações: além de relatar os problemas, a mídia deve destacar soluções e ações concretas. Isso pode envolver apresentar iniciativas aplicáveis, políticas inovadoras, tecnologias verdes e mudanças de comportamento que contribuam para a mitigação e adaptação às mudanças do clima.
    5. Contextualização e intersecções: as questões climáticas não estão isoladas de outros eventos e tendências sociais, políticas e econômicas. As notícias climáticas devem compor um cenário mais amplo e destacar as conexões entre clima, saúde pública, justiça social, economia e outros aspectos relevantes.

    A cobertura das mudanças climáticas também enfrenta desafios, como a polarização política, a desinformação e o ceticismo em relação à ciência. É importante que a mídia aborde esses desafios de maneira eficaz para fornecer uma compreensão precisa e completa dos diferentes cenários e evitar o negacionismo climático.

    Em última análise, a cobertura da pauta climática pela mídia desempenha um papel crucial na educação pública e na promoção de ações significativas para enfrentar os desafios impostos por esta questão que afeta a todos. Assim, a qualidade e a abrangência dessa cobertura têm o potencial de moldar atitudes, influenciar políticas e contribuir para um presente com mais esperança para um futuro possível.

    Para Saber Mais

    CARBON BRIEF (2023) From Africa to Antarctica, all seven of Earth’s continents have experienced extraordinary extreme weather events this month, Carbon Brief, Clear on Climate

    FONSECA, B, GAMA, G (2023) Dados do Instituto de Meteorologia apontam novo recorde de temperaturas no meio do inverno Agência Pública

    MODEFICA (2023) Jornalismo e Engajamento Climático, São Paulo.

    Sobre o autora

    Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutora pelo Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

    Como citar:  

    Nichi, Jaqueline. (2023). Cobertura sobre mudanças climáticas é distante, técnica e limitada, diz estudo. Revista Blogs Unicamp, V.9, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/11/29/cobertura-sobre-mudancas-climaticas-e-distante-tecnica-e-limitada-diz-estudo/
    Acesso em dd/mm/aaaa.

    Sobre a imagem destacada:

    Imagem Freepik, arte por Juliana Luiza.

  • Entre regulação, polêmica e inovação: o mercado de carbono no Brasil

    Entre regulação, polêmica e inovação: o mercado de carbono no Brasil

    Autora

    Amanda Magalhães

    Outubro tem sido um mês movimentado para o mercado de carbono. No dia 2, as manchetes foram dominadas por um escândalo de fraude envolvendo a venda de créditos de carbono de terras públicas na Amazônia. Apenas dois dias depois, o Senado aprovou a proposta substitutiva da PL 412, que desenha as diretrizes para a regulamentação desse mercado no país.

    No artigo de hoje, vamos explorar os principais pontos dessa proposta de regulação do mercado de carbono brasileiro, alguns de seus desafios e, claro, como a tecnologia pode ajudar a endereçá-los.

    Começando pelo começo: o que é o mercado de carbono?

    De forma bem resumida, o mercado de carbono é um sistema que permite que empresas, organizações e indivíduos compensem as suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) a partir da compra de créditos gerados por projetos de redução de emissões e/ou de captura de carbono.

    Nesse sentido, é importante saber que há dois tipos de mercado de carbono: o voluntário e o regulado.

    No mercado voluntário, não há uma obrigação legal de redução das emissões. Porém, muitas organizações possuem suas próprias metas de descarbonização para atender às demandas do mercado por operações mais sustentáveis. Assim, podem recorrer por livre e espontânea vontade (e pressão 😅) à compra de créditos de carbono para compensar suas emissões, negociando o preço deste crédito com a contraparte.

    Já no mercado regulado, a conversa é diferente. Aqui, entidades governamentais definem as regras,  delimitando metas ou limites de emissões para os setores e suas organizações. Aquelas que conseguem emitir menos que o teto estabelecido podem vender seus créditos de carbono às que excederem o limite, a um preço definido pelo regulador. Ao longo do tempo, os tetos ficam cada vez mais baixos, o que encarece o fechamento da conta e cria incentivos para a descarbonização.

    Imagem extraída de Infográfico do BNDES

    E por falar em mercado regulado….

    A proposta aprovada na Comissão de Meio Ambiente do Senado e que, na ausência de contestações, seguirá para a Câmara dos Deputados propõe a instituição do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), um mecanismo de cap and trade semelhante ao existente na União Europeia.

    Você pode estar se perguntando: o que é esse tal de cap and trade? 🧐

    Simplificando, esse termo chique significa que os entes regulados recebem, de forma gratuita ou onerosa, permissões para emitir uma certa quantidade de poluentes (cap). Cada uma dessas autorizações de emissão, chamadas de Cotas Brasileiras de Emissões (CBE), equivale a uma tonelada de CO2.

    Para fechar a conta, se a organização regulada emitir mais que as CBEs que possui precisará comprar créditos de carbono que sigam as metodologias credenciadas. A organização que emitir menos do que tinha direito – ou seja, tiver um saldo positivo de CBEs – pode vender o excedente para outra que esteja no negativo (trade). 

    Com isso em mente, já dá para começar uma conversa bacana sobre a proposta em tramitação no governo, mas aqui vão alguns outros pontos importantes para saber:

    • Abrangência: as regras do SBCE se aplicarão a empresas e instalações que emitirem acima de 10 mil toneladas de gás carbônico equivalente (tCO2e) por ano. Elas devem monitorar e entregar um relatório de suas emissões. As que passarem de 25 mil toneladas anuais estarão sujeitas a limites.
    • Governança: A governança será composta pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, pelo órgão gestor do SBCE e pelo Grupo Técnico Permanente. A proposta também define que os ativos do SBCE e os créditos de carbono são ativos mobiliários e que sua negociação deverá ser regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
    • Comunidades tradicionais: o texto da proposta assegura aos povos indígenas e comunidades tradicionais o direito à comercialização de créditos de carbono gerados nos territórios que tradicionalmente ocupam, caso cumpridas salvaguardas socioambientais e algumas condições adicionais.
    • E o Agro? 🐮 O setor agropecuário ficou de fora da proposta de regulação, o que gerou controvérsias, já que as atividades do setor respondem por parte significativa das emissões do país. Segundo dados do Observatório do Clima, em 2021, quase 75% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil foram relacionadas ao uso do solo: 49% provenientes do desmatamento e 25% da agropecuária.

    A tecnologia como grande aliada

    Ainda sobre a polêmica do Agro, um dos argumentos da bancada ruralista para a exclusão do setor da proposta é que mensurar as emissões do agronegócio é extremamente complicado. Sem entrar no mérito da argumentação (o assunto daria pontos e contrapontos para mais um artigo inteiro), aqui temos um bom gancho para pensar como a tecnologia está sendo empregada para endereçar desafios como este.

    Olhando especificamente para as mudanças no uso do solo, não faltam exemplos de inovação com impacto positivo para o clima. A começar pelas tecnologias de sistemas agroflorestais, que introduzem técnicas de produção mais sustentáveis, com a valorização do policultivo e da floresta. Em levantamento de 2020, a Aliança pela Restauração da Amazônia identificou na região mais de 1.600 iniciativas de restauração por meio de sistemas agroflorestais.

    Outros exemplos que vale destacar são as soluções de monitoramento territorial, que analisam dados capturados por drones e satélites para detecção de áreas desmatadas, pastagens degradadas e zonas específicas de emissão de GEE. Um case interessante é o da startup Bioflore, que utiliza inteligência artificial e dados obtidos por sensoriamento remoto para monitorar o estoque de carbono e a diversidade de espécies em diferentes ecossistemas do Brasil.

    Fonte: Journal of the Society for Ecological Restoration

    Sobre o controle de emissões da pecuária, existem dispositivos não invasivos que mensuram a produção de metano e outros gases diretamente do hálito do animal. Além do desenvolvimento de suplementos e aditivos alimentares introduzidos na dieta do gado para reduzir suas emissões de metano.

    A startup australiana Rumin8, por exemplo, produziu em laboratório um suplemento que contém bromofórmio, o ingrediente ativo das algas marinhas que inibe a produção de metano. Segundo o site da companhia, os testes do produto demonstram um potencial de redução de até 85% do gás metano emitido pelo gado. Nada mal, né? 🤔

    Expandindo o olhar para outros setores da economia, poderíamos escrever um livro com cases fascinantes do uso de tecnologia para mensurar, reduzir e monitorar as emissões de carbono.

    De plataformas sofisticadas de MRV (monitoramento, relato e verificação) ao uso de blockchain nas transações de créditos de carbono, a inovação tecnológica está desempenhando um papel crucial para encarar os desafios não só do mercado de carbono, mas dos esforços climáticos como um todo.

    Até a próxima!

    Dica Extra:

    No dia 10/10, a Climate Ventures lançou a versão beta da Plataforma Onda Verde, ferramenta que consolida a maior base de soluções verdes da América Latina. Lá, você conseguirá se conectar gratuitamente com diversas startups, cooperativas e demais iniciativas construindo uma economia de baixo carbono.

    Para saber mais

    A ONDA VERDE (sd) Conexões inteligentes para impulsionar negócios verdes Plataforma Onda Verde

    BNDES (2022) Infográfico BNDES: Como funcionam os mercados de carbono? Blog do Desenvolvimento, Agência de Notícias BNDES

    CLIMATE VENTURE Case – Bioflore: novos caminhos para a restauração e conservação florestal Climate Venture

    MAGALHÃES, A (2023) Do satélite às manchetes de jornal: como os dados de desmatamento chegam até você Blogs de Ciência da Unicamp: Natureza Crítica

    SENADO FEDERAL (2022) Projeto de Lei n°412, de 2022Atividade Legislativa, Senado Federal

    TEIXEIRA JUNIOR, S (2023) O agro está fora do mercado de carbono. O que isso significa? UOL, re|set

    Wri Brasil Sistemas Agroflorestais (SAFs): o que são e como aliam restauração e produção de alimentos Wri Brasil Notícias

     

    Sobre a autora

    Como citar:  

    Magalhães, Amanda. (2023). Entre regulação, polêmica e inovação: o mercado de carbono no Brasil. Revista Blogs Unicamp, V.9, N.2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/11/29/entre-regulacao-polemica-e-inovacao-o-mercado-de-carbono-no-brasil/ 
    Acesso em dd/mm/aaaa.

    Sobre a imagem destacada:

    Imagem de Freepik, arte por Juliana Luiza.

  • Tem cobertor na lavoura e não é por causa do frio

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Francisco Humberto Henrique.

    Como citar:  

    Humberto Henrique, Francisco (2023) Tem cobertor na lavoura e não é por causa do frio. Revista Blogs Unicamp, V.09, N.01, 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/08/02/tem-cobertor-na-lavoura-e-nao-e-por-causa-do-frio/  
    Acesso em dd/mm/aaaa
    Sobre a imagem destacada:

    Montagem de sobreposição de fotos: no fundo, em preto e branco, há uma plantação de canavial, parcialmente derrubada, e no centro tem uma muda de planta em tons de verde.

    Atribuição:

    Elementos Canva Pro; arte por Clorofreela.

  • Crônica de uma distopia: sobre o debate de mudanças climáticas em meio à pandemia

    Texto de Maria Clara Sosa

    Estaríamos vivendo uma distopia? Nas últimas semanas, nos deparamos com diversas notícias fora do comum… Neve em diversas cidades do Brasil, temperaturas próximas aos 50°C no Canadá, incêndios florestais na Sibéria… Mas não foi esse o início, em Março de 2020 o mundo parou. Noticiaram a maior pandemia das últimas décadas, ficamos em casa. Dessa forma, alguns de nós acreditamos que seria o momento de ressignificar certos hábitos, ressignificar encontros, ressignificar nossas relações com o ambiente ao nosso redor (nossa casa, nosso jardim, nosso quarto, nossa rua…). Entretanto, o que isto tem a ver com as mudanças climáticas?

    Os cientistas nos mostraram ainda que seria necessário ressignificar nossa relação com o meio ambiente. Assim, fica cada vez mais claro que a pandemia da COVID-19 é, também, uma questão da crise ambiental.

    Sobre o IPCC e algumas implicações

    Recentemente, foi lançado o novo IPCC, relatório da ONU sobre as mudanças climáticas e ambientais, apontando a humanidade como grande causadora destas mudanças que temos debatido, na ciência e na sociedade, ao longo das últimas décadas. Mas isso é importante de ser debatido, em meio a uma pandemia que ainda não está controlada?

    A degradação de ecossistemas e destruição de habitats expõem as comunidades humanas aos diferentes animais e doenças infecciosas com as quais não estamos adaptados, ocasionando doenças de alta letalidade e com altos níveis de infecciosidade (este debate já foi tratado no Blog Natureza Crítica). Dessa maneira, em abril de 2021, governantes, entre eles o presidente estadunidense Joe Biden e outros 40 representantes, cientes dos impactos das mudanças climáticas, se encontraram na Cúpula do Clima. Assim, com este encontro, traçaram novas metas para a redução da emissão de gás carbônico, e alternativas para um desenvolvimento sustentável. 

    O discurso brasileiro em contrapontos próprios

    Durante o discurso na Cúpula, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro apresentou uma fala com a intenção de se mostrar alinhado à Cúpula, mas divergente àquilo que é visto na prática do Ministério do Meio Ambiente na atual gestão. Além disso, foram apresentadas metas vagas e incoerentes com as ações relacionadas à preservação e fiscalização ambiental. Às vésperas da COP 26 (Conferência sobre Mudança Climática), que ocorrerá em Novembro deste ano, assistimos à demissão do ministro da boiada, Ricardo Salles.

    Todavia, apesar da substituição de um dos ministros de maior desserviço para a agenda ambiental brasileira já vistos historicamente, provavelmente, veremos poucas mudanças na postura do governo. Um dos motivos para não acreditar na mudança é o avanço do PL490/21 que enfraquece a proteção de áreas indígenas, essenciais na manutenção da floresta.

    IPCC, estagnações e políticas

    Ainda em 2021, o IPCC – Painel intergovernamental sobre mudanças climáticas fez o relatório mostrando os impactos  da humanidade no clima e afirma que tais impactos já são irreversíveis. Portanto, cada vez mais iremos testemunhar eventos climáticos extremos e sentiremos o aumento da temperatura média global. É necessário a diminuição rápida na quantidade de emissões de gases de efeito estufa e ainda assim, essa diminuição será apenas para não piorar a questão climática. É importante salientar apenas que, apesar da necessidade de mudar nossos próprios paradigmas e hábitos no plano individual, isso ainda não é o suficiente. De forma, a estagnar o máximo possível a aceleração das mudanças climáticas é primordial a instauração de um novo sistema socioeconômico. O capitalismo e o sistema de acúmulo são incompatíveis com qualquer ideia de sustentabilidade. É necessário que deixemos de ser apenas consumidores, pois é isso que somos no sistema capitalista.

    Após a apresentação desse quadro, questiono o silêncio ensurdecedor de políticos e da sociedade em relação ao posicionamento ambiental, mesmo com tantos eventos palpáveis gritando por mudanças. Talvez seja porque nós brancos tenhamos a memória curta.

    Nós esquecemos muito rapidamente.

    Como Davi Kopenawa Yanomami analisa, no livro A Queda do Céu, que os brancos precisam continuamente escrever suas ideias e conhecimentos em papéis para que estes não se percam. E ouso acrescentar a tal pensamento, que ainda assim, apesar dos papéis, dos estudos, nós esquecemos. Talvez semana que vem os tabloides já tenham esquecido dos eventos extremos desta semana e nada de efetivo seja feito em relação a isso. Assim como a Cúpula do Clima ocorreu ainda este ano e não há mais falas sobre o que ficou acordado. Bem como o governo brasileiro já esqueceu de suas promessas no combate às mudanças climáticas… Para que lembremos, precisamos ser afetados. Sendo o afeto aquilo que nos deixa marcas, nos faz produzir sentidos, e em um mundo cheio de informação essa produção de sentidos é escassa (Larrosa, 2002).  

    Por fim, está claro que cada vez mais eventos extremos irão ocorrer , está claro que precisamos de alguma forma agir e encontrar ações de redução de emissão de gás carbônico, está claro que precisamos de ações políticas efetivas de forma a frear alguns impactos das mudanças climáticas, e está claro que isso ultrapassa o plano individual e dos sujeitos. 

    Mas antes, precisamos nos lembrar, precisamos produzir sentido, precisamos deixar de esquecer, precisamos nos deixar afetar pelo mundo, precisamos de pessoas com sonhos utópicos que de alguma forma quebrem essa bolha distópica em que vivemos e nos incitem a simplesmente caminhar. Citando um pedaço do poema de Eduardo Galeano: 

    “Que tal se delirarmos por um tempinho
    Que tal fixarmos nossos olhos mais além da infâmia
    Para imaginar outro mundo possível?”

    Para saber mais

    IPCC AR6 Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change

    ALESSI, Gil (2021) Indígenas isolados no Brasil entram em risco de extinção com avanço de projeto na Câmara El Pais

    BBC Ricardo Salles: saída tardia de ministro não mudará política pró-desmatamento de Bolsonaro, dizem ONGs

    CHAMORRO, Paulinia (2021) Não há plano B: precisamos de um novo sistema socioeconômico, diz membro brasileiro do IPCC National Geographic

    Embrapa (2021) As mudanças ambientais e a saúde humana: impactos da degradação ambiental sobre surtos de doenças infecciosas

    FAPESP (2021) Novo Relatório do IPCC WG1-AR6: Implicações para o Brasil e o planeta

    GALZO, Wesley (2021) Entenda o que é a Cúpula de Líderes sobre o Clima e como ela impacta o Brasil CNN

    Instituto Socioambiental (2021) Mundo mais quente e Brasil inadimplente

    KOPENAWA, Davi; ALBERTS, Bruce. A Queda do Céu: Palavras de um xamã yanomami. Companhia das Letras, São Paulo, 2015.

    LARROSA, Jorge (2002) Notas sobre a experiência e o saber da experiência Revista Brasileira de Educação

    MATOSO, Filipe, GOMES, Pedro Henrique (2021) Cai o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente G1

    MODELLI, Lais, GARCIA, Mariana (2021) Veja repercussão do discurso de Bolsonaro na Cúpula do Clima; ‘governo sai como entrou: desacreditado’ G1

    PLANELLES, Manuel (2021) Relatório da ONU sobre o clima responsabiliza a humanidade por aumento de fenômenos extremos El Pais

    Mais textos de Maria Clara Sosa

    A Autora

    Maria Clara Sosa é bióloga pela Unicamp e mestre em Educação em Ciências e Matemática, na Unicamp, pesquisadora no Grupo de Pesquisa em Educação em Ciências (PEmCie) da Unicamp e FURG.

    Este texto foi publicado originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Lições da pandemia para a gestão pública: política local e governança do clima

    “Em um período preocupante também em relação às mudanças ambientais, a COVID-19 traz lições importantes para os governantes em nível local”

    O Brasil comprovou a força dos governos locais no combate à pandemia. É em nível local que os investimentos em projetos e programas estão sendo executados para recuperar a saúde e a economia das cidades. Isso traz indícios de soluções para uma outra crise, também de nível global, e que requer um esforço de igual amplitude: as mudanças climáticas.

    Em 2021 teremos a Cúpula do Clima da ONU (COP-26) em Glasgow, na Escócia, a COP da Biodiversidade na China (COP-15) e o Fórum Mundial da Bioeconomia, no Brasil. Todos esses eventos reforçam a emergência do envolvimento do poder local na tomada de decisão em medidas de adaptação e mitigação de impactos climáticos.

    Mas o que é possível adotar para garantir uma recuperação verde pós-COVID-19 agora mesmo,  pelo menos em nível local? O World Resources Institute (WRI) lançou no mês passado o relatório “Seizing the Urban Opportunity” sobre oportunidades que as cidades concentram, especialmente nas economias emergentes, já que são as que enfrentam desafios particularmente complexos agravados pela pandemia. Os seis países estudados – Brasil, México, Índia, China, Indonésia e África do Sul – representam 42% da população urbana mundial, produzem quase um terço do PIB global e 41% das emissões de CO²; a maior parte pelo uso de combustíveis fósseis.

    As seis cidades pesquisadas no relatório Seizing the Urban Opportunity e seus principais desafios urbanos. Fonte: WRI – World Resources Institute

    O coronavírus expôs nossas economias e comunidades a uma ampla gama de desafios, com particular impacto nas cidades e nas populações mais pobres. O desemprego disparou e a expectativa é de que até 150 milhões de pessoas caiam na pobreza extrema devido à pandemia. Os pobres urbanos vivem em condições de superlotação, sem acesso a serviços públicos de qualidade, segurança social ou transporte. Ao mesmo tempo, as cidades continuam sofrendo com ondas de calor, inundações e deslizamentos de terra à medida que os riscos climáticos aumentam de forma exponencial.

    A partir desse cenário, o estudo centrou-se em três desafios para os governos locais: recuperação pós-pandemia, desenvolvimento de longo prazo e mudanças climáticas. 

    O triplo desafio das cidades no pós-COVID-19. Fonte: WRI – World Resources Institute

    As cidades são espaços vitais para resolver esse triplo desafio, mas precisam de liderança nacional e apoio para colocar em prática seu potencial de ação local. Mais da metade da população global (56%) vive em cidades, o que corresponde a 70% das emissões globais de gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, a urbe é o motor econômico dos países, produzindo 80% do PIB global, gerando oportunidades de emprego, além de serem catalizadoras de cultura e inovação.

    Até 2030, trilhões de dólares serão investidos em infraestrutura urbana, em particular, nos setores de energia, transporte, construção civil, resíduos e materiais, que precisam ser direcionados a soluções carbono zero e socialmente inclusivas – o que é tecnicamente viável – para alcançarmos as NDCs do Acordo de Paris e manter o aumento da temperatura global abaixo dos 1,5°C.

    Metade da possível redução de emissões urbanas encontra-se em cidades de pequeno e médio porte, que muitas vezes carecem de recursos financeiros e técnicos das cidades maiores e, portanto, precisam de apoio do governo nacional. No Brasil e na Índia, 42% do potencial cumulativo vêm de cidades com menos de 300 mil habitantes. Além disso, os governos nacionais controlam os domínios políticos que controlam os mecanismos regulatórios e de financiamento, acelerando o processo de descarbonização das cidades.

    Assim, as escolhas dos governos locais durante a pandemia podem colocar seus países no caminho para um futuro mais próspero e resiliente ou acelerar a emergência climática. Investir em cidades compactas, conectadas e verdes podem gerar benefícios econômicos, sociais e ambientais. À medida que os governos nacionais aumentem seus compromissos climáticos rumo à COP-26, as cidades devem estar no foco de seus planos de desenvolvimento socioeconômico.

    Ações de curto prazo no nível municipal

    Há diversos caminhos quando pensamos em nível municipal, no entanto, dado o atual cenário socioeconômico, a solução precisa vir acompanhada de empregos, saúde e bem-estar. Algumas possibilidades viáveis e eficazes e que não necessitam de vultosos investimentos em infraestrutura incluem:

    Mobilidade ativa, como andar de bicicleta e caminhar. A construção de ciclovias e áreas mais amigáveis para os pedestres podem contribuir para gerar fluxo e crescimento econômico local. A redução de congestionamento reduz a poluição do ar e sonora e motiva a retomada das cidades, que as tornam mais atraentes para se viver e trabalhar.

    Eficiência energética, para reduzir o uso de energia fóssil. A formulação de políticas públicas pode contemplar uma matriz de energia limpa para reduzir custos e melhorar a competitividade da indústria, com significativa redução dos índices de poluição. 

    Serviços ecossistêmicos urbanos. Isso inclui os parques e a qualidade ambiental que estimulam o lazer e o convívio social em áreas coletivas verdes. Essa natureza urbana engloba “serviços” como conforto térmico, absorção de dióxido de carbono, arborização para minimizar as ilhas de calor, e proteção de recursos hídricos.

    Referência:

    WRI, 2021. Seizing the Urban Opportunity: How can national governments recover from COVID-19, tackle the climate crisis and secure shared prosperity through cities? Disponível em: https://urbantransitions.global/urban-opportunity/seizing-the-urban-opportunity/

    Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza Crítica


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Pessoas mais expostas à COVID-19 são também as mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas

    Com 5 prioridades para a ação climática e a equidade social o mundo pós-pandemia pode ser socioambientalmente mais justo

    A crise global instalada pela pandemia do coronavírus mostra como as desigualdades sociais são agravadas em situações em que grupos vulneráveis ficam mais expostos à contaminação: pessoas de baixa renda, minorias e grupos marginalizados que muitas vezes atuam em setores essenciais, incluindo empregos autônomos e informais.

    Foto de Max Böhme no Unsplash

    Com milhões de infectados, mais da metade da força de trabalho global está em risco de perder seus meios de subsistência. Isso sem considerar aqueles já enfrentavam o problema da fome, intensificado pela perda de renda, o aumento dos preços dos alimentos e a interrupção das cadeias de abastecimento dos alimentos durante a pandemia.  

    A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO)[1] já chamou a COVID-19 de “vírus da fome” ao concluir que uma entre nove pessoas no mundo sofre de desnutrição crônica (cerca de 265 milhões), 54 milhões sendo crianças[2], em especial, nos países em desenvolvimento, onde os meios de subsistência são precários.

    Em um ano marcado pela pandemia global, 2020 também registrou uma onda global de protestos que destacou a necessidade urgente de abordar a ação climática e a justiça social. Isso inclui o movimento Black Lives Matter (vidas negras importam), contra o racismo, iniciado nos Estados Unidos após a morte de George Floyd em consequência de truculência policial

    Manifestações do movimento Black Lives Matter contra o racismo se espalharam pelo mundo em 2020. Foto de Sushil Nash no Unsplash

    A insatisfação global sobre os rumos do planeta com o crescimento exponencial da contaminação pelo coronavírus gera uma oportunidade para que os países repensem estratégias de recuperação mais sustentáveis e resilientes. Para isso, incluir o combate à desigualdade social e ambiental precisa estar no cerne de suas políticas públicas.

    A estratégia de recuperação pós-COVID – oxalá consigamos garantir imunização para todos o quanto antes – deve abordar a desigualdade, a crise econômica e as mudanças climáticas numa perspectiva integrada. Para isso, cinco iniciativas viáveis podem contribuir com esse objetivo:

    1. Políticas de proteção social

    Garantir renda básica e acesso aos cuidados de saúde para grupos excluídos, como moradores de rua, trabalhadores informais e migrantes pode ser particularmente importante para os cidadãos afetados pela falta de emprego resultante das restrições impostas pela pandemia. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT)[3], o mundo perdeu 255 milhões de postos de trabalho na pandemia. Isso inclui os pequenos agricultores, que sofrem diretamente os impactos do clima na sua produção.

    2. Empregos verdes

    A perda de trabalho durante a pandemia prejudicou o sustento de famílias em todo o mundo. O investimento em atividades verdes que podem incentivar a segurança alimentar, como energia limpa e restauração de ecossistemas, é fundamental para gerar novos postos de trabalho mais sustentáveis após a pandemia. Planos de recuperação e requalificação profissional também podem ser elaborados para apoiar estratégias de transição para trabalhadores e comunidades que dependem de setores que precisam encolher ou se adaptar para reduzir sua pegada de carbono, como é o caso da indústria do petróleo.

    3. Equidade de gênero

    Medidas de longo prazo são necessárias para apoiar as mulheres, que já representam quase 40% da força de trabalho em todo o mundo, segundo deste ano do Banco Mundial[4]. Só no setor de saúde e serviço social, por exemplo, 70% dos 136 milhões de profissionais são mulheres. Isso significa que manter a atual política desigual de salários é inviável.

    4. Agricultura familiar

    Práticas agroecológicas bem planejadas são essenciais para o clima e freiam o risco de insegurança alimentar. Dados do Censo Agropecuário 2017-2018[5], realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que 76,8% dos 5,073 milhões de estabelecimentos rurais do Brasil foram caracterizados como pertencentes à agricultura familiar. Em muitos países, as importações restritas de suprimentos essenciais de alimentos e a falta de trabalhadores para colher as safras levaram à escassez de produtos alimentícios.  

    5. Transporte de baixo carbono

    Se o transporte público não for melhorado, com tecnologias mais limpas e preço mais acessível, a mobilidade de populações vulneráveis vai ser ainda mais prejudicada. Mobilidade equitativa e sustentável, como ônibus elétricos, sistemas de ônibus rápido e mobilidade ativa – ciclismo e caminhada, devem ser impulsionados para avançarmos nos objetivos de saúde pública e climáticos. O transporte de passageiros é a fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEE) que mais cresce no Brasil – entre 1990 e 2012, subiu de 84 para 204 mi/ton – sendo a principal fonte de emissões municipais e o segundo no Brasil depois da agropecuária, conforme dados divulgados pelo Observatório do Clima.[6]

    “A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 7 milhões de mortes são causadas pela má qualidade do ar em todo o mundo” (WHO, 2015)[7]


    Durante a pandemia, o modelo de trabalho home office deve se estabelecer, com impacto considerável no modelo vigente de locomoção. No entanto, vale ressaltar o gap digital como outro fator de desigualdade no Brasil. Isso foi visto de forma mais flagrante com a escolaridade inadequada para famílias de baixa renda, com dificuldade no acesso à banda larga e internet em todas as regiões do país.


    Por uma sociedade com mais justiça social e climática

    Conforme a recuperação toma forma, investimentos em ambiente e sociedade de longo prazo serão necessários em todos os níveis de governo. Neste sentido, a dicotomia homem-natureza deve ser diluída e mais recursos financeiros devem ser aportados para apoiar o mundo pós COVID-19.

    Além das medidas mencionadas, políticas fiscais equitativas, precificação de carbono, tributação justa e revisão da dívida de países vulneráveis são igualmente importantes.

    A redução das desigualdades também requer a participação ativa dos cidadãos para que uma nova agenda socioambientalmente justa possa acolher a voz das populações mais vulneráveis com adesão efetiva de suas demandas. Afinal, os dados cotidianos sobre a pandemia continuam a dar sinais de que ela está longe de ser extinta. E os países pobres já ficaram para trás na corrida pela vacina. 

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    Referências:

    [1] The impact of COVID-19 on food security and nutrition. Disponível em: http://www.fao.org/policy-support/tools-and-publications/resources-details/es/c/1287907/https://www.wfp.org/stories/risk-hunger-pandemic-coronavirus-set-almost-double-acute-hunger-end-2020

    [2] FORE, Henrietta H. et al. Child malnutrition and COVID-19: the time to act is now. The Lancet, v. 396, n. 10250, p. 517-518, 2020. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)31648-2/fulltext?rss=yes#articleInformation

    [3] ILO Monitor: COVID-19 and the world of work. Seventh edition. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@dgreports/@dcomm/documents/briefingnote/wcms_767028.pdf

    [4] https://data.worldbank.org/indicator/SL.TLF.TOTL.FE.ZS

    [5] https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/21814-2017-censo-agropecuario.html

    [6] OBSERVATÓRIO DO CLIMA (2008). Diretrizes para Formulação de Políticas Públicas em Mudanças Climáticas no Brasil. Disponível em: http://intranet.gvces.com.br/arquivos/mudancasclimaticasnobrasil.pdf.

    [7] WORLD HEALTH ORGANIZATION. Reducing Global Health Risks through mitigation of Short- Lived Climate Pollutants. Scoping Report for Policy-makers. Scovronick N, editor. Switzerland; 2015.

    Jaqueline Nichi é graduada em Jornalismo e Sociologia, com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança local.

    Este texto foi escrito orinalmente no blog Natureza Crítica

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Acredite na vacina e também no aquecimento global

    Se sairmos logo desta pandemia, o clima deve ser o tema de preocupação global mais urgente

    Se havia esperança de que o ano de 2021 seria diferente, pelo menos este primeiro semestre vai lembrar muito 2020. Mas 2020 não foi só o ano da pandemia. Foi também o segundo mais quente da história. A agência europeia Copernicus (2021), a partir de dados analisados, informou que 2020 se igualou a 2016 como o ano mais quente da história, com 1.25°C acima dos níveis pré-industriais. No ano passado, houve ondas de calor devastadoras na Europa, incêndios florestais sem precedentes no Brasil e na Austrália, milhares de mortes devido ao ciclone Idai na África, e uma série de outros eventos climáticos extremos.  

    E o que o coronavírus tem a ver com o clima? Os impactos do clima aumentam a probabilidade do surgimento de pandemias por consequência de mudanças nos habitats de vetores de doenças ou aumento do contato entre espécies resultante do desmatamento.

    No caso da COVID-19, os efeitos na saúde não param na infecção em si, pois são amplificados com consequências socioeconômicas que podem impactar gerações. O Banco Mundial já previu uma retração econômica em todo o mundo de 4,3% em 2020. Entre 40 e 60 milhões de pessoas serão levadas à pobreza extrema, uma perda equivalente a três anos no esforço de redução da pobreza. No Brasil, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projetou queda de 5% do Produto Interno Bruno (PIB).

    Da mesma forma, as mudanças climáticas geram eventos em escala que afetam da produção agrícola à migração forçada de populações. Portanto, apesar desta crise de saúde sem precedentes, as mudanças climáticas ameaçam produzir choques de maior magnitude em períodos de tempo mais longos.

    Foto de Markus Spiske no Pexels

    Sem medidas suficientes, os impactos da crise climática na saúde e na economia tendem a ser crescentes e contínuos. A OMS já alertou que a poluição do ar custou quase US$ 3 trilhões, o equivalente a mais de 3% do PIB global, apenas em 2018, sendo responsável por 7 milhões de mortes todos os anos.  

    No Brasil, o transporte de passageiros é a fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEE) que mais cresce. Dados do Observatório do Clima (2018) mostram que entre 1990 e 2012, houve um aumento de 84 para 204 mi/ton., sendo a principal fonte de emissões municipais e o segundo em nível nacional, perdendo apenas para a agropecuária. E em São Paulo, a poluição será responsável por mais de 50 mil mortes até 2030, segundo pesquisa do Instituto Saúde e Sustentabilidade e Escola Paulista de Medicina (2014).

    E agora, humanos?

    Podemos ter um vislumbre de esperança? Sim! Embora o caminho para controlar o coronavírus seja marcado por polêmicas e escolhas difíceis, há sinais de esperança. Os países estão provando que é possível achatar a curva e aproximar-se de uma imunização global a partir de esforços coletivos.

    Uma lição aprendida foi que a coordenação entre os países na corrida por uma vacina em tempo recorde resultou em parcerias bem-sucedidas a partir da ciência e da tecnologia. No entanto, a falta deste mesmo tipo de coordenação global para políticas climáticas decepciona. Uma governança ambiental global é mais do que necessária.

    Foto de Markus Spiske no Pexels

    Mas alguns países como a Japão, Canadá e Reino Unido já têm assumido compromissos “net zero” tanto na arena empresarial quanto governamental. A China tem feito esforços massivos para descarbonizar sua economia, investindo em energias limpas e cidades inteligentes, com a meta de neutralizar a emissão de carbono até 2060. E essa pauta deve se fortalecer com o retorno dos Estados Unidos à Agenda de Paris.

    E neste ano, a Conferência do Clima da ONU (COP 26), que acontece em novembro, em Glasgow, na Escócia, será decisiva ao reavaliar os objetivos e metas de redução de emissões do Acordo de Paris, que acaba de completar cinco anos.

    Mais do que nunca, temos a responsabilidade de fazer as coisas de maneira diferente para que o velho normal do insustentável “business as usual” não volte a ser o status quo e que a saúde das pessoas e do planeta seja prioridade.

    Fontes:

    COPERNICUS. Copernicus: 2020 warmest year on record for Europe; globally, 2020 ties with 2016 for warmest year recorded. Disponível em: https://climate.copernicus.eu/copernicus-2020-warmest-year-record-europe-globally-2020-ties-2016-warmest-year-recorded. Acesso em 08/01/2021.

    OMS. 7 million premature deaths annually linked to air pollution. Disponível em: https://www.who.int/mediacentre/news/releases/2014/air-pollution/en/. Acesso em 20/01/2021.

    OBSERVATÓRIO DO CLIMA. SEEG 8 – Análise das emissões brasileiras de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas de clima do Brasil (1970-2019). Disponível em: http://www.observatoriodoclima.eco.br/seeg-8-analise-das-emissoes-brasileiras-de-gases-de-efeito-estufa-e-suas-implicacoes-para-metas-de-clima-brasil-1970-2019/. Acesso em 20/01/2021.

    VORMITTAG, E. M. P. A. A.; COSTA, R. R.; BRAGA, A. A.; MIRANDA, M. J.; NASCIMENTO, N. C.; SALDIVA, P. H. Monitoramento da qualidade do ar no Brasil. Instituto Saúde e Sustentabilidade, 2014. Disponível em: http://www.saudeesustentabilidade.org.br/site/wp-content/uploads/2014/07/Monitoramento-da-Qualidade-do-Ar-no-Brasil-2014.pdf. Acesso em 01/02/2021.

    Jaqueline Nichi é graduada em Jornalismo e Sociologia, com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança local.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza de Fato

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Surfando as crises globais: segunda onda da COVID-19 e ondas de calor

    A pandemia do coronavírus causou 1,3 milhões de mortes no mundo até o momento. A poluição atmosférica mata 7 milhões de pessoas todos os anos. Por que a crise climática não é vista como crise?

    A Covid-19 escancarou a vulnerabilidade da globalização e tem sido um experimento não programado sobre os impactos das mudanças do clima. Se por um lado, o confinamento afetou a economia e a sanidade mental, por outro, se revelou benéfica para o meio ambiente. Como resultado involuntário, as medidas de contenção da pandemia ajudaram a melhorar a qualidade do ar, com a redução das emissões de CO2, principal gás de efeito estufa (GEE), e dos poluentes tóxicos, especialmente nos centros urbanos.

    Segundo a Organização Mundial de Meteorologia (WMO, 2020), o confinamento resultou numa redução de 17% nas emissões de GEE em abril, em comparação com 2019. Entretanto, um estudo da Nature Climage Change reportou que a redução nas emissões globais de GEE e de poluentes por causa da pandemia será “insignificante” para alterar o rumo das mudanças climáticas na Terra, levando a uma redução de apenas 0,005ºC a 0,01ºC na temperatura do planeta.

    Esta não é a primeira vez que vivemos um período de redução das emissões de gases poluentes em decorrência de uma diminuição das atividades humanas. Durante a crise financeira de 2008, por exemplo, percebeu-se reduções destes gases. Mas, após esse período, as emissões foram retomadas em níveis ainda maiores em decorrência do esforço econômico de recuperação. Isso só reafirma que as melhorias são efêmeras e pontuais, uma vez que não estão acontecendo transformações sistêmicas, nos processos decisórios, nas estruturas de produção de bens, no modelo de consumo, no uso da terra e na matriz de transportes atuais.

    Por que a crise climática não tem o mesmo apelo da sanitária?

    A questão sanitária é vista como crise porque pressupõe a retomada ao estado “normal” após ser superada. Já a questão climática, não alcança esse status porque cresce de forma gradual. Mesmo assim, esta é uma oportunidade de testemunhar um período propício para reavermos a implementação de políticas públicas e o esforço coletivo a fim de descarbonizar a sociedade e a economia.

    Essas mudanças vão depender das políticas de recuperação das atividades no pós-pandemia, mas também de um esforço coletivo para garantir sua implementação para que essa redução não seja apenas temporária.

    Além disso, apenas mudanças estruturais na economia e nas matrizes de transporte e energia não serão capazes de sustentar reduções em longo prazo porque são oriundas de respostas individuais. Em vez de atitudes tomadas por imposição, como a suspensão de voos e a limitação do uso de carros, é preciso maior conscientização para atingirmos as metas de emissões de GEE.

    Doenças infecciosas são assustadoras porque são imediatas e pessoais, com impacto direto no dia a dia. A mudança climática pode parecer impessoal e distante, com causas difusas.

    5 medidas viáveis para reduzir os impactos do clima e evitar novas pandemias

    1. Reduzir o desmatamento ajuda a conter a perda de biodiversidade, motivo de propagação de doenças infecciosas transmitidas por animais forçados a migrarem para novos habitats porque as florestas onde viviam foram derrubadas.

    2. Repensar nossas práticas agrícolas, incluindo aquelas que dependem da criação de animais em ambientes fechados, mais suscetíveis a transmissões entre animais e humanos.

    3. Combater a poluição do ar causada pela queima de combustíveis fósseis, minimizando os impactos de infecções respiratórias como o coronavírus.

    4. Gerar energia a partir de fontes de baixo carbono, como a solar e eólica, reduzindo a emissão de poluentes atmosféricos responsáveis por problemas de saúde e mortes prematuras que pressionam os sistemas de saúde.

    5. Fomentar a governança participativa, com forte atuação dos cientistas para aconselhar os formuladores e gestores de políticas públicas em respostas baseadas em fatos e na avaliação de riscos.

    Para Saber Mais

    FORSTER, Piers M et al, Current and future global climate impacts resulting from COVID-19, Nature Climate Change, v10, n10, p913-919, 2020.

    A autora

    Por Jaqueline Nichi graduou-se em Jornalismo e Sociologia, com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa centra-se nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança local.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza Crítica

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Bem como, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Carlos Nobre alerta que além da pandemia, é preciso conter o aquecimento global


    Por Danila Gabriela Bertin, Felipe Ferreira Naves e Vinícius Nunes Alves

    A colaboração científica global é essencial para vencermos a crise do novo coronavírus, mas também para uma reconstrução sustentável da economia pós-Covid-19

    Quem nega o aquecimento global, 
    vai ver esses efeitos acontecendo daqui há 20 ou 30 anos.
    Quem vai ser afetado, 
    não são as mesmas pessoas que estão negando agora.
    [Átila Iamarino no programa Roda Viva da TV Cultura em 30 de março] 
    

    Nunca antes, na sociedade moderna, houve uma pandemia com esta magnitude. Ao mesmo tempo, há uma união global da ciência em prol de uma solução comum, em proporções nunca vistas antes. Mas Carlos Nobre, um dos maiores cientistas do clima, defende que a ciência se una não só durante a crise de Covid-19, mas também após a mesma para auxiliar a economia a se reconstruir de forma sustentável no mundo.

    No webinar “Futuro Pós Covid-19” promovido pelos Líderes Climáticos da Juventude (YCL, sigla em inglês) em 05 de maio, o climatologista de destaque discutiu meios para uma reconstrução sustentável da economia pós Covid-19. “O ideal é uma colaboração, não é um país brigando com o outro, escondendo ciência, tentando usar a ciência com enorme poder tecnológico e econômico”, ressalta Carlos Nobre, que também apoia essa postura para as mudanças climáticas, outro problema global que as sociedades devem enfrentar.

    Carlos Nobre é um cientista brasileiro de impacto internacional. Atualmente é pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP e Presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, entre outras titulações e funções. Nobre alerta sobre os riscos do aquecimento global formado nas últimas décadas para a humanidade, caso não frearmos as emissões de gases de efeito estufa. A destruição e poluição do meio ambiente podem tornar a manutenção da vida na Terra insustentável para os seres humanos, assim como para 40 a 50% das espécies do planeta.

    Imagem de chamada do Youth Climate Leaders (Líderes Climáticos da Juventude) no Facebook para o webinar com Carlos Nobre.


    Resistência e retomada econômica sustentável

    Tanto na crise de Covid-19 quanto na crise climática há certa resistência da sociedade em mudar o estilo de vida, principalmente pelo impacto na economia. Carlos Nobre fez questão de reconhecer que “a recuperação econômica não é um coelho que sai da cartola do mágico”. É inevitável que grande parte dos recursos para isso saia do bolso do cidadão, assim como aconteceu nas outras recessões. Portanto, é imprescindível o posicionamento da sociedade a favor das soluções sustentáveis e economicamente viáveis, que evitem os limites planetários.

    A energia de fontes renováveis, como a solar e eólica, estão entre as menos custosas. No entanto, os subsídios para a indústria fóssil, a maior responsável pela crise climática, ainda é dez vezes maior do que para a energia renovável. Logo, é urgente a inversão desta prioridade. Carlos Nobre ainda realçou a necessidade da transição para uma agricultura regenerativa, baseada em sistemas agroflorestais, que favoreça a biodiversidade dos países tropicais e os serviços ecossistêmicos.

    “A floresta em pé tem um valor econômico superior para a sociedade em geral do que a floresta derrubada e substituída por pastagem de pecuária ou mesmo grãos. Tanto a ciência quanto o conhecimento tradicional podem valorizar, inclusive culturalmente, uma floresta em pé por milhares de anos”, conta Carlos. Nesse sentido, o projeto Amazônia 4.0 (em referência à quarta revolução industrial) é um exemplo de sucesso na parceria entre ciência, tecnologia e conhecimento tradicional de povos amazônicos que busca o desenvolvimento de uma economia que prioriza a floresta em pé.

    Outra iniciativa recente que tem potencial para alavancar a economia de forma sustentável após a pandemia é a do Fórum Econômico Mundial (2020) que propõe plantar um trilhão de árvores de forma planejada. Isso, além de ser poderoso no combate às mudanças climáticas, pode ser também um instrumento valioso na recuperação econômica, uma vez que gerará empregos e benefícios para a agricultura e qualidade ecológica urbana.


    Crise climática e pandemias no futuro

    As hipóteses mais aceitas para o surgimento do novo coronavírus, o Sars-Cov-2, se relacionam ao tráfico de animais silvestres, ao seu manuseio e consumo. São os famosos mercados molhados. E por que eles trazem risco de epidemias? Os animais silvestres, há milhões de anos, estão em equilíbrio com seu ambiente. Ambiente este que é rico em diversos microrganismos e, quando perturbado, pode desequilibrar o tamanho das populações de microrganismos e de seus vetores (animais que o transportam).

    A savanização da Amazônia também traz consigo riscos expressivos de gerar doenças com potencial pandêmico. Com as florestas tropicais secando e se transformando em fisionomias savânicas, a diversidade de microrganismos é desequilibrada e o fluxo desses muda, ficando mais expostos para a população humana.

    Muitos desses microrganismos podem trazer doenças zoonóticas, se em contato direto com humanos. A Floresta Amazônica, além de sofrer problemas ambientais como desmatamento, queimada e grilagem de terras, já carrega potenciais endemias. “Se perguntarem assim: Poxa, a Amazônia nunca gerou até hoje uma pandemia, né? Eu responderia: pura sorte porque elementos de geração de epidemias e pandemias estão na Amazônia. Existe a leishmaniose que é endêmica. Existem umas hantaviroses que estão se tornando agora um pouco mais disseminadas. É um lugar que tem a maior diversidade de microrganismos do mundo”, destaca o cientista.


    Crise climática e injustiça social

    A desigualdade social se torna cada vez mais frequente, em ritmo acelerado nos países em desenvolvimento. As populações com menor capacidade de resiliência aos impactos das mudanças climáticas são justamente as mais vulneráveis e as que menos contribuem para a instalação desta crise. São países africanos, do sul da Ásia e América Latina. Mesmo diante desse contexto, “nós ainda não tivemos a habilidade de implementar um mecanismo de compensação de justiça social”, pondera Carlos Nobre com sua franqueza característica.

    O Fundo Verde do Clima surgiu em 2010, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, com o objetivo de financiar projetos voltados ao enfrentamento da crise climática nos países mais vulneráveis. Porém, o Fundo se encontra com baixa efetividade de atuação contra a injustiça social, assim como para nos direcionar a trajetórias de menor risco.

    Transações de caráter econômico não sustentáveis ainda estão recebendo prioridade, e um exemplo disso é a crítica iniciativa Belt and Rode da China que pretende vender termelétricas a carvão para a África. Ironicamente, é esse continente que possui o maior potencial de geração de energia solar do mundo com o Deserto do Saara.

    Isso vai na contramão do Acordo de Paris (2015) realizado pelas Nações Unidas que considera “as mudanças climáticas como uma ameaça urgente e potencialmente irreversível para as sociedades humanas e para o planeta e, portanto, requer a mais ampla cooperação possível de todos os países e sua participação em uma resposta internacional eficaz e apropriada, com vista a acelerar a redução das emissões globais de gases de efeito estufa”. Nesse sentido, Carlos Nobre ainda complementa que “se nós não conseguirmos atingir os objetivos do acordo de Paris, nós vamos criar um mundo muito mais impensavelmente injusto do que nós já temos hoje.”

    Poluição atmosférica em cidades – Imagem de Pixabay


    O papel da educação e dos jovens com as mudanças climáticas

    Quando lidamos com crises sanitárias, como a Covid-19, a percepção dos impactos é maior, pois estamos vivenciando as consequências desse problema rapidamente. Mas quando tratamos das graduais mudanças climáticas a percepção de risco é menor. Para mudar essa percepção, não basta só a informação científica, mas precisa essencialmente de uma base educacional sólida que valorize o processo do conhecimento científico sobre problemas ambientais e outros que afetam a sociedade como um todo.

    Os sistemas educacionais formais se concentram na juventude e colocam os jovens como protagonistas iminentes da sociedade. Assim, é a educação de qualidade que pode esclarecer a percepção de risco das mudanças climáticas, tornando a sustentabilidade um valor humano e de cidadania.

    Carlos Nobre enfatizou que os “bons ventos” estão mais nas mãos dos jovens, pois serão os consumidores, empreendedores e políticos de uma sociedade futura. Segundo o pesquisador, a organização de jovens líderes climáticos deste webinar é um emblema disso. São jovens com esse perfil que pensam em medidas inovadoras e em ferramentas criativas da quarta revolução industrial para gerar oportunidades econômicas sustentáveis. A responsabilidade e a oportunidade parecem ainda maiores para as gerações jovens que crescem em países com dimensões continentais e com biodiversidade imensa como o Brasil.


    Danila Gabriela Bertin é bacharel em Ciências Biológicas pelo ICENP/UFU.

    Felipe Ferreira Naves é bacharel em Ciências Biológicas e mestrando em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela UFU.

    Vinícius Nunes Alves é licenciado e bacharel em Ciências Biológicas pelo IBB/UNESP, mestre em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela UFU. Atualmente é estudante de especialização em Jornalismo Científico pelo Labjor/UNICAMP e colunista do jornal Notícias Botucatu.

    Este post foi escrito originalmente no blog Natureza Crítica

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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