Tag: mulheres cientistas

  • A ciência pelos olhos da Dra. Marjorie Cornejo Pontelli e da doutoranda Pierina Lorencini Parise, duas jovens cientistas

    À esquerda, equipe de pesquisadores do Centro de Pesquisa em Virologia da FMRP-USP a frente das pesquisas sobre Sars-Cov-2 e COVID-19. Dra. Marjorie está no centro da foto. À direita, Pierina segurando uma plca de cultura de células. Arquivo pessoal. 2020.

    Dando prosseguimento ao nosso Ciclo Temático Epidemias, junto de minha colega Bruna Bertol, hoje apresentamos a segunda entrevista do ciclo, dessa vez realizada com a Dra. Marjorie Cornejo Pontelli e a doutoranda Pierina Lorencini Parise, duas jovens cientistas que estão atuando diretamente na pesquisa do novo coronavírus SARS-CoV-2. Se você tem curiosidade em saber como é trabalhar com o agente causador da pandemia que aflige o mundo e como é ser uma jovem mulher cientista, não perca essa leitura!   

    A Dra. Marjorie Cornejo Pontelli é uma jovem virologista brasileira, bióloga pela Universidade Federal de Santa Maria (2012), mestra em Ciências – Área Bioquímica (2014) e doutora em Ciências – Área Biologia Celular e Molecular (2019) pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FMRP-USP). 

    Dra. Marjorie no dia da sua defesa de doutorado em Ciências – Área Biologia Celular e Molecular (2019) pela FMRP-USP. Arquivo pessoal

    Atualmente, realiza pós-doutorado no grupo de pesquisa do Prof. Dr. Eurico de Arruda Neto no centro de Pesquisa em Virologia da FMRP-USP e seu trabalho tem se focado na compreensão da biologia do vírus SARS CoV-2, responsável pela COVID-19, bem como na busca por opções terapêuticas para a doença.

     A Dra. Marjorie participa de um estudo conduzido pelo Hemocentro de Ribeirão Preto e o Hospital das Clínicas da FMRP-USP que busca tratar pacientes graves da COVID-19 com o uso de plasma (porção líquida) do sangue de pessoas que já se recuperaram da doença. 

    Com essa abordagem, espera-se que haja uma recuperação mais rápida, menor tempo de internação e de UTI e/ou um menor risco de mortalidade. Inclusive, qualquer pessoa recuperada de COVID-19 (sem sintomas há pelo menos 14 dias) pode ser um doador de plasma no Hemocentro de Ribeirão Preto. Se quiser doar plasma, ligue para o 0800 979 6049 ou para o WhatsApp: 16 98215-1937 ou 16 98215-1277 ou envie e-mail para doador@hemocentro.fmrp.usp.br

    Além disso, a equipe composta pelo prof. Dr. Eurico e a Dra. Marjorie demonstrou que o novo coronavírus pode permanecer no corpo de pacientes recuperados por tempo indeterminado, o que pode fazer com que a transmissão viral continue, e pode explicar os casos relatados na Coreia do Sul e na China de indivíduos recuperados que voltaram a testar positivo para a doença. 

    Pierina expondo seu trabalho durante congresso. Arquivo pessoal

    A doutoranda Pierina Lorencini Parise é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente, faz seu doutorado direto na área de microbiologia, com ênfase em virologia, no Laboratório de Vírus Emergentes (LEVE) sob orientação do Prof. Dr. José Luiz Proença Modena, na mesma universidade. A página do Instagram do grupo @leve_ibunicamp é um excelente fonte de informação sobre o estudo de vírus emergentes, com atualizações sobre seus mais recentes projetos e descobertas. 

    Embora o foco principal de seu projeto de doutorado seja uma outra família de vírus, o momento pediu uma mudança de seus esforços de pesquisa. Hoje Pierina integra a força tarefa – grupo multidisciplinar que envolve docentes da Unicamp, do LNBio e do CNPEM – para o estudo do SARS-CoV-2, ajudando no desenvolvimento de testes rápidos para a região de Campinas e no estudo de reposicionamento de fármacos para o tratamento da COVID-19.

    A seguir, reproduzimos na íntegra as respostas das duas cientistas:

    Cientista – era isso que você queria ser quando crescesse?

    Marjorie: Sim. A ciência sempre me despertou muito interesse, desde a infância. Meus programas preferidos eram Mundo de Beakman e Testemunha Ocular. Com certa frequência eu fazia experimentos em casa. 

    Pierina: Na verdade quando era criança meu sonho era ser astronauta, mas desisti quando descobri que não poderia levar minha cachorrinha nas missões comigo e imaginei que sentiria saudade dela e dos meus pais. Mas desde pequena sempre tive muita curiosidade por tudo que vinha da natureza. Meus avós são sitiantes e eu lembro de estar sempre brincando entre as árvores e fingindo que era cientista. 

    Um dos presentes mais marcantes que eu ganhei de um tio na infância foi um kit de brinquedo de química com alguns reagentes para fazer experiências e um mini microscópio que eu guardo até hoje. Além disso, meus pais sempre incentivaram muito minha curiosidade e gosto pela leitura, que são características essenciais para todo cientista. 

    Algum cientista ou descoberta científica a inspirou na escolha dessa carreira?

    Marjorie: Um assunto muito inspirador foi a Teoria da Evolução. Durante o ensino fundamental estudei em um colégio evangélico. Uma das matérias que tínhamos era o estudo da Religião Cristã. Em uma dessas aulas o tema foi a origem dos seres vivo e nosso professor falou sobre o criacionismo. 

    Eu que sempre gostei de programas de ciência e já havia visto sobre a evolução, perguntei sobre como isso se relacionava com a evolução. A resposta foi bem categórica: 1º isso era uma teoria e 2º se nós viemos dos macacos, por que eles não continuavam evoluindo? Quando cheguei em casa, abri a Barsa e li sobre teoria e evolução. Achei fantástico que havia várias áreas e evidências que se complementavam. Foi nesse momento que decidi seguir a carreira de cientista. 

    Pierina: Eu tive certeza de que queria ser cientista na primeira aula de genética que tive com a professora de biologia Carla, ainda no ensino fundamental. Eu lembro que estudar sobre as leis de Mendel foi uma das coisas mais incríveis que eu tinha aprendido na época. A partir disso, falei com meu primo Márcio, que também é pesquisador e biólogo formado pela Unicamp, e ele foi um dos meus maiores incentivadores na ciência e a pessoa que me guiou na escolha da carreira, e através dele tive meu primeiro contato com o mundo acadêmico.

    Sempre se interessou em estudar os vírus? Como sua trajetória acadêmica a levou à ênfase em virologia?

    Marjorie: Eu sempre me interessei por Microbiologia. No final do primeiro semestre do curso de Ciências Biológicas já havia buscado um laboratório de Microbiologia, mas foi no final do 3º semestre que entrei para o laboratório de Microbiologia Clínica onde fiz meu trabalho de conclusão de curso (TCC). 

    Quando decidi seguir a carreira acadêmica, fiz um curso de Bioquímica na USP de Ribeirão Preto e tive um relance do que seria trabalhar como pesquisadora. Ao final da graduação, passei no mestrado para trabalhar com uma archaebacteria extremofílica (organismo que vive em condições geoquímicas extremas). Aprendi muito sobre biologia molecular e bioquímica nesse período, bases fundamentais para estudar virologia. 

    E um dia, em um dos seminários do departamento, conheci a linha de pesquisa de virologia. Foi algo que me inspirou profundamente. Quando percebi, já estava fazendo a seleção de doutorado no departamento de Biologia Celular e Molecular, no laboratório de Virologia. 

    Pierina: Eu sempre tive em mente que queria uma profissão que me permitisse ajudar muitas pessoas com meu trabalho. No segundo ano da faculdade de biologia, tive meu primeiro contato com a virologia nas aulas do meu atual orientador, o professor Dr. José Luiz Modena, onde vi a oportunidade de estudar um tema que afeta diretamente a vida das pessoas, além de ser um assunto que me permitiria trabalhar e aprender mais sobre outras áreas que me interessavam como Imunologia, Biologia Celular e Genética. 

    No final do semestre eu fui conversar com o professor sobre a possibilidade de fazer iniciação científica em seu laboratório, onde estou até hoje fazendo meu doutorado direto. Na época, o professor era recém contratado e teve que se ausentar por alguns meses para finalizar seu pós doutorado nos EUA. Como eu seria sua primeira aluna, a professora Dra. Silvia Gatti me recebeu nesses primeiros meses em seu laboratório, que posteriormente seria compartilhado com o professor José Luiz, onde tive oportunidade de começar a aprender mais sobre o tema com a professora e ter meu primeiro contato com as técnicas de virologia. 

    Durante minha iniciação científica me dediquei a estudar a relevância da replicação em endotélio para a neuropatogênese dos vírus Zika e Oropouche, um vírus que circula na região amazônica e causa uma doença chamada de Febre do Oropouche, que já atingiu mais de 500 mil pessoas em diversos surtos que ocorreram na região. Apesar da sua importância, esse vírus ainda é pouco estudado. Atualmente no meu doutorado busco entender o papel do IRF5 (um importante fator da resposta imune) na patogênese e neurovirulência do vírus Oropouche, estudando principalmente modelos de barreira hematoencefálica para entender como acontece a entrada desse vírus no cérebro. 

    Como são desenvolvidas as pesquisas em virologia? Há alguma dificuldade específica que você gostaria de ressaltar?

    Marjorie: No laboratório que desenvolvi meu doutorado, eram duas as principais linhas de pesquisa: vírus respiratórios e arbovírus (transmitidos por artrópodes, como insetos, por exemplo). Dentro desses temas as abordagens eram bem diversificadas que iam desde a biologia básica do vírus (processos de replicação, entrada, montagem) até a persistência em tecidos do hospedeiro. 

    No meu caso, me dirigi à pesquisa dos arbovírus. Em relação às dificuldades, vale ressaltar duas que me atingiram em cheio: a falta de insumos comerciais e a falta de interesse das agências de fomento em vírus que não são de interesse “imediato”.

    Pierina: Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios e para estudá-los é preciso que eles se repliquem em culturas celulares ou modelos animais. No nosso laboratório, cultivamos diferentes tipos de células de acordo com as análises que serão realizadas, como por exemplo células isoladas do cérebro ou intestino. Além disso, os modelos animais são essenciais para situações que não podem ser reproduzidas in vitro, como estudos sobre o papel da resposta imune frente a infecção viral. 

    Outra ferramenta essencial para nossos estudos é a biologia molecular, utilizada para quantificar a replicação dos vírus nos nossos ensaios ou amostras de pacientes. Para mim, a maior dificuldade que temos hoje é com relação aos reagentes: a maior parte deles tem que ser importada, demorando de 3 a 6 meses para chegar, o que muitas vezes atrasa nosso trabalho, além do alto valor pelas importações serem feitas em dólar. 

    Qual é o objetivo e quais as possíveis contribuições da sua atual pesquisa sobre o SARS-Cov-2 e a COVID-19?

    Marjorie: Nenhum trabalho dessa magnitude é desenvolvido sozinho. A nossa equipe tem desenvolvido pesquisas de ponta em diversas frentes: triagem de medicamentos, patogênese, interação vírus-hospedeiro, biologia do vírus, etc. 

    De imediato, nossa maior contribuição tem sido participar da Cooperativa Paulista de Combate à COVID-19 que está usando o plasma (a porção do sangue que contém anticorpos) de pessoas já curadas da COVID-19 para tratar pacientes em estado grave. Neste projeto, nossa participação é de triar os plasmas que possuem anticorpos que consigam reconhecer o vírus SARS-CoV-2. Em Ribeirão Preto, nosso laboratório em conjunto com o Hemocentro da USP já obteve êxito usando este tipo de tratamento. 

    Pierina: Atualmente, nosso laboratório parou todas as pesquisas que estavam sendo realizadas para focar no estudo do SARS-Cov-2 em parceria com outros professores que também tinham interesse em estudar o vírus. Em resumo, buscamos entender os mecanismos pelos quais o vírus leva algumas pessoas a apresentarem a doença de forma mais grave do que outras, como fatores associados com a microbiota, envelhecimento e diabetes. Além disso, estamos estudando reposicionamento de fármacos que podem ter efeito contra o SARS-Cov-2 em parceria com pesquisadores do CNPEM.  

    Nesse sentido, como é a sua rotina como jovem pesquisadora no laboratório em que atua? Você tem acesso aos materiais e à infraestrutura necessárias para execução do seu trabalho?

    Marjorie: Nossa equipe de virologistas tem se dividido para podermos dar atenção a todos os projetos com SARS-CoV-2 que estão acontecendo na FMRP-USP. Eu estou participando mais ativamente em três principais projetos: triagem dos plasmas convalescentes, papel dos neutrófilos (um tipo de célula humana da imunidade) na COVID-19 e células circulantes infectadas pelo SARS-CoV-2 em pacientes. 

    Posso dizer que tenho um grande privilégio de fazer parte de uma equipe multidisciplinar que recruta os pacientes e fornece os insumos. Além disso, o Centro de Pesquisa em Virologia da FMRP-USP conta com um laboratório BSL-2, onde podemos processar as amostras dos pacientes e um laboratório BSL-3 amplamente equipado, no qual fazemos os experimentos com vírus isolado e modelos animais. Dessa forma, conseguimos trabalhar de forma segura tanto para nós quanto para a população.

    Pierina: Com a pandemia nossa rotina ficou ainda mais intensa, trabalhamos em período integral quase todos os dias da semana, incluindo feriados e finais de semana. Para trabalhar com vírus como o SARS-Cov-2 é necessário uma estrutura de biossegurança de nível 3 que existe em poucos laboratórios do país e o LEVE é um deles. Essa estrutura demanda treinamento especial das pessoas que irão trabalhar no local e o uso de equipamentos de proteção individual específicos, como macacão impermeável, máscara N95, faceshield (protetor facial), luvas e bota. 

    Além disso, o laboratório conta com sistema de pressão negativa e filtros para impedir que o vírus seja liberado no ambiente externo. A manutenção desses filtros e a compra dos equipamentos de proteção individual (EPIs) são muito caras, e com a pandemia alguns dos produtos ficaram ainda mais difíceis de comprar pela falta no mercado.

    Você acha que estamos perto de encontrar um remédio (antiviral) eficiente? E vacina? Quais os desafios em se criar um antiviral ou uma vacina?

    Marjorie: Um tratamento para um estágio específico da doença pode ser possível. Existem muitos grupos no mundo focando os esforços em readaptar medicamentos aprovados para outras doenças para tratar a COVID-19. Agora, uma vacina segura e eficiente leva anos para ser desenvolvida. No meu entendimento, o maior desafio é a falta de conhecimento básico em relação a esse vírus, que impede tanto o avanço na produção de um antiviral específico quanto na de uma vacina eficaz

    Para desenvolver uma vacina ou um medicamento, é necessária uma base muito sólida de conhecimento chamado de “ciência básica”. Quanto melhor compreendido a interação patógeno-hospedeiro, mais rapidamente será desenvolvido alguma forma de intervenção. Sem entender como ele funciona no hospedeiro e de onde veio, as abordagens ficam bem restritas ao que há de conhecimento para vírus semelhantes. 

    Esse é outro ponto interessante para se considerar. O SARS-1 – “parente” mais próximo do Sars-Cov-2 – foi erradicado após 2003. Portanto, novas pesquisas após o ápice da epidemia foram deixadas de lado, e os grupos que tentaram continuar se depararam com a falta de interesse em financiar o estudo de um vírus que já havia sido eliminado.

    Pierina: Atualmente temos vários antivirais que apresentaram efeito na inibição da replicação do SARS-Cov-2 in vitro que já estão sendo utilizados em testes clínicos em todo o mundo, incluindo alguns dos medicamentos selecionados nos nossos estudos de reposicionamento de fármacos em parceria com o CNPEM. Se algum desses medicamentos se mostrar comprovadamente eficaz no controle da doença, em breve veremos os resultados. 

    Com relação a vacinas, já temos várias pesquisas em fases avançadas de teste em humanos, como é o caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, que será testada em voluntários aqui no Brasil. Além disso, tratamentos com imunomoduladores, anti coagulantes e transferência de plasma de pacientes que se recuperaram da doença também estão sendo estudados como forma de impedir o desenvolvimento de casos graves.

    Eu acredito que o principal desafio agora é a corrida contra o tempo. O desenvolvimento de remédios e vacinas passa por diversas etapas para garantir sua segurança e eficácia, e pode demorar anos até que os estudos sejam concluídos e os produtos comercializados.

    Como você vê o cenário mundial de enfrentamento da pandemia nesse momento?

    Marjorie: Achei impressionante como a China, tendo uma população de mais de 2 bilhões de pessoas, conteve a epidemia com menos de 90.000 casos confirmados. É difícil para o ser humano, como um ser sociável, fazer o distanciamento social. Por isso, de certa forma entendo o porquê a adesão a essa medida é muito difícil. Sem sombra de dúvidas, governos que tomaram medidas mais enérgicas conseguiram retomar com mais rapidez a reabertura da circulação da população. E hoje no Brasil estamos sofrendo as consequências de escolhas ruins dos (e de) governantes.

    Pierina: Após alguns meses do início da pandemia, conseguimos ver um padrão de sucesso nos países que controlaram de forma eficaz a disseminação do vírus, e isso é devido a dois fatores principais: o isolamento social e a testagem em massa da população. Atualmente, grande parte desses países já iniciaram sua reabertura tomando os cuidados necessários para que não ocorra uma segunda onda de surtos. Infelizmente, no Brasil ainda é baixo o índice de adesão ao isolamento social e existe uma grave defasagem na testagem da população, o que pode fazer com que a gente ainda demore algum tempo para conseguir conter o avanço da doença.

    Corremos o risco de termos um outro vírus com o mesmo comportamento do coronavírus em breve?

    Marjorie: Acredito que agora teremos uma vigilância maior em diversos aspectos por parte de toda sociedade. Tanto da população, quanto do corpo científico. Mas, como virologista, sai que é possível a emergência de vírus pandêmicos a qualquer momento.

    Pierina: As mutações nos vírus acontecem de forma muita rápida e de tempos em tempos surgem novas cepas patogênicas que podem causar grandes estragos, como já visto diversas vezes na história. Porém, existem formas de minimizar os danos e controlar ocorrência de novos surtos. 

    Muitos desses vírus que causam doenças em humanos circulam na natureza entre animais e, a partir do momento em que os humanos passam a invadir o seu habitat natural, aumenta a chance de serem acometidos por novas doenças e gerar surtos como visto com o SARS-Cov-2. 

    Dessa forma, fatores como o desmatamento e mudanças climáticas, que fazem com que esses animais selvagens ou seus vetores estejam em contato cada vez mais próximo com os humanos, são de extrema importância para pensarmos em formas de impedir a ocorrências de novos surtos. Além disso, a pandemia atual provou que o investimento em ciência é essencial para que estejamos preparados para controlar com eficiência o surgimento de novas situações como esta.

    Ao longo da sua carreira, você já enfrentou alguma dificuldade enquanto cientista por ser mulher?

    Marjorie: Sim. Existem muitos obstáculos e preconceitos que encaro diariamente sendo uma cientista mulher. Eu quando era criança e pensava em ser cientista, imaginava que ser uma mulher cientista seria igual a ser um homem cientista. Hoje percebo que parecem carreiras distintas. Preferencialmente os homens são ouvidos em diversas ocasiões. 

    Além disso, diversas qualificações de um bom pesquisador homem não são bem vistas em pesquisadoras mulheres. Por exemplo, quando assume a liderança de algum projeto e precisa delegar e cobrar, você acaba sendo tachada de “mandona”. Um homem nessa posição seria um bom líder. Se você for muito assertiva, será chamada de agressiva. 

    Você precisa ter muito mais tato para falar nessas situações. Inclusive por parte de outras mulheres, infelizmente. Uma forma que os homens podem nos ajudar é, ao invés de se sentirem ameaçados, encorajarem e exaltarem as mulheres inteligentes, competentes e fortes que os rodeiam.

    Pierina: Tenho sorte de fazer parte de um laboratório composto majoritariamente por mulheres e termos um orientador que nos incentiva na carreira científica sem fazer esse tipo de distinção. Mas fica claro na maior parte dos eventos científicos que, por mais que a plateia seja homogênea e conte com muitas mulheres, nos cargos mais altos, bancadas e palestras de convidados a grande maioria é composta por homens. E isso com certeza não é por falta de mulheres qualificadas que realizam pesquisas brilhantes.  

    Descreva, em poucas palavras, a ciência pelos olhos da Doutoranda Pierina Lorencini Parise.

    Marjorie: A ciência é extremamente apaixonante, é um processo diário de questionamentos e de busca por respostas. É muito gratificante você saber que um determinado processo biológico só é compreendido hoje em dia porque você estudou e o descreveu. 

    Ciência significa a liberdade de pensamento e o poder do conhecimento. Fazer ciência me permite nunca parar de sonhar e o poder de criar ferramentas. Felizmente, vivo em uma época em que é possível para mim como mulher seguir os meus sonhos e explorar minhas curiosidades. 

    Tenho muita gratidão pelas mulheres que vieram antes e quebraram as barreiras do conhecimento para tantas outras. E hoje ser uma mulher cientista buscando meu espaço é minha contribuição para o empoderamento feminino e para uma sociedade mais igualitária.

    Pierina: Para mim, a ciência é a ferramenta essencial para o desenvolvimento da sociedade, servindo para criar um mundo melhor e mais justo através do conhecimento.

    .

    Nós, a equipe do Ciência pelos Olhos Delas, agradecemos as duas cientistas que, mesmo diante de uma rotina bastante atribulada, dedicaram seu tempo a responder essa entrevista.  

    .

    Você pode interessar-se também pela nossa primeira Entrevista do Ciclo temático Epidemias com a farmacêutica e microbiologista Drª Tania Ueda-Nakamura que aborda a pandemia causada pela COVID-19 ou ler mais sobre a mulher que descobriu o primeiro coronavírus humano

    Confira ainda os “Colírio Científico” do Ciclo temático Epidemias sobre divulgadoras científicas brasileiras que estão produzindo conteúdo de qualidade durante a pandemia do novo coronavírus e sobre a antropóloga brasileira Debora Diniz, referência na discussão sobre igualdade de gênero e saúde pública no país durante epidemias.

    Esse texto teve a co-autoria da colaboradora Bruna Bertol.

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Conheça algumas divulgadoras científicas brasileiras que estão produzindo conteúdo de qualidade durante a pandemia do novo coronavírus

    Camila Laranjeira, Virgínia Mota, Laura de Freitas, Ana Bonassa e Tabata Bohlen. Arquivos pessoais.

    Para dar início ao nosso ciclo temático sobre Epidemias, decidi escrever sobre a importância da divulgação científica especificamente durante a pandemia do novo  coronavírus (SARS-CoV-2, do inglês Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2).

    A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia de COVID-19 (do inglês Coronavirus Disease 2019), doença infecciosa causada pelo novo coronavírus, em 11 de março deste ano e, desde então, a colaboração entre a comunidade científica mundial para a compreensão, diagnóstico e tratamento do novo coronavírus tem sido essencial.

    Além disso, tem-se visto também uma maior colaboração entre os comunicadores de ciência no Brasil, visando  mostrar como a ciência é feita e os seus  benefícios à sociedade. A análise de dados e artigos científicos em época de pandemia da COVID-19 por divulgadores de ciência e pesquisadores de diferentes áreas popularizaram terminologias como “achatar a curva” e “distanciamento social”. Isso só foi possível a partir do uso de metodologia científica sólida e a tradução desses conceitos de forma clara e precisa para a população.

    Entretanto, algumas páginas de divulgação científica chegaram a sofrer ataques nas redes sociais por seguirem as recomendações da OMS ao falarem sobre o novo coronavírus (como mostra a  reportagem da Folha de São Paulo publicada em 7 de abril).

    Por sermos uma página de divulgação científica que celebra e difunde a contribuição das mulheres nas diversas áreas da ciência, eu trago neste texto o trabalho de algumas mulheres que, além de pesquisadoras, são divulgadoras científicas e estão desempenhando um papel importante, especialmente durante a atual pandemia, esclarecendo dúvidas e nos ajudando a interpretar dados e informações disponíveis sobre o novo coronavírus e a COVID-19.

    Canal Peixe Babel

    Camila Laranjeira e Virgínia Mota, criadoras do Canal Peixe Babel. Arquivo pessoal.

    O Canal Peixe Babel foi criado em 2014 no YouTube por Camila Laranjeira, como uma forma de divulgar e falar mais sobre seu próprio projeto de pesquisa e seu interesse em robótica e inteligência artificial, além de ser uma maneira de conhecer mais pessoas interessadas pelo tema. Graduada em Sistemas de Informação pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), atualmente Mila Laranjeira é professora no Departamento de Ciências da Computação da UFMG.

    Na época da criação do Peixe Babel, Mila ainda não conhecia o significado de “divulgação científica”. O Canal cresceu e, em 2016, se tornou membro do Science Vlogs Brasil, o selo de qualidade que reúne os canais de divulgação científica no YouTube. Segundo Mila, o potencial do Peixe Babel ficou muito mais claro e ela então passou a investir mais em “formatos e assuntos que enriqueciam a divulgação científica”. No ano seguinte, em 2017, o canal trouxe uma convidada para falar sobre seu trabalho como professora no Colégio Técnico da UFMG sobre o tema de Saúde Mental entre adolescentes e jovens adultos.

    A convidada era Virgínia Mota que, um ano depois, passaria a integrar o Peixe Babel junto com a Mila. Vivi Mota é formada em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), tem mestrado pela França (2010) e pelo Brasil (2011), e doutorado (2018) também em Ciências da Computação (UFMG). Atualmente, Vivi é professora no Departamento de Informática da UFMG e atua como pesquisadora nos grupos Núcleo de Processamento Digital de Imagens (NPDI) e Pattern Recognition and Earth Observation (PATREO).

    Como as duas divulgadoras científicas têm interesse na área de tecnologia e são duas mulheres LGBTQ+, Mila e Vivi usam o espaço do canal “para lembrar que tecnologia deve ser feita por todos e para todos”. O alcance do Canal Peixe Babel também rendeu um importante reconhecimento para o trabalho das duas, que passaram a receber financiamento do Serrapilheira, instituto privado que apoia a pesquisa e a divulgação científica no Brasil.

    No contexto da atual pandemia de COVID-19, Mila Laranjeira e Vivi Mota utilizaram sua curiosidade científica sobre os dados que eram liberados a respeito da doença no Brasil e no mundo para implementar algoritmos e gerar gráficos. Ao divulgarem o conteúdo que produziam e interpretarem os dados para os seguidores, outros divulgadores e cientistas também passaram a se interessar pela forma como as duas estavam divulgando as suas análises.

    Dentre eles, vale citar o biólogo e doutor em Microbiologia Átila Iamarino, que utilizou alguns dos gráficos gerados por elas em duas de suas lives no YouTube, de grande repercussão  na internet, para facilitar a explicação e visualização dos dados. De forma mais específica, os dados analisados por Vivi e Mila se referem principalmente ao Brasil e incluem número de casos, óbitos, leitos de UTI, e letalidade.

    Ainda, de acordo com as pesquisadoras e divulgadoras, “o principal objetivo nesse momento é conscientizar o brasileiro de que é um momento delicado, precisamos pensar com muita calma e muito carinho sobre cada uma de nossas atitudes. O acompanhamento dos dados acaba ajudando no diálogo.”

    O Canal Peixe Babel está em várias plataformas incluindo YouTube, Instagram, Facebook, Twitter, Medium, GitHub, e, ainda, o Podcast “Bit de Prosa”, com um alcance de 23 mil seguidores no Instagram e mais de 74 mil inscritos no YouTube. No momento, Mila e Vivi têm utilizado principalmente suas contas no Twitter e no Instagram para atualizações diárias dos dados liberados oficialmente pelo Brasil. Para conhecer mais e acompanhar o trabalho da Mila Laranjeira e Vivi Mota siga o Canal Peixe Babel no Instagram, no Twitter e no YouTube.

    Nunca vi 1 cientista

    Laura de Freitas e Ana Bonassi, idealizadoras do Nunca vi 1 cientista. Arquivo pessoal.

    “A gente está aqui para te aproximar da ciência e dos cientistas! Mostrar como a ciência funciona e como você pode aplicar no seu dia-a-dia!” – é assim que o Nunca vi 1 cientista se apresenta no seu canal do YouTube. O projeto surgiu em 2018 durante o FameLab Brasil, uma das maiores competições de divulgação científica do mundo, quando a Laura de Freitas decidiu recrutar alguns dos colegas participantes e a Ana Bonassa topou se juntar à equipe, dando a ideia do nome.

    A Ana é bióloga, mestre e doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), e a Laura é farmacêutica-bioquímica, mestre e doutora em Biociências e Biotecnologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Atualmente, as duas são pós-doutorandas na USP.

    Ana e Laura já utilizavam as redes sociais para desmentir informações falsas espalhadas pela internet e dar explicações baseadas em evidências científicas sobre temas variados. Entretanto, desde o começo da pandemia de COVID-19 no Brasil, elas têm focado em desmistificar notícias falsas como a “prevenção” da doença por erva doce, receitas caseiras de álcool gel, cloroquina na água tônica como “tratamento”, entre outras.

    Além disso, no canal do YouTube elas têm trazido conteúdo sobre estudos envolvendo tratamentos e vacinas para a COVID-19 com embasamento científico, além de esclarecer reportagens que citam cloroquina e hidroxicloroquina como um tratamento definitivo para a doença, ou que falam de vacina contra o coronavírus para cachorros. Por isso, elas afirmam que “é fundamental sempre preferir os jornais que consultam especialistas ou até mesmo os canais de cientistas especialistas”.

    Quando começaram o projeto, Laura e Ana tinham a intenção de levar informação científica de qualidade de forma divertida e acessível para quem não é cientista, utilizando as redes sociais. Hoje em dia, a equipe conta com 13 colaboradores na produção de conteúdo e 1 editor de vídeo voluntário.

    Nas redes sociais, o Nunca vi 1 cientista tem mais de 70 mil seguidores no Instagram e mais de 42 mil inscritos no canal no YouTube que, assim como o Canal Peixe Babel, também entrou para o selo do Science Vlogs Brasil depois de passar por um processo de seleção em 2019. O Nunca vi 1 cientista também tem contas no Facebook e no Twitter. Para conhecer mais sobre o projeto idealizado por Laura de Freitas e Ana Bonessa, siga o Nunca vi 1 cientista no YouTube, no Twitter ou no Instagram.

    Dragões de garagem

    Luiz Bento, Tabata Bohlen e Lucas Camargos fazem parte do Dragões de Garagem. Arquivo pessoal.

    O Dragões de Garagem surgiu em 2012 como um podcast de divulgação científica, com o objetivo de falar sobre ciência de forma mais acessível e descontraída. Atualmente a equipe conta com 14 integrantes produzindo conteúdo para o podcast e também para o canal deles no YouTube. O Dragões é formado majoritariamente por mulheres – a equipe conta com 8 colaboradoras no momento – e eu decidi falar mais sobre o trabalho da Tabata Bohlen, que entrou para o Dragões há aproximadamente 3 anos, depois de várias conversas sobre o projeto com o Luciano Queiroz, um dos criadores do Dragões de Garagem.

    A Tabata é bióloga formada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mestre e doutora em Ciências pela USP, e há 2 anos é coordenadora e responsável pelo canal do Dragões no YouTube. Além disso, ela participa do programa semanal “Notícias da Garagem”, que fala sobre descobertas científicas no canal. Entre os temas abordados no programa, está a questão do financiamento de Ciência e Pesquisa no país, para que as pessoas entendam a sua importância.

    Por conta da pandemia causada pelo novo coronavírus, a programação do podcast e do conteúdo do canal no YouTube teve de ser alterada. Por ser um grupo formado por pessoas de várias áreas, o Dragões tem tentado abordar aspectos diferentes sobre a COVID-19 e as consequências do isolamento. Por isso, eles criaram as “Pílulas da Garagem” para o podcast, em que falam sobre assuntos relacionados à COVID-19 em programas de até 30 minutos. Já para o canal no YouTube, a Tabata tem feito as “Pílulas de Corona” com pequenos trechos sobre as lives semanais que ela faz com convidados, a fim de que mais pessoas assistam e recebam informação de qualidade.

    Um aspecto muito importante sobre a atuação dos cientistas durante a pandemia, que mencionei no início do texto, é a colaboração entre eles para que as informações corretas sobre o  momento atual cheguem até mais pessoas. E um ótimo exemplo disso é a colaboração que a Tabata do Dragões tem feito em lives no YouTube com a Laura do Nunca vi 1 cientista para responder algumas perguntas frequentes em relação ao novo coronavírus e à COVID-19, e com a Mila e a Vivi do Canal Peixe Babel sobre gráficos, estatísticas e o novo coronavírus.

    Tabata destaca os benefícios da colaboração entre mulheres na divulgação científica: “A Mila, a Vivi, a Laura e tantas outras, além de serem inspirações, nós nos tornamos suportes umas para as outras nesse mundo difícil de mulher fazendo ciência e divulgação.”

    Se quiser conhecer mais sobre o trabalho da Tabata Bohlen e do Dragões de Garagem, no website deles você encontra diversos conteúdos sobre ciência, além de ter acesso ao podcast. Eles também estão no Instagram, no Twitter, e no YouTube, com o selo Science Vlogs Brasil, onde a Tabata participa do corpo diretor.

    Ao acompanhar o trabalho que essas cientistas e divulgadoras têm feito na internet, percebemos que o objetivo em comum entre todas elas é a vontade de falar sobre ciência de forma acessível, didática e descontraída, a fim de levar a ciência onde as pessoas estão – nas diversas redes sociais – e de aproximar a população do que fazemos nos laboratórios das universidades públicas e de outras instituições de pesquisa.

    Assim, aproveito a chance de novamente parabenizar a Mila Laranjeira, a Vivi Mota, a Laura de Freitas, a Ana Bonassa, e a Tabata Bohlen pelo excelente trabalho de divulgar e comunicar ciência de forma tão didática e trazer informação de qualidade de maneira acessível à população. Agradeço imensamente a atenção e contribuição de vocês para a construção deste texto!

    Referências:

    Para escrever este texto eu utilizei informações fornecidas pelas próprias divulgadoras científicas, além das fontes abaixo:

    https://medium.com/@canalpeixebabel

    https://noticias.r7.com/educacao/nunca-vi-um-cientista-esta-com-inscricoes-abertas-15102019

    http://dragoesdegaragem.com/video/coronavirus-noticias-da-garagem/

    Lives do Atila Iamarino utilizando dados do Canal Peixe Babel: https://www.youtube.com/watch?v=9GT9zqme9Mo e https://www.youtube.com/watch?v=vEwDdXim8bQ

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

plugins premium WordPress