Tag: OMS

  • 250 dias: E a pandemia, já acabou?

    Desde o anúncio da Organização Mundial da Saúde, em 11 de março, até  16 de novembro, se completam 250 dias da pandemia. 

    arte de @clorofreela

    Já podemos ir para a rua?

    Temos tido essa sensação pelo excesso de pessoas que temos visto flexibilizar o isolamento social. Pessoas que antes pareciam estar firmes no propósito de isolamento, agora afrouxam as regras e frequentam eventualmente bares, restaurantes e eventos sociais familiares. 

    Além disso, claro, sabemos que grande parte da população tem sido pressionada a abandonar a modalidade home office cada vez mais. Além da parcela de pessoas que nunca teve essa chance – ou por serem serviço essencial, ou por serem profissionais autônomos ou prestadores de serviços cuja parada implica em não recebimento completo…

    Tal característica, todos sabemos, acarreta não apenas em precarização da vida destas pessoas, mas um risco cotidiano para conseguir o mínimo de subsídios para manterem-se mensalmente. Especialmente a partir desta semana, quando o Auxílio Emergencial já contará com um novo valor, metade do que vinha sendo pago anteriormente.

    As escolas também têm aberto suas portas cada vez mais. Assim, isto acontece com pressões constantes para funcionários voltarem, nem sempre nas condições sanitárias que são indicadas, segundo a OMS.

    No entanto, o risco não só segue à espreita, quanto o número de internações e mortes segue nos rondando… 

    E nós sabemos que é difícil, tem sido difícil e continuará sendo difícil.

    Os tempos árduos de isolamento (para quem se mantém em isolamento desde março) e os tempos árduos de exposição (para quem está na rua desde que tudo começou) são, sim, tempos de asperezas. No entanto, Nagamine comenta que:

    “O alerta que os sucessivos marcos fúnebres – das mil, das dez mil, das cem mil mortes por Covid-19 no país – disparou não encontrou eco em nossa sensibilidade, e os descaminhos dos direitos humanos entre nós não permitem que nos surpreendamos”

    A autora aponta que precisamos de mais elementos não apenas para estancar a morte, uma vez que vivemos diariamente – e não é a pandemia que inaugura isso, apenas agrava. Mas comenta como precisamos lidar com ideais de falta de empatia e insensibilidade geradas a partir de uma gestão da morte cotidiana e do negligenciamento dos direitos humanos. 

    Ademais, Serge Katembera ao comentar este texto em uma análise no seu perfil do Twitter, aponta para a falta de relação entre a infecção e morte pelo Coronavírus e a estética.

    Como assim? 

    Se esse vírus fosse o Ebola, não sairíamos de casa – Serge comenta esta frase que escutou em um canal de televisão francês. Como assim? O SARs-CoV-2 não nos retira a forma, não nos causa hemorragias nem nos faz deteriorar o corpo com chagas abertas. Para grande parte da população é uma doença respiratória que afeta, sim, mas passa. 

    Queremos falar para além da questão estética, da não caracterização disforme do corpo no processo do adoecimento. Ou seja, temos um tempo intenso de desconexão por quem está dentro de casa há meses (o quê mesmo está ocorrendo do lado de fora das casas?). Temos um distanciamento dos corpos, a moralização do abraço, a desconfiguração da receptividade do sorriso.

    Além disso, temos empregos (ou atividades profissionais) que exigiram presença das pessoas, com uma intensa condenação de alguns costumes – julgando que é parte da vida trabalhar e aglomerar nos transportes coletivos, mas um absurdo irresponsável ver pessoas para sorrir e conversar.

    Há um debate acerca da moralização da noção de risco e a relação com a Covid-19. Isto é, a normalização da morte também faz parte deste processo – que culpabiliza alguns grupos, enquanto justifica outros por suas mortes e contaminações. Junto a estes processos, Segundo Moreno (2020) temos um relaxamento das medidas de proteção, diminuição de recursos para tratamento e manutenção da população e colapso dos sistemas de saúde.

    A moralização do cotidiano e seus colapsos

    Dessa forma, aparentemente, estes colapsos de sistemas de saúde e gestão da morte não afetam nem concepções de direitos humanos. Tampouco questões de estética que nos fazem temer um invisível vírus que nos afeta.

    A moralização cotidiana proveniente do SARS-CoV-2 tem também um caráter polarizante no debate pró ou contra vacinas, pró ou contra usos de máscaras e liberdades individuais, pró ou contra debates científicos, pró ou contra a economia.

    “A pandemia da COVID-19 reforça a urgência do amparo humanitário” nos diz Loiane Prado Verbicaro, em muitas dimensões de conhecimento e ação cotidianas.

    A Divulgação Científica no Brasil

    Parte do debate que a Divulgação Científica tem realizado no Brasil centra-se nas publicações científicas nacionais e internacionais sobre o SARS-CoV-2. Bem como, sua ação no organismo, ou resultados das vacinas em desenvolvimento. Tudo isto é fundamental para entendermos cada vez mais e melhor sobre a doença.

    Também temos visto, nas últimas semanas, publicações que apontam para o aumento de casos em vários lugares do mundo. Bem como, tentativas de contenção dos contágios e resistências – ou não – das populações quanto a isso.

    Talvez precisemos voltar às ênfases acerca das contaminações, auto-cuidado e, acima de tudo, compreensões acerca de como responder melhor a pergunta:

    E a pandemia já acabou?

    Hoje nós inauguramos a seção E a pandemia já acabou? Vamos trazer dicas mais precisas para situações específicas. Além disso, nós, do Blogs de Ciência da Unicamp, vamos reorganizar a apresentação dos dados. Ademais, criar séries que expliquem a ciência de base para entender o vírus, a doença e sua contínua expansão na população.

    Não, a pandemia não acabou. Em tempo, não, reuniões com a família não são tranquilas e isentas de riscos. Assim como, não, ir a bares e restaurantes – especialmente ambientes fechados – não são atos seguros neste momento.

    Chegamos aos 250 dias de pandemia. Temos 165 mil mortes no Brasil e mais do que 1 milhão e 300 mil mortes no mundo inteiro. Dessa forma, é preciso frisar, diariamente sim, que tempos de exceção precisam de ações empáticas, solidárias e científicas. Bem como, precisam compartilhar continuamente – e retomar debates “antigos” – sobre como o vírus está presente. Isto é, se espalhando e novamente ocupando leitos das UTIs – de hospitais públicos e privados.

    Em suma, 250 dias pandêmicos

    250 dias se passaram. Vamos encarar cada dia que acordamos. Como? Com um compromisso de seguirmos informando, conversando, debatendo. Assim como produzindo conteúdos para pensarmos esta etapa de nossas vidas com mais segurança, cientificamente embasados, socialmente engajados. 

    Fiquem bem, se puderem permaneçam em casa. Não, a pandemia não acabou!

    Para saber mais

    Katembera, Serge (2020) 1. Os ratos não temem o vírus (publicação no Twitter)

    MORENO, Arlinda B. et al. (2020) A pandemia de COVID-19 e a naturalização da morte. Observatório Covid-19 Fiocruz Observatório Covid-19.

    Nagamine, Renata (2020) Partilha do insensível; Quatro Cinco Um

    Nagamine, Renata (2020) “Repensando a partilha do insensível: reflexões sobre direitos humanos e sensibilidades no Brasil da pandemia”; Errante

    Organização Mundial de Saúde (2020) Coronavirus disease (COVID-19): Schools

    Verbicaro, LP (2020) Pandemia e o colapso do neoliberalismo, Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, v11, e3, p1-9

    Reportagens recentes no jornal

    Da Redação G1,(2020) Após menor média em outubro, Grande SP volta a ter mais registros de internações em novembro; erro em sistema impede dados de mortes G1, 13/11/2020

    Da Redação G1 ES (2020) ES chega a 4.009 mortes e 169.928 casos confirmados de Covid-19, G1 Espírito Santo, 15/11/2020

    Da O Globo (2020) Covid-19: SP tem aumento de internações em hospitais e alta de casos suspeitos; cientistas avaliam possibilidade de 2ª onda O Globo, 12/11/2020

    Bergamo, Monica (2020) Prefeitura de SP deve analisar nesta semana se há crescimento de internações por Covid-19; Folha de São Paulo, 13/11/2020

    Da Redação Gaúcha ZH (2020) Rio Grande do Sul registra 1.189 novos casos de coronavírus em 24 horas, Gaúcha ZH Corona Serviço, 15/11/2020.

    Do Uol (2020) Caixa paga parcelas de R$ 600 e R$ 300 para novo grupo; veja todas as datas, UOL Economia, 15/11/2020

    Portal A Crítica (2020) Amazonas registra 569 novos casos e mais 10 mortes por Covid-19, A Crítica, 14/11/2020

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Foram produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vamos abrir as escolas? (parte 3)

    Texto escrito por Gian Carlo Guadagnin e Gildo Girotto Junior

    Já discutimos nos primeiros textos da série questões importantes relacionadas a possível abertura das escolas. Buscamos falas de especialistas e discutimos falácias irresponsáveis. Temos clareza que, ainda que pudéssemos pensar na abertura, uma série de protocolos deveriam ser seguidos e uma infraestrutura mínima deve estar à espera dos alunos, alunas, professores e professoras. Pois bem, podemos então pensar um pouco sobre essa estrutura que (não) temos e para termos clareza do quão longe (ou perto) essa história vai. 

    Reconhecendo que as desigualdades se acentuam com a ausência de um projeto educacional e reconhecendo também que as condições sanitárias não são ideais para o retorno (e traremos dados sobre isso), nos cabe a pergunta: é possível planejar o ensino nestes meses finais que nos restam para o fim do ano? É mais inteligente e mais sensato quando nos atentamos aos exemplos da nossa realidade e pesamos as possibilidades que nos são factíveis, do que sair por aí comprando exemplos internacionais que não se encaixam nas nossas salas.

    A(s) escola(s) no Brasil

    Dois dos fatores mais importantes no controle da pandemia do novo Coronavírus, já assinalados nos diferentes protocolos, são o distanciamento social e as condições sanitárias, os quais atingem como uma bomba o espaço escolar brasileiro.

    Segundo dados do Censo Escolar de 2019(1), divulgados pelo INEP, a média nacional de alunos por turma varia entre (mínimo) 14,3, na creche, e 31,1 (máximo) no Primeiro ano do Ensino Médio, todavia esse valor chega a 36,5 em algumas regiões do nordeste, por exemplo(2). Esses números são muito superiores aos cerca de 20 alunos/turma da média dos países da União europeia(3), da qual fazem parte os que afirmam (de forma enganosa) que o contágio da doença não foi agravado pela volta às aulas presenciais.

    Sobre a realidade aqui, ainda tem mais…

    Ainda, a qualidade sanitária das instituições escolares também é muito diferente. Muitas escolas do Brasil não dispõem de papel higiênico, por exemplo, para todos os estudantes, ou então obtém sua água de cisternas e essa é a única forma possível de alguma tentativa de higienização. Em casos piores não há nem mesmo unidades de saúde próximas e, assim, quem faria a checagem do estado de saúde desses estudantes e professores?

    Há que se considerar também que em muitos casos, como na educação básica, boa parte das relações são construídas pelo toque, pelo contato direto, e então não faz sentido levar a criança à escola para que ela tenha uma educação psicossocial, se estaremos limitando ou proibindo essa ação. Ou seja, o argumento acaba em si mesmo e, portanto, não se justificaria.

    Mas tem mais ainda? Sim…

    Voltando aos dados de infraestrutura, temos um grande número de escolas que funcionam em dois ou até três turnos. Ou seja, um conjunto de estudantes que frequentam as aulas no período da manhã, um novo conjunto de estudantes à tarde e outro à noite o que implica que para cumprir as condições sanitárias, a escola deveria ser sanitizada(4) totalmente entre os turnos.

    Como será o controle das condições de entrada? Como está sendo planejado a sanitização dos ambientes? Quais as estratégias de acompanhamento da disseminação do vírus? As perguntas de quem está diretamente envolvido com o retorno, ou seja, alunos e professores, são muitas.

    Quem defende a volta com base na experiência internacional de países desenvolvidos, por outro lado, não parece se perguntar. Um terceiro lado sequer se importa porque não é a sua realidade. Todavia, no meio de tudo isso, poucos se preocupam com as recomendações de caráter internacional, ou com a necessidade de um plano de retomada pensado para o país. Incluímos nesse grupo os ministros e ex-ministros e demais coordenadores do ministério da educação do atual governo.

    O que podemos fazer?

               Mas se não retornarmos, o ano estará perdido? Sem dúvidas, a qualidade de qualquer intervenção educacional remota e, nesse momento, adaptada, é inferior ao ensino que foi planejado presencialmente. Não questionamos esse fato. Os primeiros meses de pandemia deixaram claro que a adaptação ao ensino remoto escancarou as desigualdades e tolheu a possibilidade de estudo de muitos estudantes. No entanto, para garantirmos as condições de saúde, defendemos que o retorno presencial não ocorra e que seja possível, com a compreensão da situação, e o desenvolvimento de ações estruturadas em estratégias de acesso no intuito de “devolver” a educação àqueles de quem ela foi tirada.

    Desse modo, a pergunta que deveríamos ter feito não é “devemos retornar?”, porque as recomendações são claras(5), mas, sim, deveríamos questionar “como planejar e executar o trabalho com a situação remota?”. E ainda, “como planejar e executar ações que suportem os aprendizados perdidos nesse ano?”. Essas são questões que, antes de tudo, devem levar em consideração a especificidade dos municípios e, sem dúvida nenhuma envolver os diferentes atores da comunidade escolar. 

    Dessa forma, a esfera online, mais segura no momento, deve funcionar se governos e indivíduos articularem ações. Algumas recomendações já têm sido feitas nesse sentido, como as destacadas na sequência, indicadas pela UNESCO(6). Deve-se ressaltar que o acesso à educação é direito constitucional universal de todo cidadão e, assim, dever do poder público de fazer todo o necessário para que mesmo o indivíduo mais afastado e vulnerável não fique em desvantagem.

    1 – Analisar a resposta e escolher as melhores ferramentas 

    Escolher as tecnologias mais adequadas de acordo com os serviços de energia elétrica e comunicações disponíveis, bem como as capacidades dos alunos e professores. Isso pode incluir plataformas na internet, lições de vídeo e até transmissão através da televisão ou rádio.  

    2 – Assegurar-se de que os programas são inclusivos

    Implementar medidas que garantam o acesso de estudantes de baixa renda ou com deficiências. Considerar instalar computadores dos laboratórios da escola na casa dos alunos e ajudar com a ligação à internet.  

    3 – Estar atento para a segurança e a proteção de dados  

    Avaliar a segurança das comunicações online quando baixar informação sobre a escola e os alunos na internet. Ter o mesmo cuidado quando partilhar esses dados com outras organizações e indivíduos. Garantir que o uso destas plataformas e aplicações não violam a privacidade dos alunos.  

    4 – Dar prioridade a desafios psicossociais, antes de problemas educacionais  

    Mobilizar ferramentas que conectem escolas, pais, professores e alunos. Criar comunidades que assegurem interações humanas regulares, facilitando medidas de cuidados sociais e resolvendo desafios que podem surgir quando os estudantes estão isolados.  

    5 – Organização do calendário 

    Organizar discussões com os vários parceiros para compreender a duração da suspensão das aulas e para decidir se o programa deve centrar em novos conhecimentos ou consolidação de currículo antigo. Para organizar o calendário é preciso considerar as áreas afetadas, o nível de estudos, as necessidades dos alunos e a disponibilidade dos pais. Escolher metodologias de ensino de acordo com as exigências da quarentena evitando métodos de comunicação presencial.  

    6 – Apoiar pais e professores no uso de tecnologias digitais 

    Organizar formações e orientações de curta duração para alunos e professores. Ajudar os docentes com as condições básicas de trabalho, como rede de internet para aulas por videoconferência e assegurar os pagamentos salariais, principalmente daqueles que apresentam maior vulnerabilidade..  

    7 – Mesclar diferentes abordagens e limitar o número de aplicações  

    Misturar as várias ferramentas disponíveis e evitar pedir aos alunos e pais que baixem ou testem múltiplas plataformas.  

    8 – Criar regras e avaliar a aprendizagem dos alunos 

    Definir regras com pais e alunos. Criar testes e exercícios para avaliar de perto a aprendizagem. Facilitar o envio da avaliação para os alunos, evitando sobrecarregar os pais.  

    9 – Definir a duração das unidades com base na capacidade dos alunos  

    Manter um calendário de acordo com a capacidade dos alunos se concentrarem sozinhos, sobretudo para aulas por videoconferência (assegurando para isso as condições mínimas de vida na alimentação, saúde e habitação). De preferência, cada unidade não deve exceder os 20 minutos para o ensino fundamental e 40 minutos para o ensino médio. 

    10 – Criar comunidades e aumentar a conexão 

    Criar comunidades de professores, pais e diretores de escolas para combater o sentimento de solidão e desespero, facilitando a troca de experiências e discussão de estratégias para enfrentar as dificuldades.

    Isto quer dizer que vai funcionar?

    O processo está longe de ser considerado fácil. Desse modo, as recomendações são densas e envolvem parcerias importantes, articulação do Ministério da Educação (praticamente ausente durante toda a pandemia). Além disso, requerem conhecimento técnico, preparo, diálogo, respeito e segurança para os profissionais, estudantes e suas comunidades, além de noção das realidades locais. Mas ainda assim, é mais coerente do que colocar vidas em risco e lidar com a dor.

    Finalizando

    Por fim, devemos reiterar que o espaço virtual nunca substitui a experiência de sala de aula na formação do indivíduo. Além disso, uma educação digitalizada não pode ser pensada como terminal. Assim, devemos exigir as adaptações necessárias ao momento e simultaneamente cobrarmos a construção de uma educação universal, válida, eficiente, pública e presente para todos os sujeitos. 

    O que estamos vivendo agora é atípico e não pode ser entendido como o novo normal. A educação, quando segura, deve ser presencial. Do contrário, podemos privar indivíduos do acesso, criar novas defasagens e aumentar a desigualdade social, que já nos é tão crassa, ou acabar por fomentar uma educação como negócio, que deve ser considerada um perigo no longo prazo e, portanto, desestimulada.

    Referências

    1 – Censo escolar no Brasil, http://portal.inep.gov.br/censo-escolar

    2 – Alunos por turma 2019 no Brasil, http://portal.inep.gov.br/web/guest/indicadores-educacionais

    3 – Alunos por turma no Mundo, https://novaescola.org.br/conteudo/4475/brasil-esta-entre-os-paises-com-mais-alunos-por-turma

    4 – Sanitização, o que é? De água sanitária à radiação: você já ouviu falar em sanitização?

    5 – ARTIGO: Reabrir as escolas: quando, onde e como? https://nacoesunidas.org/artigo-reabrir-as-escolas-quando-onde-e-como

    6 – Covid-19: Unesco divulga 10 recomendações sobre ensino a distância devido ao novo coronavírus https://news.un.org/pt/story/2020/03/1706691

    Textos anteriores da série:

    Vamos abrir as escolas? (parte 1)

    Vamos abrir as escolas? (parte 2)

    Os Autores

    Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp

    Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vamos abrir as escolas? (parte 2)

    Apenas no dia 24 de setembro, tivemos 831 óbitos no Brasil, acumulados, temos 139.808 óbitos confirmados no Brasil, até esta data. Como lidar com os debates de abertura de escolas, quando ainda temos em nosso país tantas mortes diárias?

    Temos escutado diversas opiniões, olhar algumas delas talvez seja importante para pensarmos a abertura das escolas. É o que faremos hoje e nos próximos textos em que vamos olhar para algumas falas comuns que escutamos quando perguntamos se as escolas deveriam mesmo abrir… 

    1. Os bares abriram! Como assim não podem abrir escolas?

    Talvez a pergunta correta fosse: será que os bares deveriam ter aberto? Qual o nível de segurança de um lugar como um bar, como controlar entradas e saídas destes espaços, quando grande parte funciona com seu público circulando na rua?

    Não faz sentido comparar bares e escolas, pois os bares não deveriam, pela lógica, estarem abertos. Há evidências de “superespalhamento” da COVID-19 em espaços como bares e eventos sociais (como casamentos), publicados sobre Hong Kong (saiba mais aqui e aqui). Assim, estes seriam os maiores responsáveis (10% dos casos de infecções rastreados). 

    Vale lembrar a reportagem da BBC, que aponta a partir de um estudo estadunidense as atividades de maior risco:

    Retirado da Reportagem “Apenas a vida de vocês importa?”

    Talvez por termos aberto comércios, shoppings e bares é que as escolas passaram a ser mais um fator de risco e não “o grande fator de risco”. Mas definitivamente, não é porque os bares abriram, que escolas também podem abrir (essa comparação não faz sentido!).

    – Mas, a economia, ela está sofrendo demais, sabe?

    Pois, sim. a economia está sofrendo. Já discutimos isso em várias postagens aqui no Especial. Também discutimos sobre necropolítica, vale a pena conferir…

    2. Se mantivermos os protocolos sanitários nas escolas, não vai funcionar?

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que para abrir escolas o indicado é ter uma abordagem baseada no RISCO de contaminação (veja na íntegra as recomendações da OMS aqui). Neste sentido, talvez mais importante do que pensar se escolas no Brasil devem abrir, seja pensar sobre: em que municípios e em quais estados escolas podem abrir. 

    Além disso, os benefícios e os riscos devem ser mensurados em relação a intensidade de transmissão na região da escola. Isto é, não adianta pensar em abrir escolas no BRASIL. Isto é, a análise de abertura tem que ser pensada em relação à comunidade escolar em cada cidade. Por exemplo: a transmissão está elevada? Como são as condições sanitárias desta região? Como as crianças chegarão na escola?

    Outros fatores, segundo a OMS, devem ser levados em consideração nesta conjuntura, tais como: os impactos de se manter a escola fechada nas comunidades, a realidade de populações vulneráveis, as desigualdades sociais e a relação do processo de ensino aprendizagem. Além disso, a OMS recomenda que deve ser analisado se as escolas conseguem operar em boas condições sanitárias e se as autoridades locais têm condições de agir rapidamente, caso necessário.

    Mas, vocês podem perguntar: o que são boas condições sanitárias, para a OMS?
    Recomendações OMS para abertura das escolas
    Recomendações OMS para abertura das escolas

    Aqui vou fazer algumas observações que penso ser pertinente:

    Somos o 7º país do mundo em óbitos por milhão de habitantes. 

    No entanto, somos o 82º país do mundo em quantidade de testes por milhão de habitantes.

    O que isto quer dizer? Que embora nós tenhamos aumentado a quantidade de testes realizados aqui no Brasil, os dados confirmados de óbitos e infectados nos colocam nos dez primeiros colocados. Mas de testagem e aferição de doentes em 82º lugar. Estamos testando pouco e, mesmo assim, confirmando muitas mortes. (Se às vezes parece confuso comparar os números da Covid-19 “por milhão de habitantes” ou em números absolutos, veja estas postagens: 1, 2, 3).

    Esta semana foi anunciado, aqui em Campinas, que na cesta básica destinada aos estudantes em isolamento social não terá arroz em função do valor. Como um município que não consegue garantir 5kg de arroz por aluno que precisa da cesta básica, garantirá testes diagnósticos à equipe que trabalha na escola e alunos? (A dúvida é sincera e vale a indicação de que teremos um texto sobre segurança alimentar em breve…).

    Será que conseguimos ter uma noção segura de risco e manter boas condições sanitárias para proteger a saúde e segurança de todos na escola (estudantes, funcionários e docentes) sem a realização de testes em massa em nosso país?

    Como diz o dito popular: fica aí o questionamento

    Voltemos às recomendações da OMS:

    “Higiene e práticas diárias na escola e nas salas de aula: Distanciamento físico de pelo menos 1 metro entre indivíduos, incluindo espaçamento de carteiras, higiene das mãos e respiratória frequente, uso de máscara apropriada para a idade, ventilação e medidas de limpeza ambiental devem ser implementadas para limitar a exposição” (tradução minha).

    A OMS recomenda, ainda, triagem de alunos e funcionários e recomendações de que caso apresente qualquer sintoma ou mesmo não se sinta bem, que fiquem em casa sem qualquer penalidade.

    Assim, aqui talvez fosse pertinente perguntar-se: É possível manter afastamento de 1 metro de cada carteira, com todas as crianças retornando? Como seria a dinâmica de retorno para criar condições MÍNIMAS de saúde para que estas recomendações tornarem-se efetivas?

    Além disso, quando pesamos os benefícios do retorno, talvez seja importante não apenas fazer um check list de benefícios e malefícios. Mas apontar quais os riscos deste suposto benefício do retorno.

    Destaco, ainda, o recente documento lançado pelo Ministério da Saúde (MS), “Orientações para retomada segura das atividades presenciais nas escolas de educação básica no contexto da pandemia da Covid-19” (leia na íntegra aqui). Neste documento, há um detalhamento sobre como as escolas devem agir em caso de reabertura. As orientações, no entanto, são sugestões a serem seguidas pelas escolas. Estas não são, portanto, obrigadas a seguir todas as recomendações do MS.

    No documento brasileiro, por exemplo, consta:

    “As orientações abaixo são gerais e deve-se sempre observar as normas e orientações estaduais e municipais na implantação dessas medidas e na determinação de reabertura das escolas, sejam elas da rede municipal, estadual ou federal. É importante reforçar a autonomia federativa, uma vez que as decisões sobre a implementação de estratégias são tomadas localmente, em colaboração com serviços de saúde. 

    Essas ações, ao longo de todo o processo de planejamento e execução, precisam ser articuladas com toda a Rede de Atenção à Saúde (RAS) e demais setores do respectivo ente federado capazes de orientar, acompanhar e dar suporte à escola e toda a comunidade escolar. Com isso, os Grupos de Trabalho Intersetoriais Municipais (GTI-M) do PSE tem um papel central na articulação desses atores envolvidos nas orientações deste documento. É importante que o tema da Covid-19 seja incluído no planejamento das aulas, sendo trabalhado em conjunto com as ações de promoção da saúde e recomendações do Ministério da Saúde e integradas com as disciplinas escolares, como forma de agregar ao aprendizado” (Brasil, 2020, p.5-6).

    Em suma, o retorno às aulas tem como premissa as condições de orientar, acompanhar e dar suporte à escola e toda a comunidade escolar por parte da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Neste contexto, seria importante à comunidade escolar – pais e gestão da escola – estarem em contato com a RAS e cobrarem estas ações antes do retorno efetivo das crianças.

    Por fim?

    Assim, seria recomendável, ANTES de reabrirem as escolas, assegurar que teremos estas condições em cada escola e comunidade escolar: distanciamento entre classes, escalonamento para intervalos, refeições, entradas e saídas de alunos; testes e rastreamento de contatos de funcionários, docentes e estudantes; análise de grupos de risco e contatos destas pessoas com indivíduos que apresentam riscos (pessoas idosas ou com comorbidades).

    Além disso, obviamente, uma análise detalhada da região e localidade para assegurar-se que não temos uma situação de risco neste momento – o que conseguiríamos dizer se tivéssemos testes em quantidades suficientes (o que está longe de ser uma realidade!).

    No próximo texto, vou propor que pensemos sobre outras falas comuns, tais como “é justo as crianças perderem o ano escolar por causa da Covid-19?”; “não dá para esperar a vacina, em algum momento teremos que voltar!” e “os pais e as crianças estão cansados, talvez seja bom voltar levando-se em conta a saúde mental” (também parecida com a fala) “não se contaminar é importante, mas conviver com outras crianças também!”.

    Por enquanto, acho, já temos bastantes ideias para pensar e discutirmos juntos (ou o famoso: por hoje é só, pessoal…).

    P.S.: um update rápido

    Só para lembrar que, junto a este debate, ontem (24/09) enquanto produzíamos este texto, o nosso Ministro da Educação Milton Ribeiro declarou que o ensino remoto acentuou a desigualdade no Brasil – o que tem sido apontado como um dos possíveis benefícios do retorno (minimizar esta desigualdade). Tal debate não leva em conta, claro, as condições em que as escolas estão e de que modo vai acontecer o retorno. Vale a pena destacar a fala, conforme o jornal Estado de São Paulo:

    BRASÍLIA – O ministro da Educação, Milton Ribeiro, reconhece que a pandemia do novo coronavírus acentuou a desigualdade educacional no País. “Não é um problema do MEC, mas um problema do Brasil”, afirmou em entrevista ao Estadão. Ribeiro acredita que não faz parte das atribuições do ministério resolver a falta de acesso à internet de alunos que não conseguem acompanhar aulas online ou se envolver na reabertura de escolas.

    Na entrevista, o Ministro afirma que haverá repasses para os municípios e para as escolas, para compras de insumos de proteção. O questionamento de se estas medidas asseguram estudantes, funcionários e docentes, feitas no início do texto, permanece.

    Para Saber Mais:

    ADAM, D.C., WU, P., WONG, J.Y. ET AL. (2020) Clustering and superspreading potential of SARS-CoV-2 infections in Hong Kong. Nat Med

    BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE (2014). Oficina Nacional de Planejamento no Âmbito do SUS.

    BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE (2020) Orientações para retomada segura das atividades presenciais nas escolas de educação básica no contexto da pandemia da Covid-19.

    HSIANG, S, ALLEN, D, ANNAN-PHAN, S et al (2020) The effect of large-scale anti-contagion policies on the COVID-19 pandemic Nature 584, 262–267.

    ROVÊDO, T (2020) Educação corta arroz da cesta entregue a alunos de Campinas; A Cidade On 

    WHO (2020) Q&A Schools and Covid-19

    WORLD METERS (2020) https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Teste com saliva pode ser alternativa mais rápida e simples para Covid-19

    Por João Pedro Broday

    Em agosto, o Brasil já acumula mais de 3 milhões de casos confirmados de Covid-19, sendo a grande maioria na região Sudeste. Todavia, persiste a alta subnotificação, visto que a testagem em massa não está sendo feita como recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Nesse cenário, um estudo realizado por Andrés Melián-Rivas e colegas, publicado na revista científica International Journal of Odontostomatology, demonstra a viabilidade da saliva como base biológica para a análise do paciente. Além da coleta de saliva ser mais simples e indolor, propicia agilidade na testagem. 

    “A saliva desempenha um papel fundamental na transmissão do Covid-19 na população. De fato, estudos atuais têm demonstrado que a saliva pode ser uma alternativa não invasiva validada para diagnosticar e monitorar a carga viral de SARS-CoV-2, fornecendo uma plataforma econômica e conveniente”, afirmam os autores ligados à Universidade do Chile e ao Hospital San Juan de Dios.

    A viabilidade deste tipo de amostragem já foi estudada em Hong Kong, onde foi possível encontrar marcadores da doença em 11 de 12 pacientes que tiveram saliva coleta e depois analisada via RT-PCR.

    Testagem atual provoca desconforto

    O novo coronavírus pode ser transmitido através de gotículas de saliva que são expelidas pelo trato respiratório, por isso os testes de detecção incluem coleta de amostra na garganta e nariz.

    Assim, os métodos atuais de detecção do vírus causadora da Covid-19 são baseados na análise molecular via RT-PCR de amostras coletadas via cotonetes nasofaríngeos ou orofaríngeos do trato respiratório. Mas este método tem desvantagens. “Apesar de eficazes, são métodos dolorosos e desconfortáveis para o paciente, podem causar complicações durante a amostragem, como hematomas, erosão mucosa e sangramento”, ponderam os pesquisadores.

    O método de análise RT-PCR usaria a saliva como fonte biológica
    para detecção da Covid-19. Crédito:Flickr 

    Em muitos casos, mais de uma amostra é necessária para a conclusão efetiva de um teste. Isso significa mais de uma coleta de amostra biológica, tornando o uso dos cotonetes nasofaríngeos algo doloroso e de risco de contaminação para os profissionais da saúde, visto a proximidade com um paciente potencialmente infectado. Por outro lado, a saliva pode ser obtida de maneira rápida e indolor.

    De acordo com os pesquisadores, “as amostras de saliva podem ser facilmente fornecidas pedindo aos pacientes que cuspam em uma garrafa estéril; na verdade, existem muitos dispositivos de coleta de saliva disponíveis no mercado para coleta segura e estéril sem comprometer a qualidade e quantidade”. Essa facilidade diminuiria os riscos de contaminação, bem como aceleraria a coleta, que poderia ser feita fora de grandes centros de testagem, aumentando a testagem e evitando a subnotificação da doença. 

    Leia artigo em acesso aberto:

    Este texto foi escrito originalmente no Blog Ciência em Revista

    Outros textos no Especial

    Diagnóstico por RT-qPCR, o que é isso?

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. O artigo foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Uma pandemia impulsionando outra – Parte 2: Resistência bacteriana a antimicrobianos: por que se preocupar?

    Esse texto é continuação do post: Uma pandemia impulsionando outra – Parte 1: O uso de antimicrobianos durante a pandemia da covid-19

    A resistência a antimicrobianos (RAM) é conhecida como um problema que não tem fronteiras e é um problema global. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a OMS, uma pandemia é caracterizada por sua disseminação e não necessariamente pela gravidade da doença. Indiscutivelmente, a RAM também pode ser considerada uma pandemia que embora seja mais insidiosa e com menos efeitos imediatos na vida cotidiana, possui impactos negativos potencialmente mais amplos. Vamos entender por que isso acontece nesse post. Vem com a gente!

    Como falamos anteriormente, o uso de antimicrobianos está aumentado pelo uso dessas drogas no tratamento e na “prevenção “ da covid-19 tanto no ambiente hospitalar quanto na comunidade. Curiosamente, a resistência das bactérias aos antimicrobianos, que é sempre uma preocupação no meio hospitalar, parece não estar recebendo a devida atenção nesse momento. É por isso que muitos cientistas da área estão tentando chamar a atenção para a importância de um potencial agravamento da pandemia global de RAM.

    As UTIs, locais onde concentram os pacientes mais graves da covid-19, são epicentros comuns para o desenvolvimento da RAM. O uso exacerbado de antimicrobianos pode, portanto ter grandes consequências em hospitais que já apresentam elevada prevalência de bactérias resistentes a múltiplas drogas, levando a um aumento de mortalidade devido ao reduzido arsenal de antibióticos para tratar as infecções ou coinfecções adquiridas. Portanto, há comprometimento também de pacientes pós-cirúrgicos, transplantados ou quimioterápicos, por exemplo. Como terminamos falando no post anterior, não estamos falando que não se deve usar antimicrobianos nem que as coinfecções devam ser subestimadas. Mas os profissionais de saúde devem considerá-las num plano integrado para limitar o fardo da morbimortalidade durante a pandemia da covid-19 e, ao mesmo tempo, evitar um possível agravamento da RAM.

    Uma medida muito disseminada de proteção contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2) é a higienização das mãos… medida excelente, funcional e simples! Porém, muitas vezes realizada com o uso de sanitizantes ou sabões antibacterianos, que contém agentes químicos que, apesar de não adicionar muita coisa em termos de proteção, podem dar gatilho para a resistência antimicrobiana. E isso acontece porque um dos mecanismos de resistência das bactérias são bombas de efluxo que literalmente jogam os antimicrobianos para fora da célula. Muitas vezes, as bombas que conferem resistência a esses sanitizantes são as mesmas daquelas necessárias para conferir a RAM.

    Esses agentes biocidas caem na rede de esgoto e chegam ao ambiente, onde acabam elevando as concentrações dessas drogas. Claro que no caminho essas drogas são diluídas, mas temos que considerar a concentração final desses agentes… Se muito elevadas, muitas bactérias vão morrer, isso pode impactar negativamente os ecossistemas e, ao mesmo tempo, evitar o desenvolvimento da RAM. Porém concentrações baixas (sub-inibitórias) podem aumentar a pressão seletiva e promover oportunidades para o surgimento e a seleção da RAM. De forma muito simplificada, concentrações sub-inibitórias dessas drogas ativam vias de respostas ao estresse que, por sua vez, aumentam a ocorrência de mutação nas bactérias. Isso está relacionado a uma maior taxa de variabilidade entre entre as células bacterianas e, portanto,  a maiores possibilidades do surgimento e seleção de indivíduos resistentes daquela população. O fenômeno da seleção sub-inibitória é muito bem estudado para antibióticos, mas pouco para biocidas. Não podemos, portanto, desconsiderar os efeitos ambientais, uma vez que níveis aumentados de antimicrobianos são liberados no ambiente aumentando os níveis de resistência em animais (selvagens e de corte), na agricultura e nos ambientes naturais.

    [atualização 27/07]: É importante ressaltar que resíduos dos antimicrobianos que tomamos são eliminados pelas fezes e pela urina, caindo na rede de esgoto e, consequentemente, no ambiente. É tudo um ciclo, uma grande bola de neve! É algo que, realmente, deve nos preocupar!

    Falamos brevemente da ocorrência da RAM em hospitais e no meio ambiente. Mas por que devemos nos preocupar tanto!?

    Nos últimos anos a RAM já é citada com a maior ameaça global à saúde pública e à economia global, mas agora está não só eclipsada pela covid-19, como também corre risco de ser agravada por essa nova pandemia. Ou seja: muitos especialistas agora temem que o esforço global para manter a RAM sob controle possa enfrentar um revés durante a pandemia

    Vamos falar com números:

    A RAM já mata cerca de 700.000 pessoas por ano. Numa estimativa grosseira, e considerando-se que a covid-19 mantenha as taxas de mortalidade pelo restante do ano, estima-se que a RAM resultará em 130.000 morte a mais neste ano. As mortes por COVID podem superar as mortes por RAM neste ano de 2020 e o uso de antimicrobianos em pacientes com COVID também pode até reduzir o aumento na mortalidade por COVID em curto prazo mas, por outro lado, a consequência é um provável aumento na mortalidade por RAM a longo prazo. Estima-se que até 2050, a mortalidade associada a RAM será aumentada para 10 milhões de mortes por ano!  Tudo indica que que a covid-19 será controlada em um tempo consideravelmente menor.

    A movimentação dos pesquisadores é para que os princípios da administração de antibióticos não sejam relaxados mesmo nesses tempos de pandemia. A necessidade do tratamento com antibiótico deve ser avaliada rapidamente e interrompida se não for necessária. Observe que não estamos advogando em favor do uso profilático (preventivo) desses medicamentos! Além disso, quem deveria informar o antibiótico de escolha é o laboratório de microbiologia e baseado no micro-organismo e no padrão de resistência observado.

    Falamos anteriormente que a OMS já se manifestou contra o uso de antibióticos durante o tratamento inicial de covid-19. Essa cautela deve-se principalmente em relação a dois pontos: 1) o uso inapropriado e exacerbado de antimicrobianos pode contribuir para a emergência da RAM, daí a necessidade de se reduzir o uso inapropriado e exacerbado de antimicrobianos (sim, a repetição aqui foi intencional!) e; 2) o uso de antimicrobianos no tratamento da covid-19 pode levar à população a assumir que todos os antibióticos são elegíveis para o tratamento de infecções virais.

    A ocorrência de infecções por patógenos resistentes pode ser significantemente mitigada pela administração de antimicrobianos baseada em evidência em todos os setores (agricultura e medicina veterinária e humana). Embora tenhamos tempo, a RAM não será contida sem o desenvolvimento de novas vacinas, medicamentos e testes rápidos (assim como na COVID!).

    Curiosamente, as estratégias de utilizadas para reduzir a transmissão da covid-19 (distanciamento social, lock-down, fechamento de fronteiras, lavar as mãos com água e sabão) podem, também, reduzir o espalhamento da RAM! Detalhe que a redução das viagens (fechamento de fronteiras) diminui a movimentação de genes de RAM entre países!  Seria muito interessante ver estudos que comparem dados de prevalência de infecções causadas por bactérias RAM antes e depois da pandemia de covid-19, bem como dos perfis de resistência que estão surgindo…

    Essa tabela aqui (modificada de Nieuwlaat et al., 2020) ajuda a comparar as duas pandemias:

    Finalizando:

    • A resistência a antimicrobianos é uma pandemia que já preocupa cientistas e profissionais da saúde há um tempo, tem impactos relevantes e estima-se que nos próximos anos será ainda mais preocupante.
    • Ainda não sabemos o real impacto da pandemia da covid na pandemia da RAM, mas estamos preocupados e alerta para seu provável agravamento e suas possíveis consequências.
    • É importante uma estratégia multifacetada contra os organismos RAM que envolva: a) estudos prospectivos sobre coinfecções na covid-19 para orientar o tratamento com antimicrobianos; b) monitoramento e relato transparente dos padrões de RAM nas UTIS para guiar o uso adequado de antimicrobianos; c) esforço global coordenado para estabelecer uma estrutura de governança, vigilância e relatos de RAM, tanto agora como depois da pandemia da covid-19.
    • É comum pessoas acreditarem que antibióticos podem ser utilizados para infecções virais (gripe). Usar termos como antivirais pode ajudar a entender que existem diferentes tipos de medicamentos para diferentes tipos de infecção.

    Referências:

    • Antimicrobial resistance in the age of COVID-19. Nat Microbiol. 2020;5(6):779. doi:10.1038/s41564-020-0739-4
    • Bengoechea JA, Bamford CG. SARS-CoV-2, bacterial co-infections, and AMR: the deadly trio in COVID-19?. EMBO Mol Med. 2020;12(7):e12560. doi:10.15252/emmm.202012560
    • Hsu J. How covid-19 is accelerating the threat of antimicrobial resistance. BMJ. 2020;369:m1983. Published 2020 May 18. doi:10.1136/bmj.m1983
    • Murray AK. The Novel Coronavirus COVID-19 Outbreak: Global Implications for Antimicrobial Resistance. Front Microbiol. 2020;11:1020. Published 2020 May 13. doi:10.3389/fmicb.2020.01020
    • Nieuwlaat R, Mbuagbaw L, Mertz D, et al. COVID-19 and Antimicrobial Resistance: Parallel and Interacting Health Emergencies [published online ahead of print, 2020 Jun 16]. Clin Infect Dis. 2020;ciaa773. doi:10.1093/cid/ciaa773
    • Rawson TM, Ming D, Ahmad R, Moore LSP, Holmes AH. Antimicrobial use, drug-resistant infections and COVID-19 [published online ahead of print, 2020 Jun 2]. Nat Rev Microbiol. 2020;1-2. doi:10.1038/s41579-020-0395-y
    • Rawson TM, Moore LSP, Castro-Sanchez E, et al. COVID-19 and the potential long-term impact on antimicrobial resistance. J Antimicrob Chemother. 2020;75(7):1681-1684. doi:10.1093/jac/dkaa194
    • Rossato L, Negrão FJ, Simionatto S. Could the COVID-19 pandemic aggravate antimicrobial resistance? [published online ahead of print, 2020 Jun 27]. Am J Infect Control. 2020;S0196-6553(20)30573-3. doi:10.1016/j.ajic.2020.06.192
    • Yam ELY. COVID-19 will further exacerbate global antimicrobial resistance [published online ahead of print, 2020 Jun 13]. J Travel Med. 2020;taaa098. doi:10.1093/jtm/taaa098

    Aproveite e nos siga no Twitter, no Instagram e no Facebook! E se for fazer comprinhas na Amazon, use nosso link!

    Este post foi publicado originalmente no blog Meio de Cultura

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Uma pandemia impulsionando outra – Parte 1: O uso de antimicrobianos durante a pandemia da covid-19

    Em cerca de 8 meses a covid-19 surgiu, espalhou por todo o mundo e se tornou uma pandemia de efeitos devastadores… O que talvez você não saiba é que, paralelamente à covid-19, uma outra pandemia vem ganhando cada vez mais importância trazendo muita preocupação dos cientistas da área. A relação entre as duas é importante, sendo um caso de uma pandemia impulsionando outra. E quando falamos de pandemia impulsionada não estamos falando da covid-19, mas sim da pandemia que já estava em andamento, a das bactérias multidroga resistentes (também chamadas de superbactérias).

    Ainda não temos uma terapia licenciada ou uma vacina para o tratamento da covid-19 e cujo alvo seja o SARS-CoV-2 (o novo coronavírus). Essa situação tem levado diversos médicos a considerarem e testarem drogas baseadas na modulação da resposta imunológica (reduzindo a inflamação) observada em testes in vitro (como falamos no post anterior “Antibiótico contra vírus?”). Muitas vezes, esse hype prematuro em torno de possíveis terapias para a covid-19 é associado a relatos da mídia e de líderes políticos que amplificam o possível uso dessas drogas — apesar da falta de evidências clínicas de sua eficácia. Isso pode contribuir, ainda, para a escassez dessas drogas para quem efetivamente precisa; como, por exemplo, aconteceu com a cloroquina aqui no Brasil.

    Sabemos que infecções respiratórias causadas por vírus podem fazer com que pacientes tenham mais chances de serem acometidos por coinfecções causadas por fungos e/ou bactérias. Da mesma forma, infecções prévias podem atuar agravando o quadro da infecção respiratória. Apesar de ainda estarmos aprendendo sobre a progressão da covid-19, acredita-se que esses cenários que envolvem coinfecção piorem o quadro da doença. Por exemplo, sabe-se que a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 pode aumentar a colonização e a adesão bacterianas ao tecido, e que as infecções combinadas podem resultar no aumento da destruição tecidual que, por sua vez, pode facilitar a disseminação sistêmica dos patógenos, aumentando o risco de infecções da corrente sanguínea e sepse.

    É relevante considerarmos essas questões, pois, além dos riscos relacionados aos vários efeitos colaterais, ao reduzirem a resposta imunológica, essas intervenções podem acabar aumentando o risco de infecções bacterianas secundárias e potencialmente fatais. Por isso, é sempre importante ressaltar a necessidade de se realizar análises cuidadosas acerca das dosagens e da forma de administração das drogas, além da importância de os pacientes estarem sendo acompanhados de perto pele uma equipe médica.

    E aonde queremos chegar com isso tudo?

    Apesar dos poucos dados disponíveis sobre o assunto, o que está sendo observado é que há um aumento considerável na prescrição de antimicrobianos, ainda que não seja observado um aumento proporcional no número de coinfecções durante as internações por covid-19. Só para você ter uma ideia, as estimativas sugerem que cerca 60-70% dos pacientes são tratados com antimicrobianos, ainda que de 1% a 10% tenham apresentado coinfecção fúngica ou bacteriana.  Esses pacientes podem, portanto, estar recebendo desnecessariamente antibióticos com eficácia questionável ou ainda não comprovada. Sem contar que, inclusive, em alguns lugares, as terapias com antimicrobianos fazem parte do protocolo de tratamento clínico inicial ou até “preventivo”

    Orienta-se que a administração de antimicrobianos seja feita, sempre que possível, com um antibiótico de espectro curto e direcionado ao patógeno primário, ou seja, aquele a que se quer combater. No caso da covid-19, os principais sintomas observados são tosse e febre – que já estão associados a um maior uso de antibióticos nos hospitais e na comunidade. E, além disso, quando os médicos não possuem todas as informações necessárias para entender realmente o que está acontecendo ao paciente, eles tendem a utilizar mais antibióticos —situação que parece ter se agravado ainda mais com os atendimentos remotos, que ocorrem a distância, via chamada pelo celular ou computador (telessaúde).

    Claro que temos que lembrar que os hospitais estão lotados e que pacientes em estado crítico são, geralmente, intubados e ficam hospitalizados por semanas em UTIs. Essa situação cumpre praticamente todos os requisitos necessários para a ocorrência de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS – esse é o nome chique do que chamávamos simplesmente de infecção hospitalar). E, ainda por cima, dados hospitalares mostram um aumento lento e constante da resistência a múltiplas drogas pelas bactérias Gram-negativas, que podem ser potencialmente mortais quando associadas  à covid-19. Mais preocupantemente, existem evidências clínicas que sugerem que o uso empírico e inadequado de antibióticos de amplo espectro pode estar associado a maior mortalidade, pelo menos em casos de sepse.

    Além de tudo isso que falamos, preocupa o fato de que é frequentemente observado o uso de antibiótico de amplo espectro (que são desenvolvidos para matar uma grade variedade de bactérias) nesses tratamentos. Isso é preocupante uma vez que o uso excessivo e inapropriado dessas drogas (uma vez que as terapias não são focadas para a eliminação de um único patógeno primário) podem acabar agravando os quadros de resistência a antimicrobianos.

    Para terminar, é importante ressaltarmos que a Organização Mundial da Saúde, a OMS, desencoraja o uso de antibióticos para casos leves de covid-19, ainda que recomende o uso em casos graves com risco aumentado de infecções bacterianas secundárias e morte.

    Vamos falar sobre resistência e porque pensar sobre ela é tão importante. Veja na continuação desse post!

    Clique para ler: Uma pandemia impulsionando outra – Parte 2: Resistência bacteriana a antimicrobianos: por que se preocupar?

    Resumindo o que falamos até agora:

    • Antimicrobianos estão sendo comumente prescritos para prevenção ou tratamento da COVID-19, mesmo sem a ocorrência de coinfecção bacteriana presumida ou confirmada diretamente relacionada ao covid-19, ou que coocorrem no momento da infecção, ou que seja associada aos cuidados de saúde (internação prolongada em UTI)
    • Evidências atuais sugerem que a coinfecção não-viral (bacteriana ou fúngica) em pacientes com covid-19 é baixa (1 a 10%). Contudo, as taxas de prescrição e uso de antimicrobianos de amplo espectro são altas (60 a 70%).
    • A utilização de antibióticos, principalmente de amplo espectro, pode contribuir para o agravamento da pandemia já em curso das superbactérias, que são resistentes a vários antibióticos e, portanto, difíceis de serem mortas.

    Referências:

    • Antimicrobial resistance in the age of COVID-19. Nat Microbiol. 2020;5(6):779. doi:10.1038/s41564-020-0739-4
    • Bengoechea JA, Bamford CG. SARS-CoV-2, bacterial co-infections, and AMR: the deadly trio in COVID-19?. EMBO Mol Med. 2020;12(7):e12560. doi:10.15252/emmm.202012560
    • Hsu J. How covid-19 is accelerating the threat of antimicrobial resistance. BMJ. 2020;369:m1983. Published 2020 May 18. doi:10.1136/bmj.m1983
    • Murray AK. The Novel Coronavirus COVID-19 Outbreak: Global Implications for Antimicrobial Resistance. Front Microbiol. 2020;11:1020. Published 2020 May 13. doi:10.3389/fmicb.2020.01020
    • Nieuwlaat R, Mbuagbaw L, Mertz D, et al. COVID-19 and Antimicrobial Resistance: Parallel and Interacting Health Emergencies [published online ahead of print, 2020 Jun 16]. Clin Infect Dis. 2020;ciaa773. doi:10.1093/cid/ciaa773
    • Rawson TM, Ming D, Ahmad R, Moore LSP, Holmes AH. Antimicrobial use, drug-resistant infections and COVID-19 [published online ahead of print, 2020 Jun 2]. Nat Rev Microbiol. 2020;1-2. doi:10.1038/s41579-020-0395-y
    • Rawson TM, Moore LSP, Castro-Sanchez E, et al. COVID-19 and the potential long-term impact on antimicrobial resistance. J Antimicrob Chemother. 2020;75(7):1681-1684. doi:10.1093/jac/dkaa194
    • Rossato L, Negrão FJ, Simionatto S. Could the COVID-19 pandemic aggravate antimicrobial resistance? [published online ahead of print, 2020 Jun 27]. Am J Infect Control. 2020;S0196-6553(20)30573-3. doi:10.1016/j.ajic.2020.06.192
    • Yam ELY. COVID-19 will further exacerbate global antimicrobial resistance [published online ahead of print, 2020 Jun 13]. J Travel Med. 2020;taaa098. doi:10.1093/jtm/taaa098

    Aproveite e nos siga no Twitter, no Instagram e no Facebook! E se for fazer comprinhas na Amazon, use nosso link!

    Este post foi publicado originalmente no blog Meio de Cultura

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Quem não vê cara não vê COVID-19?

    Primeiro, é importante ter em mente que ainda não temos evidências científicas de que as máscaras caseiras de pano são efetivas para proteger os indivíduos saudáveis contra a SARS-CoV-2. O mais importante é o mantra Uma mão lava a outra (com água e sabão), limpar as superfícies e o isolamento social (físico). 

    O Ministério da Saúde publicou em seu site a notícia Máscaras caseiras podem ajudar na prevenção contra o Coronavírus. Elas podem ou realmente ajudam? De acordo com o site:

    “Além de eficiente, é um equipamento simples, que não exige grande complexidade na sua produção e pode ser um grande aliado no combate à propagação do coronavírus no Brasil, protegendo você e outras pessoas ao seu redor.” Ministério da Saúde. Acesso em 5 Abr. 2020. 

    Mas de que tipo de proteção eles devem estar falando? Para entender um pouco mais vamos começar sobre as formas de  manifestação ou não do vírus. 

    Sintomáticos e assintomáticos

    Um pessoa infectada pelo SARS-CoV-2 pode não apresentar sintomas, ou seja, ser assintomática ou apresentar sintomas, que podem ser leves, parecidos com a de uma gripe, ou mais severos e que precisam de atendimento imediato. 

    Até o momento a Organização Mundial de Saúde NÃO RECOMENDA o uso de máscaras por pessoas que não tenham os sintomas. A exceção é o uso por pessoas que estejam cuidando de outras que possam estar com COVID-19. Além disso, a OMS não faz menção ao uso de máscaras caseiras e deixa claro que as máscaras descartáveis só devem ser usadas uma vez e dispensadas. 

    Ainda de acordo com a OMS, o uso de máscaras sozinho não previne a propagação da COVID-19. Deve-se ficar atento às recomendações sobre higienização das mãos por meio de água e sabão ou álcool gel 70% e de superfícies. Aliados ao isolamento social (físico), essas medidas tem se mostrado as mais eficazes para romper a propagação da doença. 

    Uma máscara de qualquer material serve?

    Não. Nem todo o material pode ser usado na confecção de máscaras no combate ao SARS-CoV-2. O vírus SARS-CoV-2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2) que causa a doença COVID-19 tem tamanho que varia entre 70 a 90 nm.

    Para se ter uma ideia, as réguas escolares são divididas em centímetros com 10 divisões menores, que são de 10 em 10 milímetros. O vírus é 900.000 menor do que 1 milímetro. Invisível a olho nu. Como ele viaja em partículas/gotículas e possivelmente em (bio)aerossóis  o conjunto aumenta um pouco de tamanho, mas ainda continua em uma escala imperceptível aos nossos olhos.   

    Legenda: A imagem feita por meio de uma técnica chamada de microscopia eletrônica de transmissão mostra o SARS-CoV-2. Credito: NIAID-RML

    Recentemente, em um canal no YouTube, surgiu a sugestão de uma máscara feita a partir de plástico e papel filtro de café. Você já olhou o papel filtro de perto? Nós conseguimos ver os furinhos a olho nú! 

    As máscaras usadas como Equipamento de Proteção Individual (EPI) são regulamentadas e servem como um filtro, impedindo que algumas partículas passem e outras não. Mas cuidado!  Existem vários tipos de máscaras, cada uma para um fim específico. Veja o post Máscaras caseiras são eficientes contra o coronavírus? em que abordamos aspectos históricos sobre a confecção de máscaras caseiras.

    Um estudo publicado no dia 4 de Abril, comparou as máscaras cirúrgicas e a N95 usada por profissionais de saúde e avaliou seu possível uso para a proteção contra SARS-CoV-2. O estudo mostrou que eles não são similares. Elas não são capazes de proteger contra os aerossóis expelidos pelos pacientes e mesmo na proteção contra gotículas, que são maiores do que os aerossóis, as máscaras apresentam “baixa evidência de efetividade”.  

    De acordo com a Cartilha de Proteção Respiratória contra Agentes Biológicos

    para Trabalhadores de Saúde da Agência Nacional de Vigilância Sanitária brasileira:

    “É importante destacar que a máscara cirúrgica:

    NÃO protege adequadamente o usuário de patologias transmitidas por aerossóis (veja alguns exemplos no Quadro 2), pois, independentemente de sua capacidade de filtração, a vedação no rosto é precária neste tipo de máscara;

    NÃO é um EPR”. Agência Nacional de Vigilância Saninária. Acesso em 5 Abr. 2019

    EPR é a sigla para Equipamento de Proteção Respiratória, isso quer dizer que a máscara cirúrgica não garante que uma pessoa saudável possa ser contaminada por alguns tipos de patógenos, como o SARS-CoV-2. 

    Mas se ela não protege, por que ela tem sido indicada para pessoas com sintomas da COVID-19? Porque ela funciona como uma barreira mecânica, diminuindo a dispersão do SARS-CoV-2 no ambiente. Um efeito parecido com o tossir no cotovelo e ou sobre um papel (lembre-se de jogar fora e lavar as mãos depois). 

    Como a máscara médica descartável funciona? Ela impede que as gotículas do espirro ou tosse voem longe, diminuindo a contaminação do ambiente.

    Vídeo da página Nunca Vi um Cientista

    Existem dois principais motivos para não se recomendar a compra/uso de máscara cirúrgica por pessoas que não apresentam sintomas:

    1. Não há evidência de que elas podem proteger uma pessoa saudável de contrair o vírus SARS-CoV-2 e

    2. A diminuição da disponibilidade de máscaras em situações que realmente são necessárias, ou seja, por profissionais da saúde. 

    Uma pessoa saudável usando uma máscara cirúrgica não tem garantia de que ela está protegida contra a COVID-19, o mesmo se aplica ao uso de máscara caseira feita de pano.

    Um comentário publicado no jornal The Lancet sobre o uso racional de máscaras durante a pandemia por COVID-19 traz uma observação importante: “there is an essential distinction between absence of evidence and evidence of absence”. Ou seja, há uma distinção essencial entre a ausência de evidência e a evidência da ausência, isto é, ainda são muito pequenas as evidências de que o uso de máscaras possa permitir uma proteção contra essa infecção respiratória. 

    Quando devo usar uma máscara? 

    O consenso científico é que as pessoas devem cobrir tosses e espirros e usar máscaras caso estejam doentes. As máscaras cirúrgicas descartáveis usadas pelos SINTOMÁTICOS ajudam a diminuir a propagação do vírus no ar por reter gotículas de água.

    Mas e para as pessoas que estão com sintomas leves? O uso de máscaras cirúrgicas é recomendado quando na presença de outras pessoas, mas lembre-se de que elas não devem ser reutilizadas e só podem ser usadas por no máximo 3 horas. Além disso é importante fazer o descarte adequado das máscaras cirúrgicas.

    E os assintomáticos? Os estudos mostram que as pessoas assintomáticas podem transmitir o vírus a outras pessoas que podem desenvolver sintomas. 

    Um estudo mostrou que no grupo de  japoneses que foram evacuados de Wuhan para o Japão, havia cerca de 30.8% de assintomáticos. Isso significa que uma pessoa com a aparência saudável pode ser portadora do vírus. 

    Outras estimativas, em estudos com grupos diferentes, mostram porcentagens diferentes.  É bom lembrar que essas porcentagens estão em relação a um grupo infectado/testado e não a população geral. 

    Na China, das 72.314 pessoas examinados até 11 de Fevereiro, 61,8% testaram positivo e deles, apenas 1.2% se mostraram assintomáticos.  

    Nota: Tem sido divulgada pela mídia em geral uma estimativa de 80% de assintomáticos, mas o que que afirma a Organização Mundial de Saúde é que os sintomas leves e assintomáticos são estimados em 80%. Outras estimativas sobre assintomáticos estão disponíveis no site do The Centre for Evidence-Based Medicine develops, promotes and disseminates better evidence for healthcare.

    Mas essas pessoas assintomáticas poderiam contaminar outras pessoas? Pesquisadores chineses reportaram o caso de um grupo familiar em que um dos pacientes, originário de Wuhan, pode ter carregado de forma assintomática o vírus e infectado outras 4 pessoas que acabaram por desenvolver sintomas. Outros casos de grupos assintomáticos têm sido reportados (Alguns estudos: Lu et al., Zhang et al, Kimbal et al. ), evidenciando a importância de testagem e isolamento dessas pessoas no combate a propagação da doença

    Liu e Zhang afirmaram que o uso de máscara por uma pessoa infectada com sintomas leves foi capaz de garantir que outras não fossem infectadas. Mas e as que ainda não desenvolveram os sintomas, as pré-sintomáticas que podem começar a ter sintomas após o 3 ao 14 dia após a infecção? E as pessoas assintomáticas? Será que o uso de máscaras é efetivo?

    Em uma carta publicada no The National Academies of Science, Engineering and Medicine, o médico e chefe do Emerging Infectious Diseases and 21st Century Health Threats, Harvey V. Fineberg, reportou que alguns estudos encontraram a presença do vírus a partir de (bio)aerossóis expelidos na respiração normal e ao falar por pacientes com SARS-CoV-2, indicando uma POSSÍVEL rota de contaminação. De acordo com uma publicação da Science, nem todos os especialistas concordam com a transmissão por essa via, assim como especialistas da Organização Mundial de Saúde que apontam que, até aquele momento, dos 75.000 casos que haviam sido reportados na China, nenhum deles resultou de uma infecção a partir dessa rota. 

    A carta escrita por Fineberg cita um outro trabalho que mostra que o uso de máscaras cirúrgicas por crianças e adultos com doença respiratória aguda reduzem a proporção de um outro vírus da família do coronavírus (outro que não o SARS-CoV-2) nas gotículas e aerossóis liberados do outro lado da máscara. Outro artigo, publicado na Nature, mostrou que o uso de máscaras cirúrgicas por pessoas sintomáticas reduz a quantidade de vírus expelido pelos pacientes com coronavírus. No entanto, ainda não há comprovação científica de que o uso de máscaras proteja indivíduos saudáveis. 

    E as máscaras caseiras de pano? Não há um conjunto de evidências científicas que provem a eficácia do uso de máscaras caseiras como forma de prevenção de um indivíduo saudável contrair o SARS-CoV-2. Há especulações de que as máscaras de pano usadas por pessoas infectadas possam funcionar como uma barreira mecânica, impedindo a ampla dispersão do vírus, mas os estudos ainda apontam a necessidade de mais estudos científicos.  

    Na última sexta-feira, dia 3 de Abril, o Centro de Controle e Prevenção Doenças (CDC) dos Estados Unidos reviu a sua posição e passaram a indicar o uso de máscaras ou proteção de tecido no rosto em locais públicos. De acordo com o CDC, a recomendação do uso de máscaras de pano está relacionado à preocupação com a transmissão do vírus por pessoas assintomáticas ou pré-sintomáticas. 

    Mas e se você decidir usar uma máscara caseira de pano?

    É importante [nós diríamos que é FUNDAMENTAL] ter alguns cuidados para que ela não cause mais mal do que bem. Ou seja, ela pode ser uma fonte de contaminação se não tomados os cuidados necessários, como evitar tocar a máscara durante o tempo de uso para não contaminar as mãos. Também é necessário que após o uso sua máscara seja lavada de maneira adequada. 

    Referências

    Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Cartilha de Proteção Respiratória contra Agentes Biológicos para Trabalhadores de Saúde. Disponível em <http://www2.ebserh.gov.br/documents/214604/816023/Cartilha+de+Prote%C3%A7%C3%A3o+Respirat%C3%B3ria+contra+Agentes+Biol%C3%B3gicos+para+Trabalhadores+de+Sa%C3%BAde.pdf/58075f57-e0e2-4ec5-aa96-743d142642f1>. Acesso em 5 de Abr. 2020. 

    Bartoszko, JJ et al. Medical Masks vs N95 Respirators for Preventing COVID‐19 in Health Care Workers A Systematic Review and Meta‐Analysis of Randomized Trials. Influenza and other Respiratory Viroses. Wiley (2020). Disponível em <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/irv.12745>. Acesso em 5 de Abr. 2020.

    CDC. Use of Cloth Face Coverings to Help Slow the Spread of COVID-19 (2020). Disponível em <https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/prevent-getting-sick/diy-cloth-face-coverings.html>. Acesso em 5 Abr. 2020

    CDC. Recommendation Regarding the Use of Cloth Face Coverings, Especially in Areas of Significant Community-Based Transmission (2020). Disponível em <https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/prevent-getting-sick/cloth-face-cover.html>. Acesso em 5 Abr. 2020

    Day, M. Covid-19: identifying and isolating asymptomatic people helped eliminate virus in Italian village (2020). BJM. Disponível em <https://www.bmj.com/content/368/bmj.m1165.long>. Acesso em 6 Abr. 2020

    Feng, S. et al. Rational use of face masks in the COVID-19 pandemic. The Lancet. Disponível em <https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S2213-2600%2820%2930134-X>. 

    Fineberg, HV. Rapid Expert Consultation on the Possibility of Bioaerosol Spread of SARS-CoV-2 for the COVID-19 Pandemic (2020). The National Academies of Science, Engineering and Medicine. Disponível em <https://www.nap.edu/read/25769/chapter/1>. Acesso em 6 Abr. 2020. 

    Kim, JM et al. Identification of Coronavirus Isolated from a Patient in Korea with COVID-19. Osong Public Health Res Perspect 2020. Disponível em <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7045880/pdf/ophrp-11-3.pdf>. Acesso em 5 de Abr. 2020.

    Kimbal, A. et al. Asymptomatic and Presymptomatic SARS-CoV-2 Infections in Residents of a Long-Term Care Skilled Nursing Facility – King County, Washington, March 2020. Disponível em <https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/69/wr/mm6913e1.htm?s_cid=mm6913e1_w

    Leung, N.H.L. et al. Respiratory virus shedding in exhaled breath and efficacy of face masks. Nature Med (2020). Disponível em <https://www.nature.com/articles/s41591-020-0843-2>. Acesso em 5 Abr. 2020 

    Li et al. Asymptomatic and Human-to-Human Transmission of SARS-CoV-2 in a 2-Family Cluster, Xuzhou, China (2020). Disponível em <https://wwwnc.cdc.gov/eid/article/26/7/20-0718_article>. Acesso em 5 de Abr. 2020.

    Liu, X., Zhang, S. COVID-19: Face masks and human-to-human transmission (2020). Influenza Other Respi Viruses. Disponível em <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/irv.12740>. Acesso em 6 Abr. 2020. 

    Lu, S. et al. Alert for non‐respiratory symptoms of Coronavirus Disease 2019 (COVID‐19) patients in epidemic period: A case report of familial cluster with three asymptomatic COVID‐19 patients. Journal of Medical Virology. Disponível <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/jmv.25776>. Acesso em 5 de Abr. 2020. 

    Ministério da Saúde. Máscaras caseiras podem ajudar na prevenção contra o Coronavírus. Disponível em <https://www.saude.gov.br/noticias/agenciasaude/46645-mascaras-caseiras-podem-ajudar-naprevencao-contra-o-coronavirus>. Acesso em 5 de Abr. 2020

    Mizumoto, K. et al. Estimating the asymptomatic proportion of coronavirus disease 2019 (COVID-19) cases on board the Diamond Princess cruise ship, Yokohama, Japan, 2020. Eurosurveillance. Disponível em <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7078829/pdf/eurosurv-25-10-1.pdf>. 

    Nishiura H,et al.  Estimation of the asymptomatic ratio of novel coronavirus infections (COVID-19), International Journal of Infectious Diseases (2020). Disponível em <https://www.ijidonline.com/article/S1201-9712(20)30139-9/pdf>. 

    Service, RF. You may be able to spread coronavirus just by breathing, new report finds (2020). Science. Disponível em <https://www.sciencemag.org/news/2020/04/you-may-be-able-spread-coronavirus-just-breathing-new-report-finds#>. Acesso em 5 de Abr. 2020

    Zhang, J. et al. Familial cluster of COVID-19 infection from an asymptomatic.(2020). Critical Care. Disponível em <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7100442/pdf/13054_2020_Article_2817.pdf>. 

    Zorzetto, R. Uma barreira física contra o coronavírus. Revista FAPESP. Disponível em <https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/04/05/uma-barreira-fisica-contra-o-coronavirus/

    WHO. Naming the coronavirus disease (COVID-19) and the virus that causes it. Disponível em <https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/technical-guidance/naming-the-coronavirus-disease-(covid-2019)-and-the-virus-that-causes-it>. Acesso em 5 de Abr. 2020.WHO. Q&A on coronaviruses (COVID-19). Disponível em <https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-coronaviruses>. Acesso em 5 de Abr. 2020.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

plugins premium WordPress