Tag: políticas públicas

  • Clima de eleição: adaptação climática estará nas propostas dos candidatos?

    Autoria

    Jaqueline Nichi

    A agenda dos candidatos a prefeitos e vereadores, na eleição de 2024, engloba diversos temas complexos com intersecção com o clima e meio ambiente, como saneamento, saúde e redução da poluição, segurança alimentar, gestão dos resíduos sólidos, transporte público, áreas verdes e eficiência energética.

    É quase impossível medir a sensibilidade ao tema dos milhares de candidatos que disputam prefeituras ou câmaras municipais no país, mas com base nos últimos pleitos, os temas ambientais ainda não são centrais nas campanhas da maioria dos aspirantes ao comando das cidades brasileiras.

    Nos últimos anos, o tema começa a ganhar relevância nas propostas que todos têm de apresentar ao registrarem suas candidaturas. E a população está cada vez mais atenta aos indicadores socioambientais que impactam diretamente as suas experiências como cidadãos. Em 2023, mais de 5 milhões de brasileiros, ou 7 em cada 10 cidadãos, foram afetados pelo impacto das chuvas e das secas no ano mais quente já registrado na história, segundo a Pesquisa Ipec encomendada pelo Instituto Pólis.

     

    Esta compreensão é ainda mais importante no Brasil de 2024, após um histórico de governo federal que agiu na contramão da agenda ambiental. O aumento dos riscos decorrentes das variações climáticas, como inundações e deslizamentos cada vez mais recorrentes, não nos deixa esquecer que um grande esforço coletivo e político precisa ser colocado em prática.

    A edição 2021 da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que apenas 390 dos 5.570 municípios do país têm alguma legislação sobre adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

    A próxima eleição, portanto, não permite mais a inação ao custo de vidas, especialmente de pessoas em comunidades vulneráveis, mais propensas aos impactos negativos do clima. Em 2024, só no primeiro mês do ano, mais de 100 mil pessoas foram afetadas pelas chuvas na região metropolitana do Rio de Janeiro, resultando em 12 mortes​​. Porto Alegre também enfrentou inundações, deixando 1,3 milhão de pessoas sem energia.

     

    O que isso significa em ano de eleições?

    Os desastres ambientais e climáticos têm relação direta com a administração das cidades no Brasil. Os centros urbanos estão entre os principais agentes do aquecimento global, por emitirem a maior parte dos gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, são os espaços mais impactados por eventos extremos, devido à alta densidade populacional e baixa infraestrutura adaptada às alterações do clima.

    Embora algumas políticas ligadas ao combate à mudança climática sejam compartilhadas entre o ente federal, estados e municípios, é papel dos governos municipais gerir a drenagem urbana, zeladoria, mobilidade, moradia e gestão e uso do solo. Câmaras municipais podem propor leis e políticas que melhor preparem seus municípios para eventos extremos ou aperfeiçoem normas ligadas ao tema, como é o caso dos planos diretores e leis de uso e ocupação do solo.

    Moradores retiram móveis e objetos danificados com a chuva em comunidade carioca.

    Foto: Márcia Foletto

    É certo que os eleitores continuarão a valorar outras pautas emergentes, como o desemprego, a saúde, a segurança e a inflação. Mas essas questões têm, de forma cada vez mais evidente, ligação direta com as mudanças climáticas. Os preços dos alimentos variam conforme as secas, a saúde pública precisa lidar com novos vírus e epidemias relacionadas à mudança de habitat de animais selvagens, e a economia pode se beneficiar com a criação de empregos verdes.

    Outro tema fundamental nestas eleições é acatar as evidências científicas e rejeitar as notícias falsas que os negacionistas do aquecimento global costumam propagar. Nessas próximas eleições, o acesso a informações qualificadas e confiáveis para melhor analisar os candidatos é de suma importância. Por isso, é preciso votar com consciência e exigir planos de adaptação com base na avaliação de vulnerabilidades dos municípios com estratégias e medidas específicas para lidar com os riscos identificados.

     

    Referências:

    MUNIC, Informações Básicas. Perfil dos municípios brasileiros. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2021. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/df/brasilia/pesquisa/1/74454?ano=2021

    IPEC. Crise Climática – Pesquisa de Opinião Pública. 2023. Instituto Polis. Disponível em: https://polis.org.br/estudos/crise-climatica-pesquisa-de-opiniao-publica/

     

     

    Sobre quem escreveu

    Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social. É doutora em Ambiente e Sociedade pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP) e mestre em Sustentabilidade (EACH-USP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas, adaptação e planejamento urbano e governança multinível e multiatores.

    Como citar:  

    Nichi, Jaqueline. (2024). Clima de eleição: adaptação climática estará nas propostas dos candidatos? Revista Blogs Unicamp, Vol. 10, N.1. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2024/05/02/clima-de-eleicao-adaptacao-climatica-estara-nas-propostas-dos-candidatos/ Acesso em: DD/MM/AAAA 

    Sobre a imagem destacada:

    Ilustração digital e edição: clorofreela

  • A gratuidade da universidade pública é inquestionável

    Texto por Matheus Naville Gutierrez

    A PEC 206 pode destruir a universidade pública brasileira. Precisamos defendê-la de argumentos falsos.

    O deputado Kim Kataguiri (Democratas-SP) colocou em pauta hoje um projeto que visa alterar a constituição, o qual ele é relator. A PEC 206/2019, redigida em 2019 pelo deputado General Peternelli (PSL-SP), propõe a cobrança de mensalidade nas universidades públicas para todos os seus frequentadores, e aqueles que não puderem pagar, podem usufruir da universidade pública gratuitamente. O progresso científico e tecnológico brasileiro é diretamente afetado e atacado com esse projeto, que antes de mais nada, é deturpado e usa de pressupostos errôneos. Primeiramente, a PEC usa pressupostos completamente equivocados. Vamos debatê-los a seguir.

    O texto enganador da PEC

    Logo após a leitura do texto da PEC, uma problemática bem clara sobre o pressuposto do projeto de lei se mostra. A defesa nefasta que está acontecendo nas redes sociais não leva em consideração os parâmetros da lei em si.

    Trecho PEC
    Trecho retirado da PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N.º206 , DE 2019

    Conforme o texto acima, a lei propõe justamente que exista uma comissão que avalie a situação socioeconômica dos estudantes e faça uma deliberação sobre o pagamento ou não da mensalidade. Ou seja, a base é que TODOS os estudantes paguem mensalidade, estando apenas alguns eximidos da conta. Decerto, essa lógica levanta muitas questões problemáticas. Vamos a algumas delas:

    Como essa comissão será formada? Como ela atenderá todos os estudantes? Quais critérios serão utilizados para essa escolha? Essa comissão não poderia ser utilizada de forma a excluir ainda mais os estudantes? Eles não precisariam passar por mais uma etapa burocrática para conseguir se manter na universidade pública?

    Uma vez que esse debate entrou na esfera pública novamente, podemos nos debruçar em alguns pressupostos que esse projeto de lei. A seguir, coloco algumas dessas questões para conversa.

    Quem frequenta a universidade pública?

    Inicialmente, a defesa dessa PEC sugere que as universidades públicas brasileiras são frequentadas majoritariamente por pessoas oriundas das classes mais altas. Sendo assim, elas teriam o poder aquisitivo necessário para pagar os custos de seus estudos na universidade. Ainda que esse discurso pareça verdadeiro, ele atualmente é falso. Segundo dados da pesquisa do perfil socioeconômico dos estudantes de graduação das universidades federais, o perfil brasileiro é: 53,5% dos estudantes vivem com renda de até 1 salário mínimo por pessoa nas famílias. Esta pesquisa coletou dados de 63 universidades federais brasileiras. Confira abaixo os dados na tabela:

    É necessário debater sobre as formas que universidade pública elitiza o conhecimento e cria modos de facilitar a permanência de pessoas com renda maior, nós sabemos disso. Contudo, o projeto de lei não serve como resposta para esse problema.

    Ou seja, a PEC coloca como responsável por essa problemática os estudantes. Como assim? Atualmente, a universidade não possibilita o acesso e a permanência de pessoas sem os recursos financeiros, o que falarei mais adiante. Mas o mais relevante é: cria uma disputa por vagas e cotas entre os próprios estudantes já em situação de vulnerabilidade social e financeira. Esta PEC cria, portanto, uma narrativa de embate entre os estudantes para tirar o foco da problemática real das universidades: as políticas públicas e como são feitos os investimentos.

    Atacando o problema de verdade

    Para que essa elitização velada da universidade comece a ser combatida de verdade, precisamos focar em duas frentes. Primeiramente, o debate sobre o vestibular. Ele sim, um gargalo colocado de forma proposital para excluir uma parcela dos estudantes. Ele afunila a entrada na universidade, principalmente quem não consegue dedicar o tempo necessário de estudos para enfrentar a maratona dos vestibulares (e não consegue pagar por cursos pré-vestibulares).

    Em seguida, as políticas públicas de permanência. A universidade pública brasileira é um espaço de formação que exige a dedicação quase exclusiva de seus alunos, sem tempo para trabalhos externos. Para criar condições aos estudantes usufruam de suas possibilidades formativas, a universidade precisa garantir moradia, alimentação e renda para os estudantes.

    Nossa defesa, como política pública, é oposta ao projeto de lei. Isto é, o financiamento para permanência de estudantes na universidade pública deve ser proveniente de políticas públicas inclusivas, que abarquem a diversidade, origem e identidades diversas. Quem deve financiar esses estudantes, portanto, não devem ser eles mesmos, mas políticas públicas destinadas a sua formação.

    O que se desenvolve na universidade pública no Brasil?

    Ao mesmo tempo, o discurso de se pagar é nefasto por não compreender a complexidade da produção e da vivência nas universidades brasileiras. A ideia de que é um local de apenas estudo, em que o estudante apenas assiste aulas e realiza provas é falacioso. A universidade pública, desde os estudantes de graduação, desenvolve ciência, forma profissionais, produz conhecimento que retornará para a sociedade.

    O desenvolvimento da ciência brasileira, realizada por graduandos e pós-graduandos, foi o que nos garantiu o desenvolvimento de diagnósticos, com agilidade e eficiência, durante toda a pandemia da Covid-19, aqui na Unicamp e em várias universidades brasileiras. Além disso, a grande quantidade de pesquisas e atuações acadêmicas neste período, em todas as áreas de conhecimento, tiveram participação ativa de estudantes ainda em formação, de modo voluntário ou com bolsas, que minimizaram os efeitos da doença em toda a sociedade brasileira.

    Uma nação que busca o progresso sustentável e tecnológico precisa do desenvolvimento científico, que acontece unicamente nas universidades públicas. Isto é, a proposta de se pagar para estudar em uma universidade pública, além de afastar futuros cientistas que poderiam surgir de diversas origens sociais e econômicas, deturpa a própria ideia de desenvolvimento científico em nosso país.

    A pós-graduação: ela também pode ser afetada em médio e longo prazo

    O pós-graduando, hoje, vivencia uma carreira de uma avassaladora precarização, sem recursos, com bolsas sem ajustes e com a visão social de que é “apenas um estudante”. Não, não é. O estudante de graduação e pós-graduação são profissionais que desenvolvem trabalhos em sua área de formação, desde o início do curso. Você, por exemplo, aceita trabalhar de graça por vários anos, sem nenhuma renda? Pois é, além de atuar de graça, ainda precisaria pagar, neste caso.

    Na perspectiva desta lei, que prevê cobrança de mensalidade na graduação, também não afetaria essa etapa que acontece na universidade pública? Se cobrarmos os estudantes de graduação, depois de quanto tempo a pós-graduação que será cobrada? Essa proposta de lei é um afronte gigantesco à autonomia e ao ideal de universidade pública.

    A educação deve sempre ser pública, gratuita, de qualidade e de fácil acesso

    Em suma, esse é um projeto de lei que ataca diretamente a constituição nacional que garante o acesso à educação pública, gratuita e de qualidade para para todas as pessoas da nação. Em primeiro lugar, a garantia que ela é pública é a base para o desenvolvimento da ciência, da extensão e do ensino sem a necessidade de cumprir uma agenda empresarial e de resultados. Juntamente, a educação precisa ser gratuita, para garantir que todas as pessoas tenham acesso ao desenvolvimento cidadão, profissional, científico e humanístico. Assim como ela também precisa ser de fácil acesso, garantindo que todas as pessoas que busquem uma instituição de ensino consiga acessá-la.

    O problema da elitização velada das universidades é importante e de necessária discussão. Mas que ela seja feita de forma séria, verdadeira e com propostas reais de sua superação, e não seja retirado do Estado brasileiro a sua responsabilidade.

    Atualização (24 de maio, 19h21; Editorial)

    A PEC não está mais em tramitação, enquanto finalizávamos o texto, em função do pedido de Audiência Pública, com participação de representantes da sociedade civil organizada, conforme consta neste documento.

    Para saber mais

    Beraldo, Gabriela (2022) Bolsa Capes, do MEC, completa 9 anos sem reajuste. entenda o que isso significa, 23 de março de 2022.

    BRASIL. PEC 206/2019, Dá nova redação ao art. 206, inciso IV, e acrescenta § 3º ao art. 207, ambos da Constituição Federal, para dispor sobre a cobrança de mensalidade pelas universidades públicas.

    UFES. Pesquisa nacional apresenta o perfil dos estudantes de graduação das universidades federais, 17 de maio de 2019.


    Publicado originalmente no blog PEMCIE.


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadoresAlém disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp.

  • Crônica de uma distopia: sobre o debate de mudanças climáticas em meio à pandemia

    Texto de Maria Clara Sosa

    Estaríamos vivendo uma distopia? Nas últimas semanas, nos deparamos com diversas notícias fora do comum… Neve em diversas cidades do Brasil, temperaturas próximas aos 50°C no Canadá, incêndios florestais na Sibéria… Mas não foi esse o início, em Março de 2020 o mundo parou. Noticiaram a maior pandemia das últimas décadas, ficamos em casa. Dessa forma, alguns de nós acreditamos que seria o momento de ressignificar certos hábitos, ressignificar encontros, ressignificar nossas relações com o ambiente ao nosso redor (nossa casa, nosso jardim, nosso quarto, nossa rua…). Entretanto, o que isto tem a ver com as mudanças climáticas?

    Os cientistas nos mostraram ainda que seria necessário ressignificar nossa relação com o meio ambiente. Assim, fica cada vez mais claro que a pandemia da COVID-19 é, também, uma questão da crise ambiental.

    Sobre o IPCC e algumas implicações

    Recentemente, foi lançado o novo IPCC, relatório da ONU sobre as mudanças climáticas e ambientais, apontando a humanidade como grande causadora destas mudanças que temos debatido, na ciência e na sociedade, ao longo das últimas décadas. Mas isso é importante de ser debatido, em meio a uma pandemia que ainda não está controlada?

    A degradação de ecossistemas e destruição de habitats expõem as comunidades humanas aos diferentes animais e doenças infecciosas com as quais não estamos adaptados, ocasionando doenças de alta letalidade e com altos níveis de infecciosidade (este debate já foi tratado no Blog Natureza Crítica). Dessa maneira, em abril de 2021, governantes, entre eles o presidente estadunidense Joe Biden e outros 40 representantes, cientes dos impactos das mudanças climáticas, se encontraram na Cúpula do Clima. Assim, com este encontro, traçaram novas metas para a redução da emissão de gás carbônico, e alternativas para um desenvolvimento sustentável. 

    O discurso brasileiro em contrapontos próprios

    Durante o discurso na Cúpula, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro apresentou uma fala com a intenção de se mostrar alinhado à Cúpula, mas divergente àquilo que é visto na prática do Ministério do Meio Ambiente na atual gestão. Além disso, foram apresentadas metas vagas e incoerentes com as ações relacionadas à preservação e fiscalização ambiental. Às vésperas da COP 26 (Conferência sobre Mudança Climática), que ocorrerá em Novembro deste ano, assistimos à demissão do ministro da boiada, Ricardo Salles.

    Todavia, apesar da substituição de um dos ministros de maior desserviço para a agenda ambiental brasileira já vistos historicamente, provavelmente, veremos poucas mudanças na postura do governo. Um dos motivos para não acreditar na mudança é o avanço do PL490/21 que enfraquece a proteção de áreas indígenas, essenciais na manutenção da floresta.

    IPCC, estagnações e políticas

    Ainda em 2021, o IPCC – Painel intergovernamental sobre mudanças climáticas fez o relatório mostrando os impactos  da humanidade no clima e afirma que tais impactos já são irreversíveis. Portanto, cada vez mais iremos testemunhar eventos climáticos extremos e sentiremos o aumento da temperatura média global. É necessário a diminuição rápida na quantidade de emissões de gases de efeito estufa e ainda assim, essa diminuição será apenas para não piorar a questão climática. É importante salientar apenas que, apesar da necessidade de mudar nossos próprios paradigmas e hábitos no plano individual, isso ainda não é o suficiente. De forma, a estagnar o máximo possível a aceleração das mudanças climáticas é primordial a instauração de um novo sistema socioeconômico. O capitalismo e o sistema de acúmulo são incompatíveis com qualquer ideia de sustentabilidade. É necessário que deixemos de ser apenas consumidores, pois é isso que somos no sistema capitalista.

    Após a apresentação desse quadro, questiono o silêncio ensurdecedor de políticos e da sociedade em relação ao posicionamento ambiental, mesmo com tantos eventos palpáveis gritando por mudanças. Talvez seja porque nós brancos tenhamos a memória curta.

    Nós esquecemos muito rapidamente.

    Como Davi Kopenawa Yanomami analisa, no livro A Queda do Céu, que os brancos precisam continuamente escrever suas ideias e conhecimentos em papéis para que estes não se percam. E ouso acrescentar a tal pensamento, que ainda assim, apesar dos papéis, dos estudos, nós esquecemos. Talvez semana que vem os tabloides já tenham esquecido dos eventos extremos desta semana e nada de efetivo seja feito em relação a isso. Assim como a Cúpula do Clima ocorreu ainda este ano e não há mais falas sobre o que ficou acordado. Bem como o governo brasileiro já esqueceu de suas promessas no combate às mudanças climáticas… Para que lembremos, precisamos ser afetados. Sendo o afeto aquilo que nos deixa marcas, nos faz produzir sentidos, e em um mundo cheio de informação essa produção de sentidos é escassa (Larrosa, 2002).  

    Por fim, está claro que cada vez mais eventos extremos irão ocorrer , está claro que precisamos de alguma forma agir e encontrar ações de redução de emissão de gás carbônico, está claro que precisamos de ações políticas efetivas de forma a frear alguns impactos das mudanças climáticas, e está claro que isso ultrapassa o plano individual e dos sujeitos. 

    Mas antes, precisamos nos lembrar, precisamos produzir sentido, precisamos deixar de esquecer, precisamos nos deixar afetar pelo mundo, precisamos de pessoas com sonhos utópicos que de alguma forma quebrem essa bolha distópica em que vivemos e nos incitem a simplesmente caminhar. Citando um pedaço do poema de Eduardo Galeano: 

    “Que tal se delirarmos por um tempinho
    Que tal fixarmos nossos olhos mais além da infâmia
    Para imaginar outro mundo possível?”

    Para saber mais

    IPCC AR6 Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change

    ALESSI, Gil (2021) Indígenas isolados no Brasil entram em risco de extinção com avanço de projeto na Câmara El Pais

    BBC Ricardo Salles: saída tardia de ministro não mudará política pró-desmatamento de Bolsonaro, dizem ONGs

    CHAMORRO, Paulinia (2021) Não há plano B: precisamos de um novo sistema socioeconômico, diz membro brasileiro do IPCC National Geographic

    Embrapa (2021) As mudanças ambientais e a saúde humana: impactos da degradação ambiental sobre surtos de doenças infecciosas

    FAPESP (2021) Novo Relatório do IPCC WG1-AR6: Implicações para o Brasil e o planeta

    GALZO, Wesley (2021) Entenda o que é a Cúpula de Líderes sobre o Clima e como ela impacta o Brasil CNN

    Instituto Socioambiental (2021) Mundo mais quente e Brasil inadimplente

    KOPENAWA, Davi; ALBERTS, Bruce. A Queda do Céu: Palavras de um xamã yanomami. Companhia das Letras, São Paulo, 2015.

    LARROSA, Jorge (2002) Notas sobre a experiência e o saber da experiência Revista Brasileira de Educação

    MATOSO, Filipe, GOMES, Pedro Henrique (2021) Cai o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente G1

    MODELLI, Lais, GARCIA, Mariana (2021) Veja repercussão do discurso de Bolsonaro na Cúpula do Clima; ‘governo sai como entrou: desacreditado’ G1

    PLANELLES, Manuel (2021) Relatório da ONU sobre o clima responsabiliza a humanidade por aumento de fenômenos extremos El Pais

    Mais textos de Maria Clara Sosa

    A Autora

    Maria Clara Sosa é bióloga pela Unicamp e mestre em Educação em Ciências e Matemática, na Unicamp, pesquisadora no Grupo de Pesquisa em Educação em Ciências (PEmCie) da Unicamp e FURG.

    Este texto foi publicado originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Por que precisamos tomar a segunda dose das vacinas de COVID-19

    Um levantamento do Ministério da Saúde do dia 07 de Junho de 2021 mostrou que 49.584.110 pessoas receberam a primeira dose da vacina contra o SARS-CoV-2. Deste montante, 23.026.663 receberam as duas doses. Olhando assim, parece um número muito bom. No entanto, até meados de maio, aproximadamente 5 milhões de brasileiros tomaram a primeira dose de uma das vacinas contra a COVID-19, mas não voltaram para a segunda dose.

    Será mesmo que a segunda dose é fundamental? Você sabe porque ela é importante?

    Um lembrete para o seu corpo

    A vacina funciona como uma forma preventiva para que seu corpo já saiba criar uma resposta para o agente causador da doença, no caso o vírus SARS-CoV-2. A CORONAVAC usa uma tecnologia bem conhecida, a de vírus inativado, enquanto que a vacina da ASTRAZENECA usa um adenovírus que não consegue se replicar no nosso corpo e a da PFIZER uma mensagem codificada que faz nosso corpo reconhecer a proteína spike do vírus. Vocês podem ler um texto que falamos sobre as diferenças de vacinas aqui

    Independente de qual das três vacinas você tomar, é necessária uma segunda dose. Isso acontece porque o primeiro contato com as vacinas criará uma resposta do seu sistema imune. Mas não tão forte quanto a prevenção com duas doses. A segunda dose funcionará como um lembrete para o seu corpo saber que aquele vírus segue por aí. Assim, consequentemente aumentará a sua resposta.

    Além disso, alguns estudos ainda estão sendo feitos para compreender melhor como o corpo responde a essas vacinas. Os estudos da CORONAVAC garantem a eficácia da imunização após a segunda dose, mas ainda não possui nenhum estudo de apenas uma dose. Já a vacina da ASTRAZENECA possui uma eficácia de 76% após a primeira dose, e aos poucos o corpo “esquece” essa resposta no intervalo de 3 meses, por isso é necessária a segunda dose, que eleva a eficácia para aproximadamente 82% (Fonte: FioCruz). Já a Pfizer possui uma eficácia geral de 85% depois da primeira dose e 95% após as duas doses. Vale sinalizar que inicialmente o intervalo entre as doses da Pfizer era de 21 dias, mas depois foi alterado de acordo com um novo estudo em pré-print

    Confusão entre o tempo de espera de cada tipo de vacina

    A falta de informação a respeito do porquê tomar a segunda dose da vacina não é o único problema. Os diferentes intervalos entre as doses das vacinas também causam confusão. A CORONAVAC possui um intervalo de aproximadamente 20 dias, enquanto que o intervalo das doses de ASTRAZENECA é de 3 meses. Aqui no Brasil, a vacina da PFIZER também está seguindo o intervalo de 3 meses, em acordo com o resultado do estudo citado acima. 

    Por conta da quantidade de nomes, é fácil de se confundir. A falta de padronização na escrita da carteirinha de vacinação também é um ponto crítico. Muitas vezes a CORONAVAC está escrita “Butantan” ou “Sinovac” e a vacina da ASTRAZENECA fica registrada como “OXFORD” ou “FIOCRUZ”.

    Fique atento a sua carteirinha e a de seus familiares! Se tiver dúvida, não hesite em perguntar para a pessoa que estiver aplicando. Confira a data que estiver agendada na carteirinha. Evite perder o prazo entre as doses!

    Mas e a vacina da Janssen/Johnson & Johnson?

    Essa vacina já teve seu uso aprovado em caráter emergencial no Brasil, mas ainda não chegou nenhuma dose no país. Ela utiliza uma tecnologia de adenovírus semelhante à vacina da ASTRAZENECA. Nos estudos realizados até agora, apresentou uma eficácia desejável mesmo com apenas uma dose. Caso tua intenção seja tomar só uma dose, mas tua categoria (por idade, profissão ou comorbidade) chegue antes disso: não vale esperar! Vai e te vacina logo, pois precisamos de muita gente vacinada, rápido!

    Falta de doses de vacinas

    Outro problema encontrado é a falta de vacinas. Em um primeiro momento foi orientado aos municípios que guardassem a segunda dose das pessoas que estavam sendo imunizadas, para que elas não acabassem. Depois, em 20 de março todas as doses foram destinadas à primeira imunização de um grupo maior de pessoas, uma notícia sobre isso você pode conferir aqui. No dia 25 de abril o Ministério da Saúde voltou atrás e pediu para que 50% das doses recebidas fossem guardadas, mas isso não evitou que centenas de cidades, incluindo 13 capitais estaduais, ficassem sem doses. Essa série de erros também contribuiu para que diversas pessoas não conseguissem tomar sua segunda dose.

    Nós temos reiterado que esta confusão faz com que a gente realmente fique inseguro com tudo o que está acontecendo! Por isso sempre reforçamos: pergunte, se certifique das datas, cobre por informações e, na dúvida, chegue junto que a gente tenta responder também!

    Mais doses?

    Tem mais debate por aí falando em terceira dose. Mas fique atento! Por enquanto não existem dados suficientes que comprovem a necessidade de tomar mais doses da vacina. Ou mesmo se teremos que tomar a vacina em intervalos de tempo pré-definidos, assim como tomamos a vacina da gripe, difteria, tétano e HPV.

    E se eu tomar vacinas diferentes?

    ATENÇÃO! Em alguns países, como a Espanha, a combinação de doses de diferentes vacinas já está sendo testada. Apesar disso, no Brasil a ANVISA ainda não autorizou nenhum tipo de combinação. Caso queira saber mais sobre um dos estudos preliminares, leia aqui.

    Isso se dá ao fato de que  ainda estão sendo realizados estudos que comprovem uma resposta imune melhor se misturarmos as vacinas, ou até mesmo se existe algum tipo de interação entre as vacinas que possa ser prejudicial. Caso você tenha tomado doses trocadas de vacinas, é recomendado informar no posto de saúde o problema e aguardar instruções específicas para o seu caso. 

    Eu preciso manter medidas de segurança mesmo depois da segunda dose?

    Sim! Mesmo tomando as duas doses seu corpo ainda demora alguns dias para criar uma resposta e você ainda pode ser infectado de maneira leve pelo vírus. Além disso, mesmo com as duas doses, você pode ser um agente transmissor.

    Por fim, ainda temos a questão de que a vacinação em nosso país está lenta, há poucas pessoas vacinadas (MUITO POUCAS). A vacinação é um evento efetivo QUANDO EXECUTADO EM MASSA. Isto é, em uma grande parcela da população – não estamos nem perto disso ainda! Por enquanto, no Brasil as recomendações permanecem as mesmas: Máscara e distanciamento! Além do clássico: se puder, fique em casa!

    Para Saber Mais

    Barifouse, R (2021) Covid-19: os erros que levaram centenas de cidades a suspender vacinação por falta de 2ª dose, BBC Brasil

    Callaway, E (2021) Mix-and-match COVID vaccines trigger potent immune response, Nature 593, 491 (2021) doi: https://doi.org/10.1038/d41586-021-01359-3

    Da Redação (2021) Ministério da Saúde muda orientação e libera vacinas armazenadas para uso como 1ª dose, G1

    LedFord, h (2021) Delaying a COVID vaccine’s second dose boosts immune response, Nature

    Rangel, D, Lang, P (2021) Vacina Covid-19 Fiocruz tem eficácia geral de 82%. Notícias, Fiocruz

    Voysey, Merryn (…) and Pollard, Andrew and Group, Oxford COVID Vaccine Trial, Single Dose Administration, And The Influence Of The Timing Of The Booster Dose On Immunogenicity and Efficacy Of ChAdOx1 nCoV-19 (AZD1222) Vaccine. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3777268 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3777268 

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Personalidades da vacina: os altruístas, os fiscais e os sommeliers!

    [Sugestão é vocês lerem este texto ouvindo este som]

    Estamos em uma etapa de vacinação que inclui, além de idade (seguimos com a vacina para pessoas acima de 60 anos), comorbidades, gestantes e lactantes, além de profissões específicas.

    A vacinação, que era para trazer uma parca esperança em meio a tudo o que temos vivido em nosso país, tem sido questionada em muitos aspectos que tornam tudo ainda mais difícil.

    Sommeliers de vacina

    Por um lado, temos visto pessoas percorrendo postos de saúde atrás ‘da vacina que eu quero tomar’, seja por receio de reações adversas, seja por ter vontade de tomar “aquela que tem maior eficácia”, ou qualquer outro motivo que apareça pela frente.

    Temos chamado estas pessoas de sommelier de vacina. Sommelier são aqueles profissionais dedicados a “provar” e “degustar” produtos específicos – vinhos, queijos, cervejas, por exemplo. Parece chique, né? Na verdade é chique. 

    Mas não quando diz respeito à vacina! Entretanto, cabe a pergunta: qual vacina é boa? Há quem diga que várias vacinas são só “água com açúcar e só a fulaninha que presta”.

    Olha, quando se trata de 465.000 mortos em nosso país, a vacina boa é a que chega em nosso braço. Isto é, cobiçar a vacina de um dado fabricante e adiar sua imunização até poder acessar a queridinha do momento não é apenas descabido. É desrespeitoso. É um ato atroz com os milhares de brasileiros que aguardam sua vez no Plano Nacional de Imunização.

    Precisamos vacinar muito e precisamos vacinar rápido.

    Estas ações atrasam ainda mais nosso calendário e fazem permanecer aberto o cronograma de vacinação para uma faixa específica que poderia estar mais avançada.

    Esta confusão toda pode, sim, ser fruto de uma comunicação truncada que dá a entender que a vacina X em relação à Y é melhor.

    Neste sentido, os resultados recentes da CORONAVAC no município de Serrana enchem de esperança o que mais acreditamos: vacina boa é vacina no braço dos brasileiros e vacinação em massa funciona E MUITO! Ademais, lembramos que ela também acabou de ser aprovada em caráter emergencial na OMS, o que indica que ela é segura, eficaz e de qualidade.

    Com 75% da população do município coberta pela Coronavac (95,7% da população vacinável), Serrana viu suas internações, óbitos e registros de doentes despencar nas últimas semanas. Todavia, sim, precisamos dos dados abertos e verificáveis e precisamos dos dados e sua distribuição por faixa etária discriminados o quanto antes para nos debruçarmos e compreendermos todo o processo. Entretanto, os dados que nos foram apresentados até o momento nos mostram que cobertura vacinal é fundamental para enfrentarmos a pandemia!

    Mas há quem não queira tomar vacina pelas reações…

    [pausa dramática, respira fundo]

    como se nunca tivesse acompanhado crianças na família e visto os choros de dor, febre ou outras reações nos pequenos. Vacina pode dar reação, febre, dor no corpo, sonolência, enjoo por exemplo. Ou seja, ninguém nega isto.

    Todavia nenhuma destas reações se compara há semanas entubado, sem contato familiar, em uma situação de quase morte. Assim como, também não se compara ao risco de contaminarmos inúmeras pessoas e, mesmo estando com sintomas leves, levarmos pessoas a serem entubadas por COVID-19 pelos contatos que seguem vigentes na nossa vida.

    E antes que me achem exagerada, é bom lembrar que família contamina família, que temos filas de espera em UTIs e que seguimos com números altíssimos de contaminações e mortes. Nenhum medo de enxaqueca e febre deveria se sobrepor à possibilidade de nos contaminarmos e contaminarmos a quem está próximo de nós.

    Em suma, é só uma febre, vai passar.

    Os altruístas

    O outro lado da moeda tem sido as pessoas que começam a despontar no PNI como as próximas a serem vacinadas. Elas podem, suas documentações pessoais a fazem legalmente vacináveis, mas elas não se vacinam. Por quê? Por terem pessoas “que merecem mais do que eu”, costuma ser a resposta. Outra bem recorrente é “não acho justo quando há outros que não se vacinaram ainda”, e, por último “eu me encaixo, mas prefiro deixar para a próxima vez quando chegar”.

    O caso comum dos altruístas são as profissões. Várias profissões dão direito à vacina. Neste caso, o PNI deixa claro que os municípios e estados devem observar os critérios que considerarem pertinentes para estabelecer a vacinação de várias destas profissões.

    Eu posso, mas não devo: altruísmos às avessas

    Assim, os altruístas são as pessoas que mesmo tendo o direito, acham que é justo pular a vez e deixar para a próxima.

    Os fiscais (que falarei mais adiante) são os que acham que estes profissionais só podem se vacinar quando eles (os fiscais) acharem que devem ser vacinar.

    Nenhum dos dois está lá muito correto. Embora vacinar-se seja uma escolha (teu corpo, tuas regras, etc.), é um ato coletivo de proteção. Dessa forma, neste momento, temos mais de um milhão de casos de COVID-19 em acompanhamento. Ontem, dia 1º de junho de 2021, tivemos 78.926 confirmações de COVID-19 em nosso país e mais do que 2 mil mortes.

    135 dias depois de começar a vacinação em nosso país, tivemos 265 mil mortes. Nestes 4 meses e alguns dias tivemos mais mortes pela doença do que o ano passado inteiro. Aceleramos as mortes e os contágios quando vários países começam a abrir comércio e vivenciar a experiência de controle da doença em seus territórios.

    Nós não estamos nem próximo disto. Não é, portanto, altruísta abrir mão de vacinas que foram contabilizadas e estão à disposição. Tua vacina está lá, te esperando. Tu achares que o PNI não é justo, não modifica o PNI, não “adianta” as datas de categorias que começam a aparecer à revelia do que pode parecer justo, bom, emergencial ou interessante. Tu não te vacinares só faz com que menos uma pessoa, agora, esteja vacinada e com condições de diminuir a circulação do vírus.

    E isto é emergencial.

    Em suma, o altruísmo, neste momento, é se vacinar quando chegar a tua vez. A vacina é um processo que funciona em uma massa de pessoas – e para isto precisamos de uma massa vacinada. Abrir mão do teu direito não faz com que a vacinação ande mais depressa, não faz uma massa ser vacinada. Este é um altruísmo às avessas por estarmos em um momento delicado, triste e que apenas denota nossa fragilidade em vencer esta doença.

    Não era para, neste momento, estarmos debatendo quais categorias deveriam ou não estar vacinadas, por um motivo muito simples: nosso país sempre foi exemplo de estrutura e organização de vacinação no mundo, com doses para todos, calendário preciso, com campanhas eficazes, bem feitas, sólidas e robustas em todas as suas etapas.

    Fiscais de fila

    É um desserviço julgarmos quem está com lugar na fila, desencorajando as pessoas a tomarem vacinas e as tomando como fura-filas SE ELAS NÃO SÃO FURA FILA.

    Concomitante ao fenômeno altruísta, há as pessoas que viraram fiscais de comorbidades e profissões e julgam qualquer pessoa que apareça com a vacina no braço – o que fortalece ainda mais quem se sente culpado por estar se vacinando.

    Primeiramente, é fundamental apontar o quanto fiscal de comorbidade e de profissão é um cargo cruel em um país que, desde que a Campanha de Vacinação por COVID-19 começou em nosso país, matou 265 mil pessoas confirmadas por COVID-19 (fora casos não confirmados para a doença).

    Há, também, aqueles fiscais de obesidade, perguntando se o IMC da pessoa ultrapassou 40. Pior ainda são aqueles que acham que obesos não devem se vacinar pois são relaxados, relapsos, dentre outros xingamentos que não caberiam em um veículo como este.

    Ainda sobre comorbidades, não é que avisemos a todos o que nos acompanham ao longo da vida quais doenças e condições temos ou deixemos de ter. Acusar levianamente é cruel, insensível e não faz sentido. Ninguém é obrigado a apontar, cotidianamente para conhecidos, amigos próximos ou até familiares, que comorbidades nos acompanham.

    Ah! Ana, mas tem gente furando fila com atestado falso.
    – Sim… verdade. E isto é horrível Mas o Brasil também tem muitas pessoas com comorbidades e não és tu, alecrim dourado, a pessoa que sabe todas as que existem e todas as pessoas afetadas por elas, é?

    A rede social virou palco de guerra com pessoas indo perguntar “qual comorbidade”? Não há muitas palavras para narrar o constrangimento que tem sido imputado às pessoas que estão celebrando a vida e celebrando um DIREITO a permanecerem vivas.

    Nós compreendemos que o PNI poderia organizado-se de forma a não ocorrerem incoerências entre municípios e estados, com datas confusas e regras divergentes.

    O que não é justo é esta confusão que já está presente nos documentos oficiais gerar culpabilização de pessoas e inadimplência no comparecimento à vacina!

    Precisamos que vocês se vacinem: quando integramos o grupo #TodosPelasVacinas não foi para que as pessoas se sentissem culpadas de terem esta oportunidade, para termos fiscais de plantão e para questionarmos os atos de vacinação. 

    Foi para que todos conseguissem acesso à vacina e, quando chegasse seu dia: SE VACINASSEM.

    Seguiremos neste propósito, firmemente. A vacinação é uma política pública, deve ser organizada pelos setores públicos – como sempre foi – e é um absurdo ser cobrado de indivíduos que estão legalmente cotados para vacina que não se vacinem por julgamentos estapafúrdios (de “diplomas velhos” à “ideias de minha cabeça” ou “não concordo pois esta comorbidade não me interessa que exista”).

    Se chegou tua vez, é teu direito, é nossa defesa, é proteção a todos: VACINE-SE

    Para saber mais

    BRASIL, Ministério da Saúde (2021a) Plano Nacional de Vacinação COVID-19 5ª Versão

    ____ (2021b) Plano Nacional de Vacinação COVID-19, 6ª Versão

    ____ (2021c) Saúde antecipa vacinação de trabalhadores de educação e autoriza imunização da população geral por idade

    ____ (2021d) NOTA TÉCNICA Nº 717/2021-CGPNI/DEIDT/SVS/MS

    CONASEMS (2021) Nota Técnica PNI 06-05-2021

    WORLDMETERS COVID-19, acessado em 1 de Junho de 2021. 

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, pares da mesma área técnica-científica da Unicamp revisaram o texto. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • A COVID-19 e a Sociedade: uso e cobrança de Equipamentos de Proteção Individuais

    Muito se fala sobre o uso de Máscaras ou Respiradores. Mas, será que existe diferença entre estes termos? Qual o melhor para usar e em que situação?

    Há inúmeros textos e divulgadores científicos que têm abordado o tema. Eu vou apontar a vocês, ao final do post, aqueles que consideramos interessantes para acompanhar.

    No entanto, a conversa aqui hoje é mais do que separar o que é “Máscara” e o que é “Respirador”

    Como este texto faz parte da série “A COVID-19 e a sociedade”, vamos entender como este objeto é fundamental para nossa proteção INDIVIDUAL e em que situações ela é necessária e deveria ser obrigatória como parte das políticas públicas e deveres das empresas que são do que consideramos “serviços essenciais” e contratam pessoas para trabalhar no modo “presencial”.

    EPI – O que é isto?

    É importante lembrar que um objeto, quando deve ser usado obrigatoriamente para proteger trabalhadores, é considerado um EPI. Talvez tu já tenhas escutado este termo antes. Ele quer dizer Equipamento de Proteção Individual e quer dizer “todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho” 

    Assim, no caso da COVID-19, que é uma doença respiratória, podemos considerar EPI Para Proteção Respiratória as peças semifaciais filtrantes (PFF2). Estas têm sido as mais efetivas para a proteção contra o novo coronavírus.

    Mas qual a diferença entre ser ou não EPI? A máscara de pano não funciona?

    Toda e qualquer máscara, agora, é importante na contenção do vírus. A diferença é que máscaras de pano são bloqueios (ou barreiras) mecânicas e físicas contra o vírus. Isto é, contém a dispersão pela barreira física que apresenta, quando em situações de espirros, coriza, tosse, falas etc. Dessa forma, nestes momentos, soltamos gotículas ou aerossóis pelo nariz e pela boca, que podem estar contaminadas!

    No entanto, as máscaras de pano possuem dois problemas! Primeiro, elas não nos protegem com eficácia. Ou seja, por não NOS proteger as máscaras de pano não se configuram como EPI – que é Equipamento de Proteção Individual.

    A segunda questão é que não possuem controle de qualidade em sua fabricação. Isto é, máscaras caseiras não passam por certificação.

    Todavia, é relevante reiterar que isto de modo algum invalida sua importância, especialmente quando estávamos com falta de máscaras para profissionais de saúde no mercado!

    Este não é o caso agora.

    O EPI é um equipamento que possui normas técnicas que o regulamentam. Mas, mais do que isto, possui uma conferência no processo de confecção do produto que valida sua qualidade e é submetida a padrões nacionais e internacionais de segurança e qualidade. Portanto, um EPI nos dá condições de avaliação quanto a parâmetros técnicos que possibilitam uniformizar riscos que nos submetemos, em condições específicas.

    Por fim, quando em nosso trabalho existe um objeto que se configura como EPI quer dizer que é obrigatoriedade dos empregadores adquirirem e dos empregados utilizarem os equipamentos. Tudo isto visando não apenas homogeneizar os riscos, mas garantir que os trabalhadores que precisam executar determinados serviços essenciais estejam o menos expostos a enfermidades e riscos quanto for possível.

    E o que isto tem a ver com a COVID-19?

    Em um momento tão delicado como o que vivemos, em que o contágio e a transmissão da COVID-19 está fora de controle, é fundamental cada vez mais tomarmos cuidados pessoais. Além disso, também é necessário e urgente que os trabalhadores estejam cuidados ao máximo para não correr riscos. Isto é, não existe condições de não se expor, ao sair para trabalhar diariamente. Todavia, existe como reduzir riscos e tornar isto parte de políticas públicas de cuidados contra o SARS-CoV-2.

    Ok! Mas é Máscara ou Respirador?

    PFF significa Peça Facial Filtrante e é um respirador, testado e verificado em sua fabricação (até aí já sabíamos). Entretanto, costumamos chamar os respiradores tipo PFF2 (que são similares à N95) de máscaras. E embora o nome “correto” seja respirador, o que nos importa aqui é que todos usem o melhor equipamento possível!

    E, além do melhor equipamento, cuidar e cobrar o melhor uso:

    • A máscara deve cobrir, sempre e completamente, o nariz e a boca. Assim, cabe sempre lembrar que máscaras com o nariz para fora, ou no queixo servem como adereço estético. Isto é: são inúteis para a proteção contra o coronavírus.
    • É fundamental que a máscara se ajuste ao rosto. Ou seja, sem deixar folgas ou aberturas por onde entre ou saia o ar. As máscaras PFF2 são filtrantes, se houver folgas ou escapes o ar não está passando pelas camadas filtrantes.
    • A boa vedação é o ponto mais importante.
    • Para que o ajuste e a segurança do equipamento seja o melhor possível, a recomendação são as máscaras PFF2 presas na nuca e pescoço, ao invés de atrás da orelha. Aliás, também recomenda-se as máscaras que possuem ajustes no elástico.
    • Uma peça de metal perto do nariz (clipe nasal) também melhora o ajuste da máscara e é, portanto, recomendado.
    Recentemente, colegas de divulgação científica do Qual Máscara publicaram um texto apontando a necessidade de servidores públicos do município do Rio de Janeiro terem acesso a respiradores do tipo PFF2, cedidos pela prefeitura. No abaixo assinado, com respaldo de vários cientistas, constam questões técnicas do uso destes respiradores como EPIs.

    Assim, talvez seja essencial cobrarmos que EPIs sejam parte da rotina em situações de trabalho presencial em nosso país. Ou seja, enquanto cidadã, me pergunto: em meio ao total descontrole, à lentidão da vacinação e à pressão por retornos aos ambientes presenciais de trabalho, incluindo alguns ambientes com pouquíssimas condições – e aqui incluo escolas públicas e privadas, me pergunto se não é prioridade da gestão pública a saúde dos cidadãos que são compelidos ao trabalho diariamente. Em especial aqueles que estão em setores considerados essenciais e que, portanto, devem retornar.

    Não vou me alongar, neste texto, sobre o conceito do que é ou não essencial neste momento. Tampouco apontarei os problemas vinculados aos retornos do que é dito essencial, embora possa ser executado na modalidade “home office” e o quanto isto não se restringe, apenas, ao ambiente de trabalho. Isto é, quando falamos em retorno estamos falando de toda a cadeia de deslocamentos e mobilidade urbana, aumentando a rede de contatos de cada sujeito e destes com seus colegas, clientes e usuários de serviços. Tudo isto é pauta para outro texto – que virá.

    Em suma, cobrar o quê e como?

    Cobrar retorno para trabalhos essenciais, em um momento de altíssimo risco à saúde humana, por contaminação de um vírus que é transmitido por aerossóis tem sido prática cotidiana. Entretanto, nós sabemos que nem sempre existe negociação entre empregador e empregados.

    Mas existem alguns serviços que as cobranças vêm dos próprios clientes ou usuários de serviços, por motivos que não nos cabe debater aqui.

    Dessa forma, para além dos dizeres “todos os protocolos de segurança estão sendo seguidos”, nós gostaríamos de indicar algumas perguntas que pensamos serem cruciais para quaisquer debates de retorno, que podem ser dirigidas aos empregadores:

    Quais são os protocolos?

    O ambiente é ventilado? De que forma?

    Qual a lotação máxima e como vocês vão organizar o ambiente, caso tenha mais pessoas para ocupar o ambiente, no mesmo horário?

    Que EPIs são fornecidos aos trabalhadores da empresa? Em que quantidade?

    Como estão sendo trabalhadas as informações de como usar os EPIs?

    Considerando que este trabalho é essencial, como os trabalhadores estão chegando ao ambiente de trabalho? 

    Vocês avaliaram os riscos ao trabalhador e propuseram escalas para minimizar contatos?

    Vocês avaliaram a quantidade de contatos ao voltarem todos os trabalhadores ao mesmo tempo, convivendo conjuntamente?

    Aos usuários dos serviços e clientes, quais os protocolos de saúde e como podemos usar o serviço sem colocar em risco os trabalhadores?

    Eu posso usar estes EPIs também? Há indicação dos protocolos de usos que minimizem os riscos dos trabalhadores e de minha família?

    Existe condições de realizar as atividades deste serviço em espaços abertos? Se a resposta for SIM, priorize estes espaços e cobre que sejam usados, eles são mais seguros.

    Será realizada testagem RT-PCR, RT-LAMP ou antígeno periódica dos profissionais envolvidos no serviço? Quem arca com este serviço e qual a periodicidade prevista?

    No caso de sintomas de síndrome gripal, seja de clientes, seja de funcionários, qual a atitude imediata tomada?

    Existe alguma previsão de estratégias para monitoramento, rastreio e comunicação, em caso de sintomas de clientes e funcionários?

    Perguntar basta?

    Reitero que apenas questionar e cobrar respostas é pouco. Assim, a cada serviço prestado, que estava sendo realizado na modalidade home office em que há retorno, existe aumento de mobilidade. Dessa forma, se eu, cidadã, considero que é fundamental o retorno daquele estabelecimento de serviços e cobro pela sua reabertura, talvez eu precise fazer mais. Talvez, seja também premente que eu questione se as pessoas – trabalhadoras – que estão utilizando transportes públicos para chegar até o ambiente em que a prestação de serviço acontece, para que eu, o utilize, estão o mais seguras possível e com os melhores equipamentos quanto for possível validar tecnicamente à sua disposição. Além, obviamente, de terem todas as informações para que o uso de tais equipamentos seja  compreendido.

    Mas não é tarefa dos gestores públicos implementar e cobrar por isto?

    Sim, exatamente: é tarefa deles cobrar por tudo isto e implementar protocolos de segurança, manter estabelecimentos de alto risco fechados e implementar políticas públicas que garantam a melhor condição de retorno possível.

    Entretanto, se nós estamos nos autorizando a cobrar de estabelecimentos – como escolas, academias e comércio – que retornem, talvez também possamos nos dar conta que precisamos cobrar de autoridades (vereadores e prefeitos) para a não exposição das pessoas, especialmente em um momento tão crítico da pandemia no Brasil.

    É fundamental também ter noção de que os empregadores não podem coagir seus empregados a assinarem documentos isentando as empresas de responsabilidades com as contaminações possíveis. Isto é ilegal e não tem validade. Mais informações podem ser lidas no Ministério Público do Trabalho.

    As ações individuais precisam somar-se às necessidades coletivas. Agora mais que nunca. Se eu, individualmente, considero algo fundamental para a manutenção de minha vida, talvez precise cobrar para que a vida do outro siga existindo. Não é apenas abrindo UTIs que conseguiremos isso.  

    Para saber mais:

    A Covid-19 e a sociedade: a doença é, também, social

    Brasil. (1943) DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943

    Brasil, Ministério da Economia (2020) PORTARIA Nº 11.347, DE 6 DE MAIO DE 2020

    Brasil Ministério do Trabalho (2001) NR 6-EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL -EP 

    Sobre Máscaras e Respiradores

    Qual Máscara: 
    Instagram | Twitter | Site

    Vitor Mori
    Twitter | Youtube

    Melissa Markoski
    Instagram | Rede Análise Covid-19

    Redes Contra Covid-19
    Medidas Básicas de Proteção

    Textos do Blogs Sobre Máscaras e Cuidados Básicos:

    Coronavírus e o controle do contágio

    Máscaras caseiras são eficientes contra o coronavírus? *

    Sobre máscaras, testes e COVID-19

    Do uso de máscaras à imunidade coletiva

    Como funcionam as máscaras N95

    * Este texto passou por inúmeras críticas a época que foi feito e, agora, parece fazer sentido novamente. Assim, em um momento em que faltavam máscaras aos profissionais, a recomendação das máscaras de pano eram fundamentais. No entanto, agora, quando a situação está pior (no sentido de quantidade de pessoas infectadas, se contaminando e de descontrole da pandemia), novamente se faz necessário o debate sobre o uso de máscaras de pano. Isto é, as máscaras de pano são, sim, importantes e tiveram um papel fundamental na diminuição dos contágios. Mas não temos mais falta de máscaras para profissionais de saúde e temos descontrole da doença no país. Máscaras com registro de qualidade, que nos possibilitam aferir e testar sua segurança são essenciais neste momento. Especialmente para profissionais que não podem permanecer em casa.

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • A Covid-19 e a sociedade: a doença é, também, social

    “Diálogos” de pandemia

    – Vocês não têm coração? Se alguém pega COVID-19 não pode fazer nada, não têm medicamentos e vocês não querem que a gente tente nenhuma possibilidade?!?

    – Vocês acham que as crianças têm que ficar trancadas em casa enquanto todo mundo circula por aí livremente? As escolas fechadas são perdas irreparáveis para as crianças!

    – As escolas devem ser as primeiras a abrir e as últimas a fechar!

    – E como deixar tudo fechado se as pessoas têm que ganhar algum dinheiro? E a comida na mesa?

    – Vocês não se importam com as pessoas, o que podemos fazer?

    Todas as semanas há diálogos que iniciam com estas perguntas, ou comentários em postagens do Especial Covid-19 do Blogs Unicamp. Isto seja nas redes sociais, seja nos próprios textos, seja em conversas privadas.

    A produção de conteúdo científico na pandemia

    Não é bom ou satisfatório anunciar diariamente que não há tratamento ainda para a COVID-19, nem apontar a necessidade de adiamento do retorno às aulas. Tampouco ler sobre a falta de insumos para as vacinas e o quanto precisamos vacinar mais e mais rápido, em detrimento do que vem acontecendo no país. Dessa forma, não é algo que se faz de forma tranquila, ao contrário do que pode parecer a quem não acompanha diariamente as notícias e elabora os textos, com as equipes de Divulgação Científica.

    Quando cientistas apontam que a mobilidade urbana deveria, com urgência, diminuir, a partir do fechamento do comércio e serviços, não é por haver satisfação em indicar que pessoas fiquem em casa independente dos seus problemas – que vão desde saúde mental até não termos condições de ganharmos dinheiro para colocar comida à mesa.

    Quando cientistas apontam que a mobilidade urbana deveria diminuir com urgência, significa termos dados técnicos que o isolamento e distanciamento social é a ferramenta que possibilita que a circulação do SARS-CoV-2 aconteça.

    Assim, em um país cujas autoridades vem postergando e sabotando compras de vacinação e têm estimulado tratamentos inócuos para a COVID-19, informações científicas parecem pouco compreendidas como têm sido alvo de ataques e servem como mote de polarizações sem que o cerne da questão seja pauta.

    Tampouco os debates são imparciais e neutros. Longe disso. 

    Nossa preocupação tem sido apontar quais são os fatores que levam ao aumento do contágio e quais as problemáticas relacionadas a isso. Neste sentido, ler os gráficos de mobilidade urbana, com a retomada de atividades presenciais não essenciais (mesmo que por decreto se mude o status destas atividades), com análise do aumento de casos de internação de UTIs, filas de espera, além de óbitos diários, tudo isso somado à já conhecida falta de testes diagnósticos e vacinação lentíssima (por vezes confusa também), não torna simples divulgar a máxima “fique em casa se for possível”.

    A questão é que uma doença não é o ciclo do patógeno. Isto é, ao vivermos em sociedade – e numa sociedade desigual e populosa como a nossa – a doença é, também, social. Ela encontra em nossa sociedade o espaço perfeito para se proliferar rápido e com muita eficiência. Assim, como bióloga, aprendi a pensar em doenças. Como biologia, talvez pensemos a COVID-19 sempre como uma doença cujo o vírus transmite-se pelo ar, com contatos próximos, em um mundo com quase 8 bilhões de pessoas, em cidades urbanizadas com densidades demográficas altíssimas.

    Só nesta sentença, no entanto, podemos conjecturar o quanto de informação podemos desmembrar e tornar complexa a relação entre o vírus e nossa vida.

    Como assim?

    O SARS-CoV-2 tem a seu favor a própria forma de existir do ser humano: aglomerado em espaços fechados e, simultaneamente, centrado em seus próprios anseios e necessidades.

    A ciência é feita por pessoas que estão dentro da sociedade. Pessoas que foram formadas e constituídas dentro desta sociedade, com suas histórias, conceitos, preconceitos e pressupostos. Não existe “lado de fora”, embora exista questionar o que nos formou e buscar novos pensamentos e tensionamentos em relação ao que nos formou. Assim, há uma certa relação constituidora entre sujeitos e sociedade. Esta sociedade que vivemos não é (nem poderia ser) homogênea. Ela é formada por um conjunto de sujeitos (pessoas) que questionam e modificam a sociedade, ao passo que a sociedade forma e transforma sujeitos.

    Mas o que isto tem a ver com a ciência? Então a ciência é parcial?


    Em função de a ciência fazer parte da sociedade, e cientistas serem sujeitos sociais, não existe estarmos fora do pensamento social de uma época. Tampouco existe a possibilidade de termos pensamentos completamente iguais e homogêneos.

    Também não existe imparcialidade, nem pureza em nada do que é dito, analisado, formulado. Todavia, isso não quer dizer que os vieses de análise são “ruins” ou “bons”. Quer dizer que precisam ser debatidos por uma comunidade científica ampla. Uma das coisas que possibilita que a ciência minimize vieses é exatamente a análise e revisão por pares – e não só nas revistas (como manda o procedimento padrão), mas da própria comunidade científica.

    Sempre há margem para erros, mas é exatamente a possibilidade de assumirmos os erros que faz com que a ciência seja ciência. Ela não se postula dogmática e a única certeza é a de que mudaremos nossos conhecimentos de lugar e tornaremos o que conhecemos hoje ultrapassado em tempos futuros (longínquos ou não). 

    Com COVID-19 não é diferente. O que sabemos HOJE sobre a doença é muito diferente do que sabíamos no início. O mundo inteiro analisa a doença sob diferentes aspectos, estamos todos atentos ao que é publicado e isto, sim, é um grande feito.

    Mas voltemos à ideia de que a doença não se restringe ao ciclo do patógeno!

    Qualquer doença, exatamente por nos acometer, traz efeitos que estão para além dos sintomas da doença em si. 

    Se uma doença nos contagia pelo ar e pela proximidade, parte de como estancarmos sua proliferação é mudarmos nosso comportamento e hábitos. Isso vai desde como convivemos socialmente em aglomerações cotidianas – de ônibus lotados para irmos trabalhar, aos espaços fechados de comércio e serviços que se tornaram cotidianos em nossa vida. No entanto, vocês percebem que estas decisões não são individuais? Que muitas pessoas não possuem condições de não pegar transporte público, nem de não frequentar espaços fechados de comércio e serviços? Guardemos estas informações – elas serão importantes mais para frente no texto…

    Além disso, também temos negociações para mantermos vivas pessoas que não apenas necessitam de serviços específicos, mas de rendas extras, pela impossibilidade de seguirem sem trabalhar neste momento. Aqui, novamente: vocês percebem que estas decisões não são individuais?

    As doenças são, também, sociais

    E é aqui que compreender o ciclo em si da doença não basta (ou quando isto começa a ficar evidente). Cada conhecimento científico incorporado muda nosso modo de ver e pensar a sociedade e nossas relações. E, com isso, tomar decisões individuais da melhor maneira possível.

    Mas socialmente, estas decisões nem sempre estão ao nosso alcance. Isto é: estas decisões não são individuais! É preciso que algumas instâncias, ao terem em posse uma grande quantidade de informações, transformem isso em ações que atinjam a maior quantidade de pessoas quanto for possível. Assim, em geral, estas decisões são técnicas e deveriam buscar análises que envolvessem prejudicar a menor quantidade de pessoas, com ações mais concentradas e coerentes entre si.

    Políticas públicas é o nome disso…

    Na teoria, lendo assim, parece simples. Entretanto, ao termos diferentes modos de pensar e linhas de ação, podemos tomar decisões que entram em um espaço de disputa. Basicamente, estou falando de políticas públicas. Dessa forma, questionamos: elas são (ou deveriam ser) baseadas em dados técnicos: quantas pessoas estão adoecendo? Em que lugares? De que idades?

    Há inúmeras pesquisas que nos possibilitam acessar os dados populacionais. Todavia, junto a isto, temos acumulado dados científicos que nos dão condições de compreender melhor tanto o ciclo da doença, como as necessidades de protocolos e instalações hospitalares. Bem como, temos um montante de dados acerca dos efeitos em nossa sociedade, sobre as vulnerabilidade de populações marginalizadas, insegurança alimentar, comportamentos de risco na pandemia, etc.

    A partir destes dados, analisando-os em conjunto, podemos estabelecer algumas possibilidades de ação em diferentes esferas e contextos. Por exemplo:

    • Em nível individual e de nossa moradia, podemos organizar uma rotina de limpeza, compra de máscaras/respiradores individuais; rotina de compras minimizando saídas desnecessárias;
    • Em níveis familiares, podemos estruturar visitas com protocolos de cuidado, uso de máscaras, ciclos de resguardo para ninguém ficar inseguro com exposições desnecessárias, etc.

    Saindo destas duas esferas, teremos contextos em que não temos mais poder de decisão direta.

    São níveis de governo ou gestão.

    Isto é: empresas que trabalhamos, cidades e estados que residimos, nosso país.

    Perceba que nestas esferas, há menos condições de negociação e estabelecimento de cuidados específicos que nos possibilitam ter mais ou menos segurança. Ou seja, quando falamos de municípios, estados e nação, são estes os níveis em que a análise de dados para geração de protocolos e procedimentos, com buscas de minimizar impactos na saúde humana, vira o que chamamos de políticas públicas de saúde.

    Já temos alguns textos falando sobre coleta de dados, método científico e políticas públicas aqui no Especial Covid-19. Mas vamos apontar algumas que são fundamentais para entendermos onde temos errado e como podemos compreender melhor o funcionamento disto, dentro do enfrentamento da crise atual. Assim, dentro destas análises, seguiremos defendendo que as doenças também são sociais e que a biologia do patógeno não é suficiente para vencermos a crise.

    Além disso, retomando os diálogos (semi) inventados do início deste texto, o quanto é difícil analisar estes dados, percebendo desaceleração de internações (que não é queda…) com pedidos reiterados de abertura de comércio e escolas, quando há tanto o que enfrentar nesta crise.

    Os textos que já abordaram a temática estarão listados abaixo e, conforme formos avançando na discussão, serão atualizados aqui abaixo:

    Dados da Covid: como pesquisadores e imprensa toureiam o Quinto Risco

    Impactos da Pandemia de Covid-19 sobre a Economia Brasileira

    A ameaça invisível assombra a economia

    Lições da pandemia para a gestão pública: política local e governança do clima

    A COVID-19 e a sociedade: uso e cobrança de equipamentos de proteção individuais

    Para Saber Mais

    Souza, LEPFde (2014) SAÚDE PÚBLICA OU SAÚDE COLETIVA? Espaço Para Saúde, 15(4), 7-21.

    Revisaram este texto e contribuíram com a produção e ideias: Graciele Oliveira, Erica Mariosa, José Felipe Silva, Jaqueline Nichi. Grata por isso. :0)

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • Lições da pandemia para a gestão pública: política local e governança do clima

    “Em um período preocupante também em relação às mudanças ambientais, a COVID-19 traz lições importantes para os governantes em nível local”

    O Brasil comprovou a força dos governos locais no combate à pandemia. É em nível local que os investimentos em projetos e programas estão sendo executados para recuperar a saúde e a economia das cidades. Isso traz indícios de soluções para uma outra crise, também de nível global, e que requer um esforço de igual amplitude: as mudanças climáticas.

    Em 2021 teremos a Cúpula do Clima da ONU (COP-26) em Glasgow, na Escócia, a COP da Biodiversidade na China (COP-15) e o Fórum Mundial da Bioeconomia, no Brasil. Todos esses eventos reforçam a emergência do envolvimento do poder local na tomada de decisão em medidas de adaptação e mitigação de impactos climáticos.

    Mas o que é possível adotar para garantir uma recuperação verde pós-COVID-19 agora mesmo,  pelo menos em nível local? O World Resources Institute (WRI) lançou no mês passado o relatório “Seizing the Urban Opportunity” sobre oportunidades que as cidades concentram, especialmente nas economias emergentes, já que são as que enfrentam desafios particularmente complexos agravados pela pandemia. Os seis países estudados – Brasil, México, Índia, China, Indonésia e África do Sul – representam 42% da população urbana mundial, produzem quase um terço do PIB global e 41% das emissões de CO²; a maior parte pelo uso de combustíveis fósseis.

    As seis cidades pesquisadas no relatório Seizing the Urban Opportunity e seus principais desafios urbanos. Fonte: WRI – World Resources Institute

    O coronavírus expôs nossas economias e comunidades a uma ampla gama de desafios, com particular impacto nas cidades e nas populações mais pobres. O desemprego disparou e a expectativa é de que até 150 milhões de pessoas caiam na pobreza extrema devido à pandemia. Os pobres urbanos vivem em condições de superlotação, sem acesso a serviços públicos de qualidade, segurança social ou transporte. Ao mesmo tempo, as cidades continuam sofrendo com ondas de calor, inundações e deslizamentos de terra à medida que os riscos climáticos aumentam de forma exponencial.

    A partir desse cenário, o estudo centrou-se em três desafios para os governos locais: recuperação pós-pandemia, desenvolvimento de longo prazo e mudanças climáticas. 

    O triplo desafio das cidades no pós-COVID-19. Fonte: WRI – World Resources Institute

    As cidades são espaços vitais para resolver esse triplo desafio, mas precisam de liderança nacional e apoio para colocar em prática seu potencial de ação local. Mais da metade da população global (56%) vive em cidades, o que corresponde a 70% das emissões globais de gases de efeito estufa. Ao mesmo tempo, a urbe é o motor econômico dos países, produzindo 80% do PIB global, gerando oportunidades de emprego, além de serem catalizadoras de cultura e inovação.

    Até 2030, trilhões de dólares serão investidos em infraestrutura urbana, em particular, nos setores de energia, transporte, construção civil, resíduos e materiais, que precisam ser direcionados a soluções carbono zero e socialmente inclusivas – o que é tecnicamente viável – para alcançarmos as NDCs do Acordo de Paris e manter o aumento da temperatura global abaixo dos 1,5°C.

    Metade da possível redução de emissões urbanas encontra-se em cidades de pequeno e médio porte, que muitas vezes carecem de recursos financeiros e técnicos das cidades maiores e, portanto, precisam de apoio do governo nacional. No Brasil e na Índia, 42% do potencial cumulativo vêm de cidades com menos de 300 mil habitantes. Além disso, os governos nacionais controlam os domínios políticos que controlam os mecanismos regulatórios e de financiamento, acelerando o processo de descarbonização das cidades.

    Assim, as escolhas dos governos locais durante a pandemia podem colocar seus países no caminho para um futuro mais próspero e resiliente ou acelerar a emergência climática. Investir em cidades compactas, conectadas e verdes podem gerar benefícios econômicos, sociais e ambientais. À medida que os governos nacionais aumentem seus compromissos climáticos rumo à COP-26, as cidades devem estar no foco de seus planos de desenvolvimento socioeconômico.

    Ações de curto prazo no nível municipal

    Há diversos caminhos quando pensamos em nível municipal, no entanto, dado o atual cenário socioeconômico, a solução precisa vir acompanhada de empregos, saúde e bem-estar. Algumas possibilidades viáveis e eficazes e que não necessitam de vultosos investimentos em infraestrutura incluem:

    Mobilidade ativa, como andar de bicicleta e caminhar. A construção de ciclovias e áreas mais amigáveis para os pedestres podem contribuir para gerar fluxo e crescimento econômico local. A redução de congestionamento reduz a poluição do ar e sonora e motiva a retomada das cidades, que as tornam mais atraentes para se viver e trabalhar.

    Eficiência energética, para reduzir o uso de energia fóssil. A formulação de políticas públicas pode contemplar uma matriz de energia limpa para reduzir custos e melhorar a competitividade da indústria, com significativa redução dos índices de poluição. 

    Serviços ecossistêmicos urbanos. Isso inclui os parques e a qualidade ambiental que estimulam o lazer e o convívio social em áreas coletivas verdes. Essa natureza urbana engloba “serviços” como conforto térmico, absorção de dióxido de carbono, arborização para minimizar as ilhas de calor, e proteção de recursos hídricos.

    Referência:

    WRI, 2021. Seizing the Urban Opportunity: How can national governments recover from COVID-19, tackle the climate crisis and secure shared prosperity through cities? Disponível em: https://urbantransitions.global/urban-opportunity/seizing-the-urban-opportunity/

    Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança multinível e multiatores.

    Este texto foi escrito originalmente no blog Natureza Crítica


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • E quando?

    21 de março de 2020

    Lançávamos o Especial COVID-19. Lá estavam alguns textos que buscavam compreender o que era o vírus e defendendo a noção de ficar em casa como grande salvadora de nossas vidas.

    Tínhamos uma nesga de esperança que seriam poucos dias ou meses trancafiados. Um ano depois e seguimos batendo recordes.

    Não sei vocês, mas nós seguidamente pensamos… “e se”. E nossos pensamentos se esvaem novamente, como tentativa de fugir disto.

    “E se” é um tempo da crueldade. Pois nos insere em possibilidades alternativas irreais que entristecem e nos assolam. Todavia, não parece que qualquer realidade alternativa distópica seja plausível de ser inserida em um contexto pior do que o que estamos vivendo neste exato momento.

    Nos últimos dias, buscamos pensar no “e quando?”.

    E quando escutarem a ciência?

    Assim, interrogamos, o que mudará quando dentro das lógicas das políticas públicas, ao invés de buscarem milagres, tivermos análises de dados que apontam para possibilidades? Possibilidades que, sim, têm margem de erro – mas têm acurácia, verificação, revisão para alinhar mais e mais ações que salvam vidas.

    Não o quê. Quando isto ocorrerá? E quantas vidas salvaremos diariamente a partir do momento em que pararmos? Além disso, até quando, na política pública brasileira – em todas as esferas – negaremos assistência imediata a pessoas que precisam? Bem como, quando investiremos em práticas que desde o início desta crise sanitária têm sido funcionais?

    Quais? Isolamento social, uso correto de EPIs, campanhas em massa para atingir a todos e políticas públicas. E quando faremos isso para garantir a efetividade das ações e contenção da doença?

    Quantas vidas, quantas famílias, podem ser salvas com distribuição no Sistema Único de Saúde, de máscaras PFF2? Falo desta máscara pois ela tem como garantir certificação do InMetro. Assim, teríamos efetividade de segurança, ao invés do que ocorre com a distribuição de máscaras de pano, sem qualquer cuidado técnico de produção, para trabalhadores. Quando levaremos a sério e faremos disto lei e política pública?

    E quando a política adotará medidas que garantam a saúde do trabalhador, ao invés de jogá-lo nas ruas “para colocar comida em casa”?

    E quando as políticas públicas olhará dados epidemiológicos de mobilidade urbana, mobilidade de internações, tendências para estipular metas precisas, para além de “pedir” que pessoas fiquem em casa se possível?

    E quando as políticas públicas pararão de culpabilizar variantes pelas mortes, enquanto restringem horários de circulação na madrugada, mas os ônibus e metrôs seguem cheios?

    E quando perceberão que podemos abrir quantas vagas de UTIs quisermos, isso não acontecerá na velocidade em que a COVID-19 se espalha e não teremos leitos suficientes?

    E quando tomarão a decisão de colocar na ponta do lápis, ou na célula da planilha que pacientes em UTIs custam mais caro – e custam vidas – enquanto investir em auxílio emergencial, máscaras, vacinas e isolamento é mais barato e NÃO LEVA PESSOAS À ÓBITO?

    E quando vão parar de culpabilizar cada um de nós por termos que nos expor a um vírus que socialmente está nos esfacelando, enquanto permanecemos sem ministro da saúde?

    Por fim

    Em respeito a todos os que se despediram de nós neste 1 ano, nós gostaríamos de saber não mais “e se tivéssemos feito”, estamos agora lutando e COBRANDO pelo “e quando começarão a fazer?”

    E quando?

    21 de Março de 2021.

    Este texto é original e exclusivo do Especial Covid-19

    A arte de capa é de @clorofreela

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Tudo vale a pena por vacinas e divulgação científica? Funk e K-pop

    Semana passada fizemos parte de um grande evento de divulgação científica – bem militantes de internet, sabe? Sentados na frente da tela, e ficamos lá, por horas e horas 24/7 como dizem por aí, e no dia 21/01 aconteceu: viramos militantes de twitter.

    Como se não bastasse isso, os maiores grupos de divulgação científica do país (no fim do post a lista completa dos grupos) saíram convidando artistas e personalidades públicas para militar todos juntos.

    Descansa, militante: o mundo da ciência e suas campanhas

    Dia desses, fui interrogada sobre qual o motivo que eu achava que esta campanha feita por cientistas e divulgadores de ciência faria diferença e outras que tantas vezes fazemos – como marchas para ciência ou ações na internet – não fizeram.

    Claro que não tínhamos certeza, no momento em que a pergunta foi feita, que a campanha seria um sucesso (e ela foi). No entanto, já existiam alguns indícios de que teríamos algum destaque nas redes sociais. Assim, a confirmação de algumas personalidades influentes era um destes indícios.

    No entanto, a ideia não era apenas ter “personalidades” sorrindo e acenando para a campanha. Isto é, era – e segue sendo – defender conjuntamente ao nome “Todos pelas vacinas” que a vacina seja para todos.

    O diálogo com pessoas: nossa, isso existe!

    Um dos pontos que para mim foi interessante na campanha foi conversar com diversas personalidades famosas ou que tem lá seu público seguidor. Dessa forma, ao falar com estas pessoas, além de explicações sobre a campanha em si, eu conversava também sobre dúvidas das vacinas, a ciência e tudo mais. Às vezes a conversa engrenava para outras coisas, desde sugestão de pautas, até piadas e memes (Brasil né, mores).

    Quando eu soube que os K-pops iriam entrar no dia levantando a tag, e quando eu vi que Kondzilla divulgou nosso conteúdo eu percebi que a campanha estava acontecendo mesmo.

    E com o passar dos dias, eu soube responder meu colega melhor: essa campanha vai funcionar pois estamos conversando (ou tentando conversar) com pessoas.

    Como assim?

    Ora, existe muita dificuldade em fazer divulgação científica no nosso país ainda. Além disso, há falta de definições objetivas acerca do que é divulgação científica e diferenças de jornalismo científico ou de comunicação científica, uso de diferentes mídias e mídias sociais, dentre outros problemas que não cabem em um post…

    Todavia, há mais problemas em conseguirmos dialogar com quem é nosso “público não especialista” ou “público alvo”. O também conhecido e famoso termo “furar bolhas” ou “parar de falar para convertidos” (sinceramente, odeio este último). Mas sim, é difícil furarmos bolhas e conversarmos com quem está fora do círculo.

    Vamos lá…

    Uma das dificuldades é abordarmos a ciência de forma sisuda, fechada, ensimesmada, falando de seu rigor e robustez para si mesma, tão centrada em suas terminologias que não podem ter metáforas que ninguém além de nós mesmos, consegue entender.

    Outra dificuldade é acharmos que o que nós falamos é essencial para as outras pessoas e que elas deviam nos escutar. Afinal, estamos falando de verdades científicas relevantes de um modo supostamente acessível. Assim, nós estamos avisando… Mas não nos escutam.

    não que seja um problema comunicadores que não conseguem ser escutados, longe de mim dizer isto

    Tá, Ana… Desembucha

    Bom… talvez a gente não seja escutado por não estarmos escutando muito também. E quando eu digo escutar quero dizer parar um tempo e prestar a atenção no que outra pessoa, “gente como a gente”, está falando.

    Assim, ao invés de ridicularizar diminuir situações em que se articulam setores diferentes da nossa sociedade, talvez seja hora de cientistas e divulgadores aprenderem um pouco mais sobre como a sociedade funciona.

    O funk e o kpop não vão salvar a divulgação científica. Mas talvez nos salve de nós mesmos. Esta semana vimos um funk falando de vacinas e kpops e Army tuitando (insanamente) nossa campanha. Foram horas nos trending toppics. Teve Zé gotinha dançando até o chão, teve samba, teve chorinho, teve poesia declamada.

    Nada disso foi, em si, divulgação científica.

    Mas foi pela divulgação científica, por uma campanha promovida pela divulgação científica, tentando evidenciar conteúdos científicos dos grupos de divulgadores científicos. E foi por uma causa específica – as vacinas – para todos

    Não foi “nós (divulgadores e cientistas) por nós (divulgadores e cientistas)”. Propusemos uma campanha, para debater uma demanda social efetivamente para todos

    Para todos é K-pop. Mas, também é funk, rap, samba, frevo, milonga, moda de viola, sertanejo, axé, rock, ópera, clássico, ___ (insira aqui o ritmo que tu adoras e eu esqueci de mencionar).

    Para todos é aprendermos a olhar para a sociedade e percebermos sua não-homogeneidade. Quando falamos todos é por estarmos dispostos a ver, respeitar, pensar, ouvir a diversidade e entender (e principalmente aprender) por qual motivo as campanhas científicas nunca funcionam. Bem como, perceber que, em geral, quando falamos em todos, normalmente falamos em “grupos seletos que há décadas têm oportunidades similares às nossas”.

    O que eu aprendi como divulgadora científica?

    Nas redes, aprendi que K-pops sequestram pautas, têm posicionamento político, se baseiam em metas, se organizam e podem potencializar uma visibilidade na rede social, como podem pulverizar um movimento (e muito rapidamente).

    Com isso aprendi mais sobre algoritmos funcionando numa massa, do que em anos falando com pessoas que estudam academicamente isso e eventualmente me explicavam. Isto, óbvio, não é desmerecer colegas que arduamente tentaram me explicar. Só me fez pensar que as vezes a gente precisa quebrar a cabeça mesmo e aprender ficando embasbacado com o número girando ali na nossa frente.

    Na música, poesia e desenho, aprendi que o conceito científico não dá conta de nos emocionar e mobilizar. Mas a arte pega um detalhe da ciência e a transforma em combustível. Que faz chorar, sorrir e nos abraça e conforta de modos que métrica e estatística alguma vai dar conta de descrever, mensurar e especificar.

    Quer ver um pouco de nossa arte?
    VacinArtes

    Mas tudo aquilo se constituiu como divulgação científica?

    A divulgação científica pode ser entendida como um ato de comunicadores (cientistas e jornalistas, por exemplo) que apresentam a ciência de modo acessível a um público externo à academia ou àquela área específica que está sendo abordada (para saber mais sobre Divulgação aqui no blogs, recomendo o MindFlow).

    Tudo o que aconteceu no dia 21 de Janeiro foi dar visibilidade a uma causa, que tem como pano de fundo a ciência aplicada a uma causa social urgentíssima. #Todospelasvacinas se constituiu como uma campanha em prol da vacinação. Para que as pessoas compreendam o que é uma vacina e quais razões para confiar nas vacinas. Mas também para exigir e criar o debate de que as vacinas são um direito de todos e um dever do poder público – em todas as instâncias e níveis.

    Se o ato em si não foi divulgação (sei lá o preciosismo da questão aqui), ele foi um ato que levou às pessoas a procurar informações de divulgação científica. Sim, levou milhares de pessoas a procurar conteúdos sobre vacinas nos grupos que trabalharam no evento de lançamento.

    Sobre termos funk e kpop na campanha

    É um modo não apenas de dar visibilidade, mas também de aprender, mostrar e pensar que o que chamamos de cultura científica precisa lidar com o fato de ser cultura. E que kpop é cultura e funk é cultura.

    Talvez aqui precisemos olhar novamente para autores das áreas das humanidades e entender, novamente, o que é cultura, antes de falar que a cultura científica bibibi-bobobo não deveriam precisar disto ou daquilo se distancia de tudo isso e precisa se distanciar.

    Mas isto é tema de outro longo post.

    Este é o primeiro “Tudo vale a pena por vacinas e divulgação científica?”. Eu vou retomar o conceito de cultura, cultura científica e falar mais sobre o que aconteceu dia 21 de Janeiro e por qual motivo foi uma data histórica na divulgação científica brasileira. Também vamos falar sobre a importância de uma campanha como essa e sua continuidade, próximos passos e sobre os grupos que se envolveram de cabeça nesta empreitada. Por fim, um pouco dos bastidores da equipe e sua semana sem dormir, mas dormindo, para compor este coletivo que foi incrível.

    Todos pelas Vacinas
    Grupos que participaram:
    Observatório Covid-19
    Blogs de Ciência da Unicamp
    Rede Análise Covid-19
    UPVacina
    Equipe Halo
    Projeto Divulga
    Eu e as Plantas

    Para saber mais:

    Andrade, Karolin (2021) Organizações científicas lançam campanha “Todos pelas Vacinas”, para conscientizar sobre a importância das vacinas, Kondzilla.

    Gouvêa, Guacira (2015) A divulgação da ciência, da técnica e cidadania e a sala de aula. In: Giordan, M, Cunha, MB (org) Divulgação científica na sala de aula: perspectivas e possibilidades. 

    Kondzilla (2020) O que é Coronavírus, Covid-19?

    Kondzilla e Equipe Halo (2020) Qual é a das vacinas do Corona?

    Kusuma, A, Purbantina, AP, Nahdiyah, V, Khasanah, UU (2020) A Virtual Ethnogpraphy study: Fandom and Social Impact in Digital Era, ETNOSIA: Jurnal Etnografi Indonesia, 5(2):238–251.

    MC Fiote (2021) MC Fioti – Vai Com o Bum Bum Tam Tam (KondZilla)

    PORTO, CM, org (2009) Difusão e cultura científica: alguns recortes. Salvador: EDUFBA, A internet e a cultura científica no Brasil: difusão da ciência, p.149-165.

    Este texto foi escrito originalmente no blog PEmCie

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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