Tag: Políticas públicas em saúde

  • Políticas Públicas em Saúde e vacinação de COVID-19

    Temos falado muito da vacinação como pacto coletivo e como medida de políticas públicas em saúde. Mas vocês sabem o que isto significa? O texto de hoje vai falar um pouco sobre o significado de Política Pública e como isto se aplica ao contexto da saúde e, especialmente, da pandemia de COVID-19 e as vacinas.

    Pode parecer banal, mas Políticas Públicas é uma área de conhecimento que está situada nas Ciências Políticas. Ou seja, isto quer dizer que existe um campo de especialistas dedicados a estudar como as políticas públicas funcionam e se implementa, ao que se relacionam e quais efeitos se estabelecem em uma sociedade, ao se idealizar, desenvolver e estabelecer uma política pública.

    Mas o que significa Política Pública?

    Política pública, em um sentido prático ou concreto, pode ser vista como uma interferência direta do Estado na vida (e na manutenção da vida) de uma população. Esta interferência ocorre a partir do momento em que o Estado assume uma forma complexa, na modernidade. Dessa forma, as políticas públicas têm como principal função regulamentar a vida e os espaços públicos, analisando, organizando, legislando  e possibilitando espaços de liberdade, atuação e estrutura social, em uma sociedade e territórios também complexos.

    Pareceu difícil? Em termos gerais, as políticas públicas, como conhecemos hoje, têm como base a centralização de alguns poderes para organizar a vida de uma população, dentro de um território.

    Essa centralização pode acontecer em maior ou menor grau, dependendo do país e de sua política social e econômica. De qualquer modo, ao termos um estado centralizado, em um território determinado, em que uma população reside, teremos políticas públicas com maior ou menor interferência na vida desta população.

    Outro ponto que pode ser importante também de compreender é que políticas públicas não são leis apenas. Isto é, Políticas públicas dizem respeito a uma estrutura e organização que, sim, passam por leis. Todavia também dizem respeito aos programas de governo, às instituições governamentais, aos planejamentos públicos, ao levantamento de dados para análises públicas e estabelecimento de leis, programas, aos financiamentos públicos, dentre outras questões.

    Como vocês podem perceber, políticas públicas dizem respeito a um conjunto de ações em um estado centralizado, para uma população.

    Políticas públicas como estratégia e instrumento democrático

    É fundamental compreendermos que as políticas públicas são estratégias para organização e manutenção de uma vida em sociedade, dentro de um estado. Todavia, torna-se atualmente também fundamental entendermos que as políticas públicas são instrumentos de promoção e defesa de um estado democrático, a partir de estratégias específicas. Mais do que isto, são instrumentos que visam interferir na população por sua ação ou falta de ação. Ou seja, quando um governo decide não agir em algum acontecimento ou setor específico isto também é interferir, uma vez que produz efeitos específicos em uma população definida, dentro de um território nacional.

    Tendo em vista que as políticas públicas são uma área das Ciências Políticas, mas podem relacionar-se com qualquer aspecto da vida pública, elas têm algumas características específicas. São obrigatoriamente multidisciplinares, isto é, precisam de profissionais de diversas áreas para compreender um determinado aspecto ou acontecimento social, para definir ações para solucionar problemas. Além disso, nestas ações estratégicas também são predominantemente fundamentais os princípios éticos que vão reger as ações, visando prioritariamente a manutenção da dignidade humana, dentro de um estado democrático de direito.

    Assim, estes são princípios que regem as políticas públicas. Ou seja, quando pensamos em um problema específico relacionado a uma população, parte das perguntas que iniciam e atravessam toda a busca por soluções, por todos os profissionais envolvidos, é (ou deveria ser): como salvar a maior quantidade possível de pessoas e mantê-las sadias, salvas e com bem estar social mínimo.

    Dito isto, vamos ao próximo ponto…

    Qual a importância de se compreender o que é política pública, em um momento de pandemia?

    Talvez essa seja uma pergunta extremamente relevante para o contexto atual. Quando pensamos em uma política pública de saúde, por exemplo, existem muitos fatores a serem levados em conta. Não é apenas alguém de um governo dizendo:

    • Ah, eu quero que vacinem pessoas;
    • Eu acho que tem que tomar este medicamento e vou espalhar por aí.

    As políticas públicas de saúde são (ou deveriam ser) feitas a partir de dados de uma população. Que tipo de dados?

    • Quantas pessoas estão nascendo?
    • Quantas pessoas estão morrendo?
    • Do quê as pessoas estão morrendo?
    • Em que região se nasce e se morre mais?
    • Em que região as pessoas estão morrendo mais? De que causas?

    Em relação à COVID-19, por exemplo, não basta ter testes diagnósticos (o que temos muito pouco), é preciso analisar quem está falecendo em relação à idade, características de saúde e doenças prévias, condições sanitárias, habitacionais, classe social, etc.

    No cruzamento destes dados, teremos alguns perfis que adoecem mais. A partir disso, poderemos estabelecer estratégias específicas para cada grupo social e parcela da população (desde campanhas de conscientização, até cuidados básicos e protocolos de atendimento). Isto é, não adianta eu criar uma campanha sobre cuidados básicos com personagens infantis (por exemplo) e usar para atingir pessoas da terceira idade. Também é sem sentido eu criar protocolos de pronto atendimento para idosos em postos em que só atendem crianças até 10 anos.

    Assim, políticas públicas de saúde dizem respeito a um conhecimento técnico da população, com levantamento de longa data, e organização deste conhecimento para aplicar estratégias de manutenção da saúde e combate à doenças. Isto vai desde legislações, passando por instituições (postos de saúde, hospitais, formação profissional, alocamento de materiais e recursos, logística), até comunicação em campanhas.

    E as vacinas?

    Uma das questões polêmicas contemporâneas é a obrigatoriedade da vacina, o passaporte vacinal e a vacinação de crianças. Isso têm relação com política pública? Como?

    Nós sabemos que a vacinação infantil têm gerado polêmica e há muitos pais, mães e responsáveis com muito medo de vacinar. Esse receio vem sendo promovido pelo discurso de que a vacina é experimental e as crianças seriam cobaias de um experimento em massa.

    Bom, já vamos logo dizendo que não! A vacina que vai ser disponibilizada para as crianças em nosso país não é experimental. Ela passou por todas as etapas de testes, foi analisada por pares, registrada em instituições internacionais de pesquisa, que acompanham passo a passo os resultados. Ao final de todas as etapas, as fábricas que produzirão as vacinas também são vistoriadas para a aprovação final de uma vacina em países como o nosso.

    Dito isso, voltemos à questão das políticas públicas de vacinação. A pergunta relacionada às políticas públicas em saúde e vacinação normalmente têm sido:

    • Se a vacina é obrigatória, como pode ser escolha dos pais?
    • Se eu quiser não vacinar meus filhos, por qual motivo eu deveria estar batalhando tanto para que a campanha de vacinação ande logo no Brasil?

    A vacinação obrigatória e a vacinação compulsória

    Primeira questão: a vacinação ser obrigatória não a torna compulsória. Ou seja, nossas políticas públicas em saúde são cruzadas, quando se trata de vacinação. Isto quer dizer que não se vacinar pode te restringir acesso a serviços públicos e privados em nosso país – ou mesmo internacionalmente. Por exemplo, um país e/ou estado pode restringir, legalmente, matrícula em escolas, prestar serviço público, circular em determinados espaços públicos ou estabelecimentos. Tratamos desta questão no texto sobre Passaporte Vacinal.

    A vacina, todavia, segue sendo uma escolha pessoal e individual e não é compulsória. Com isto, queremos dizer que não há nenhum agente do governo federal, estadual ou municipal que entrará na tua casa à força e te vacinando (ou vacinando teus filhos) contra a tua vontade. 

    Não quero vacinar, tanto faz o governo comprar ou não vacina!

    Considerando que a vacinação é um pacto social e que precisamos de uma ampla cobertura vacinal para diminuir casos de infecção, riscos de agravamentos e, também, transmissão do vírus SARS-CoV-2, faz muito sentido batalharmos por ações de vacinação em massa sim!

    Se a vacinação é uma ação pública em nosso país, nós deveríamos ter um plano para torná-la disponível à população brasileira. E como podemos fazer isto?

    Assim, vou considerar neste texto que a vacina foi aprovada pela ANVISA e esta etapa não precisa mais entrar na nossa conta, ok? Também vou considerar apenas as crianças de 5-11 anos, que é o foco atual da vacinação de COVID-19. Dessa forma, vou traçar aqui alguns pontos que podem ser importantes sabermos para estabelecer uma política pública de vacinação:

    • Número de crianças de 5 a 11 anos e número de crianças que farão 5 anos em 2022 no Brasil;
    • Distribuição destas crianças no território nacional (quantas crianças por estado e município brasileiro);
    • Quantidade de doses suficientes para vacinar 100% das crianças nesta faixa etária;
    • Numero de seringas e agulhas necessárias para aplicar as vacinas;
    • Quantidade de profissionais para aplicar estas vacinas;
    • Organização de um calendário de vacinação;
    • Organização de critérios de prioridades para vacinar – diminuindo aglomeração de pessoas em postos de vacinação;
    • Compra de vacinas;
    • Distribuição de vacinas;
    • Armazenamento de vacinas;
    • Treinamento de profissionais, caso necessário;
    • Impressão de carteirinhas de vacinação específica;
    • Campanha de vacinação (oi, Zé Gotinha!);

    Esta lista não se pretende completa, de modo algum. Entretanto, é um bom exercício para percebermos que políticas públicas de saúde não dizem respeito necessariamente ao exercício da medicina, por exemplo. A vacinação de crianças envolve dados que vão desde censos populacionais, até compras, licitações, logística, espaços de armazenamento, formação profissional, etc.

    Só isso?

    Também é preciso de algo que vou chamar aqui de ação coordenada. Ou seja, é um diálogo e estabelecimento de protocolos que são estruturados por um órgão máximo de um país – como o Ministério da Saúde – e repassados para órgãos equivalentes regionais – como as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

    Quando estabelecidos os protocolos e este diálogo, também se sabe quais as condições que estados e municípios têm de efetivar esta política pública. Portanto, é neste diálogo que se consegue desenvolver estratégias de execução destas políticas, caso precise de algum suporte federal aos estados e municípios.

    Políticos (seja do poder executivo, seja do poder legislativo) e instituições políticas governamentais (ministérios, secretarias, por exemplo) e instituições jurídicas (como o STF) sabem destes trâmites todos com mais detalhes. E é por isso que são considerados GOVERNO representados por 3 poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

    É possível compreender a complexidade de ações envolvidas em algo que parece tão simples, como o ato de vacinar pessoas?

    Pois é! O Programa Nacional de Imunização, o famoso PNI, foi pensado e estruturado em pleno período de governo militar brasileiro, em 1973! 

    Já tivemos vários êxitos maravilhosos desde a criação do programa. Por exemplo, podemos destacar a erradicação da Varíola, em 1977 e da poliomielite, em 1989, no território nacional! Assim as vacinações entram no que chamamos de Políticas Públicas de Saúde Preventivas. Isto é, uma política pública que visa, através de suas ações, prevenir doenças (ou evitar ao máximo que a população chegue a adoecer e, caso adoeça, evitar ao máximo que faleça).

    A vacinação de crianças não é só um tema banal a ser debatido em dias comuns por pessoas comuns – como nós. Independente de querermos ou não vacinar crianças (embora nossa recomendação seja fortemente de que vocês vacinem as crianças assim que possível), precisamos que as vacinas estejam disponíveis para nossas crianças o mais rápido possível! Mas, para isto, precisamos de planejamento, organização, estrutura, compras, viabilização de transporte, espaço físico para armazenamento, treinamento técnico, estabelecimento de protocolos, definição de diretrizes.

    Em suma, políticas públicas de saúde são sobre tudo isso (e mais um pouco). E é por isso que temos perguntado todos os dias (e seguiremos perguntando):

    Em que pé estão os planejamentos para a vacinação das crianças?

    Para Saber Mais

    Documentos Oficiais Brasileiros:

    Programa Nacional de Imunizações – Vacinação

    CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

    Lei Orgânica de Saúde – LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990.

    Outras Bibliografias

    Azevedo, JML (2004) A educação como política pública, Campinas: Autores associados.

    Derani, C (2004) Política pública e a norma política, Revista da Faculdade de Direito UFPR

    Marques, E, Faria, CAP (2018) A política pública como campo multidisciplinar, São Paulo: Editora UNESP, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.

    Paulus Junior, A, Cordoni Junior, Luiz (2006) Políticas públicas de saúde no Brasil Revista Espaço para a Saúde, Londrina, v8, n1, p13-19.

    Reis, DO, Araújo, EC, Cecílio, LCO (s/d) Políticas Públicas de Saúde no Brasil: SUS e pactos pela Saúde, Unifesp.

    Santos, Nelson Rodrigues dos (2007) Desenvolvimento do SUS, rumos estratégicos e estratégias para visualização dos rumos Ciência & Saúde Coletiva, v12, n2, pp 429-435 (Acessado 30 Dezembro 2021).

    Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Ana é coordenadora do Especial COVID-19. 

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Que medidas preventivas são necessárias neste momento contra a COVID-19 em nosso país?

    Nós sabemos da chegada da variante Delta em todo o território Nacional. Sabemos também que são necessárias duas doses da vacina, e que precisamos esperar o tempo de imunização da segunda dose – o chamado esquema vacinal completo – para nos protegermos de fato do agravamento da doença causada pelo coronavírus. Muito tem se falado também sobre as medidas não farmacológicas, e aí fica o questionamento:

    – “Mas só a vacinação basta?”

    Não!

    Temos dito, desde o ano passado, que estas vacinas de primeira geração seriam fundamentais para diminuir a quantidade de mortes e a circulação do vírus. Assim como também temos falado continuamente que a vacinação precisaria ser um processo rápido e populacional, aliado às medidas públicas de saúde. As tais “medidas não farmacológicas”.

    Estas medidas não farmacológicas têm sido uma das grandes pautas da divulgação científica desde os primórdios da pandemia. É claro, as recomendações variaram um pouco dos primeiros meses (entre março e junho de 2020) para cá. 

    Atualmente enfatizamos continuamente que a COVID-19 é transmitida pelo AR. Isto quer dizer que a higienização não é importante? Não. Quer dizer que a higienização não é o ato em que precisamos nos concentrar. Até porque higienização é importante para prevenir várias infecções ( sempre bom lembrar…).

    A grande questão reside em dois pontos: o que podemos fazer como medidas individuais de proteção (medidas que são limitadas) e quais deveriam ser medidas de política pública de saúde? Falei sobre isso neste post aqui, recentemente. Vou retomar alguns pontos e lançar outros para pensarmos juntos…

    Inicialmente, vou defender novamente que não deveríamos ter retomado todas as atividades, sem qualquer restrição de horários, rodízios de trabalhadores ou outras precauções. A partir disto, o que eu tenho escutado?

    – “Mas têm que voltar, não adianta, os serviços têm que retornar sim!”

    Realmente, em um país em que governantes tiveram dificuldade para adotar medidas que diminuíssem os números de casos de forma responsável durante o enfrentamento da pandemia, tem sido cada vez mais difícil permanecer em casa

    Temos, todavia, banalizado situações que são absolutamente dispensáveis agora.Em especial frente a transmissão da variante Delta, que segue avançando no país em um panorama de cerca de 700 óbitos diários (o que nos dá cerca de 5.000 mortes semanais).  

    Mas, quais são as medidas não farmacológicas que nós deveríamos prestar a atenção e deveriam ser uma prioridade nas políticas públicas?

    Uso de máscaras

    Preferencialmente PFF2, especialmente em espaços de trabalho, em ambientes fechados e pouco ventilados, ou nos ambientes abertos, mas com muitas pessoas. As PFF2 têm um Projeto de Lei 1054/21 desde março deste ano no legislativo federal para que sejam consideradas Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). A aprovação dessa lei garantiria aos trabalhadores que as próprias empresas e empregadores fornecessem esse tipo de máscara, como medida MÍNIMA para retornos mais seguros ao trabalho presencial.

    Porém, mesmo no setor público isso não tem sido feito. O Estado, por exemplo, tem oferecido máscaras de pano para os docentes voltando às escolas públicas. Lembrando que máscaras de pano não são consideradas EPI, e não sendo indicados como proteção individual em espaços fechados, mesmo que ventilados.

    Distanciamento social ou físico

    Há um grande debate sobre o termo correto: físico ou social. Todavia, a nós importa que: em ambientes abertos, deveríamos ter um distanciamento adequado entre pessoas. Já em ambientes fechados com pouca ou muita ventilação, além do distanciamento entre as pessoas, deveríamos ter a menor permanência possível.

    O espaçamento entre pessoas, nessas retomadas, vem sendo sugerida como  “1 metro”. O que contraria medidas debatidas pela ciência desde meados de 2020 (que aponta cerca de 2 metros).

    Espaços ventilados

    Atividades conduzidas nestes ambientes deveriam ser prioridade em tempos como estes. Dessa forma, algumas perguntas são relevantes aqui também: Há condições de o espaço fechado ter ventilação adequada? Constantemente? Com qual lotação/ocupação? Qual o tempo de permanência máxima?

    Este item é fundamental, considerando que grande parte de nossos serviços desenvolvidos atualmente acontecem em ambientes encerrados entre paredes com poucas (ou mesmo nenhuma) janelas.

    Testagem e rastreio

    Parece um absurdo falar em teste e rastreio em pleno 2021. Mas é isto… O Brasil segue em segundo lugar no mundo em número de mortes por COVID-19. Todavia, quando falamos em quantidade de testes por milhão de habitantes, estamos em 124º lugar no mundo. A subnotificação passou a ser um tema tão banal que a ignoramos absolutamente enquanto informação básica no debate sobre COVID-19.

    Entretanto, considerando que agora as últimas barreiras de cuidados sanitários (fora o uso de máscaras) foram derrubadas, este é um tema que deveria ser (finalmente?) levado à sério. É necessário testar! Também é necessário ter protocolo de testes constantes, por grupos, por amostragem, de forma rotineira nas empresas. É urgente a indicação de isolamento de pessoas que testaram positivo e análise de quem teve contato com elas também.

    Isto é testagem e rastreio. O protocolo do estado de São Paulo, por exemplo, não indica como deve ser feito, quem analisa e quem paga por tais testes. Apenas aponta a necessidade de o poder público ser notificado dos resultados. Nas indicações de testes constantes, há recomendação de teste sorológico e não um teste de detecção do vírus.

    Em um país em que o trabalhador está em alta vulnerabilidade, os testes e rastreamentos acabam ficando sob o encargo de quem?

    Este questionamento serve também para o setor público, que têm realizado testes para a retomada, como se ela fosse segura apenas por termos o resultado negativo em mãos. Não. Não é.

    A testagem que temos debatido e enfatizado não é isolada, individual e pontual. É uma estratégia constante, periódica, para monitoramento seguro dos espaços coletivos de trabalho. E é realmente lastimável que, como política pública, estejamos debatendo isto neste momento, novamente.

    A dificuldade de implementação de testes não deveria ser uma questão, após 18 meses de pandemia. Não deveríamos, com a quantidade de casos diários notificados, estarmos fazendo tão poucos testes ainda. Testagem e rastreio em ambientes coletivos de trabalho deveria ser, há muito tempo, uma realidade.

    Não deveríamos, com tão pouca gente com o esquema vacinal completo, estar brincando de indicar testes ao aparecimento de sintomas, quando a doença tem transmissão iniciada antes desses sintomas surgirem. E aqui, nem alarmista, nem intransigente: estamos falando de indicações científicas que estão sendo feitas há meses e meses.

    – “Ah, mas e o home office, segue válido como opção”?

    Outra questão que seria importante é reforçar para empresas que têm condições de manter seus funcionários em home office, continuaram assim. Mesmo com duas doses de vacina!

    Por quê? Ora, em uma pandemia respiratória, com a circulação de novas variantes, sem o controle de transmissão, a diminuição da mobilidade urbana ainda é uma das ferramentas mais fundamentais para estancar o quanto for possível a circulação do vírus.

    Isto quer dizer que mesmo com pessoas tendo sintomas menos severos e lotando menos UTIS – e até falecendo menos – ainda temos uma transmissão alta em nosso país. Lembrando que não estamos mais vivendo o caos que vimos entre janeiro e abril de 2021. Entretanto, o “falecendo menos” mencionado antes está longe de “falecendo pouco ou próximo de zero”. Além disso, estamos transmitindo muito, contaminando muito e, apesar de as UTIs do país estarem em uma aparente tranquilidade, a nossa taxa de óbitos ainda segue muito alta, com cerca de 700 pessoas morrendo por dia

    Em que momento passamos a aceitar como tranquilo este fato?

    Hoje, dia 6 de setembro, foi noticiado que cerca de 2 milhões de testes para COVID-19 estão vencidos e serão incinerados. Não é a primeira vez que vemos este tipo de situação sendo noticiada em nosso país. O teste, monitoramento de sintomas e rastreio de contatos ainda não é levado a sério, quando se trata de possibilitar aos trabalhadores a permanência em suas residências para que se recuperem dos sintomas.

    Em protocolos oficiais, ainda existe como recomendação o monitoramento e teste de acordo com os sintomas aparentes, conforme designação no posto de saúde – aqui em São Paulo, ao menos. É importante termos em mente que um teste de antígeno (ou seja, que indica a presença do vírus ou de partículas do vírus) nos indica a contaminação entre 3 a 7 dias após o início dos sintomas. Considerando que os sintomas podem acontecer a partir do 2º até o 14º dia após o contágio – mas é mais frequente após o 5º dia, temos um tempo entre a contaminação e o início dos sintomas. E nestes dias já podemos estar contaminando pessoas.

    Por isso, o monitoramento, rastreio e testes são fundamentais. Além disso, seria importante (no mínimo) testes por amostragem em grupos, especialmente em situações de muito contato entre os trabalhadores ou destes com o público (como escolas e algumas empresas de serviços de atendimento).

    Finalizando

    Nós ainda lidamos com monitoramento, rastreios e testes como um luxo e uma estratégia de dificuldade logística, após 18 meses de pandemia. Mesmo considerando que esta estratégia nos possibilita diminuir a circulação do vírus exatamente por isolarmos casos e contatos dentro dos setores de serviço.

    Em todo o tempo da pandemia, nunca foi sobre manter todos os serviços fechados por tempo indeterminado: mas sobre planejar estruturalmente retornos seguros para pessoas não adoecerem, não morrerem e para diminuirmos a circulação do vírus.

    Nenhuma medida deveria constar como uma opção recomendável se acarreta em uma falta de segurança mínima para seres humanos de nosso país.

    Para saber mais

    BRASIL (2021) Projeto de Lei 1054/21

    BRASIL (2021) Ficha de Tramitação do Projeto de Lei 1054/21

    CONSTANZA, R, LOPES, R, VARGAS, M Governo Bolsonaro deixa vencer R$ 243 mi em vacinas, testes e remédios Folha de São Paulo 6 de setembro de 2021 

    Jones N R, Qureshi Z U, Temple R J, Larwood J P J, Greenhalgh T, Bourouiba L et al (2020) Two metres or one: what is the evidence for physical distancing in covid-19? BMJ 2020; 370: m3223 

    Documentos oficiais de São Paulo (2020):

    Protocolo de acompanhamento das condições de saúde para organizações privadas

    Resolução SS – 85 de 10-06-2020

    Protocolos Sanitários Educação – Segundo Semestre 2021

    Retomada Consciente (2021)

    Protocolo Sanitário Intersetorial

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • As informações e a responsabilidade dos dados em nossas mãos: o caso das vacinas vencidas

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt, Beatriz Ramos, Erica Mariosa Carneiro, Flávia Ferrari, Marina Fontolan, Mellanie Fontes-Dutra

    A cada notificação viralizam informações e tudo acontece em uma velocidade maior do que conseguimos processar. São tempos delicados e, além da sobrecarga de trabalho que muitos de nós temos enfrentado, acompanhamos os calendários de vacinação, avisamos amigos, familiares e conhecidos. Organizamos documentos, textos, vídeos, postagens e – no meio de tudo isto – respondemos às notificações que pipocam em nossas redes sociais.

    A cada dia que se passa, em nossos coletivos de divulgação científica, temos debatido estas informações. Assim, antes de publicar qualquer coisa, buscamos alguma consulta – mesmo que seja mais um “calma lá, vamos pensar juntos” do que a precisão da informação ou conhecimento técnico em si. O tempo da informação que sobrecarrega nossos espaços é maior do que o tempo que temos para averiguar tudo. É sempre preciso parar, ponderar e analisar como aferir estas notícias que nos chegam. Isto para conseguir responder as perguntas que começam a aparecer direcionadas em nossas redes.

    Hoje foi um destes dias: logo no início da tarde começaram a chegar mensagens sobre vacinas vencidas sendo aplicadas. Começamos a debater sobre como isto seria possível (vencer vacinas em um cenário em que faltam doses nos pareceu assustador). Dessa forma, resolvemos que era uma boa hora para conversarmos sobre responsabilidade com os dados que recebemos e como agir frente às avalanches de mensagens.

    Vale a pressa da notícia?

        Entre a pressa por termos algo não apenas importante – mas que sobressalta nos tempos que estamos vivendo – e os impactos que isto pode gerar (previstos ou não), há um limbo em que residem as ponderações. Algumas das perguntas que sempre são boas de serem feitas:

    • Eu preciso publicar AGORA este material?
    • Têm como aferir mais uma vez estes dados?
    • Existe outro modo de eu chegar a esta informação, para uma segunda, terceira ou quarta conferência das fontes?
    • Vale a pena esperar ou isto requer uma urgência em que estas questões não devem nem ser cogitadas?

    Bom, supondo que nós conferimos tudo e realmente consideramos que é importante publicar a informação: como fazê-la? Click-baits, ou seja, manchetes criadas de forma sensacionalista, podem criar pânico, medo e confusão desnecessários numa população.

    Não estou entendendo onde vocês querem chegar…

    A notícia de pessoas sendo vacinadas com vacinas vencidas foi exatamente este caso: um dado publicado às pressas e com uma manchete estilo click-bait. O resultado? Uma parcela da população com acesso já restrito à vacinação e à informação de qualidade entra em pânico. Outra parcela que já tomou a vacina e não sabe acessar dados com precisão, mais pânico ainda.

    Assim, o cuidado com a forma como a notícia é escrita e veiculada é de grande relevância para que a população possa tomar decisões racionais com quais atitudes tomar. É claro que um jornal precisa chamar a atenção para suas matérias. É óbvio que se há desencontro entre as informações de registro de vacina e datas de validade, é fundamental que isto seja averiguado (e com urgência!). Mas qual o limiar entre a notícia e a geração de pânico? 

    Tendo em vista os comunicados publicados logo após a reportagem, há vários indícios de que pode, sim, ter havido desencontro de registros de vacinações e datas de vencimento – o que, sim, precisa ser averiguado e investigado. Mas definitivamente é passível de ser solucionado e conferido.

    Mas teve mesmo pânico?

    Só ontem, entre nossos grupos de divulgação científica, grupos de amigos/familiares/colegas e mensagens particulares nossas e das redes sociais, foram mais de 10 horas buscando informações e respondendo perguntas. Alguns colegas que trabalham tanto em bancos de dados, quanto em centros e postos de saúde também nos ajudaram a entender melhor o que podia estar acontecendo.

    Isso tudo para elaborar respostas que, simultaneamente, atendessem ao que estava sendo perguntado e acalmassem os ânimos antivacina ou de dúvida sobre como tudo vem acontecendo. Sim, reportagens como estas causam insegurança em todo o processo vacinal e não apenas na vacina aplicada individualmente. Vamos explicar como procedemos quando este tipo de notícia chega nestas nossas redes sociais (particulares ou dos coletivos).

    Um breve relato

    Um de nossos colegas que atua diretamente com estes procedimentos, inclusive, foi verificar os bancos de dados e conferir as doses de seu município. O que encontrou? Incongruências entre o dia de aplicação das vacinas e o registro dos dados. Ao entrar em contato com as pessoas vacinadas, solicitando as datas de vacinação percebeu-se que não a aplicação das vacinas aconteceram antes da data de validade vencer. A data de registro que foi ao sistema era a que aparecia no banco de dados – e não a data de aplicação da vacina. 

    Algumas destas vacinas foram aplicadas dias após chegarem ao nosso país, em fevereiro. Mas os registros no sistema aconteceram algumas semanas depois. Isto é, alguns postos repassam os dados de vacinação com atraso. Mas calma, coletam-se todos os dados no dia de vacinação, mas não necessariamente em planilhas já unificadas. É preciso que manualmente sejam inseridos no sistema final que alimenta o banco de dados do Ministério da Saúde. E é neste ponto que alguns erros acontecem.

    É importante averiguar isto? Sim! É preciso que melhoremos o sistema inteiro de registro de dados? Também. É nosso papel invalidar o trabalho de quem está lá na ponta atendendo mil demandas simultâneas e tentando fazer tudo da maneira mais ágil possível? Não, definitivamente não.  

    Nosso papel hoje ao longo do dia

    Após a publicação, sobre a aplicação de quase 26 mil doses de vacinas vencidas, muitos de nós, que trabalham com divulgação científica sobre COVID-19, começamos a receber a reportagem perguntando como proceder. Neste caso, antes de mais nada, nossa postura sempre foi de acalmar as pessoas, tentar entender o que estava sendo noticiado e buscar dar um passo a passo básico.

    Parece bobeira, mas as pessoas, antes de averiguar seus próprios dados, saem enviando as notícias e perguntando o que vai acontecer – como se 26 mil doses, em um universo de milhões de doses – fosse o maior fim do mundo desta história recente. Não, não é. Precisa ser averiguado SIM, mas há passos fundamentais para compreendermos melhor como proceder, sem se exasperar. Então fizemos o quê? 

    Além disso, sempre a informação que vai junto nestas ocasiões segue sendo:

    • É importante lembrar que a vacinação é um ato que não apenas ajuda a te proteger, mas ajuda a proteger outros à sua volta. Assim, além de tomar a vacina quando chegar a sua vez e voltar para tomar a segunda dose confira as informações do teu cartão, peça ajuda dos funcionários que estão te atendendo, se tiver dúvida: pergunta.
    • Não tenha receio de pedir as informações, seja respeitoso com quem está te atendendo nos postos de saúde e ajude sempre quem tem mais dificuldade de acessar informações sobre calendários, cronogramas e agendamentos de doses!

    Nosso posicionamento

    Respeitamos as pessoas que organizaram os dados e publicaram a reportagem, consideramos que sua postura ao longo deste ano no combate à pandemia, buscando informações técnicas e oficiais seja fundamental. Nosso posicionamento aqui não invalida, em nada, seu trabalho. Dessa maneira, nosso texto hoje, dentre tantos temas abordados, aponta que nosso posicionamento ao comunicar ciência inicia-se no levantamento de dados, aferição de conteúdo e organização das informações. Mas também se faz desde a escolha do título, até cada palavra escolhida para organizar nossas frases e parágrafos. Como apontamos anteriormente.

    Entretanto, ressaltamos que esta não é a primeira vez que esta discussão vem à tona, embora não tenha acontecido uma repercussão grande na primeira publicação de outro veículo de notícias. Apontamos que tudo o que mencionamos no texto hoje, sobre os cuidados e responsabilidades com a comunicação, valem para os dois casos.

    Inclusive, relembramos que em casos assim, existe uma responsabilidade em cascata de aferição de lotes, dados de sistema, registro no sistema e conferências de vacinas e datas de validades desde a base (quem está aplicando nos postos) até o Ministério da Saúde, passando por secretarias municipais e estaduais.

    Sobre os cuidados em cada etapa

    Devemos cuidar, também, sempre em quem recaem as culpabilizações nestes casos e como isto fragiliza, muitas vezes, os trabalhadores da saúde que estão na ponta atendendo à população, sobrecarregados e executando muitas tarefas simultâneas sem que, muitas vezes, tenham o suporte necessário para isto. E essa questão, ressaltamos enfaticamente, não costuma ser pauta. Mas precisa ser levada em consideração. Os tons acusatórios podem ajudar a termos cliques na reportagem, mas não ajudam a encaminhar soluções para as situações denunciadas. 

    Assim, dito isto, consideramos também é fundamental sempre olhar para os dados e se perguntar: existe outra explicação para isto que eu possa ter deixado passar? Este é um tema sensível e é fundamental termos esse cuidado.

    Sobre a Comunicação e a agressividade em rede

    Por fim, rechaçamos todo e qualquer ato de desrespeito às pessoas que escreveram a matéria e compreendemos que um veículo de comunicação não tem uma notícia produzida por uma ou duas pessoas apenas. Além disso, atos de cancelamento e falas agressivas e de ataques pessoais nunca fazem parte de um debate democrático e que busca compreender os dados científicos e acontecimentos cotidianos, especialmente quando envolvem COVID-19 e vacinação.

    *Atualização em 04/07/2021: Após a publicação deste texto a reportagem “Registros indicam que milhares no Brasil tomaram vacina vencida contra Covid; veja se você é um deles” abriu para leitura sem restrições.

    * Atualização em 07/07/2021: A Folha publicou o seguinte texto aberto: ” Folha errou ao não afirmar que dados sobre vacinas vencidas poderiam decorrer de falhas do sistema; texto foi alterado – Reportagem apontou problemas no processo de vacinação e registro de informações; quem recebeu AstraZeneca deve conferir lote e validade no cartão”

    Para saber mais

    CONASS, CONASEMS (2021) Nota Conjunta Conass e Conasems sobre a aplicação de doses vencidas da vacina Astrazeneca/Fiocruz

    GAMBA, E, RIGHETTI, S (2021) Registros indicam que milhares no Brasil tomaram vacina vencida contra Covid; veja se você é um deles Folha de São Paulo, 2 de julho de 2021

    MARQUESINI, L, VELEDA, R (2021) Dados da Saúde mostram aplicação de 1,2 mil doses vencidas da AstraZeneca em 23 estados Metrópoles 24 de abril de 2021

    PARANÁ (2021) NOTA – Estado do Paraná não recebeu e não distribuiu vacinas contra a Covid-19 fora do prazo de validade

    VIVA BEM, UOL (2021) Municípios negam ter aplicado vacina vencida e culpam sistema de dados

    G1 SÃO PAULO (2021) Prefeitura de São Paulo nega aplicação de vacinas com validade vencida G1 SÃO PAULO, 02 de julho de 2021

    As Autoras

    As autoras são pesquisadoras e divulgadoras científicas da rede Todos Pelas Vacinas e organizaram em conjunto este texto posicionando-se em seus nomes e pelo Todos Pelas Vacinas também.

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19 junto com o movimento Todos Pelas Vacinas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • 500 mil mortos, corrida das vacinas e os esquecidos da segunda dose

    Apenas 49 dos 5.570 municípios brasileiros possuem mais de 500 mil habitantes. Na outra ponta, teríamos que juntar os 257 municípios com menos habitantes para representar a quantidade de vidas perdidas pela COVID-19 no Brasil até o dia 19 de junho de 2021 (dados extraídos da projeção populacional IBGE 2020). O que a segunda dose tem a ver com isso?

    Estamos com essa quantidade enorme de vidas perdidas. Este “dado” – pessoas que partiram – nos coloca em segundo lugar no ranking de mortes por COVID-19 no mundo e após 15 meses de pandemia declarada. Todavia, ainda não temos políticas públicas efetivas para o controle da pandemia no Brasil. 

    “Mas agora temos vacinas”, eles dizem. Sim, entretanto apenas 24 milhões de pessoas, dos mais de 211 milhões de brasileiros, tomaram a segunda dose da vacina. Isto é, 11% de cobertura vacinal. Lembrando que só as duas doses garantem a imunização completa.

    Não estamos seguros.

    Em meio a arraiás de vacinação, memes de corrida e organização de eventos testes, a terceira onda já começa a aparecer. Isto é, aquela onda que mais parece um tsunami que não acaba nunca. Cidades do interior de São Paulo como Campinas e São José do Rio Preto já voltaram às medidas mais restritivas. Por exemplo, medidas como fechamento de comércio e toque de recolher noturno.

    A corrida das vacinas serviu para alimentar a esperança da população de que finalmente enxergamos uma luz no fim do túnel da pandemia no Brasil. Apesar disso, em reunião da OMS já fomos alertados de que apenas a vacinação não será suficiente para conter o avanço das diversas variantes do SARS-CoV-2 no país. 

    Ainda que prefeitos e governadores estejam adiantando a aplicação da primeira dose em adultos, e a cidade do Rio de Janeiro tenha incluído adolescentes em seu calendário de vacinação, o Brasil encontra alguns problemas. 

    Gráfico 01. Porcentagem estimada da população idosa com mais de 70 anos vacinada no Brasil com qualquer uma das vacinas contra COVID-19 aprovadas no país. Em laranja estão representadas a primeira dose. Em azul estão representados aqueles que tomaram duas doses da vacina. 

    Dados disponíveis no dataSUS (que você pode consultar aqui)  mostram que a população de idosos, que começou a ser vacinada em fevereiro, ainda carece de segunda  dose. Assim, aproximadamente 92% dos idosos com mais de 70 anos tomaram uma dose da vacina, e somente 74% tomaram a segunda dose. Além disso, é interessante notar que a partir dos 80 anos, a taxa de retorno para a segunda dose cai em relação a faixa entre 70 e 79 anos. 

    Mas tem mais questões aí…

    Quando observamos os dados por estado também vemos algumas discrepâncias. Enquanto alguns já estão próximos a 90% da imunização dos idosos, outros ainda estão na faixa de 50%. Em 18 estados há uma imunização maior em suas capitais, o que mostra que ainda precisamos investir muito em campanhas no interior dos estados. 

    Gráfico 02. Porcentagem de idosos com mais de 70 anos vacinados contra COVID-19 separados por Unidade Federativa e respectiva capital. Em roxo está representado por estado a porcentagem de pessoas que tomaram as duas doses da vacina. Em verde, a porcentagem dos idosos residentes da capital de cada estado que tomaram duas doses da vacina. 

    Assim como já discutimos no texto sobre a importância da segunda dose das vacinas, que você pode ler aqui, reforçamos que é necessário melhorar a divulgação do calendário de vacinação para a população.

    Sobre comunicação científica e campanhas de vacinação

    Quando falamos em reforçar a divulgação, não estamos falando da divulgação científica não. É campanha PESADA EM MÍDIAS ACESSÍVEIS A TODOS: televisão, jornais, rádio, panfletos em postos de vacina. É fundamental que pessoas sem acesso à internet, por exemplo, tenham uma informação precisa acerca de datas de vacinação, processos de agendamento e retorno. Este procedimento é obrigação dos governos, pois faz parte de uma política pública de massa que PRECISA SER EFETIVADA O QUANTO ANTES.

    Possuímos vacinas com intervalos de imunização diferentes, que podem gerar confusão na hora do retorno, principalmente em pessoas mais velhas. Estas pessoas precisam, sim, de informações precisas acerca dos calendários. Além disso, de nada adianta correr com o calendário e divulgar novas datas mais cedo no cronograma anterior se as vacinas previstas não estão chegando – ou a população não está indo se vacinar. Vacinação é política pública, precisa de previsão, organização e estrutura da maquinaria do estado. Já fizemos isto antes com maestria, já fomos referência mundial de vacinação. Sabemos fazer isto, mas saber não é o suficiente: precisamos deliberadamente atingir a todos e conseguir que as pessoas compareçam nos postos de vacinação!

    E quanto a nós?

    Nós, formiguinhas em meio à turbulência seguimos trabalhando e buscando tornar a informação acessível. Todos nós, cidadãos, podemos contribuir ajudando àquelas pessoas que têm dificuldade de acesso (seja por falta de acesso confiável e segura pela internet, seja por falta de condições de acessar à internet, dificuldade de leitura, dentre outras questões).

    Não esqueça de informar seus familiares e conhecidos sobre quando chegar a hora deles se vacinarem, pergunte se já se inscreveram e se estão acompanhando os calendários.

    E, lembre-se, mesmo depois de vacinados, continuem usando máscara e praticando o distanciamento!

    Agradecimentos

    Neste texto, agradecemos imensamente à Sabine Righetti (Labjor/UNICAMP e Agência Bori) que nos forneceu os dados brutos do levantamento sobre a segunda dose no país para elaborarmos a postagem. Abaixo indicamos as matérias da Sabine.

    Quer saber mais ? Separamos aqui mais notícias que utilizamos de referência:

    Um quinto dos brasileiros de mais de 70 anos não completou vacinação contra Covid-19

    Quase 2 milhões tomaram segunda dose de vacina contra Covid-19 fora do prazo no país

    Mais de 16 mil pessoas tomaram doses trocadas de vacina contra Covid, mostra registro

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • A COVID-19 e a Sociedade: uso e cobrança de Equipamentos de Proteção Individuais

    Muito se fala sobre o uso de Máscaras ou Respiradores. Mas, será que existe diferença entre estes termos? Qual o melhor para usar e em que situação?

    Há inúmeros textos e divulgadores científicos que têm abordado o tema. Eu vou apontar a vocês, ao final do post, aqueles que consideramos interessantes para acompanhar.

    No entanto, a conversa aqui hoje é mais do que separar o que é “Máscara” e o que é “Respirador”

    Como este texto faz parte da série “A COVID-19 e a sociedade”, vamos entender como este objeto é fundamental para nossa proteção INDIVIDUAL e em que situações ela é necessária e deveria ser obrigatória como parte das políticas públicas e deveres das empresas que são do que consideramos “serviços essenciais” e contratam pessoas para trabalhar no modo “presencial”.

    EPI – O que é isto?

    É importante lembrar que um objeto, quando deve ser usado obrigatoriamente para proteger trabalhadores, é considerado um EPI. Talvez tu já tenhas escutado este termo antes. Ele quer dizer Equipamento de Proteção Individual e quer dizer “todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho” 

    Assim, no caso da COVID-19, que é uma doença respiratória, podemos considerar EPI Para Proteção Respiratória as peças semifaciais filtrantes (PFF2). Estas têm sido as mais efetivas para a proteção contra o novo coronavírus.

    Mas qual a diferença entre ser ou não EPI? A máscara de pano não funciona?

    Toda e qualquer máscara, agora, é importante na contenção do vírus. A diferença é que máscaras de pano são bloqueios (ou barreiras) mecânicas e físicas contra o vírus. Isto é, contém a dispersão pela barreira física que apresenta, quando em situações de espirros, coriza, tosse, falas etc. Dessa forma, nestes momentos, soltamos gotículas ou aerossóis pelo nariz e pela boca, que podem estar contaminadas!

    No entanto, as máscaras de pano possuem dois problemas! Primeiro, elas não nos protegem com eficácia. Ou seja, por não NOS proteger as máscaras de pano não se configuram como EPI – que é Equipamento de Proteção Individual.

    A segunda questão é que não possuem controle de qualidade em sua fabricação. Isto é, máscaras caseiras não passam por certificação.

    Todavia, é relevante reiterar que isto de modo algum invalida sua importância, especialmente quando estávamos com falta de máscaras para profissionais de saúde no mercado!

    Este não é o caso agora.

    O EPI é um equipamento que possui normas técnicas que o regulamentam. Mas, mais do que isto, possui uma conferência no processo de confecção do produto que valida sua qualidade e é submetida a padrões nacionais e internacionais de segurança e qualidade. Portanto, um EPI nos dá condições de avaliação quanto a parâmetros técnicos que possibilitam uniformizar riscos que nos submetemos, em condições específicas.

    Por fim, quando em nosso trabalho existe um objeto que se configura como EPI quer dizer que é obrigatoriedade dos empregadores adquirirem e dos empregados utilizarem os equipamentos. Tudo isto visando não apenas homogeneizar os riscos, mas garantir que os trabalhadores que precisam executar determinados serviços essenciais estejam o menos expostos a enfermidades e riscos quanto for possível.

    E o que isto tem a ver com a COVID-19?

    Em um momento tão delicado como o que vivemos, em que o contágio e a transmissão da COVID-19 está fora de controle, é fundamental cada vez mais tomarmos cuidados pessoais. Além disso, também é necessário e urgente que os trabalhadores estejam cuidados ao máximo para não correr riscos. Isto é, não existe condições de não se expor, ao sair para trabalhar diariamente. Todavia, existe como reduzir riscos e tornar isto parte de políticas públicas de cuidados contra o SARS-CoV-2.

    Ok! Mas é Máscara ou Respirador?

    PFF significa Peça Facial Filtrante e é um respirador, testado e verificado em sua fabricação (até aí já sabíamos). Entretanto, costumamos chamar os respiradores tipo PFF2 (que são similares à N95) de máscaras. E embora o nome “correto” seja respirador, o que nos importa aqui é que todos usem o melhor equipamento possível!

    E, além do melhor equipamento, cuidar e cobrar o melhor uso:

    • A máscara deve cobrir, sempre e completamente, o nariz e a boca. Assim, cabe sempre lembrar que máscaras com o nariz para fora, ou no queixo servem como adereço estético. Isto é: são inúteis para a proteção contra o coronavírus.
    • É fundamental que a máscara se ajuste ao rosto. Ou seja, sem deixar folgas ou aberturas por onde entre ou saia o ar. As máscaras PFF2 são filtrantes, se houver folgas ou escapes o ar não está passando pelas camadas filtrantes.
    • A boa vedação é o ponto mais importante.
    • Para que o ajuste e a segurança do equipamento seja o melhor possível, a recomendação são as máscaras PFF2 presas na nuca e pescoço, ao invés de atrás da orelha. Aliás, também recomenda-se as máscaras que possuem ajustes no elástico.
    • Uma peça de metal perto do nariz (clipe nasal) também melhora o ajuste da máscara e é, portanto, recomendado.
    Recentemente, colegas de divulgação científica do Qual Máscara publicaram um texto apontando a necessidade de servidores públicos do município do Rio de Janeiro terem acesso a respiradores do tipo PFF2, cedidos pela prefeitura. No abaixo assinado, com respaldo de vários cientistas, constam questões técnicas do uso destes respiradores como EPIs.

    Assim, talvez seja essencial cobrarmos que EPIs sejam parte da rotina em situações de trabalho presencial em nosso país. Ou seja, enquanto cidadã, me pergunto: em meio ao total descontrole, à lentidão da vacinação e à pressão por retornos aos ambientes presenciais de trabalho, incluindo alguns ambientes com pouquíssimas condições – e aqui incluo escolas públicas e privadas, me pergunto se não é prioridade da gestão pública a saúde dos cidadãos que são compelidos ao trabalho diariamente. Em especial aqueles que estão em setores considerados essenciais e que, portanto, devem retornar.

    Não vou me alongar, neste texto, sobre o conceito do que é ou não essencial neste momento. Tampouco apontarei os problemas vinculados aos retornos do que é dito essencial, embora possa ser executado na modalidade “home office” e o quanto isto não se restringe, apenas, ao ambiente de trabalho. Isto é, quando falamos em retorno estamos falando de toda a cadeia de deslocamentos e mobilidade urbana, aumentando a rede de contatos de cada sujeito e destes com seus colegas, clientes e usuários de serviços. Tudo isto é pauta para outro texto – que virá.

    Em suma, cobrar o quê e como?

    Cobrar retorno para trabalhos essenciais, em um momento de altíssimo risco à saúde humana, por contaminação de um vírus que é transmitido por aerossóis tem sido prática cotidiana. Entretanto, nós sabemos que nem sempre existe negociação entre empregador e empregados.

    Mas existem alguns serviços que as cobranças vêm dos próprios clientes ou usuários de serviços, por motivos que não nos cabe debater aqui.

    Dessa forma, para além dos dizeres “todos os protocolos de segurança estão sendo seguidos”, nós gostaríamos de indicar algumas perguntas que pensamos serem cruciais para quaisquer debates de retorno, que podem ser dirigidas aos empregadores:

    Quais são os protocolos?

    O ambiente é ventilado? De que forma?

    Qual a lotação máxima e como vocês vão organizar o ambiente, caso tenha mais pessoas para ocupar o ambiente, no mesmo horário?

    Que EPIs são fornecidos aos trabalhadores da empresa? Em que quantidade?

    Como estão sendo trabalhadas as informações de como usar os EPIs?

    Considerando que este trabalho é essencial, como os trabalhadores estão chegando ao ambiente de trabalho? 

    Vocês avaliaram os riscos ao trabalhador e propuseram escalas para minimizar contatos?

    Vocês avaliaram a quantidade de contatos ao voltarem todos os trabalhadores ao mesmo tempo, convivendo conjuntamente?

    Aos usuários dos serviços e clientes, quais os protocolos de saúde e como podemos usar o serviço sem colocar em risco os trabalhadores?

    Eu posso usar estes EPIs também? Há indicação dos protocolos de usos que minimizem os riscos dos trabalhadores e de minha família?

    Existe condições de realizar as atividades deste serviço em espaços abertos? Se a resposta for SIM, priorize estes espaços e cobre que sejam usados, eles são mais seguros.

    Será realizada testagem RT-PCR, RT-LAMP ou antígeno periódica dos profissionais envolvidos no serviço? Quem arca com este serviço e qual a periodicidade prevista?

    No caso de sintomas de síndrome gripal, seja de clientes, seja de funcionários, qual a atitude imediata tomada?

    Existe alguma previsão de estratégias para monitoramento, rastreio e comunicação, em caso de sintomas de clientes e funcionários?

    Perguntar basta?

    Reitero que apenas questionar e cobrar respostas é pouco. Assim, a cada serviço prestado, que estava sendo realizado na modalidade home office em que há retorno, existe aumento de mobilidade. Dessa forma, se eu, cidadã, considero que é fundamental o retorno daquele estabelecimento de serviços e cobro pela sua reabertura, talvez eu precise fazer mais. Talvez, seja também premente que eu questione se as pessoas – trabalhadoras – que estão utilizando transportes públicos para chegar até o ambiente em que a prestação de serviço acontece, para que eu, o utilize, estão o mais seguras possível e com os melhores equipamentos quanto for possível validar tecnicamente à sua disposição. Além, obviamente, de terem todas as informações para que o uso de tais equipamentos seja  compreendido.

    Mas não é tarefa dos gestores públicos implementar e cobrar por isto?

    Sim, exatamente: é tarefa deles cobrar por tudo isto e implementar protocolos de segurança, manter estabelecimentos de alto risco fechados e implementar políticas públicas que garantam a melhor condição de retorno possível.

    Entretanto, se nós estamos nos autorizando a cobrar de estabelecimentos – como escolas, academias e comércio – que retornem, talvez também possamos nos dar conta que precisamos cobrar de autoridades (vereadores e prefeitos) para a não exposição das pessoas, especialmente em um momento tão crítico da pandemia no Brasil.

    É fundamental também ter noção de que os empregadores não podem coagir seus empregados a assinarem documentos isentando as empresas de responsabilidades com as contaminações possíveis. Isto é ilegal e não tem validade. Mais informações podem ser lidas no Ministério Público do Trabalho.

    As ações individuais precisam somar-se às necessidades coletivas. Agora mais que nunca. Se eu, individualmente, considero algo fundamental para a manutenção de minha vida, talvez precise cobrar para que a vida do outro siga existindo. Não é apenas abrindo UTIs que conseguiremos isso.  

    Para saber mais:

    A Covid-19 e a sociedade: a doença é, também, social

    Brasil. (1943) DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943

    Brasil, Ministério da Economia (2020) PORTARIA Nº 11.347, DE 6 DE MAIO DE 2020

    Brasil Ministério do Trabalho (2001) NR 6-EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL -EP 

    Sobre Máscaras e Respiradores

    Qual Máscara: 
    Instagram | Twitter | Site

    Vitor Mori
    Twitter | Youtube

    Melissa Markoski
    Instagram | Rede Análise Covid-19

    Redes Contra Covid-19
    Medidas Básicas de Proteção

    Textos do Blogs Sobre Máscaras e Cuidados Básicos:

    Coronavírus e o controle do contágio

    Máscaras caseiras são eficientes contra o coronavírus? *

    Sobre máscaras, testes e COVID-19

    Do uso de máscaras à imunidade coletiva

    Como funcionam as máscaras N95

    * Este texto passou por inúmeras críticas a época que foi feito e, agora, parece fazer sentido novamente. Assim, em um momento em que faltavam máscaras aos profissionais, a recomendação das máscaras de pano eram fundamentais. No entanto, agora, quando a situação está pior (no sentido de quantidade de pessoas infectadas, se contaminando e de descontrole da pandemia), novamente se faz necessário o debate sobre o uso de máscaras de pano. Isto é, as máscaras de pano são, sim, importantes e tiveram um papel fundamental na diminuição dos contágios. Mas não temos mais falta de máscaras para profissionais de saúde e temos descontrole da doença no país. Máscaras com registro de qualidade, que nos possibilitam aferir e testar sua segurança são essenciais neste momento. Especialmente para profissionais que não podem permanecer em casa.

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • A Covid-19 e a sociedade: a doença é, também, social

    “Diálogos” de pandemia

    – Vocês não têm coração? Se alguém pega COVID-19 não pode fazer nada, não têm medicamentos e vocês não querem que a gente tente nenhuma possibilidade?!?

    – Vocês acham que as crianças têm que ficar trancadas em casa enquanto todo mundo circula por aí livremente? As escolas fechadas são perdas irreparáveis para as crianças!

    – As escolas devem ser as primeiras a abrir e as últimas a fechar!

    – E como deixar tudo fechado se as pessoas têm que ganhar algum dinheiro? E a comida na mesa?

    – Vocês não se importam com as pessoas, o que podemos fazer?

    Todas as semanas há diálogos que iniciam com estas perguntas, ou comentários em postagens do Especial Covid-19 do Blogs Unicamp. Isto seja nas redes sociais, seja nos próprios textos, seja em conversas privadas.

    A produção de conteúdo científico na pandemia

    Não é bom ou satisfatório anunciar diariamente que não há tratamento ainda para a COVID-19, nem apontar a necessidade de adiamento do retorno às aulas. Tampouco ler sobre a falta de insumos para as vacinas e o quanto precisamos vacinar mais e mais rápido, em detrimento do que vem acontecendo no país. Dessa forma, não é algo que se faz de forma tranquila, ao contrário do que pode parecer a quem não acompanha diariamente as notícias e elabora os textos, com as equipes de Divulgação Científica.

    Quando cientistas apontam que a mobilidade urbana deveria, com urgência, diminuir, a partir do fechamento do comércio e serviços, não é por haver satisfação em indicar que pessoas fiquem em casa independente dos seus problemas – que vão desde saúde mental até não termos condições de ganharmos dinheiro para colocar comida à mesa.

    Quando cientistas apontam que a mobilidade urbana deveria diminuir com urgência, significa termos dados técnicos que o isolamento e distanciamento social é a ferramenta que possibilita que a circulação do SARS-CoV-2 aconteça.

    Assim, em um país cujas autoridades vem postergando e sabotando compras de vacinação e têm estimulado tratamentos inócuos para a COVID-19, informações científicas parecem pouco compreendidas como têm sido alvo de ataques e servem como mote de polarizações sem que o cerne da questão seja pauta.

    Tampouco os debates são imparciais e neutros. Longe disso. 

    Nossa preocupação tem sido apontar quais são os fatores que levam ao aumento do contágio e quais as problemáticas relacionadas a isso. Neste sentido, ler os gráficos de mobilidade urbana, com a retomada de atividades presenciais não essenciais (mesmo que por decreto se mude o status destas atividades), com análise do aumento de casos de internação de UTIs, filas de espera, além de óbitos diários, tudo isso somado à já conhecida falta de testes diagnósticos e vacinação lentíssima (por vezes confusa também), não torna simples divulgar a máxima “fique em casa se for possível”.

    A questão é que uma doença não é o ciclo do patógeno. Isto é, ao vivermos em sociedade – e numa sociedade desigual e populosa como a nossa – a doença é, também, social. Ela encontra em nossa sociedade o espaço perfeito para se proliferar rápido e com muita eficiência. Assim, como bióloga, aprendi a pensar em doenças. Como biologia, talvez pensemos a COVID-19 sempre como uma doença cujo o vírus transmite-se pelo ar, com contatos próximos, em um mundo com quase 8 bilhões de pessoas, em cidades urbanizadas com densidades demográficas altíssimas.

    Só nesta sentença, no entanto, podemos conjecturar o quanto de informação podemos desmembrar e tornar complexa a relação entre o vírus e nossa vida.

    Como assim?

    O SARS-CoV-2 tem a seu favor a própria forma de existir do ser humano: aglomerado em espaços fechados e, simultaneamente, centrado em seus próprios anseios e necessidades.

    A ciência é feita por pessoas que estão dentro da sociedade. Pessoas que foram formadas e constituídas dentro desta sociedade, com suas histórias, conceitos, preconceitos e pressupostos. Não existe “lado de fora”, embora exista questionar o que nos formou e buscar novos pensamentos e tensionamentos em relação ao que nos formou. Assim, há uma certa relação constituidora entre sujeitos e sociedade. Esta sociedade que vivemos não é (nem poderia ser) homogênea. Ela é formada por um conjunto de sujeitos (pessoas) que questionam e modificam a sociedade, ao passo que a sociedade forma e transforma sujeitos.

    Mas o que isto tem a ver com a ciência? Então a ciência é parcial?


    Em função de a ciência fazer parte da sociedade, e cientistas serem sujeitos sociais, não existe estarmos fora do pensamento social de uma época. Tampouco existe a possibilidade de termos pensamentos completamente iguais e homogêneos.

    Também não existe imparcialidade, nem pureza em nada do que é dito, analisado, formulado. Todavia, isso não quer dizer que os vieses de análise são “ruins” ou “bons”. Quer dizer que precisam ser debatidos por uma comunidade científica ampla. Uma das coisas que possibilita que a ciência minimize vieses é exatamente a análise e revisão por pares – e não só nas revistas (como manda o procedimento padrão), mas da própria comunidade científica.

    Sempre há margem para erros, mas é exatamente a possibilidade de assumirmos os erros que faz com que a ciência seja ciência. Ela não se postula dogmática e a única certeza é a de que mudaremos nossos conhecimentos de lugar e tornaremos o que conhecemos hoje ultrapassado em tempos futuros (longínquos ou não). 

    Com COVID-19 não é diferente. O que sabemos HOJE sobre a doença é muito diferente do que sabíamos no início. O mundo inteiro analisa a doença sob diferentes aspectos, estamos todos atentos ao que é publicado e isto, sim, é um grande feito.

    Mas voltemos à ideia de que a doença não se restringe ao ciclo do patógeno!

    Qualquer doença, exatamente por nos acometer, traz efeitos que estão para além dos sintomas da doença em si. 

    Se uma doença nos contagia pelo ar e pela proximidade, parte de como estancarmos sua proliferação é mudarmos nosso comportamento e hábitos. Isso vai desde como convivemos socialmente em aglomerações cotidianas – de ônibus lotados para irmos trabalhar, aos espaços fechados de comércio e serviços que se tornaram cotidianos em nossa vida. No entanto, vocês percebem que estas decisões não são individuais? Que muitas pessoas não possuem condições de não pegar transporte público, nem de não frequentar espaços fechados de comércio e serviços? Guardemos estas informações – elas serão importantes mais para frente no texto…

    Além disso, também temos negociações para mantermos vivas pessoas que não apenas necessitam de serviços específicos, mas de rendas extras, pela impossibilidade de seguirem sem trabalhar neste momento. Aqui, novamente: vocês percebem que estas decisões não são individuais?

    As doenças são, também, sociais

    E é aqui que compreender o ciclo em si da doença não basta (ou quando isto começa a ficar evidente). Cada conhecimento científico incorporado muda nosso modo de ver e pensar a sociedade e nossas relações. E, com isso, tomar decisões individuais da melhor maneira possível.

    Mas socialmente, estas decisões nem sempre estão ao nosso alcance. Isto é: estas decisões não são individuais! É preciso que algumas instâncias, ao terem em posse uma grande quantidade de informações, transformem isso em ações que atinjam a maior quantidade de pessoas quanto for possível. Assim, em geral, estas decisões são técnicas e deveriam buscar análises que envolvessem prejudicar a menor quantidade de pessoas, com ações mais concentradas e coerentes entre si.

    Políticas públicas é o nome disso…

    Na teoria, lendo assim, parece simples. Entretanto, ao termos diferentes modos de pensar e linhas de ação, podemos tomar decisões que entram em um espaço de disputa. Basicamente, estou falando de políticas públicas. Dessa forma, questionamos: elas são (ou deveriam ser) baseadas em dados técnicos: quantas pessoas estão adoecendo? Em que lugares? De que idades?

    Há inúmeras pesquisas que nos possibilitam acessar os dados populacionais. Todavia, junto a isto, temos acumulado dados científicos que nos dão condições de compreender melhor tanto o ciclo da doença, como as necessidades de protocolos e instalações hospitalares. Bem como, temos um montante de dados acerca dos efeitos em nossa sociedade, sobre as vulnerabilidade de populações marginalizadas, insegurança alimentar, comportamentos de risco na pandemia, etc.

    A partir destes dados, analisando-os em conjunto, podemos estabelecer algumas possibilidades de ação em diferentes esferas e contextos. Por exemplo:

    • Em nível individual e de nossa moradia, podemos organizar uma rotina de limpeza, compra de máscaras/respiradores individuais; rotina de compras minimizando saídas desnecessárias;
    • Em níveis familiares, podemos estruturar visitas com protocolos de cuidado, uso de máscaras, ciclos de resguardo para ninguém ficar inseguro com exposições desnecessárias, etc.

    Saindo destas duas esferas, teremos contextos em que não temos mais poder de decisão direta.

    São níveis de governo ou gestão.

    Isto é: empresas que trabalhamos, cidades e estados que residimos, nosso país.

    Perceba que nestas esferas, há menos condições de negociação e estabelecimento de cuidados específicos que nos possibilitam ter mais ou menos segurança. Ou seja, quando falamos de municípios, estados e nação, são estes os níveis em que a análise de dados para geração de protocolos e procedimentos, com buscas de minimizar impactos na saúde humana, vira o que chamamos de políticas públicas de saúde.

    Já temos alguns textos falando sobre coleta de dados, método científico e políticas públicas aqui no Especial Covid-19. Mas vamos apontar algumas que são fundamentais para entendermos onde temos errado e como podemos compreender melhor o funcionamento disto, dentro do enfrentamento da crise atual. Assim, dentro destas análises, seguiremos defendendo que as doenças também são sociais e que a biologia do patógeno não é suficiente para vencermos a crise.

    Além disso, retomando os diálogos (semi) inventados do início deste texto, o quanto é difícil analisar estes dados, percebendo desaceleração de internações (que não é queda…) com pedidos reiterados de abertura de comércio e escolas, quando há tanto o que enfrentar nesta crise.

    Os textos que já abordaram a temática estarão listados abaixo e, conforme formos avançando na discussão, serão atualizados aqui abaixo:

    Dados da Covid: como pesquisadores e imprensa toureiam o Quinto Risco

    Impactos da Pandemia de Covid-19 sobre a Economia Brasileira

    A ameaça invisível assombra a economia

    Lições da pandemia para a gestão pública: política local e governança do clima

    A COVID-19 e a sociedade: uso e cobrança de equipamentos de proteção individuais

    Para Saber Mais

    Souza, LEPFde (2014) SAÚDE PÚBLICA OU SAÚDE COLETIVA? Espaço Para Saúde, 15(4), 7-21.

    Revisaram este texto e contribuíram com a produção e ideias: Graciele Oliveira, Erica Mariosa, José Felipe Silva, Jaqueline Nichi. Grata por isso. :0)

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

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