Tag: Programa Nacional de Imunização

  • Estratégias de vacinação: o que se leva em conta?

    Nunca se debateu tanto vacinas e vacinação: o que é eficácia, segurança, testes, grupos de risco, planos nacional, estadual, etc.

    Por muito tempo no Brasil, o Programa Nacional de Imunização ocorria anualmente, com campanhas, grupos prioritários e estratégias de imunização para diminuir a incidência de doenças evitáveis sem que houvesse qualquer polêmica atrelada a isto. 

    Talvez uma das perguntas que agora fundamentais de responder: existem critérios para a escolha dos grupos prioritários para a vacinação? A ciência possui metodologias e estudos que apontem como isto deveria organizar-se?

    Estas perguntas são importantes. Por um lado, já temos indicação de quais grupos podem se vacinar – pelos testes tanto de segurança, quanto de eficácia. Por outro lado, por toda a estrutura de vacinas ser muito recente, não teremos vacinas imediatamente para todo o mundo. Sendo assim, é preciso priorizar, montando listas de acordo com algum critério.

    Considerando que estamos vivendo uma pandemia, de uma doença altamente contagiosa, os profissionais de saúde ocupam um dos postos prioritários para a vacinação. Por quê? Ora! É fundamental que estes profissionais mantenham-se saudáveis e bem, para seguir trabalhando na urgência que temos precisado.

    A discussão ronda o “segundo lugar” das prioridades – e todos os lugares que se sucedem ao segundo… Montar uma lista de prioridades, neste caso que vivemos, é basear-se em modelos epidemiológicos e matemáticos de como a doença avança e como podemos interromper este avanço, com a vacina.

    Nós sabemos que a função prioritária da vacina é fazer com que os indivíduos vacinados consigam gerar uma proteção contra as doenças. Mas também já conversamos aqui no Blogs sobre como isto não é sobre um indivíduo protegido, mas sobre bloquear o avanço da doença na população.

    Pois bem: é sobre isto que estes modelos tratam.

    Um estudo publicado em preprint em dezembro de 2020 (1), mostra que para a COVID-19, vacinas com acima de 50% de eficácia já reduziriam muito o avanço da doença. Além disso, evitaria-se 50% de mortes com pelo menos 35% da população vacinada (fenômeno conhecido como Cobertura Vacinal) – comparando-se com o cenário de não termos tratamentos para a doença. Vacinas com esta eficácia e ampla cobertura vacinal, já atingiriam a meta (nos Estados Unidos) de ocupação dos leitos de UTI dentro das demandas passíveis de serem atendidas.

    Assim, no modelo proposto pelos autores, uma cobertura vacinal de 70% da população, com uma vacina que apresentasse 60% ou mais de eficácia, conteria a pandemia de Covid-19. (Este dado leva em conta uma baixa transmissão na população!). *Atualização: este texto foi elaborado antes do debate sobre as novas variantes. Tal dado tem sido revisto em novas análises e deve ser levado em consideração para um debate mais preciso [nota da autora].

    Tudo isto parece bem interessante e já temos visto bastantes notícias sobre a importância da cobertura vacinal… Todavia, como priorizar quem será vacinado primeiro?

    Depende…

    Ué! Como assim?

    Temos dito aqui no Blogs: a vacinação é uma estratégia de governo, uma política do país, para minimizar efeitos de uma doença na população. Por ser estratégica, ela deve possuir metas específicas a serem atingidas – e estas metas são organizadas a partir de estudos técnicos pelas instâncias de gestão de saúde pública. No nosso caso: Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

    Como não teremos vacinas para toda a população desde o início, existe a necessidade de estabelecimento destas metas e objetivos. Por exemplo, neste modelo indicado anteriormente, os autores dizem que dependendo da eficácia das vacinas (e outros fatores): 

    • Se a meta consiste em diminuir infecções sintomáticas e hospitalizações fora da UTI, deveria-se priorizar os grupos jovens, pois interrompe-se a transmissão em um dos grupos que mais circula;
    • Entretanto, se a meta é diminuir infecções em UTIs, com possibilidade de agravamento e morte, idosos devem ser prioridade de vacinação;

    Sugere-se estes modelos de modo generalista e os próprios autores propõem que novos parâmetros devem adicionarem-se adicionados, dependendo da realidade do sistema de saúde pública de cada país e, além disso, as questões de desigualdade social.

    Em outra pesquisa, também em preprint(2), os cientistas reforçam a ideia dos critérios de vacinação por idade, devido à alta mortalidade vista neste grupo.

    Mas então os critérios se restringem à idade?

    Também não. Para compreender como controlar a doença, as pesquisas usam esses modelos matemáticos elaborados a partir de modelos anteriores. Por exemplo, usamos modelos de gripe, mas vamos inserindo características da Covid-19 – até que esse novo modelo seja funcional para a nova doença e a represente com mais fidedignidade. Da mesma forma,  a Covid-19 servirá de modelo para alguma outra doença respiratória viral que  iremos enfrentar no futuro.

    As modelagens para controle da doença, via vacinação, levam em conta as taxas de infecção por idade e grupo de risco. Todavia, também buscam compreender e calcular a partir do desenvolvimento da doença em cada país ou região. Além disso, é preciso considerar a eficácia das vacinas, a cobertura vacinal para cada faixa etária e grupo de risco analisado.

    Por exemplo, países com populações que vivem abaixo da linha da pobreza ou em situação de vulnerabilidade, precisam ter incluídas na conta  como a transmissão e o risco de infecção atingem estas populações. Com isto, elaboramos as estratégias de vacinação a partir de riscos específicos. O mesmo pode ser dito e pensado acerca das prioridades de trabalhos e demandas sociais – escolas, transportes, setores alimentícios, populações urbanizadas ou rurais, etc.

    Cada um destes itens pode (e na medida do possível, deve) ser adicionado aos modelos que calculam o avanço da doença – ou sua contenção – junto com instrumentos como a vacina.

    A vacinação e as políticas públicas

    É sempre bom retomar a ideia de que sendo a vacinação da Covid-19 um acontecimento recente (por motivos óbvios), é imprescindível que ela seja planejada e estruturada para atingir não apenas uma grande cobertura vacinal, mas também grupos prioritários que vão diminuir a pressão em leitos hospitalares.

    Isto é, os grupos prioritários também são pensados em função de ocupação de leitos hospitalares e, portanto, diminuição de mortes de Covid-19, de outras doenças que atualmente estão sem leitos hospitalares e custos elevadíssimos para a saúde pública.

    Vacinar se torna, assim, uma ferramenta crucial para diminuir contágios e mortes, mas também gastos com a saúde de toda a população. Vou falar novamente, pois acho fundamental lembrar e bater nesta tecla:

    Para saber mais

    1. Matrajt, L; Eaton, J; Leung, T; Brown, E. (2020) Vaccine optimization for COVID-19: who to vaccinate first? 
    2. Bubar, K; Reinholt, K; Kissler, SM; Lipsitch, M; Cobey, S; Grad, YH; Larremore, DB (2020) Model-informed COVID-19 vaccine prioritization strategies by age and serostatus

    Outras Referências

    Brasil (2020) Programa Nacional de Imunização

    Brasil (2020) PLANO NACIONAL DE OPERACIONALIZAÇÃO DA VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19

    Kornfield, M (2020) When will children get a coronavirus vaccine? Not in time for the new school year, experts fear. The Washington Post

    Outros textos do Especial sobre vacinas:

    Vacinas: se eu quiser eu tomo!                           

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • De graça, até injeção na testa? (parte 1)

    Texto de Gian Guadagnin, Gildo Girotto Júnior e Ana Arnt

    As vacinas e você

    Não é porque é grátis que devemos aceitar qualquer coisa, certo? Nós do Blogs de Ciência da Unicamp, como sempre nos posicionamos pelas evidências científicas afirmamos isso. Então, é necessário nos certificarmos que estamos diante de um produto de qualidade – nesse caso, as vacinas!

    Pois bem, com os anúncios recentes de empresas produtoras de uma possível vacina contra o novo coronavírus, algumas informações e desinformações têm surgindo. Temos ouvido falar bastante da Pfizer e da SINOVAC (produtora da vacina chinesa).

    Nós entendemos que há muita gente preocupada! Mas ao invés de criticar, talvez seja melhor entender com calma como de fato funciona essa forma de prevenção. Além disso, quais são os protocolos para a produção de vacinas e por que precisamos sair do campo de estigmas e estereótipos sobre seu desenvolvimento.

    No post de hoje nós continuamos com a série sobre vacinas, vamos trazer dados e discussões que nos auxiliem a entender um pouco mais sobre o assunto e evitando assim doses de desinformação. Vamos falar agora sobre a história, mas também de saúde coletiva e dos benefícios sociais da vacinação?

    De onde e quando

    Nossa ciência, ou nosso histórico de ciência é, por dominação europeia, muito ocidentalizado. Daí decorre, por exemplo, o desconhecimento sobre a medicina oriental e a sua desvalorização. Os primeiros indícios de uma utilização corporal de vírus atenuados, base de boa parte das vacinas, datam do combate à varíola. Mais precisamente na região da atual China, no século 10, ou seja, há mil anos! 

    A aplicação não era como fazemos hoje. Na época, as cascas de feridas da infecção eram trituradas e o pó produzido (contendo o vírus morto) era aspirado pelas pessoas. Este processo espalhava partes do vírus morto pelo corpo ativando o sistema imunológico. A forma de aplicação “moderna” só surgiria em 1798 com o cientista inglês Edward Jenner. Ele averiguou os rumores de que trabalhadores do campo não pegavam a varíola humana. Isto aconteceria por já terem pego a varíola bovina (que é menos agressiva ao corpo humano). A partir disto, injetou ambos os vírus em um garoto de oito anos e constatou que a informação apresentava alguma consistência. 

    A segunda geração de vacinas começou em 1881 com o cientista francês Louis Pasteur. Neste caso, o desenvolvimento de medicação voltou-se para o combate à cólera aviária e ao carbúnculo. Conhecendo os estudos de Jenner, Pasteur cunhou o termo “vacina” em homenagem ao inglês. Isto é, derivando o nome da varíola bovina, que em latim é chamada de Variolae Vaccinae.

    Vacinação em massa

    Com o amplo desenvolvimento da medicina, da biologia e da química nos séculos 19 e 20, as vacinas passaram a ser produzidas em massa. E desde então são fundamentais para combater inúmeras doenças no mundo todo. A varíola, por exemplo, matou mais de 300 milhões de pessoas e foi declarada erradicada no mundo em 1980. 

    Mas calma, dizer que a doença foi erradicada não significa que ela não existe mais. Na verdade, a doença está controlada pela vacinação e pelo comprometimento global. Assim como, a adoção de protocolos e medidas que garantem um dia a dia saudável e seguro agora e futuramente. No entanto, se deixarmos de lado essa imunização novos surtos podem retornar, afinal o vírus não desapareceu do mundo, ele apenas não é capaz de infectar as pessoas que estão protegidas.

    Mas, e no Brasil?

    No Brasil, as estratégias de vacinação e controle de doenças infecto contagiosas são feitas pelo Programa Nacional de Imunização (PNI) criado em 1973. No ano de 1977 foi criado o primeiro calendário de vacinações, a partir do PNI. 

    A vacinação de massa, no entanto, já tem mais do que 100 anos no Brasil! Foi feita pelo Oswaldo Cruz com o objetivo de controlar, exatamente, a varíola que comentamos anteriormente. No Brasil, o último registro de varíola foi em 1971.

    Isto não quer dizer, no entanto, que não precisamos mais nos atentar a estas doenças consideradas erradicadas. Dessa forma, a vacinação continua sendo fundamental e, mesmo não tendo casos ativos, o vírus pode estar circulando em níveis muito basais. Ou seja, sem uma cobertura vacinal da população, as doenças podem sim voltar!

    A vacinação não é um ato individual!

    Ela é uma medida de saúde pública e coletiva. Isto é, uma estratégia que diminui quantidade de mortes, controla doenças altamente contagiosas ANTES que elas aumentem a quantidade de casos na população. Isto se dá, também e especialmente em populações vulneráveis e diminuem o custo da doença para a saúde pública também. Uma vez que as pessoas não adoecem, não existe o custo hospitalar e médicos. Além de perdas em tempo de trabalho e/ou escola em decorrência do adoecimento das pessoas. Pode parecer “sem noção” esta ideia, mas diminuir índices de doenças também diminui custos financeiros. Por exemplo, as pessoas faltam menos no trabalho e nas escolas.

    Assim, a vacina pode ser vista, sim, como uma escolha individual. Todavia, ela é uma medida fundamental para controlarmos populacionalmente doenças que não tem cura e que deixam sequelas muito graves em nossa população! A vacina é um ato individual e, ao mesmo tempo, coletivo. Visto que, historicamente, diminuiu incidências de doenças gravíssimas no mundo inteiro (ressaltamos novamente varíola, sarampo, poliomelite dentre elas!).

    Por fim

    Uma política pública de vacinação, quanto mais abrangente e efetiva for, mais ela diminui a desigualdade social também! Parece estranho, não? Mas a situação é: coletivamente é mais barato para todos. Mais do que isto, para aquelas populações sem condições financeiras, existe a segurança de não adoecerem em função de estarem vacinadas. E isto sem custos adicionais para estas pessoas – e para o país… 

    No próximo texto, vamos discutir o que é vacina e quais os tipos desenvolvidos. Já temos um outros textos aqui no Blogs: que falam sobre as fases da vacina em testes; sobre a história da vacina no Brasil e no mundo; incluindo a famosa Revolta da Vacina!

    Não deixe de conferir!

    Para saber mais

    Homma, A, Martins, RM; Leal, MLF, Freire, MS, Couto, AR (2011) Atualização em vacinas, imunizações e inovação tecnológica, Ciênc saúde coletiva vol16 no2.

    Brasil, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Resolução RDC nº 4, de 10 de fevereiro de 2009, Brasília: Anvisa; 2009

    Domingues, CMAS, & Teixeira, AMS (2013) Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982-2012: avanços e desafios do Programa Nacional de Imunizações, Epidemiologia e Serviços de Saúde, 22(1), 9-27.

    Pinto, EF, Matta, NE e Cruz, AM (2011) Vacinas: progressos e novos desafios para o controle de doenças imunopreveníveis, Acta Biol Colômbia.

    Fiocruz: Vacinas: as origens, a importância e os novos debates sobre seu uso.

    Yanjun Zhang, Gang Zeng, Hongxing Pan, Prof Changgui Li, Yaling Hu, Kai Chu, Safety, tolerability, and immunogenicity of an inactivated SARS-CoV-2 vaccine in healthy adults aged 18–59 years: a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 1/2 clinical trial. The Lancet Infectuous Diseases.

    Textos do Blogs sobre Vacinas:

    E aqueles resultados das Vacinas? (Parte 1)

    Obrigatoriedade da Vacina: discurso contrário vem do século XIX

    Vacinas: de onde vêm e para onde vão

    Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência (parte 1)

    Vacina, Estado e Liberdade: a manipulação do debate – Parte 1

    Os Autores

    Ana Arnt é Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência!

    Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp

    Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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