Tag: Química

  • A desinformação azeda sobre o limão na COVID-19

    A simples ingestão de um ou outro alimento poderia nos tornar imune ao coronavírus? Apesar de estranha,  tenho presenciado situações e recebido mensagens diversas sobre o pH dos alimentos e sobre diversos produtos que as pessoas tem utilizado em substituição ao álcool em gel.

    A primeira delas ocorreu logo após o governo de São Paulo decretar a quarentena oficial (anúncio feito dia 20/03 com quarentena a partir de 24/03). Confesso que precisei ir ao mercado para comprar insumos básicos e notei que, além da falta do álcool gel, o limão também era um item ausente nas gôndolas. Ao questionar um dos funcionários sobre o sumiço do limão, ele me informou que as pessoas estavam comprando pois acreditavam que o suco de limão preveniria a COVID-19.

    A segunda situação ocorreu mais recentemente, quando recebi uma mensagem relatando que a ingestão de alguns alimentos poderia proteger nosso organismo devido ao pH do alimento versus pH do vírus. A mensagem afirmava que o pH do limão era 9,9 e o do abacate 15,6, enquanto que o pH do vírus variava entre 5,5 e 8,5. No entanto, alguns estudos mostram que o pH desses dois frutos são respectivamente 2,17 (em uma média de três tipos distintos de limões)1 e 6,59 (na média de duas espécies de abacates)2;

    Bom, vamos buscar na Química o que é, qual a escala e como varia o pH para entender quais as explicações adequadas (se é que existem).

    O que significa o tal do pH?

    A medida de pH é um parâmetro que indica o quanto um sistema é ácido ou básico, algo que é uma das características das soluções químicas naturais ou sintéticas. Você provavelmente já ouviu falar que o limão ou laranja são frutas ácidas. Do mesmo modo, se olhar o rótulo de uma garrafa de água mineral, poderá notar a indicação do pH deste produto. 

    Mas a acidez não é igual em todos os casos. Existem soluções mais ácidas e menos ácidas e essa intensidade é medida por uma escala denominada “escala de pH”, que comumente é nos apresentada variando entre 0 (pH relacionado a uma solução mais ácida) a 14 (pH relacionado a uma solução mais básica – ou menos ácido), sendo o valor 7 um pH de uma substância / solução neutra.

    Assim, quanto mais distante da neutralidade (pH 7) maiores problemas as substâncias poderiam causar se consumidas. Ressalta-se no entanto, que consumimos alimentos ácidos (como algumas frutas cítricas) e alimentos com pH básicos (o leite, por exemplo). No entanto, substâncias extremamente ácidas ou básicas podem apresentar caráter corrosivo. 

    Quimicamente falando, o termo pH significa potencial hidrogeniônico e se representa a capacidade de liberação da espécie química H+ (íon hidrogênio ou próton, de modo simplificado) ou liberação de H3O+ (íon hidrônio) . Essa definição é a utilizada para o desenvolvimento de sistemas que permitem determinar os valores da escala mencionada. Mas de fato, o que nos interessa no momento é entender por que o pH está sendo associado ao combate do corona vírus.

    O pH e nosso organismo?

    No nosso caso, podemos citar o sangue, uma mistura de várias substâncias que circula por quase todas as partes do nosso corpo. Para que as transformações bioquímicas do nosso organismo aconteçam de modo adequado, o pH desse sistema deve estar com valores adequados. 

    No  caso do nosso sangue, o pH varia entre 7,34 e 7,44 unidades, sendo a média aceitável de 7,43. Ressalta-se que dependendo do local em nosso organismo, esses valores podem ser distintos. Nosso organismo se esforça para manter esse valor, e qualquer alteração desencadeia diferentes respostas, com diferentes transformações para corrigir tal alteração. 

    Sim, nosso organismo possui mecanismos para manter o equilíbrio interno existente, de modo que dificilmente conseguimos alterar esse valor. E mais, caso isso ocorra, provavelmente teremos sérios problemas, podendo mesmo levar a morte

    Por exemplo, valores de pH sanguíneo muito baixos, podem gerar o problema denominado acidose (ou acidulose) o qual está associado a sobrecarga respiratória, vasoconstrição renal, entre outros. Enquanto valores de pH elevados estão associados a alcalose, associada a hipocalcemia, ou seja, taxa de cálcio no sangue baixa, hipopotassemia, quantidade menor de potássio do que a recomendada, entre outros.

    Pois bem, o que as mensagens têm recomendado?

    Cabe então comentar a respeito de duas informações / recomendações contidas nessas mensagens.

    Será que  ao passarmos substâncias ácidas na mão (como o limão que estava em falta no mercado) estaríamos nos protegendo contra o vírus? Neste caso, o limão seria um produto anti séptico?

    Se por um lado, para que o vírus sobreviva são necessárias condições adequadas, incluindo o pH, por outro lado: 

    – não se sabe quais valores de pH (ou níveis de acidez) são suportados pelo coronavírus;

    – não existem quaisquer estudos que avaliaram a eficiência de frutas cítricas em contato com a pele no combate ao vírus;

    – não existem produtos a base de limão testados para esta finalidade nem em termos de anti-sepsia, nem em relação possíveis problemas dermatológicos.

    Para além de tudo isso, ao passar limão na pele você corre riscos de desenvolver queimaduras (alguns podem conhecer como queimaduras de limão), uma vez que a pele em contato com substâncias presentes no limão (e em alguns outros alimentos) em presença da luz solar gera o problema conhecido como fitodermatite. Portanto, ao passar limão na pele, você não só não terá certeza de que está protegido como poderá ficar com a pele queimada e manchada.

    A segunda mensagem propagada é a de que ao ingerirmos substâncias ácidas ou básicas, nosso corpo teria seu pH alterado e o vírus então não sobreviveria. Nesse caso, não há muita lógica.

    Qualquer alimento ingerido é metabolizado e passa por diversas transformações até seus nutrientes serem levados aos locais específicos. FELIZMENTE, o equilíbrio presente em nosso organismo faz com que o pH das diferentes partes do corpo se mantenha dentro da faixa adequada. Então, por mais  que você consuma grande quantidade de limão, seu sangue não ficará mais ácido. Na pior das hipóteses você terá uma boa azia causada pelo excesso momentâneo da sua acidez estomacal.

    Portanto, essa receita caseira não funciona. Se você deseja se proteger, as recomendações continuam as mesmas. Lavar as mãos com água e sabão e/ou utilizar álcool gel e manter-se, nesse momento, em distanciamento social.

    Não há soluções mágicas. Os estudos para o desenvolvimento de vacinas e o teste de medicamentos estão sendo feitos e cabe compreendermos que estes envolvem etapas necessárias para que se garanta a qualidade e segurança dos produtos que serão administrados.

    Para saber mais

    1BRIGHENTI, Deodoro. et al. Inversão da sacarose utilizando ácido cítrico e suco de limão para preparo de dieta energética de apis mellifera Linnaeus, 1758. Ciência e Agrotecnologia. Lavras. v. 35. n. 2. p. 297-304. 2011.

    2BORGES, C.D. et al. Características físicas e químicas de abacates das variedades Margarida e Breda. XXV Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos. Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Gramado. 2016.
    3FURONI, R. et al. Distúrbios do equilíbrio ácido-base. Revista da Faculdade de Ciências Médicas. Sorocaba. v.12. n.1. p. 5-12. 2010. 

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Uma mão lava outra com sabão no combate ao COVID-19.

    Na nossa pele, a sujeira, que pode conter vírus, como o COVID-19, fica rodeada por uma camada de gordura. Lavar as mãos apenas com água não é eficaz para remover a gordura das mãos ou destruir o COVID-19, isto é, usar apenas água não é uma forma adequada de limpar as mãos. Precisamos usar o sabão/sabonete para lavar as mãos.

    Daí fica a importância do uso de uma invenção bem antiga, o sabão. 

    Mas afinal, o que é o sabão?

    O sabão pode ser classificado como um sal de um ácido carboxílico de cadeia carbônica longa: um composto orgânico com vários átomos de carbono e hidrogênio na sua estrutura, como o estearato de sódio

    O efeito disso é que a cadeia longa de carbono no sabão forma uma cauda que não se mistura com a água, uma cauda hidrofóbica,  enquanto a “cabeça” , no exemplo com o carboxilato (perceba a carga negativa), é hidrofílica, é capaz de ser solvatada, ou dissolvida pela água. 

    Em água, cada uma das moléculas que compõem o sabão não fica isolada. Elas se juntam e formam um aglomerado esférico em que a parte carregada negativamente fica voltada para a superfície. Esse aglomerado organizado é chamado de micela.

    Como o sabão age?

    Quando lavamos as nossas mãos com sabão/sabonete líquido/sabonete e água, estamos expondo as nossas mãos e as sujeiras presentes nela a essas micelas, que se re-organizam e interagem tanto com a água quanto com a gordura. 

    O coronavírus têm um estrutura protetora ao seu redor formado basicamente por lipídios (“gordura”) e proteínas. O sabão é eficaz contra o coronavírus, pois é capaz de interagir com a gordura presente na membrana (ou envelope). O sabão separa os componentes individuais presentes na estrutura que recobre o vírus, destruindo essa estrutura e, consequentemente, destruindo o vírus. 

    As partículas de sabão se organizam de novo, e toda a sujeira grudada na gordura e os pedacinhos do que foi o vírus vão para dentro dmidascelas, que acabam sendo levadas pela água quando você enxagua a mão. 

    O sabonete e os detergente sintéticos também são capazes de destruir o coronavírus. Todos eles têm a longa cadeia formada de carbono e hidrogênio (também chamada de alquílicas), que se esconde da água, e outra extremidade que “gosta” da água.  

    A diferença do detergente sintético em relação ao sabão preparado a partir de gorduras e óleos vegetais, é que no lugar do grupo carboxilato, os detergentes sintéticos contém grupos formados por sulfonatos de sódio e sulfato de sódio, todos hidrofílicos.

    Referências

    Burrows, A. et al. Química: Introdução à Química Inorgânica, Orgânica e Físico-Química. Volume 3. Rio de Janeiro: LTC. 2013

    Solomons, TWG; Fryhle, C.B. Química Orgânica. 10 Edição. Rio de Janeiro: LTC. 2013.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Química do coronavírus – Parte III

    Pesquisa e desenvolvimento de agentes químicos para o coronavírus

    Indo direto ao ponto, não existem fármacos para o tratamento de pacientes com COVID-19. O fato é que nesse momento não tem no mercado nenhum fármaco ou vacina direcionado para conter a ação do coronavírus (SARS-CoV-2)Uma variedade de medicamentos aprovados para outras indicações, bem como vários medicamentos em investigação, estão sendo estudados em várias centenas de ensaios clínicos em andamento em todo o mundo.

    Reposicionamento de fármacos

    Dado o longo processo de desenvolvimento de novos medicamentos, a estratégia de reaproveitamento de medicamentos tornou-se uma das soluções escolhidas para o tratamento imediato de indivíduos infectados com SARS-CoV-2.

    O reposicionamento ou reaproveitamento de medicamentos é uma abordagem para acelerar o processo de descoberta de medicamentos através da identificação de um novo uso clínico de um medicamento existente aprovado para uma indicação diferente. Nesse contexto, dentre algumas fármacos já conhecido que são candidatos a tratar o COVID-2019  tem-se o arbidol, cloroquinona, lopinavir, remdesivir, etc .[1]  

    Pesquisadores na França publicaram um estudo em que trataram 20 pacientes com COVID-19 com hidroxicloroquina. [2] Eles concluíram que o medicamento mostrava ação antiviral positiva, no entanto, não foi um estudo controlado randomizado e não relatou resultados clínicos, como óbitos. Em orientação publicada na sexta-feira, a Sociedade Americana de Medicina Intensiva disse que “não há evidências suficientes para emitir uma recomendação sobre o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina em adultos gravemente enfermos com COVID-19”. [3] Diante das evidências controversas, ainda há muito caminho pela frente quanto ao uso satisfatório de cloroquina no tratamento de pacientes com COVID-2019. Mais informações sobre os ensaios podem ser encontradas em: https://clinicaltrials.gov/  

    A ribavirina é um medicamento antiviral aprovado pelo FDA, que é  usado em combinação com outros medicamentos para o tratamento da infecção crônica pelo vírus da hepatite C e febres hemorrágicas virais. Produzindo uma atividade de amplo espectro contra vários vírus de RNA e DNA, a ribavirina é um nucleosídeo sintético de guanosina que interfere na síntese de mRNA viral. Atualmente, estudos recentes sugerem que a ribavirina em combinação com interferon ou lopinavi/ritonavir  poderia ser eficaz para tratar a infecção por COVID-19. [1]

    Atualmente, pelo menos nove ensaios clínicos sobre lopinavir/ritonavir estão em andamento na China. O resultado inicial sugeriu que o lopinavir e o ritonavir mostram atividade estimulante antiCOVID-19 in vivo, mas com efeitos colaterais intestinais.[4] No entanto, estudo em pacientes adultos hospitalizados com Covid-19 em seu estágio grave não demonstrou nenhum benefício significativo. [5] Adicionalmente, Uma dose fixa da combinação anti-HIV, lopinavir-ritonavir, está atualmente em ensaios clínicos com Arbidol ou ribavirina. [1]

    O medicamento antiviral de amplo espectro Arbidol, que funciona como um inibidor da fusão de células hospedeiras de vírus, entrou em um ensaio clínico para tratamento de SARS-CoV-2. O arbidol é capaz de impedir a entrada viral nas células hospedeiras contra o vírus influenza. [1] Será que o arbidol vai funcionar para o tratamento da COVID-2019?

    Desenvolvimento de vacina

    É crucial o desenvolvimento de vacinas seguras e eficazes para controlar a pandemia de COVID-19, eliminar sua propagação e, finalmente, impedir sua recorrência futura. Como o vírus SARS-CoV-2 compartilha homologia de sequência significativa com outros dois coronavírus letais, SARS e MERS (Para entender um pouco mais sobre SARS e MERS, visite nosso primeiro post dessa série: Química do coronavírus – parte I), as vacinas identificadas nessas patentes relacionadas aos vírus SARS e MERS poderiam facilitar o projeto de vacinas anti-SARS-CoV-2. [1]

    A primeira dose da vacina contra o coronavírus denominada mRNA-1273, [1] desenvolvida pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH) e pela equipe de pesquisa de doenças infecciosas da Moderna, foi administrada ao primeiro participante do estudo de Fase 1 em 16 de março. A vacina de mRNA se baseia em moléculas sintéticas de RNA mensageiro (mRNA) – que contêm as instruções para produção de alguma proteína reconhecível pelo sistema imunológico. A ideia é que a defesa do organismo reconheça essas proteínas artificiais como um corpo estranho, levando o corpo a combatê-lo. Se der certo,  na presença do coronavírus, a célula terá desenvolvido a habilidade de identificar e combater o vírus real.

    Á luz do exposto, nota-se um esforço conjunto para desenvolver medicamentos e vacinas eficazes contra infecções de coronavírus existentes e potenciais e outros surtos de vírus altamente patogênicos é necessário para reduzir os impactos na vida humana e nos sistemas de saúde em todo o mundo. Dado o processo oneroso e árduo envolvido no desenvolvimento clínico de medicamentos, o surto de COVID-19 destaca o valor do desenvolvimento de medicamentos antivirais de amplo espectro e a importância de aplicar abordagens inovadoras, como inteligência artificial, para facilitar a descoberta de medicamentos.  

    Nesse momento, somos todos responsáveis pelo avanço da infecção do coronavírus.

    Fiquem em casa e evitem a transmissão do vírus!

    Mapa de coronavírus

    A pandemia de coronavírus afetou mais de 329.000 pessoas, segundo dados oficiais. Na manhã de segunda-feira, pelo menos 14.522 pessoas morreram e o vírus foi detectado em pelo menos 161 países, como mostram esses mapas. Para rastreamento do surto global em tempo real, click AQUI.

    Referência bibliográfica

    1. Liu, Cynthia, Qiongqiong Zhou, Yingzhu Li, Linda V. Garner, Steve P. Watkins, Linda J. Carter, Jeffrey Smoot, et al. “Research and Development on Therapeutic Agents and Vaccines for COVID-19 and Related Human Coronavirus Diseases.” ACS Central Science, March 12, 2020, acscentsci.0c00272. https://doi.org/10.1021/acscentsci.0c00272.

    2. Gautret P, Lagier J, Parola P, Hoang V, Meddeb L, Mailhe M, et al. Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID-19: results of an open-label non-randomized clinical trial. International Journal of Antimicrobial Agents. In Press. http://www.mediterranee-infection.com/wp-content/uploads/2020/03/Hydroxychloroquine_final_DOI_IJAA.pdf

    3. Kupferschmidt, Kai. “WHO Launches Global Megatrial of the Four Most Promising Coronavirus Treatments.” Science, March 22, 2020. https://doi.org/10.1126/science.abb8497

    4. Liu, Wei, Hai-Liang Zhu, and Yongtao Duan. “Effective Chemicals against Novel Coronavirus (COVID-19) in China.” Current Topics in Medicinal Chemistry, March 5, 2020. https://doi.org/10.2174/1568026620999200305145032.

    5. Cao, Bin, Yeming Wang, Danning Wen, Wen Liu, Jingli Wang, Guohui Fan, Lianguo Ruan, et al. “A Trial of Lopinavir–Ritonavir in Adults Hospitalized with Severe Covid-19.” New England Journal of Medicine, March 18, 2020, NEJMoa2001282. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2001282.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Química do Coronavírus – Parte II

    A proteína spike da SARS-CoV-2 é a responsável pela nome característico do vírus tal como vimos na postagem “Química do Coronavírus – parte I”, por causa do sua forma similar a de uma coroa. De forma bem resumida, a proteína spike do coronavírus é uma máquina molecular multifuncional que medeia a entrada de coronavírus nas células hospedeiras. Dessa forma, os mecanismo de entrada na células são orquestrados por essa proteína que tem a capacidade de ligar-se aos receptores celulares e, também mediam as fusões da membrana célula-vírus.

    Entre todas as proteínas estruturais do SARS-CoV, a proteína spike é o principal componente antigênico responsável por induzir respostas imunes do hospedeiro, neutralizar anticorpos e/ou imunidade protetora contra a infecção pelo vírus. Portanto, a proteína spike da SARS-CoV tem papéis fundamentais na infecção viral e patogênese. Na sequência, um vídeo  ilustrativo mostra como o vírus invade a célula ao ligar-se ao receptor que se encontra na superfície da sua camada lipídica.

    Uma vez ligado ao receptor celular, o vírus entra na celula na forma reconhecido e, portanto, protegido pelo sistema imunológico no interior da célula humana. É como se fosse um presente de grego. O receptor não entendeu que abriu a porta e colocou para dentro da célula um invasor.

    Agora, dentro da celular, o vírus é livre para se replicar e liberar novas células COV-2 totalmente funcionais que repetem exponencialmente o ciclo. A estratégia mais comum adotada pelos pesquisadores é um ativo químico que possa interromper essa entrada celular e, dessa forma neutralizar o vírus, deixando-o acessível e vulnerável ao sistema imunológico humano. Portanto, a ideia geral no desenvolvimento de fármaco direcionado ao COVID-2019 é impedir a ação dessa importante proteína viral.[1]

    Para que a estratégia de impedir a entrada do vírus dentro da célula tenha sucesso faz-se necessário conhecer as estruturas da proteína Spike e dos receptores. É a magnitude das interações químicas que ocorrem entre as partes envolvidas do receptor celular e do coronavírus que ditarão o sucesso dessa jornada na busca de novos medicamentos.Nesse contexto, a estrutura da glicoproteína spike (S) de SARS-CoV-2 revela a arquitetura do principal agente de entrada viral nas células hospedeiras, ao mesmo tem que fornece o desenho do futuro fármaco.

    Referência bibliográfica


    [1] Walls, Alexandra C, Young-Jun Park, M Alejandra Tortorici, Abigail Wall, Andrew T. McGuire, and David Veesler. “Structure, Function, and Antigenicity of the SARS-CoV-2 Spike Glycoprotein.” Cell, 2020. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0092867420302622

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Química do Coronavírus – Parte I

    À luz do atual surto de um novo coronavírus (COVID-19), o Blog Quimikinha gostaria de compartilhar um breve histórico sobre a família coronavírus e sua estrutura macroscópica (parte I), destacando uma importante proteína que está envolvida no processo de infecção viral (parte II). Por último, vamos falar sobre pesquisa e desenvolvimento de agentes terapêuticos e vacinas para COVID-19 e doenças relacionadas ao coronavírus humano (parte III). Esta postagem tem como objetivo fornecer uma breve visão geral das importantes contribuições da química no desenvolvimento de fármacos para o tratamento do COVID-2019. Como sabemos, a química tem um papel fundamental a desempenhar na compreensão de tudo, desde a estrutura viral à patogênese, isolamento de vacinas e terapias, bem como no desenvolvimento de materiais e técnicas utilizadas por pesquisadores, virologistas e médicos. (1)

    Família coronavírus

    O coronavírus (CoV) é uma grande família de vírus que causam doenças que variam do resfriado comum a doenças mais graves. Em 11 de fevereiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde nomeou a doença viral que se espalhou pelo mundo de novo coronavírus 2019 (COVID-19). (2) Isso porque já existiram outras espécies da mesma família viral que infectaram humanos. Por exemplo, Em 2003, estava em circulação a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV). Atualmente, ainda temos em circulação a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV). No entanto, esse último vírus não se espalhou pelo mundo tal como o que causa a doença COVID-19 (SARS-CoV-2). Para saber um pouco mais sobre temas relacionados à biologia molecular e curiosidade do coronavírus recomendo o conteúdo divulgado pela bióloga Rafaela da Rosa Ribeiro que trabalha com o COVID-2019 na Itália.

    Estrutura básica do coronavírus

    Na sua superfície, o vírus contém importantes proteínas tal como é mostrado no Video produzido pelo grupo Biosolution.  Estas macromoléculas se encontram incorporadas na bicapa lipídica da superfície do vírus. Dentre as macromoléculas, se destaca a proteína spike pelo sua forma de coroa que dá o nome ao vírus e, sobretudo, pelo seu papel fundamental na infecção viral. O material genético do vírus encontra-se no interior do nucleocapsídeo, um invólucro de natureza proteica.

    No vídeo, encontra-se uma visão tridimensional do coronavírus destacando sua constituição. Além disso, ele contém uma imagem do microscópio eletrônico de transmissão que mostra o SARS-CoV-2, o vírus que causa o COVID-19, isolado de um paciente infectado.

    Na próxima postagem, vamos falar um pouco mais sobre como a estrutura da proteína spike do coronavírus tem papel fundamental no processo de contaminação celular.

    Informem-se, cuidem-se e até logo!

    Prevenir é sempre o melhor remédio!

    Referências biliográficas

     1.     Chemistry in Coronavirus Research: A Free to Read Collection from the American Chemical Society. Available from: https://pubs.acs.org/page/vi/chemistry_coronavirus_research#

    2.           Liu W, Zhu H-L, Duan Y. Effective Chemicals against Novel Coronavirus (COVID-19) in China. Curr Top Med Chem. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32133962

    3.           Structural view of coronavirus cell entry and neutralisation  Available from: http://www.esrf.eu/UsersAndScience/Publications/Highlights/2012/sb/sb7  

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Como são feitas células solares de corante? (V.3, N.12, 2017)

    Como são feitas células solares de corante? (V.3, N.12, 2017)

    Você já imaginou como células solares são fabricadas? Hoje a colega Mª. Natália de Faria Coutinho, doutoranda do Instituto de Física da Unicamp conta pra gente! Células Solares são uma alternativa na geração de energia limpa, transformando a energia solar em elétrica. Esta tecnologia conhecida há um longo tempo pelos cientistas vem ganhando espaço na indústria devido a redução de custo para sua produção, sendo encontrada para venda em lojas especializadas.Para termos uma ideia do avanço na pesquisa em células solares, segundo o The Economist, Em 1977, o custo para produzir um watt de energia usando células solares de silício era de U$ 76.67 (aproximadamente R$ 252,60), hoje este custo caiu para menos de um dólar por watt. Projeções do Bloomberg New Energy Finance apontam que a energia solar será mais barata que a produzida em usinas de carvão a partir de 2020, custando cerca 60 dólares por MWh (~ R$198).

  • Miniaturização das plantas químicas – parte 2: microfluídica (V.3, N.12, 2017)

    Miniaturização das plantas químicas – parte 2: microfluídica (V.3, N.12, 2017)

     

    Na semana passada, nós começamos a entender como as atuais plantas químicas poderão ser reduzidas em tamanho, consumir menos energia, além de gerar menos resíduos, mas mantendo sua capacidade de produção. Se você não leu ainda, corre lá ou clique aqui, kkkk, para lembrar ou aprender o que é intensificação de processos e o que isso tem a haver com a redução do tamanho de equipamentos. Nós vimos que a primeira definição de intensificação de processos (PI), definia esse conceito como uma estratégia de redução no tamanho de uma planta química de modo a atingir um determinado objetivo de produção. Segundo essa definição,  a redução no tamanho poderia ocorrer pela diminuição do tamanho das peças individuais ou pela redução no número de unidades envolvidas, sendo essa redução de volume na ordem de 100 ou mais.

  • 1° microrreator a produzir biodiesel

    Em meados do ano de 2012, eu já tinha decidido que o meu doutorado seria na área de microfluídica. Porém, uma pergunta muito importante ainda permanecia: O que fazer em microescala? Tinha que ser algo relacionado a processos químicos, claro, o que só deixou a situação mais difícil. Para a minha salvação, eu tinha feito a disciplina de Modelagem e Análise de Processos Químicos, em que o trabalho final foi sobre simulação de uma planta de produção de biodiesel a partir do óleo de Pinhão Manso e na mesma época em que estava fazendo a minha revisão bibliográfica sobre microfluídica tenho acesso a uma notícia do site Inovação Tecnológica de 21/03/2006 que anunciava o desenvolvimento de um microrreator para a fabricação de biodiesel.

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