Com 86% da população do Estado de São Paulo na faixa amarela do Plano São Paulo de retomada das atividades comerciais. A abertura de shopping centers, a retomada parcial na oferta de alguns serviços como bares, restaurantes, salões de beleza, e academias dão, nos próximos dias, seu start inicial.
Passados quase 5 meses da pandemia de Covid-19, havia uma certa ansiedade por parte da população por consumir grande parte desses serviços. Também pela maioria dos comerciantes e empresários em retomar suas vendas. Já que enfrentam uma crise econômica desde 2014, agravada ainda mais pela recente situação de isolamento forçado.
De acordo com estimativas da fundação Getúlio Vargas, haverá um impacto negativo de cerca de 68% nas finanças da indústria. Além de 59% no setor de comércio e de 49% no setor de serviços. Esses serão os setores que mais serão afetados negativamente em suas finanças.
O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê uma crise econômica global de grande proporção devido à pandemia. A recessão estimada pelo FMI, de 4,9% para o mundo, deve se confirmar. E, para o Brasil, o quadro é ainda mais alarmante, uma vez que estamos classificados na categoria de países em desenvolvimento. Ou seja, existe uma série de barreiras estruturais que ainda não foram superadas.
As medidas de fechamento e isolamento social afetam toda a economia, mas principalmente o consumo. Quando estávamos na fase vermelha, apenas itens essenciais eram possíveis de serem comprados presencialmente. Além disso, as pessoas ainda ficavam receosas de receber em suas casas entregas delivery – mesmo que os empresários fizessem as adequações necessárias e entrassem de cabeça na era digital.
Em um ambiente de extrema incerteza futura, como é o caso desta pandemia, o primeiro impacto sobre os agentes econômicos (famílias e empresas) é a retração na sua renda. A causa disso é o fato de que as próprias famílias ficaram mais cautelosas em relação ao consumo. Os empresários, por seu turno, interromperam os investimentos bruscamente. Uma indicação desse fenômeno é o aumento recente nas quantias depositadas em cadernetas de poupança, ou seja, o brasileiro está poupando e se preparando para o que há por vir.
A questão da reabertura parcial do comércio
Quanto ao plano de flexibilização e abertura parcial do comércio, temos, por um lado, lojas fechadas e com poucos clientes. Por outro lado, ruas lotadas com consumidores lutando pelo seu espaço – como observado no último sábado dia 7 de agosto, véspera do Dia dos Pais. Em relação à abertura do comércio, há algumas considerações que devem ser levadas em conta:
Muitas cidades que estavam na fase 4 regrediram para a fase 1 após medidas de flexibilização entrarem em vigor;
O índice de Intenção de Consumo das Famílias (ICF) atingiu o menor patamar desde o ano de 2010, segundo informações da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo;
Há uma melhora identificada na qualidade dos serviços e atendimentos, uma vez que cada cliente que entra no estabelecimento comercial é extremamente importante para a geração de receitas;
A queda do nível de renda tem empurrado compradores para o comércio popular, gerando aglomerações em áreas que possuem essa característica;
Vendedores relatam medo em se deslocar para o trabalho, pois os meios de transporte coletivo apresentam grande possibilidade de contaminação. Muitos estão mudando as suas rotas e realizando mais baldeações para evitar linhas que possam estar congestionadas – isso normalmente aumenta o tempo de trânsito até o trabalho;
Existe também o acúmulo de funções dentro dos estabelecimentos, já que houve demissões e poucos funcionários ficaram para desempenhar a atividade de atendimento, venda, faturamento, estoque, etc.;
Posto isso, o desafio é fazer com que parte importante do consumo seja retomada. Pois muitas famílias tiveram sua renda comprometida de alguma forma e as que foram menos afetadas estão bastante receosas em gastar.
Para muitas pessoas, a ajuda oferecida pelo governo federal foi insuficiente, sendo obrigadas a buscar outras alternativas para sobreviver, afinal as despesas não cessaram. Empresários e comerciantes, por sua vez, tentam recuperar as vendas mesmo com a insegurança de estar exposto a uma grande circulação de pessoas que movimentam os centros comerciais e shoppings.
Por fim, é importante ressaltar que o isolamento social, da maneira como foi praticado no país teve como resultado até o momento mais de 100.000 mortes. Além de um impacto psicológico sobre a população – seja pelo medo, seja pelo luto. Na economia, o isolamento afetou a renda de milhares de famílias e a sobrevivência de muitas empresas. Com este afrouxamento, o novo normal está por vir. Mas o problema da contaminação pelo Covid-19 não está ainda resolvido, nem com remédios nem com vacina. Para isso, é ainda necessário que toda a população tenha cuidado, tome medidas de segurança e tenha consciência sobre o uso correto de máscara. E sobretudo, se puder, que continue em casa.
A autora
Jamile de Campos Coleti é Administradora, Professora na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG/FRUTAL) e Doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp.
** Texto publicado originalmente no blog Sobreeconomia
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
Texto escrito por Cyntia Almeida, Gian Carlo Guadagnin e Gildo Girotto Júnior
Imaginem que vocês, em futuro próximo, sentados em um restaurante (ou indo às compras em um mercado), sejam informados “Este restaurante conta com um sistema de sanitização ambiente por meio de substâncias que eliminam vírus e bactérias”, ou ainda, “este ambiente conta com um sistema de sanitização por meio de radiação ultravioleta”. Pois é. Este procedimento já tem ocorrido em alguns locais.
Após o período em isolamento social, a maior parte dos estados brasileiros e muitos países do mundo seguem para a abertura do comércio. Mais do que isso, começam a traçar planos de retorno das atividades com a flexibilização do isolamento. O estado de São Paulo, por exemplo, propôs um plano de retorno do setor educacional, o qual envolve a ocupação gradual das instituições de ensino. Para além disso, outros espaços como o transporte coletivo, bares, restaurantes e demais estabelecimentos, num futuro próximo e ainda na presença do coronavírus, começarão a ser novamente ocupados. A preocupação que nos aflige é, portanto, como se preparar para evitar uma nova onda de disseminação do coronavírus?
Nos diferentes projetos de retorno, muito se fala sobre ações que visam evitar a propagação do vírus. Isto levando-se em conta desde aquelas mais comuns, como lavar frequentemente as mãos, manter o uso do álcool gel e da máscara, até outras ainda pouco comentadas como a sanitização dos ambientes. Sobre este último ponto é que buscamos trabalhar algumas ideias neste texto. Trazemos, principalmente, esclarecimentos sobre como se dá este processo e quais procedimentos têm sido propostos e estudados para sua realização.
Contextualizando um pouco
No mês abril deste ano, um estudo realizado por pesquisadores do Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Guangzhou, China, foi publicado. O objetivo foi estudar as possíveis causas da contaminação, por COVID-19, de 10 pessoas provenientes de 3 famílias distintas. Estas pessoas estavam presentes em um mesmo ambiente mas que se encontravam distantes umas das outras1. Levantou-se então a questão de que a circulação do ar (direcionada pelo aparelho de ar condicionado) teria propagado o vírus ou que os filtros de ar do aparelho pudessem estar servindo para o acúmulo do mesmo.
Os dados do estudo apontaram que a proximidade relativa das famílias durante o almoço e o forte fluxo de ar no ambiente, foram o fator crucial para a propagação do vírus a partir do paciente inicial, que na época não sabia estar contaminado. Isso ocorreu devido ao fato de as gotículas de saliva do primeiro doente terem sido levadas pelo fluxo de ar, a uma distância maior do que a esperada. A figura abaixo ilustra a contaminação ocorrida sendo A1 o sujeito inicialmente infectado. As datas indicam para a descoberta da contaminação dos demais sujeitos presentes no local.
Ou seja, não apenas o maior distanciamento mostra-se necessário como é perceptível que partículas do vírus podem se deslocar. Isso devido ao fluxo de ar, se espalhando por uma grande área do ambiente. Este e outros estudos levantam questões sobre medidas que se tornarão necessárias, quando os estabelecimentos públicos voltarem a funcionar. Além disso, traz indagações referentes aos novos protocolos de limpeza e desinfecção. Quais produtos utilizar? Os processos realmente isentam o ambiente do vírus? Seria possível realizar a sanitização em ambientes com a presença de pessoas? Trazemos aqui algumas considerações em relação ao processo de sanitização de ambientes.
O processo de sanitização
Antes mesmo da publicação do estudo citado, algumas cidades haviam adotado o uso da desinfecção ou da limpeza das ruas. O intuito era combater a contaminação dos indivíduos que por ali transitavam. Tal ação deve ser promovida apenas em lugares com maior fluxo de pessoas. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), ao realizar esse processo em lugares com poucas chances de contágio, corre-se o risco de fortalecer o vírus, tornando-o imune aos saneantes usados2. Nesse cenário, um primeiro ponto a se compreender é a diferença entre limpeza e desinfecção.
Segundo Nota Técnica2 da ANVISA, LIMPEZA é a remoção de microrganismos, sujeiras e impurezas das superfícies sem, no entanto, ter por objetivo a degradação dos microrganismos. É, portanto, uma remoção física que diminui o risco de propagação de infecções e doenças. Já o processo de DESINFECÇÃO utiliza substâncias capazes de matar microrganismos presentes nas diferentes superfícies. Esse processo não limpa necessariamente superfícies sujas ou remove fisicamente os microrganismos. Mas, ao degradá-los em uma superfície antes ou após a limpeza, pode reduzir ainda mais o risco de propagação de infecções (o uso do álcool gel por exemplo, desinfeta uma superfície).
Na desinfecção, como visto, uma substância é responsável por degradar o organismo causador ou transmissor da doença ou infecção. No caso de bactérias, a degradação ocorre quando a membrana exterior da célula do organismo é quebrada e seu material genético e constituinte se dispersa, impedindo-o de funcionar. É como se tivéssemos a cabeça ou o coração arrancados. No caso dos vírus, a desinfecção tende a romper a camada de proteínas e/ou gorduras que constituem sua parte externa.
Em todos esses casos, a substância desinfetante interage com uma estrutura molecular rompendo ligações que manteria a estrutura do micro-organismo. A limpeza posterior retira “os restos mortais” que sobraram do processo. Recentemente (mas não muito), outros processos, sem o uso de substâncias, têm sido testados. É o caso da utilização de radiação ultravioleta (UV)3. A ideia neste caso é que a radiação UV, por carregar grande quantidade de energia, possa interagir com micro-organismos fazendo com que as ligações químicas que compõem as suas moléculas sejam degradadas. Uma analogia que pode ser feita é a ação do sol em nossa pele. A radiação solar é composta por diferentes ondas, dentre elas o UV, principal responsável por “queimar” a pele. A ideia é semelhante, só que o procedimento consiste em utilizar aparelhos que emitam apenas este tipo de radiação diretamente aplicado a superfícies.
Mas então, onde aplicar e que substâncias ou métodos utilizar?
Bom, antes é preciso saber o que vamos desinfectar, se existem pessoas ou animais no local, se o local é grande ou pequeno, qual seu uso e o que queremos eliminar. Nem todas as substâncias destroem vírus e também bactérias, vide os medicamentos, que em geral são específicos: antiviral ou antibiótico.
Para o coronavírus, em especial, o Ministério da Saúde (MS) recomenda, para desinfecção de superfícies, o uso dos produtos autorizados pela Anvisa, como o quaternário de amônia (NR4+, onde R é uma cadeia de carbonos e hidrogênios); alvejantes contendo hipoclorito (de sódio ou cálcio); peróxido de hidrogênio e ácido peracético4. O Quaternário de amônio é o que chamamos de cátion, isto é, uma substância com carga, neste caso positiva pela deficiência em elétrons. Por ser positiva, essa substância é atraída por espécies negativas sendo reativa e atuando na oxidação da matéria com a qual está em contato, quebrando as moléculas da camada protéica do vírus, ou então rompendo as ligações da membrana da bactéria.
Entretanto, segundo a ANVISA, quaternários de amônio podem causar irritação na pele e nas vias respiratórias e pessoas expostas podem desenvolver reações alérgicas, afinal, o cátion “ataca” a matéria sem muita distinção, podendo, portanto reagir com componentes da nossa pele.
As outras recomendações para superfícies, e que funcionam quimicamente de forma semelhante, são o próprio hipoclorito de sódio (comum na desinfecção de alimentos), o peróxido de hidrogênio (comercializado em solução na forma de água oxigenada) e o ozônio ( utilizado no tratamento de água em piscinas). Para estes, é importante observar sua periculosidade uma vez que são fortemente irritantes e podem causar lesões severas.
Seria possível sanitizar um ambiente com pessoas presentes?
Mesmo com o conhecimento dos riscos de irritação e a possibilidade de envenenamento, muitos estabelecimentos e até mesmo alguns estados brasileiros estão utilizando a técnica de sanitização de pessoas, como afirma reportagem de junho deste ano5. O ato ocorre por meio de uma cabine que pulveriza desinfetante por sujeitos que passam por ela sendo a estrutura batizada com o nome de “cabine de desinfecção”. Nestas cabines são utilizadas algumas das substâncias mencionadas anteriormente, como o hipoclorito de sódio, o quaternário de amônio, e outros sanitizantes que já citamos em nosso texto.
Uma revisão especializada da ANVISA com bases internacionais não encontrou recomendações ou exemplos sobre a possível eficácia de desinfecção de pessoas com uso de câmaras, cabines e túneis. Essa revisão incluiu informações de fontes como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência de Medicamentos e Alimentos dos Estados Unidos (FDA), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças/EUA (CDC) e a Agência Europeia de Substâncias Químicas (ECHA)5.
A Anvisa ainda recomenda que se escolhido o procedimento de desinfecção, o mesmo não seja realizado com pessoas presentes. Isto porque os saneantes recomendados apresentam características que podem causar, além das irritações e lesões citadas, intoxicação e problemas respiratórios quando inalados. Portanto, a realização da desinfecção de um ambiente com indivíduos presentes (ou à desinfecção direta de indivíduos) NÃO é recomendada. No caso da radiação UV, a mesma recomendação pode ser feita, uma vez que ao direcionarmos uma fonte de radiação de alta energia a uma pessoa, danos a estrutura celular de sua pele podem ser gerados.
Por fim, quanto tempo o ambiente sanitizado fica isento de microorganismos?
De modo geral, não existem estudos conclusivos sobre a sanitização de ambientes e espaços uma vez que há diferentes variáveis. O ar, a movimentação e dispersão de organismos, vírus e partículas em áreas abertas e espaços com grande movimentação de pessoas (como restaurantes, hospitais, escolas, lojas e academias ou no transporte público) são conjuntos complexos e amplos de estudo, com muitas variáveis e, por isso, dependem de tempo para respostas mais completas. O novo coronavírus ainda é recente e não o compreendemos totalmente. As recomendações para a diminuição da contaminação e do contágio são, grandemente, as medidas para outros vírus já conhecidos como os que causam a SARS ou a MERS e a família influenza.
Assim, além da sanitização e limpeza de ambientes, teremos que usar máscaras e fazer os diversos protocolos de distanciamento por um bom tempo, pelo menos até novas e mais acalentadoras informações sejam apresentadas. Vale lembrar que ações de sanitização são maneiras a mais de minimizar a contaminação. Isto é, não eliminam os cuidados pessoais diários e a higienização de mãos e roupas sempre que possível. Até o momento, o álcool 70% e a boa e velha água e sabão são as formas mais eficazes e menos agressivas à saúde que conhecemos de fato.
Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp
Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)
Cyntia Almeida é estudante de graduação em Licenciatura em Química (UNICAMP)
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
O novo Coronavírus (SARS-CoV-2) relacionado à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) está causando uma pandemia que já ultrapassou 3 milhões de infectados e 200 mil mortos. Durante essa primeira onda de pandemia, muitos países estão enfrentando problemas relacionados à falha da capacidade dos seus sistemas de saúde. Por causa disso, vários países adotaram medidas de distanciamento social, quarentena e rastreio de infectados, enquanto tentam desenvolver vacinas e medicamentos.
Alguns países como a China, Coreia do Sul e Dinamarca, tem aliviado aos poucos tais medidas após conseguir níveis adequados do controle da transmissão e o número de mortes ter começado a diminuir. Contudo, para acabar com a possibilidade de ressurgir infecções, períodos prolongados ou esporádicos de distanciamento social ainda são necessários.
Após a primeira onda de pandemia, o SARS-CoV-2 pode apresentar dois panoramas.
O primeiro, o vírus ser erradicado assim como sua parente, a SARS-CoV-1 (o vírus do surto de 2003), com medidas de saúde pública intensivas. Ou pode – assim como a vírus Influenza e outros coronavírus (os chamados HCoV – Coronavírus de Humanos) – recircular pela população de forma sazonal, causando surtos durante o outono e inverno nas zonas temperadas. Se conseguirmos saber em qual desses cenários se encaixa esse novo vírus, será possível propor medidas públicas de saúde para combater futuras crises referentes a ele.
Como é o cenário atual de outros coronavírus?
O SARS-CoV-2 faz parte da família Coronaviridae e do gênero betacoronavírus, que inclui outros parentes dele como: o SARS-CoV-1, o MERS-CoV (responsável pelo surto no oriente médio em 2012), e dois outros coronavírus de humanos, o HCoV-OC43 e HCoV-HKU1.
O SARS-CoV-1 e MERS-CoV são vírus mais perigosos, causando doenças severas com uma taxa de mortalidade de 9 e 36% respectivamente. Contudo, sua transmissão é bem mais difícil de acontecer do que a do vírus causando a atual pandemia.
Quanto aos HCoVs, as infecções causadas por eles são um tanto quanto mais leves, sendo que tais vírus são os segundos mais comuns em causar o resfriado. Os surtos de HCoVs acontecem geralmente no inverno nas zonas temperadas, o que pode sugerir que o clima frio e nosso comportamento de nos aglomerar nessas situações para nos aquecer pode facilitar sua transmissão, assim como acontece com o vírus influenza.
Apesar da imunidade causada pela infecção dos HCoV durar pouco (aproximadamente 1 ano), a imunidade contra os vírus mais sérios, como o SARS-CoV-1, é de longa duração, o que nos permite combatê-lo mais rápido em um segundo contato. Uma boa notícia é que o contato com um desses vírus gera anticorpos que ajudam a combater os outros, em um processo chamado Imunidade Cruzada.
Resumidamente: entre 10 e 12 dias após entrarmos em contato com um desses vírus, começamos a produzir anticorpos. Isso nos ajuda a combater aquela infecção inicial e gera a tão falada memória imunológica, que em um segundo contato com o vírus, causará uma resposta mais rápida e eficiente no seu combate.
A Imunidade Cruzada acontece quando um anticorpo produzido contra uma parte X de um desses vírus do gênero betacoronavírus (que são parecidos em sua estrutura), acaba se ligando a essa mesma parte X de outro vírus do mesmo gênero, ajudando a combatê-lo de forma mais rápida e eficiente.
Quais são os fatores que podem influenciar novas ondas epidêmicas ou pandêmicas do SARS-CoV-2?
A partir de todas essas informações, um grupo de pesquisadores de Harvard publicou na Revista Scienceum modelo matemático da transmissão considerando os seguintes fatores que poderiam influenciá-la:
O grau de transmissão durante variações sazonais, isto é, como seria a contaminação das pessoas dependendo das variações climáticas;
A duração da imunidade, gerada pelo SARS-CoV-2
O grau de imunidade cruzada entre o SARS-CoV-2 e outros coronavírus já em circulação na população
A partir destes fatores, os cientistas chegaram às seguintes possibilidades:
O SARS-CoV-2 pode voltar a proliferar a qualquer momento do ano. Infecções no outono/inverno favorecerem surtos mais agudos com um maior número de infectados, enquanto infecções no inverno/primavera, apesar de ainda ocorrer, vão levar a surtos menores;
Se a imunidade do SARS-CoV-2 não for permanente ou de longa duração, ele pode voltar a entrar em circulação assim como acontece com o Influenza e os HCoV. Uma imunidade de curto período levaria a surtos anuais de SARS-CoV-2, enquanto uma imunidade um pouco mais duradoura, 2 anos por exemplo, levaria a surtos bienais;
Em lugares onde há uma alta variação sazonal (como as zonas temperadas, no Sul do Brasil) a transmissão teria uma incidência menor durante o verão, mas também haveria surtos mais recorrentes e maiores durante o inverno. Isso aconteceria porque durante os meses de verão, quando a transmissão seria menor, há um acúmulo de indivíduos suscetíveis (ou que não foram infectados na última onda ou que “perderam” a imunidade com o passar dos meses);
Se a imunidade do SARS-CoV-2 for permanente, o vírus pode desaparecer por 5 anos ou até mesmo antes de causar um surto maior. Além disso, se ele gerar imunidade cruzada contra outros HCoV, estes podem virtualmente desaparecer também;
Já se a imunidade cruzada de outros betacoronavirus contra SARS-CoV-2 for baixa, isso pode ajudar que o SARS-CoV-2 desapareça por poucos anos, podendo ressurgir depois. Por exemplo, se considerarmos que a imunidade contra SARS-CoV-2 pode durar apenas dois anos, os baixos níveis de imunidade cruzada dos HCoV poderia nos ajudar a prolongar o tempo de ressurgimento do SARS-CoV-2, voltando a aparecer depois de 3 anos, ao invés de 2.
Quais são os possíveis futuros cenários?
Vamos considerar o pior cenário possível: não há imunidade cruzada entre outros HCoV contra o SARS-CoV-2, não há como aumentar a capacidade dos sistemas de saúde, remédios e vacinas vão requerer meses ou até alguns anos para o desenvolvimento e teste, restando somente intervenções não farmacológicas para conter a transmissão do vírus. Nesse cenário, a pandemia de COVID-19 poderia durar até 2022, com possíveis duas ondas de contaminações que teriam seu pico durante o inverno no hemisfério norte, e com a necessidade de novos períodos de isolamento social de 25 até 75% do tempo. Durante esses dois anos, possivelmente o vírus contaminaria todo o mundo. Neste caso, as contaminações aconteceriam como aconteceu com o influenza entraria em um ciclo sazonal de infecções (ocorrendo principalmente no inverno).
Caso a capacidade dos sistemas de saúde seja aumentada (e isto já está ocorrendo, mesmo que mais lentamente do que gostaríamos neste momento), facilitaria à população a ganhar imunidade contra o vírus, levando a redução do tempo da pandemia, dos isolamentos e distanciamentos sociais. Essa imunidade não ocorre por termos mais hospitais, mas por termos mais capacidade de suporte para atender pacientes, assim, estes têm mais chances de sobreviver, ficando imunizados (ao menos, ao que tudo indica) por um tempo. Junto a esse fato, com a descoberta de algum potencial medicamento eficaz, a pandemia e as medidas de isolamento poderiam ser totalmente relaxadas por volta do primeiro semestre de 2021.
Mas, como dito, esse seria o pior dos cenários. A maioria dessas alegações feitas pelos pesquisadores foram baseadas em modelos matemáticos, então muitas pesquisas ainda precisam ser feitas para se comprovar algumas dessas modelagens como o grau de imunidade cruzada causada pelos vírus e o tempo da imunidade das pessoas contra o SARS-CoV-2.
Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.