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  • Regular as Redes Sociais é uma boa saída para combater a desinformação ?

    Regular as Redes Sociais é uma boa saída para combater a desinformação ?

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    Texto escrito por Cesar Augusto Gomes

    Como é a regulação das redes sociais no mundo? No Brasil, quais foram as tentativas de regular a publicação de informações no passado? O que dizem os projetos que tramitam no Congresso? Quais os perigos à liberdade de expressão?

    Alguns veículos de comunicação informaram no último dia 7 de fevereiro que o governo do presidente Lula (PT) pretende abrir um debate sobre a regulamentação das redes sociais como meio de combater a propagação de “fake news” (1).

    Não apenas o atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB) enviou um projeto com esse teor ao atual Presidente da República, como também, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Paulo Pimenta (PT), defendeu a aprovação de uma legislação capaz de combater o impulsionamento de publicações “antidemocráticas” nas redes sociais, segundo o Portal UOL.

    Mas seria esse um bom caminho para se combater a onda de desinformação (2) que assola não só o Brasil, mas o mundo? 

    Como tem sido feita a regulação das redes sociais no mundo?

    Na Alemanha, desde 2017, a Lei para Melhorar a Aplicação da Lei nas Redes Sociais (Network Enforcement Act – NetzDG) criminaliza a publicação nas mídias sociais de conteúdo com discursos de ódio, propaganda de “organizações inconstitucionais” (grupos neonazistas ou terroristas, por exemplo), pornografia infantil, insulto, difamação de pessoas ou organizações religiosas, entre outros.

    Quando o conteúdo for claramente ilegal, as plataformas têm até 24 horas após o recebimento de uma denúncia para removê-lo ou bloqueá-lo. Quando essa ilegalidade não for tão explícita, o limite para análise e exclusão é de sete dias. Além disso, as empresas têm que produzir relatórios de transparência semestrais. Em caso de descumprimento as multas podem chegar a €$50 milhões.

    Na França, estão em discussão no parlamento três propostas com vistas a impedir “a manipulação da informação” durante o período eleitoral. A União Europeia também está elaborando regras para a circulação de conteúdo digital que valerão para todos os países membros.

    O Proposal for a Regulation on a Single Market For Digital Services (Digital Services Act) com previsão de entrada em vigor no máximo em 2024, estabelece responsabilidades dos utilizadores, das plataformas e das autoridades públicas no meio digital.

    Na Malásia, desde 2018, a propagação de informação parcial ou totalmente não factual é penalizada com até seis anos de prisão e multas de até US $130.000. No Quênia, também a partir de 2018, tornou-se crime o cyberbullying e a disseminação de “fake news”. Quem for pego pode ter que pagar uma multa em torno de US $50.000, ser encarcerado por até dois anos ou ambos. Na Austrália, o News Media and Digital Platforms Mandatory Bargaining Code de 2021, legisla sobre os conteúdos jornalísticos em plataformas digitais. Nos EUA, a Seção 230 da Communications Decency Act estabelece que as plataformas não são responsáveis pelo conteúdo postado por usuários e podem moderá-lo como acharem necessário.

    Olhando para a América Latina (3), na Venezuela desde 2005 é crime “divulgar em qualquer meio informações falsas que causem pânico”, sendo que a pena para a transgressão é de até cinco anos de reclusão. Em 2017, a Assembleia Constituinte do país aprovou a “Lei contra o Ódio, pela Coexistência Pacífica e Tolerância” que estabelece punições, incluindo pena de prisão de até 20 anos para quem instigar o ódio ou a violência no rádio, na televisão ou nas redes sociais.

    Na Nicarágua, desde 2021 quem for pego roubando dados, espionando por meio digital, realizando hackeamento ou divulgando informações não factuais na internet pode pegar de dois a cinco anos de prisão. Tramitam propostas semelhantes nos parlamentos da Colômbia, El Salvador, Panamá, Peru, Paraguai e Uruguai.

    No Brasil, a regulação da publicação de informações no passado

    A primeira tentativa de legislar sobre a publicação de informações não factuais no Brasil foi a Lei Federal nº 5.250/1967, conhecida como Lei Brasileira de Imprensa, que regulava a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, promulgada na época da Ditadura Militar, diga-se. Revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009, ela trazia em seu Artigo 16 a seguinte redação:

    Publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem: I – perturbação da ordem pública ou alarma social; II – desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica; III – prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município; IV – sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro. Pena: De 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção, quando se tratar do autor do escrito ou transmissão incriminada, e multa de 5 (cinco) a 10 (dez) salários-mínimos da região. Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, se o crime é culposo: Pena: Detenção, de 1 (um) a (três) meses, ou multa de 1 (um) a 10 (dez) salários-mínimos da região.

    Constata-se que, no Brasil, a pretensão de aprisionar quem publica conteúdos não factuais não é nova e remonta aos Anos de Chumbo. Mais recentemente, desde 2014, o Artigo 19 da Lei Federal nº 12.965/2014, o conhecido Marco Civil da Internet, traz uma menção à remoção de conteúdos considerados “infringentes” mediante autorização judicial com uma série de ressalvas à liberdade de expressão e à censura, com a possibilidade de responsabilização em caso de descumprimento.

    O que dizem os projetos que tramitam no Congresso brasileiro?

    Desde 2015, tramitam no Congresso Nacional quase uma centena de projetos de lei que tentam regulamentar a questão (veja imagem 02, abaixo). O PL 2.630/2020 – com nada menos do que 87 Projetos de Lei “em apenso” (4) – é uma proposta legislativa que visa à regulação de plataformas de mídias. Batizado como Lei das Fake News, ele cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, tendo sido aprovado pelo Senado Federal em junho de 2020. 

    Dali, seguiu para a Câmara dos Deputados que, desde então, criou um grupo de trabalho para discutir e implementar alterações no projeto. A proposta procura criar regras para encaminhamento de mensagens, rastreabilidade, transparência, remoção de conteúdo, posts patrocinados e estabelece sanções em caso de descumprimento.

    Imagem 02: Captura de tela de trecho de documento em que constam os projetos relacionados à regulamentação das plataformas digitais para combater as “fake news”. 

    Fonte: Substitutivo ao Projeto de Lei nº 2.630, de 2020.

    A questão da desinformação não é o único tema tratado pelo projeto, que traz à tona outros problemas enfrentados no cotidiano dos usuários da rede. Entre suas principais mudanças (5): 

    • O Artigo 9º prevê que “os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria instantânea devem produzir relatórios semestrais de transparência, disponibilizados em seus sítios eletrônicos, em português”. Por exemplo, as plataformas terão que apresentar, informações como o número de usuários no Brasil, dados sobre medidas aplicadas a contas e conteúdos por descumprir regras, pedidos de revisão e sanções revertidas;
    • O Artigo 22 determina que perfis das redes sociais de detentores de mandatos eletivos e ocupantes do Poder Executivo são de interesse público e que, portanto, não se pode restringir o acesso de usuários a eles, ou seja, não podem bloquear usuários impedindo que acompanhem suas postagens;
    • O parágrafo 8º do inciso VII, também do Artigo 22, prevê estender a imunidade parlamentar para as redes sociais, o que pode dificultar a moderação de conteúdos postados pelos detentores de mandatos eletivos;
    • O artigo 36 prevê pena de reclusão, de um a três anos e multa para quem promover ou financiar “mensagens que contenha fato que sabe inverídico que seja capaz de comprometer a higidez do processo eleitoral ou que possa causar dano à integridade física e seja passível de sanção criminal”;
    • No Artigo 38, o projeto determina que as plataformas remunerem empresas jornalísticas que publicam notícias nas redes, deixando de fora os produtores independentes, a menos que “produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil”;
    • A comunicação via aplicativos de mensagens instantâneas também é alvo do projeto, principalmente em função da mudança recente introduzida pelo WhatsApp, que criou a função Comunidade, permitindo enviar conteúdo a até 5 mil usuários de uma única vez;
    • O atual ministro da Justiça, Flávio Dino, defende a inserção no PL da obrigatoriedade de as plataformas serem mais rigorosas no combate a mensagens com ameaças à Democracia, isto é, a remoção compulsória de conteúdos com teor golpista.

    A despeito de outras discussões, um problema que me parece premente é o fato de não existir (ainda) no texto do projeto uma definição do que o legislador entende ser “fake news”. O inciso X do Artigo 33, que resvala no tema, estabelece como uma das atribuições do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) a tarefa de “promover estudos e debates para aprofundar o entendimento sobre desinformação, e o seu combate, no contexto da internet e das redes sociais”. 

    Outra proposta bastante preocupante, ventilada à época pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB – SP), é a formação de um Conselho de Transparência e Responsabilidade, composto por uma dezena de policiais e políticos escolhidos pelo governo e por apenas dois técnicos. A CPI da Covid-19, que revelou a existência de um conselho consultivo para as questões da Covid-19, deixou uma péssima impressão sobre esse tipo de iniciativa quando o tal conselho é composto por profissionais pouco comprometidos com a ciência.

    Vigiar e Punir

    Pouco se sabe sobre a proposta entregue pelo ministro Flávio Dino a Lula, mas acredita-se que ela deve seguir na linha do que já está proposto nos projetos de lei anteriores. Se aprovado da forma como está, um cidadão pode ser preso por publicar uma informação controversa, dado que, dependendo do viés ideológico de quem analisa, “fake news” pode ser uma porção de coisas, inclusive reportagens de que não se gosta, como se viu em afirmações dos ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro.

    A ideia de que a punição resolve os problemas da sociedade parte da premissa de que o medo dela inibe o cometimento de crimes. Mas, reflitamos: há quanto tempo é crime tirar a vida de outra pessoa? O medo dessa possibilidade de punição por si só levou à diminuição de homicídios? Certamente que não. “Educai as crianças e não será preciso punir o homem”, afirma o filósofo Pitágoras (570 a.C – 490 a.C), considerado pai do conceito de Justiça, norteadora do Direito. Por esse motivo, é preciso que a sociedade acredite na educação como forma de superar o problema.

    A Declaração de Salta sobre os Princípios da Liberdade de Expressão na Era Digital corrobora essa posição em seu artigo 10:

    A disseminação maliciosa ou deliberada de desinformação por atores governamentais ou do setor privado pode afetar a confiança do público. A desinformação não deve ser combatida com mecanismos de censura ou sanções penais, mas sim com a adoção de políticas de notícias e alfabetização digital. Os intermediários tecnológicos devem adotar medidas de autorregulação para evitar a disseminação de desinformação deliberada (IAPA, 2018)

    Em 2020, a Inter American Press Association (IAPA) apresentou uma resolução na qual apela para que os Estados abandonem as legislações sobre vigilância digital porque elas criam barreiras à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão e pede também que esses Estados adotem a Declaração de Salta (citada anteriormente). Um sinal muito positivo na direção da Alfabetização Digital foi dado pelo novo governo federal em seu primeiro dia de mandato em que criou o Departamento de Educação Midiática

    Momento delicado

    Isto posto, o que se percebe é um receio muito grande, vindo de todos os lados, de que, como diz o ditado popular, “jogue-se a água do banho com a criança dentro”. Isto é, uma vez aprovada uma legislação, na ansiedade de se combater as “fake news”, os governos dela se utilizem para perseguir adversários políticos e todos aqueles que fiscalizam suas administrações, tendo como alvo principal a imprensa, restringindo assim a liberdade de expressão.

    Evidente que é preciso tomar alguma providência em relação ao cenário atual em que Golpes de Estado são divulgados nas redes sociais como se fossem a quermesse de domingo, no entanto, a complexidade do problema exige ações em múltiplas direções. Para ficar em dois exemplos, é preciso discutir a governança algorítmica que não permite saber como eles são programados para recomendar mais conteúdos desinformativos para quem já consome desinformação; é preciso discutir porque as Big Techs – que veiculam informações pelas quais as pessoas se orientam – apresentam-se como empresas de tecnologia e não de comunicação, não tendo responsabilidade alguma sobre crimes que são veiculados em suas plataformas.

    Tão importante quanto abrir o debate sobre o tema, é que essa discussão se dê a partir das experiências anteriores que vêm acontecendo no mundo e que os pesquisadores do assunto sejam chamados a mostrar o que já se descobriu até agora sobre a questão. Toda vez que um governo prescindiu da ciência o resultado foi desastroso para sua população. Os quase 700 mil mortos pela Covid-19 no Brasil estão aí para nos alertar disso a todo momento.

    Para saber mais

    1. A palavra fake news está grafada entre aspas porque eu considero Fake News uma informação não factual ou imprecisa com ou sem a intenção de enganar, produzida e disseminada por meio do texto jornalístico, utilizando o meio digital, impresso, radiofônico ou televisivo. 
    2. Desinformação, por sua vez, entendo que é todo processo intencional de influenciar o debate público e/ou amealhar vantagens, sejam elas econômicas, políticas ou de qualquer outra natureza, em favor de alguma ideia ou de um produto utilizando, para isso, informações não factuais.
    3. Com base em informações de Júlio Lubianco, do LatAm Journalism Review. 11 leis e projetos de lei contra a desinformação na América Latina: penas de prisão e risco de censura. (Publicado em 16 dez. 2020). Disponível em: https://latamjournalismreview.org/pt-br/articles/leis-desinformacao-america-latina-prisao-censura/ Acesso em 14 fev. 2023.
    4. Apensar processos consiste no procedimento da Secretaria em unir os autos de uma ação ou incidente processual aos de outra(o), em razão de disposição legal, fazendo com que sua tramitação seja conjunta ou em apenso. Fonte: TJSE.JUS.BR
    5. O projeto está em discussão, portanto, essas mudanças e as demais informações podem sofrer alterações após a escrita deste texto.

    Referências

    IAPA. Declaration of Salta of Principles on Freedom of Expression in the Digital Era. Inter American Press Association. Salta / Argentina, 22 out. 2018. Disponível em: https://media.sipiapa.org/adjuntos/186/documentos/001/838/0001838168.pdf Acesso em 14 fev. 2022

    * O autor é Mestre em Divulgação Científica e Cultural (Unicamp, 2023), Especialista em Educomunicação, Coordenador de Informatização Escolar da Secretaria da Educação de Valinhos e professor da escola pública.

    Como citar:  

     

    Sobre a imagem destacada:

    Imagem 01: Decisão – Martelo – Justiça. Fonte: Jeso Carneiro. 06 jan. 2017. (CC BY-NC 2.0). Disponível em: https://www.flickr.com/photos/125816678@N05/34914331714 Acesso em 11 fev. 2023

  • O Spoiler como discurso

     Texto por Erica Mariosa Carneiro

    Sobre as estratégias de marketing na Divulgação Científica – Spoiler e seu uso político

    “Mas, o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde, afinal, está o perigo?” (FOUCAULT, 1996 p.08)

    Durante o trabalho de divulgação científica sobre a COVID-19 que realizamos no Blogs de Ciência da Unicamp, por diversos momentos, me peguei refletindo sobre essas mesmas duas perguntas que Foucault faz no início de A Ordem do Discurso

    É claro que lá em 1970, época em que essa pergunta foi refletida por Foucault, a internet ainda era um projeto de conhecimento de pouquíssimos cientistas e a ideia de um mundo conectado a discursos eternizados em redes sociais não fazia parte desta discussão. Contudo, ao ler Foucault não pude deixar de relacionar esses dizeres a este momento em que lidamos com discursos ditos de forma estratégica, travestidas de acidentais e com o objetivo claro de confundir e invisibilizar toda uma população.

    Spoiler como Discurso

    “Foucault (2012) afirma que o discurso não é uma cópia exata da realidade, mas uma representação culturalmente construída, visto que o poder circula pela sociedade. A partir da desconstrução histórica de sistemas ou regimes formadores de opinião, pode-se analisar o significado e alcance de um discurso, verificando o porquê certas categorias, linhas de pensamento e argumentos tomam um caráter mais verdadeiro do que outros. Frente a este cenário, o próprio discurso acaba posicionando o sujeito, definindo seu papel diante da prática discursiva.” (DE MELLO e VALENTIM, 2021 p. 35)

    Muito antes da internet, o ato de revelar pequenas partes de uma história para atrair a atenção do público já era um recurso muito usado pelo marketing. Essas estratégias têm como objetivo aguçar a curiosidade de seu público, provocando ações que garantam o sucesso da obra (quando digo “obra” leia-se qualquer produção ou produto ou pessoa ou ideia que pretende-se divulgar), como o aumento de compras de ingresso para o lançamento de um filme, por exemplo.

    As estratégias de escape (como aprendi na minha graduação) ou como é mais conhecida hoje em dia a “estratégia de spoilerconsiste em vazar uma informação importante e reveladora de forma proposital mas com aparência de acidente à veículos de comunicação, seu objetivo principal é conseguir mais espaço na mídia do que o inicialmente contratado e, por consequência, mais visibilidade. 

    Através de uma pequena frase que “escapa” em uma entrevista, uma imagem ou frase que dá margem a especulação, o envio de um produto antes do lançamento ou até uma informação falsa já é possível conseguir a atenção da imprensa, dos veículos de comunicação especializados e de sua base de fãs.

    O exemplo Marvel

    É claro que a Marvel não foi a primeira empresa a apostar na estratégia de Spoiler como forma de divulgar seus produtos, e quando digo produtos não resumo isto aos seus filmes, mas toda a franquia Marvel, como quadrinhos, camisetas, parque de diversões, personagens e até ideias.

    É possível identificar este planejamento desde a sua fase 1 ao adotar cenas pós-créditos (isso mesmo, no plural) que antecipam informações e provoca no espectador o desejo de continuar acompanhando a história independente do custo ou tempo que isso gere. Mas não só o aumento de cenas pós créditos, a Marvel mantém toda uma maquinaria de incentivo massivo de teorias.

    Teorias, na cultura pop, se trata de produções de materiais por fãs que antecipam, apresentam fatos e discutem possíveis futuros para suas franquias favoritas. Essas produções giram em torno de textos, vídeos e comentários, mas também podem ser vistos em memes, artes, Fanfics e até filmes completos.

    E como isso funciona na prática?

    Com o incentivo financeiro que as redes sociais proporcionam aos seus usuários em troca de visibilidade (curtidas, compartilhamentos, etc) a estratégia de escape ou spoiler ganha uma nova camada, os comentários.

    Segundo (FOUCAULT, 1996 p.25) 

    “o comentário não tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, senão o de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro. Deve, conforme um paradoxo que ele desloca sempre, mas ao qual não escapa nunca, dizer pela primeira vez aquilo que, entretanto, já havia sido dito e repetir incansavelmente aquilo que, no entanto, não havia jamais sido dito.”

    Assim, além do aumento de tempo na cobertura da obra, a Marvel viu no comentário um upgrade na estratégia original: a de prever a satisfação do público. Basta entregar o spoiler a um grupo de influenciadores, e monitorar os comentários do público para prever se é necessário alterações no conteúdo da obra ou na estratégia escolhida para divulgação de suas produções.

    Ou seja, a estratégia de spoiler contribui não só para o retorno em visibilidade para as produções da Marvel ela também possibilita a economia em dinheiro ao oportunizar correções estratégicas a partir da reação da sua base de fãs.

    “O comentário conjura o acaso do discurso fazendo – lhe sua parte: permite-lhe dizer algo além do texto mesmo, mas com a condição de que o texto mesmo seja dito e de certo modo realizado. A multiplicidade aberta, o acaso são transferidos, pelo princípio do comentário, daquilo que arriscaria de ser dito, para o número, a forma, a máscara, a circunstância da repetição. O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta” (FOUCAULT, 1996 p.25 e 26) 

    Sendo assim, todas as escolhas da Marvel tem como objetivo a geração de comentários e a geração de conteúdos novos, as teorias. Desde, a escolha do elenco, do cenário, do comportamento do atores nas entrevistas e nas redes sociais, até a negociação com outras empresas detentora de direitos autorais, são apresentadas a imprensa, influenciadores e fãs como escape, descuido, verdade que não deveria ter sido revelada ainda.

    Assim a imprensa, influenciadores e sua base de fãs foram se acostumando a buscarem nas produções da Marvel qualquer vislumbre de uma nova informação e a partir disso gerar novos conteúdos. E apesar desses profissionais estarem cientes das estratégias utilizadas pela Marvel, ainda sim, continuam gerando conteúdo a partir do ideal de “aproveitamento” da visibilidade da Marvel para o crescimento de suas próprias plataformas digitais. (Falo mais sobre isso no O Influencer como Corpo Dócil). 

    Já para a Marvel a estratégia de spoiler serve não só para movimentar milhões de conteúdos novos e, por consequência, milhões de dólares para a empresa em vendas de seus produtos, só para se ter uma ideia em valores, em 2019 esta empresa já valia US$ 18 bilhões de dólares. Mas também para manter sua base de fãs em constante crescimento, atuante, pagante e fidelizado. Se considerarmos apenas as produções cinematográficas o uso dessa estratégia é um sucesso a 13 anos. Para saber mais sobre a história do Universo Marvel).

    Você se lembra quando – oh. Você pode não ter estado lá naquele dia.

    Oh eu não posso falar sobre isso.
    Seguindo em frente, em frente! Meu sentido de aranha estava indo, O que —- é você!

    Fonte da imagens

    Qualquer semelhança não é mera coincidência – Spoilers que testam enunciados e sua função política

    “O enunciado é, pois, concebido por Foucault como função enunciativa que define textos como acontecimentos discursivos produzidos por um sujeito, em um lugar institucional, determinado por regras sócio-históricas que definem e possibilitam a emergência dos discursos na sociedade”. (SOUSA e CUTRIM, 2016 p. 49)

    Foi em 19 abril de 2016 durante a votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff que notei, pela primeira vez, a estratégia do spoiler sendo usada como função política. 

    “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim”. 

    A fala do então deputado Jair Bolsonaro e hoje presidente do Brasil exaltava o coronel Brilhante Ustra, o primeiro militar reconhecido pela Justiça brasileira como torturador durante o regime militar (1970 e 1974). Sob o comando de Ustra ao menos 50 pessoas foram assassinadas ou desapareceram e outras 500 foram torturadas, segundo a Comissão Nacional da Verdade.

    Ao pronunciar o nome de um conhecido torturador ao vivo e em rede nacional era possível vislumbrar a estratégia de escape sendo aplicada, ao monitorar a reação pública sobre sua fala em um momento tão perturbador para o país, percebeu-se até que ponto a população brasileira (através das redes sociais) e a imprensa era sensível às questões comuns à extrema direita que apoiou massivamente o regime militar e posteriormente a candidatura de Jair Bolsonaro a presidente em 2018. Consequentemente, essa estratégia tornou-se um poderoso instrumento durante seu mandato como presidente da república.

    Conforme a pandemia da Covid-19 avançava a estratégia de escape tornou-se tão comum que o próprio presidente a anuncia:

    “Olha a matéria para a imprensa amanhã, vou dar matéria para vocês aqui. Acabei de conversar com um tal de Queiroga, não sei se vocês sabem quem é. Nosso ministro da Saúde. Ele vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados para tirar este símbolo que, obviamente, tem a sua utilidade para quem está infectado”.

    Fala foi proferida pelo presidente durante um evento oficial do governo federal em 10/06/2021

    Falo mais sobre isso no Comunicação comandada e a exaustão de quem debate 

    Através de falas que vão contra a prevenção da contaminação da Covid-19, o presidente testa seu discurso junto aos seus apoiadores, monitorando seu prestígio e aceitação, ao mesmo tempo que provoca a reação exacerbada da imprensa e influenciadores contrários ao seu governo.

    A cada  “Está superdimensionado o poder destruidor desse vírus”, “Para 90% da população, isso vai ser uma gripezinha ou nada”, “Se você virar um jacaré, é problema seu.” que o presidente vaza na mídia, uma avalanche de postagens, reportagens, entradas ao vivo, tweets são feitos na intenção de desfazer os desentendimentos (leia-se infectados e mortes) que estas falas causam.

    Imagem – Publicação do jornal Estado de Minas que destaca a reação do presidente diante do número de vítimas do novo coronavírus no Brasil esteve entre os assuntos mais comentados do Twitter no Brasil – 29/04/2020

    “O presidente da república nos deu uma aula sobre como a comunicação, ao longo de toda a sua gestão, vem sendo absolutamente eficiente e tem pautado uma corrida desesperada de cientistas, jornalistas e divulgadores da ciência em redes sociais e veículos de comunicação.” (ARNT e CARNEIRO, 2021 p.01)

    Assim como prevê a estratégia de spoiler as falas do presidente não são levianas, mas pensadas estrategicamente para serem ditas em momentos e para veículos de comunicação que possam reverberara-las de forma exaustiva e para além dos “furos de reportagem” as falas contam com o funcionamento das redes sociais que premiam a visibilidade de influenciadores.

    Através de infinitos comentários, a internet garante que o discurso chegue a mais e mais pessoas, e por consequência, garanta que a obra esteja sempre em evidência. Resta saber até quando os influenciadores e a imprensa continuará dando palco para esse tipo de estratégia.

    Referências

    ARNT , Ana de Medeiros; CARNEIRO, Erica Mariosa Moreira. Comunicação comandada e a exaustão de quem debate. 1. ed. Campinas-SP, 11 jun. 2021. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/comunicacao-comandada/. Acesso em: 4 set. 2021.

    FOUCAULT, Michel. Ordem do discurso (A). Edições Loyola, 1996.

    DE MELLO, Mariana Rodrigues Gomes; VALENTIM, Marta Lígia Pomim. Análise do discurso. Logeion: Filosofia da Informação, v. 7, n. 2, p. 35, 2021.

    SOUSA, Claudemir; CUTRIM, Ilza Galvão. Práticas discursivas e função enunciativa na constituição do sujeito quilombola. MOARA–Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Letras ISSN: 0104-0944, v. 2, n. 40, p. 49, 2016.

  • O TikTok e a educação pró-vacinas

    Foi-se o tempo em que fazer “dancinha” no TikTok (1) era exclusividade da Geração Z. Para além do entretenimento, o aplicativo tem sido usado por sites noticiosos, pela divulgação científica, por políticos e até pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

    Figura 1: OMS entra no TikTok para oferecer conselhos confiáveis e oportunos sobre saúde pública. Fonte: Captura de tela do perfil no TikTok da Organização Mundial de Saúde (OMS, “World Health Organization” em inglês). 29 jul. 2021

    Popular entre os jovens, ele pode ser mais uma ferramenta para levar informações confiáveis sobre vacinas, em especial sobre as da Covid-19, diminuindo assim a hesitação vacinal de parte da população, fator que põe em risco a imunidade de grupo, preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que também entrou na plataforma desde 2020 para combater a desinformação. Mas, como tem sido essa comunicação até hoje?

    A comunicação em saúde e o TikTok

    Não é nova a adoção das mídias sociais na comunicação em saúde. Isto foi demonstrado por um estudo (2) desenvolvido por pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos (EUA). Ele aborda essa utilização por organizações de saúde pública e profissionais de saúde. Assim, esse estudo tem como finalidade disseminar informação em massa para a promoção da saúde. Além disso, tinha como objetivo a construção de relacionamento médico-paciente, vigilância da saúde pública e melhoria de qualidade.

    Em 2020, pesquisadores da Universidade Huazhong de Ciência e Tecnologia (China) e da Universidade de Brunel (Inglaterra) realizaram uma pesquisa (3) em que analisaram o conteúdo de 962 microvídeos enviados por 31 perfis de TikTok administrados pelos Comitês Provinciais de Saúde (PHC, na sigla em inglês para Provincial Health Committees) chineses durante o mês de agosto de 2019.

    Assim, nesta pesquisa verificou-se 100 microvídeos mais curtidos entre todos os PHCs. Dentre os temas mais produzidos, 38% foram sobre os profissionais de saúde. Posteriormente seguidos de conhecimento sobre doenças, alimentação diária e reforma sanitária (para os quais não foram colocados percentuais exatos). Dessa maneira, o estudo concluiu (entre outras coisas) que esses usuários do TikTok se engajam mais quando os microvídeos estão correlacionados ao seu entendimento de difíceis termos médicos ou jargões.

    A Comunicação sobre a COVID-19 no TikTok

    Figura 2: Continue lavando essas mãos: captura de tela de postagem com foco em precaução pessoal contra a Covid-19. 
    Fonte: Perfil no TikTok da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha (IFRC na sigla em inglês). 04 mai. 2020

    Todos concordam que uma comunicação eficaz em saúde pública é fundamental. Mas será que a rápida expansão do TikTok foi aproveitada pelos agentes de saúde pública para informar e educar as pessoas sobre a Covid-19? 

    Dessa maneira, foi o que buscaram compreender os pesquisadores das universidades americanas de New Jersey e do Arkansas (4) ao analisar 331 vídeos com alguma hashtag relacionada à Covid-19 postados por perfis oficiais de oito agências de saúde pública (como o da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha) e pelas Nações Unidas (como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) até maio de 2020. Eles identificaram sete categorias de temas de vídeo: 

    1. vídeos com foco em precauções pessoais; 
    2. vídeos de incentivo;
    3. conhecimento da doença; 
    4. antiestigma / antirrumor;
    5. gestão de crise social;
    6. reconhecimento e;
    7. relatório de trabalho

    Os vídeos com foco nas precauções pessoais tenham sido os mais prevalentes. Todavia, o estudo não encontrou diferenças substanciais nas visualizações. Tampouco nas curtidas, comentários e compartilhamentos de vídeos nos sete temas elencados, sendo mais populares aqueles que apresentam dança, devido às características da plataforma. Assim, uma das conclusões é que, apesar do potencial de envolver e informar que tem essa mídia social, as agências e organismos de saúde pública ainda estão num estágio bastante inicial de criação e entrega de conteúdo. 

    Para falar com os jovens

    Um levantamento foi realizado entre janeiro e fevereiro de 2021 pelo think tank estadunidense Pew Research Center (5). Neste estudo, apresentou-se que 48% dos usuários norte-americanos do TikTok têm entre 18 e 29 anos e que 22%, têm entre 30 e 49 anos. Embora as evidências anteriores tenham sugerido que a doença poderia ser menos grave entre os jovens (6), essas faixas etárias são importantes na comunicação de saúde da Covid-19. Isto porque estudos recentes indicam que ela pode se prolongar mesmo entre adultos jovens sem condições médicas crônicas subjacentes (7). Além disso, um em cada três jovens pode apresentar sintomas graves (8). 

    Assim, por ser tão popular entre os jovens, o TikTok pode ter uma utilidade imensa na comunicação de saúde e consequente educação desse público. Conforme se observa em recentes reportagens informando que os jovens estão usando o TikTok para aliviar seus medos do coronavírus. Assim, a empresa, atenta à questão, criou um centro de informações para oferecer aos seus usuários conteúdo confiável sobre a doença. Além disso, no Brasil, firmou parcerias com instituições de pesquisa em saúde, como é o caso da realizada com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em maio de 2021.

    Health Literacy

    Os pesquisadores de Huazhong e Brunel (3) informam que o Conselho de Estado da China mantém desde 2016 um Comitê de Promoção da China Saudável. Este conselho realiza um trabalho sob a perspectiva holística da mídia na educação e comunicação em saúde pública. Dessa forma, possui o objetivo de levar à sua população a alfabetização em saúde (ou health literacy, no termo em inglês). Assim, esse movimento demonstra que a comunicação e a educação em saúde por meio de mídias integradas é uma preocupação nacional, naquele país.

    Figura 3: Conhecimento e bom humor. Fonte: capturas de tela de vídeos dos perfis do virologista Rômulo Neris (@oromulismo), à esquerda (19 jan. 2021), e do ator Emerson Espíndola (@mister.emerson), à direita (27 jul. 2021).

    No Brasil, há iniciativas pontuais, como o excelente trabalho realizado pelo ator Emerson Espíndola, que após o início da pandemia criou um perfil no TikTok com o codinome Mister Emerson e tem produzido microvídeos muito interessantes sobre as vacinas contra a Covid-19, além de outros temas relacionados à saúde. Há também cientistas, como o virologista e biofísico  Rômulo Neris (9) que também divulga informações sobre as vacinas contra a Covid-19, além de conteúdo relacionado ao Coronavírus, visto que pesquisa o assunto. Além disso, em nível governamental, podemos destacar para a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, em cujo perfil institucional são postadas informações educativas para o público em geral.

    Finalizando

    Em um governo que trocou o ministro da saúde 4 vezes em plena pandemia da Covid-19, como no âmbito federal, tivemos campanha oficial contra o isolamento social e contra a obrigatoriedade das vacinas. Dessa forma, chega a ser devaneio supor que se faça uso de formas inovadoras de comunicação em saúde pública. Nessa seara, o país está à mercê de uma maioria de criadores comuns de conteúdo. Ainda que bem intencionados, por não terem formação para tal, eventualmente, podem cometer equívocos e desinformar. 

    Portanto, Health Literacy por meio do Tiktok já é uma realidade em canais oficiais de países e agências de saúde em diversas partes do mundo. Embora ainda esteja em um estágio inicial. Em suma, Brasil, dependente dos esforços dos divulgadores de ciência (profissionais ou não), infortunadamente, segue sem um direcionamento coordenado, o que pode estar custando centenas de milhares de vidas.

    P.S. [nota do editorial]: Em breve um texto específico sobre o Todos Pelas Vacinas e ações de divulgação no TikTok também!

    Update em 18/08/2021 – Entrevista a CBN 

    Saiba mais:

    (1) Desenvolvido na China, o TikTok é uma plataforma de mídia social que permite aos seus usuários a criação de vídeos curtos (microvídeos) de 15 a 60 segundos (noticiário recente informa esse tempo aumentou para até 03 minutos), possui funções de edição, permite a inserção de músicas, efeitos especiais e o compartilhamento com a comunidade. Assim, dados de 2019, mostram que o aplicativo já tinha, à época, mais de 500 milhões de usuários ativos e um bilhão de downloads no mundo.

    (2) HELDMAN, AB, SCHINDELAR, J & WEAVER, JB (2013) Social Media Engagement and Public Health Communication: Implications for Public Health Organizations Being Truly “Social” Public Health Reviews, Vol 35, Nº 1.

    (3) ZHU, Chengyan et al (2020) How health communication via Tik Tok makes a difference: a content analysis of Tik Tok accounts run by Chinese Provincial Health Committees International journal of environmental research and public health, v. 17, n1, p 192.

    .

    (4) LI, Yachao; GUAN, Mengfei; HAMMOND, Paige; BERREY, Lane E (2021) Communicating COVID-19 information on TikTok: a content analysis of TikTok videos from official accounts featured in the COVID-19 information hub Health Education Research, 261-271. 

    (5) AUXIER, Brooke;  ANDERSON, Mônica (2021) Social Media Use in 2021 Pew Research Center, Washington (EUA) 7/Abr/2021 

    (6) CASTAGNOLI, Riccardo et al (2020) Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) infection in children and adolescents: a systematic review JAMA pediatrics, v174, n 9, p 882-889.

    (7) TENFORDE, Mark W. et al (2020) Symptom duration and risk factors for delayed return to usual health among outpatients with COVID-19 in a multistate health care systems network, Morbidity and Mortality Weekly Report, v 69, n 30, p 993.

    (8) ADAMS, Sally H et al (2020) Medical vulnerability of young adults to severe COVID-19 illness—data from the national health interview survey Journal of Adolescent Health, v 67, n 3, p 362-368.

    (9) Néris em 2020 era doutorando em Imunologia e Inflamação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi um dos sete pesquisadores brasileiros selecionados para estudar a covid-19 com uma bolsa da Dimensions Sciences para estudar a genética do vírus e suas mutações, além de alterações observadas no indivíduo durante a infecção, como metabólicas e pulmonares. (Mariana Alvim, da BBC News Brasil. 08 jun. 2020).

    Este texto foi escrito originalmente para o Mindflow

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A importância e os desafios de se comunicar ciência no Brasil em tempos de COVID-19

    Desde março de 2020, quando a OMS decretou a Covid-19 como uma pandemia, mudamos completamente nossa forma de viver. Ficamos perdidos com o a grande quantidade de informações conflituosas que nos chegam pela TV, redes sociais e grupos de whatsapp. Nesse contexto, diversas iniciativas, surgiram para contribuir para a conscientização da população. Eu tive uma pequena participação nisso também, mas não chega nem perto do trabalho que grandes divulgadores/comunicadores estão fazendo. Esse texto é uma forma de agradecer e reforçar a importância de cada uma dessas iniciativas (que foram muitas). Obrigado! Vocês estão salvando vidas!

    *Esse post é a versão completa do miniensaio que apresentei para processo seletivo do Amerek – Curso de Especialização em Comunicação Pública da Ciência, da UFMG, que teve como tema: “Como a pandemia afetou a relação entre ciência e sociedade e qual o papel da comunicação da ciência nisso?”

    A RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E SOCIEDADE NO BRASIL E OS IMPACTOS DA PANDEMIA DE COVID-19

    A pandemia da Covid-19 promoveu uma grande mudança social: nunca se falou tanto sobre ciência, nunca se observou tão de perto os processos científicos e nunca houve tanta gente opinando sobre os resultados de artigos. Isso é importante, mas, também, é um grande desafio para a comunicação pública da ciência, uma vez que estamos sendo expostos de forma muito rápida a uma quantidade excessiva de informações (independentemente de sua acurácia) – chamamos essa situação de infodemia (uma epidemia de informações).

    Neste momento torna-se, portanto, importante e necessário fornecer meios para que o público consiga analisar e encontrar informações acuradas, atualizadas e confiáveis, em meio a abundância de outras incorretas e negacionistas. Esperamos que, assim, possamos permitir que a população tenha participação e protagonismo na cultura científica e nas decisões públicas de forma efetiva. Esse grande desafio da comunicação pública da ciência no Brasil é, também, um desafio em todo o mundo.

    Costuma-se falar que os brasileiros e a ciência não têm uma relação das mais amistosas, mas pesquisas sobre a percepção pública da ciência nos mostram que os brasileiros confiam nos cientistas e nos profissionais da saúde e, também, que há interesse desse mesmo público em temas científicos. Observamos que 79% da população acredita nos benefícios da ciência – somo um dos povos mais otimistas em relação à ciência no mundo!

    Mas, então, como poderíamos explicar o negacionismo científico que estamos presenciando atualmente no nosso país?

    Talvez a explicação que nos ajude a entender esse momento esteja no distanciamento entre a população e o modus operandi da ciência (que é lento e produzido “às escondidas” nas universidades) e, também, no fato de estarmos vivendo na era da pós-verdade.

    COMO O DISTANCIAMENTO DA CIÊNCIA E A ERA DA PÓS-VERDADE PODEM EXPLICAR O QUE OBSERVAMOS NO BRASIL

    O distanciamento entre a população e a produção do conhecimento científico é observado quando vemos que a grande maioria dos brasileiros não sabe nomear um cientista (90%) ou uma instituição de pesquisa (88%) — veja que 90% da ciência nacional é feita em universidades públicas. Nesse ponto, ressaltamos que, a pandemia, de uma hora para outra, trouxe o processo científico para o cotidiano, sem que a população a entendesse adequadamente. Produzir ciência é um processo que demanda tempo, envolve diversas etapas e é dinâmico, atualizando-se a medida em que novos estudos são realizados e novas evidências são acumuladas. Mostrar isso à população não é descrédito ou demérito e é necessário.

    A pós-verdade é um termo que busca resumir esse momento no qual as experiências individuais/pessoais e o apelo às emoções e às crenças influenciam mais do que os fatos objetivos e as evidências. Há, assim, uma desvalorização do conhecimento bem estabelecido e baseado na razão e na ciência.

    Feitas essas considerações, precisamos entender o consumo de conteúdo pelos brasileiros. Das pessoas com mais de 10 anos de idade, 74% utilizam a internet de alguma forma e, talvez por causa disso, observa-se que o consumo de conteúdo pela TV (66%) equivale ao das mídias sociais (67%). Dentre as mídias mais utilizadas, estão o Facebook (54%), WhatsApp (48%) e Instagram (45%) – o Twitter tem um alcance de apenas 17%. As pessoas usam as mídias sociais para consumir, mas, também, para compartilhar conteúdo, coletar notícias, informações e opiniões e, também, para participarem de discussões sociais.

    Quando falamos de compartilhamento de informação/conteúdo, observamos um ponto muito problemático: com frequência ocorre a recirculação das informações recebidas sem que tenha havido seu efetivo consumo – ou seja: o compartilhamento de notícias sem que o remetente tenha lido o seu conteúdo – contribuindo assim, com a infodemia. Isso acontece porque as pessoas confiam que seu círculo de contatos compartilha informações corretas e, assim, ocorre a disseminação de informações falsas, ainda que de forma não intencional – situação agravada por situações pandêmicas que, sabidamente, são acompanhadas por um aumento de informações sensacionalistas, rumores, distorções e boatos.

    No Brasil essa situação se agrava ainda mais pelas tensões político-ideológicas/partidárias que são observadas. Essas abordagens polarizadas desviam o foco original e afastam grupos inteiros de discussões relevantes, reduzindo a possibilidade de diálogo a disputas intensas por valores e identidades.

    O presidente Jair Bolsonaro incentiva essa tensão ao usar em suas lives semanais uma retórica baseada em argumentos de autoridade, experiências individuais (evidências anedóticas), emoção e desconhecimento da metodologia científica. Assim, objetiva: 1) defender convicções desprovidas de embasamento técnico, formal e objetivo (p.ex., tratamentos e medicamentos comprovadamente ineficazes); 2) expressar o ceticismo na ciência; 3) criticar a velocidade e flexibilidade do processo científico; e 4) enfatizar a liberdade individual de escolha (do paciente e do médico) para o tratamento, ainda que possa ter consequências prejudiciais. O presidente adotou uma estratégia na qual ele culpa todos à sua volta pela situação do país, exceto a ele mesmo, que sempre tem a solução apropriada – mas é ignorado por todos. É assustador ver que o discurso iniciado em março de 2020 continua, mesmo depois de mais de um ano de pandemia, e traz consigo mais de 300 mil mortes.

    O Conselho Federal de Medicina (CFM), adota uma posição semelhante, ao se isentar de omitir um posicionamento formal conta o uso dos medicamentos do chamado “kit-covid” (ivermectina, cloroquina, zitromicina, nitazoxanida) – mesmo com todas as evidências de sua ineficácia e o posicionamento contrário de associações, sociedades e órgãos médicos importantes nacionais e internacionais (AMB, SBI, OMS, NIH, FDA, dentre outros).

    Desinformação, negacionismo e ideologias político-partidárias estão colocando pessoas em risco. (Sim, pessoas estão morrendo por isso!). Este cenário está aí para desafiar ainda mais Comunicação Pública da Ciência no Brasil. E os comunicadores decidiram aceitar o desafio!

    COMO A COMUNICAÇÃO PÚBLICA DA CIÊNCIA ENFRENTA ESSES DESAFIOS

    A comunicação pública da ciência é um processo plural que acontece em várias mídias e possui diferentes objetivos; mas entendo que o comunicador deve ter em mente a responsabilidade em divulgar informações precisas e acessíveis a seu público-alvo, permitindo que este participe do debate público e social com informações baseadas em evidências. Para conseguirmos fazer isso de forma eficaz, temos que considerar que a divulgação é uma via de múltiplas mãos e que envolve o diálogo e a participação entre academia, cientistas, jornalistas, instituições científicas, ONGs, indústria e a própria população.

    Isso está sendo feito! Observamos, neste último ano, o surgimento ou o incremento de diversas iniciativas individuais ou coletivas que se mobilizam para estimular e estabelecer o diálogo sobre ciência, saúde, mídia, cultura e sociedade e atuam na produção de conteúdo, formação e atualização de profissionais e checagem de fatos. É uma mobilização gigantesca na área da comunicação pública da ciência, com aumento de produção de conteúdo e ocupação das diferentes mídias.

    Para citar algumas iniciativas coletivas: Especial covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp; Coletivos como Observatório Covid-19, Todos pelas vacinas, Covid-19 DivulgAção Científica, União Pró-vacina, Rede Análise Covid-19, Força Tarefa Amerek; a criação do consórcio de imprensa (G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL); o fomento de ações pelo Instituto Serrapilheira; e a atuação das Agências Bori e Lupa. Entre as iniciativas individuais, vou citar as lives do Átila Iamarino, mas temos muitas outras que dariam uma lista imensa (e tem gente em blog, no Twitter, no Facebook, no TikTok, no Instagram, no YouTube – opção não falta, é só procurar direitinho – por exemplo, seguindo indicações feitas pelas iniciativas coletivas)!

    Entender a dispersão do conteúdo produzido por essas ações é necessário para o direcionamento eficaz dos nossos esforços. Temos que entender quem e como atingimos nosso público quando divulgamos em redes sociais (Twitter, Facebook, TikTok), plataformas de streaming (Spotify, YouTube) ou em aplicativos de mensagens (Whatsapp). Mas, também, é precisamos saber como é a concorrência pela atenção do público entre conteúdos incorretos e os divulgados pelos agentes da divulgação científica.

    É importante saber que conteúdos incorretos são publicados em menor quantidade, mas geram mais engajamento do que conteúdos acurados – o que mostra que aquele tipo de conteúdo tem uma dispersão mais rápida nas mídias sociais. E, tendo isso em mente, temos que considerar que não basta divulgar conteúdo correto em grande quantidade, mas estratégias devem ser pensadas para engajamento e, para isso, os conteúdos precisam ser envolventes e direcionados à audiência em seus canais favoritos.

    O surgimento de novas informações é muito rápido, contudo, corrigir informações falsas parece não funcionar muito bem. Assim, os comunicadores também devem atuar rapidamente, de forma a prever e agir contra a desinformação. Combater o negacionismo e valorizar a ciência devem ser estratégias realizadas com narrativas efetivas, precisas e que forneçam ao público (população e governantes) condições de tomarem decisões e participarem de debates.

    DIVULGAR CIÊNCIA É SIM UM ATO POLÍTICO!

    O conteúdo midiático afeta a opinião pública. É por isso que divulgar ciência é um ato político – o que não implica ser partidário ou ideológico –, e a decisão dos conteúdos e da forma de abordagem escolhidos pelo divulgador também o é.

    Por fim, nesse momento crítico de saúde pública, temos que ter em mente que divulgar ciências envolve responsabilidade, clareza, precisão e credibilidade. E que ela contribui para salvar vidas, pois tem participação na percepção de risco pela população estimulando, assim, o engajamento público. Divulgar ciência é defender a saúde pública e a ciência… Divulgar ciência é defender a democracia.

    Agora, se essas mudanças serão permanentes? Teremos que esperar mais um pouco para saber. Tem gente achando que não, mas a gente espera que sim!

    REFERÊNCIAS

    Agência Bori. (2021). Disponível em: <https://abori.com.br/>

    Agência Lupa. (2021). Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/>

    Arnt A. (2021). Divulgação científica em tempos de pandemia: como elaboramos conteúdos? Especial Covid-19 – Blogs de Ciência da Unicamp. Publicado em 03/03/2021.

    CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. (2019). Percepção Pública da C&T no Brasil – 2019. Resumo executivo. Brasília, DF: 24p.

    Consórcio de Imprensa (G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL). (2020). Veículos de comunicação formam parceria para dar transparência a dados de Covid-19.

    COST – European Cooperantion in Science & Technology. (2021). Communicanting Science in times of Covid-19Ç a selective overview of good practices.

    Covid-19 DivulgAção Científica. (2021). Disponível em: <http://coronavirusdc.com.br/>

    Força Tarefa Amerek. (2021). Disponível em: <https://amerek.com.br/>

    Instituto Serrapilheira. (2021). Disponível em: <https://serrapilheira.org/>

    Massarani L, Waltz I, Leal T. (2020). A COVID-19 no Brasil: uma análise sobre o consumo de informação em redes sociais. Journal of Science Communication, 19(07).

    Monari AC, Santos A, Sacramento I. (2020). COVID-19 and (hydroxy)chloroquine: a dispute over scientific truth during Bolsonaro’s Weekly Facebook live streams. Journal of Science Communication, 19(07).

    Observatório Covid-19. (2021). Disponível em: <https://covid19br.github.io/>

    OECD – The Organisation for Economic Co-operation and Development. (2020). Transparency, communication and trust: The role of public communication in responding to the wave of disinformation about the new Coronavirus. Publicado em 03/07/2020.

    Rede Análise Covid-19. (2021). Disponível em: <https://imef.furg.br/pesquisa-sobre-covid-19?view=article&id=1362&catid=52>

    Todos pelas vacinas. (2021). Disponível em: <https://www.todospelasvacinas.info/>

    União Pró-vacina. (2021). Disponível em: <https://sites.usp.br/iearp/uniao-pro-vacina/>

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    Este texto publicado no Especial Covid-19 foi escrito originalmente no Blog Meio de Cultura

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Os 7 tipos de Fake News sobre a Covid-19

    Autoria de Cesar Augusto Gomes

    Conforme escrevi neste Especial Covid-19, há dois meses, a pandemia trouxe consigo a necessidade de estancar a disseminação de falsas informações a respeito dessa terrível doença.

    Neste sentido, o presente texto pretende analisar e classificar os tipos de desinformação que circulam relacionados à Covid-19 e indicar um roteiro de perguntas básicas que você deve fazer antes de acreditar e / ou compartilhar informações que vale tanto para o Coronavírus quanto para as demais fake news sobre saúde, que circulam desde sempre.

    Para esta análise e classificação utilizo como método os 7 Tipos de Desinformação, inspirado na classificação feita por Wardle e Derakhshan (2017), para quem o termo fake news é inadequado, ambíguo e simplista para descrever o fenômeno da produção, difusão e consumo de uma gama variada de informações e não dá conta tanto da natureza quanto da escala do problema:

    Neste relatório, evitamos usar o termo “fake news” por dois motivos. Primeiro, é lamentavelmente inadequada para descrever os complexos fenômenos da poluição da informação. O termo também começou a ser apropriado por políticos de todo o mundo para descrever organizações de notícias cuja cobertura eles acham desagradável. Desta forma, está se tornando um mecanismo pelo qual os poderosos podem reprimir, restringir, minar e contornar a liberdade de imprensa. (WARDLE e DERAKHSHAN 2017:05)

    As informações foram coletadas entre os dias 26 de fevereiro de 2020 (data do 1° caso de Covid-19 registrado no Brasil) até o dia 10 de maio de 2020 (data da produção deste texto) e serão elencadas por ordem cronológica a partir do momento em que elas foram publicadas[1] pelas agências e editorias de fact-checking brasileiras, além Projeto Comprova, que atualmente se empenham em fazer o debunk das informações não factuais que circulam. Houve a seleção de um único exemplo de desinformação por categoria, com o intuito único de ilustrar os mesmos e não se buscou quantificá-los, hierarquizá-los nem relacioná-los a quaisquer correntes políticas ou a seus interesses subjacentes.

    Há, sem dúvida, a menção à política dentro das explicações porque ela atravessa o tema aqui estudado.

    (1) Manipulação do Conteúdo: quando a informação ou imagem genuína é manipulada para enganar.

    Foto editada publicada em post nas mídias socias (à esquerda) e frame de reportagem do canal pago GloboNews (à direita)

    31/03. A linguista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roxane Rojo (2012), ao diferenciar mídias digitais e analógicas, explica que estas faziam parte de um processo de comunicação unilateral em que o receptor estava incapacitado de responder ou interagir com a informação ou conteúdo que recebia.

    Por outro lado, aquelas, com a evolução tecnológica, permitem “que o usuário – ou o leitor/produtor de textos humano – interaja em vários níveis e com vários interlocutores – interface, ferramentas, outros usuários, textos/discursos etc.” (ROJO, 2012:23).

    Assim, o fácil acesso às tecnologias digitais permite não apenas receber conteúdos passivamente, mas interagir com eles e até interferir, produzindo outros conteúdos a partir do que foi lido, publicá-los e ser lido em qualquer parte do mundo por milhares de pessoas que tenham a acesso à internet.

    Essas possibilidades, que inegavelmente democratizam a comunicação de uma maneira nunca antes vista, podem estar se tornando uma armadilha para a Democracia, pois, têm servido a interesses de grupos de que delas se aproveitam para obter dividendos econômicos, e políticos, inclusive para defender o fim da Democracia, passando ao largo do interesse público.

    Portanto, a Manipulação do Conteúdo é um claro exemplo concreto dessa distorção, pois, no caso em destaque, o autor se utiliza de um frame de uma reportagem sobre chuvas do ano anterior e sobrepõe – por meio de uma legenda que imita a fonte da emissora de TV – uma informação não factual envolvendo a Covi-19. Um leitor desavisado e que não tenha a curiosidade de investigar a veracidade da informação, certamente vai absorver a versão transmitida por meio da montagem.

    (2) Conteúdo Fabricado: conteúdo novo que é 100% falso, criado para ludibriar, prejudicar.

    Frames de vídeo publicado no YouTube (à esquerda) e ilustração de fórmulas químicas (à direita)

    14/04. A produção de fake news não é exclusividade de um partido ou de uma corrente política, não agora, mas na história da humanidade. No entanto, no caso específico da Covid-19, no Brasil de 2020, uma corrente específica manifesta claramente o seu desprezo pelas determinações dos cientistas, o que não é segredo para ninguém, muito pelo contrário, alguns se orgulham disso. Isso talvez justifique a ansiedade (talvez, não seja nem maldade) de se produzir uma cura, que venha a desmentir tudo o que as pesquisas e os cientistas disseram até agora, revelado pela frase dita ao final do vídeo pela autora: “Isso a Globo não te conta!”.

    A protagonista (é bom pontuar porque ajuda a explicar o contexto da produção) tem pretensões político-eleitorais, conforme um site local e o perfil de seu partido num site de rede social noticiam que ela foi “aprovada no processo seletivo para Vereadora de Campo Grande/MS”. Se o objetivo era divulgar seu nome, deu certo, pois, num único perfil do site de rede social Twitter ela teve mais de 2 milhões de visualizações. É exatamente para isso que muitas vezes se produzem Fake News: dado o absurdo de algumas narrativas, uma parte das pessoas acabam compartilhando para criticar o que foi dito e outra parte, por concordar. De um modo ou de outro, a pessoa consegue aquilo que buscava: notoriedade. A estratégia tem se mostrado bastante eficiente, principalmente para fins eleitorais, como parece o caso.

    Podemos classificar como Conteúdo Fabricado todas as Fake News que circulam propondo algum tipo de cura para a Covid-19, sem nenhuma comprovação científica, como é o caso da recomendação para beber água quente ou ingerir Vitamina C e chá de erva-doce.

    (3) Falsa Conexão: quando manchetes ilustrações ou legendas não confirmam o conteúdo.

    Post que circula nas mídias sociais (à esquerda) e captura de tela (screenshot) de decreto emitido pelo Governo Federal (à direita).

    14/04. Outro caso bem comum de se encontrar, novamente ligado à política, porque no Brasil de 2020 a pandemia ganhou uma dimensão política, aparece uma linha de produção de Fake News que busca isentar a figura do presidente da república das consequências econômicas inevitáveis que virão pós pandemia. Isso do ponto de vista do debate democrático é legítimo, desde que feito baseado em fatos. Não é o caso do post acima que circulou nos sites de redes sociais ligados a determinado espectro político.

    A Falsa Conexão – muito parecida com o Conteúdo Enganoso – procura, a partir de um fato, distorcer parte da informação. A diferença é que o Conteúdo Enganoso distorce os dados omitindo as fontes e comunicando aquilo que lhe convém. Já a Falsa Conexão apresenta sim uma fonte oficial, porém distorce o conteúdo dessa fonte oficial, apostando no hábito do leitor ubíquo de não pesquisar a fonte e se contentar com o que está ali colocado para acredita na postagem. Logicamente isso está associado a uma série de questões como o viés de confirmação e tantos outros motivos que levam as pessoas a acreditar em Fake News, mas que não vamos discutir neste momento.

    (4) Falso Contexto: quando o conteúdo genuíno é compartilhado com informação contextual falsa.

    Frame de vídeo que circula no aplicativo WhatsApp (à esquerda) e frame de vídeo que ilustra reportagem da EPTV São Carlos, pertencente ao Grupo Globo (à direita)

    30/04. Com o agravamento da pandemia no Brasil, o Amazonas despontou como um dos primeiros Estados que apresentaram colapso em seu sistema de saúde. Como há uma questão política envolvendo a Covid-19 no país, não tardaram surgir desinformações questionando o número de mortos e as medidas de isolamento social.

    Na falta de provas materiais de seus interesses, os produtores de fake news encontraram na rede um vídeo genuíno, porém, gravado em 2017 em que uma exumação foi realizada e encontradas pedras em lugar de ossos humanos. Assim se caracteriza o Falso Contexto: uma informação factual, ocorrida num momento diferente, porém trazida a público como se fosse atual, com a clara intenção de enganar.

    (5) Conteúdo Enganoso: uso enganoso de informações para enquadrar uma questão ou um indivíduo.

    Montagem de posts que circulam nas mídias sociais (à esqueda) e captura de tela (screenshot) dos dados de mortos por Covid-19 no Amazonas (à direita)

    07/05. Ainda no Amazonas, o ex-Ministro da Saúde, Nelson Teich, visitou o Estado no último dia 04 de maio para acompanhar de perto as ações desenvolvidas no enfrentamento à COVID-19, no Estado. Rapidamente, pipocaram nas mídias sociais informações de que o número de mortos havia diminuído após a chegada do político (conforme ilustração acima). Como de costume, este tipo de desinformação não apresenta nenhuma fonte oficial e circula por meio de imagens e vídeos de perfis ligados a determinadas posições políticas.

    Está caracterizado, assim, o Conteúdo Enganoso: partir de uma informação factual – no caso, a visita do ministro – e distorcer informações ou dados decorrentes desta – no caso a informação de que os óbitos em decorrência da Covid-19 teriam caído a 02 pessoas quando na verdade eles giraram entre 36 e 102, durante a passagem do ministro. A intenção é clara: levar os (e)leitores a deduzir que se a primeira informação é factual, a segunda também o será.

    (6) Sátira ou Paródia: nenhuma intenção de prejudicar, mas tem potencial para enganar.

    (7) Conteúdo Impostor: quando fontes genuínas são imitadas.

    Capturas de tela (à esquerda) de post publicado no site de rede social Twitter e (à direita) descrição do perfil da autora do post no mesmo site.

    A produção de notícias falsas como elemento de humor e ironia não começa com a internet. A revista Casseta Popular (paródia da Gazeta Popular) foi criada em 1978, por estudantes de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o jornal Planeta Diário surgido em 1984 – que chegou a alcançar a tiragem mensal de 100 mil exemplares – inauguraram um tipo de humor tendo como conteúdo paródias e notícias falsas baseadas em fatos reais. A união das duas redações deu origem em 1988 ao Casseta & Planeta, que ficou no ar pela TV Globo entre 1992 e 2010, cujo lema era “Jornalismo mentira, humorismo verdade”.

    Ocorre que, naqueles suportes – impresso e TV – havia condições de identificar o objetivo da publicação e a não veracidade das “notícias” publicadas. Com a chegada das mídias digitais – no sentido que Rojo (2012) lhe atribui, conforme dito anteriormente – houve a migração desse tipo de humor para as plataformas de mídias sociais, o que tornou a vida do leitor muito difícil para – no afã de compartilhar um grande volume de informações que lhe chegam a todo momento em seus dispositivos – diferenciar uma piada com ares de verdade e uma notícia factual, produzida pela mídia denominada tradicional, aqui entendida como “o conjunto de meios enquanto indústria da comunicação, com suas empresas e rotinas próprias” (GUAZINA, 2007:54).

    O Conteúdo Impostor, ao que se tem notícia, é utilizado no Brasil apenas para sites de humor, como a Falha de S. Paulo, paródia do jornal paulistano Folha de S. Paulo, e o G17, paródia do portal G1, do Grupo Globo. Embora não se descarte sua intencionalidade político-partidária, a Sátira ou Paródia, diferentemente dos demais tipos de desinformaçãonão têm o objetivo de enganar, mas sim, entreter.

    7 Dicas para identificar uma notícia falsa

    Segundo o biólogo Atila Iamarino nesta pandemia o raciocínio negacionista está sendo desconstruído pelo rápido confrontamento com os fatos. As fake news, que em boa medida bebem nas fontes negacionistas, estão tendo o mesmo destino. Embora saibamos que o alcance de uma desinformação é muito maior do que o seu desmentido, no curto prazo, as agências e editorias de fact-checking têm um papel fundamental, valorizando ainda mais os profissionais do jornalismo.

    No médio prazo, os legisladores propõem projetos para tentar coibir quem divulga fake news com pesadas multas. No entanto, no longo prazo somente a educação para leitura crítica da mídia pode vir a dirimir esse problema.

    Infelizmente, a Covid-19 nem as fake news sobre ela vão esperar, assim, inspirado no método de identificação de notícias falsas da International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA), enumero a seguir 7 considerações às quais o leitor deve levar em conta antes de compartilhar uma história:

    1. Considere a fonte: clique fora da história para investigar o site, sua missão e contato.
    2. Considere o título: ele corresponde ao conteúdo do texto ou só quer obter cliques?
    3. Considere o autor: há um autor que assina o texto?  Ele tem credibilidade?
    4. Considere a data: repostar notícias antigas como se fossem atuais, é uma estratégia.
    5. Considere outras fontes: a história aparece em outros sites com a mesma versão?
    6. Considere sua ideologia: seus valores e crenças afetam seu julgamento nessa história?
    7. Considere o Humor: pesquise se o site de origem é adepto do gênero humorístico.

    No passado, na Grécia Antiga, a Ágora ateniense era o espaço, físico, onde o cidadão fazia discussões políticas, entre outras atividades. Por ser o espaço da cidadania, era considerada um símbolo da democracia direta e, em especial, da democracia ateniense, na qual todos os cidadãos tinham igual voz. Hoje, as mídias sociais são os espaços (virtuais) mais frequentes em que os cidadãos (onde há dispositivos eletrônicos e conexão de internet) encontram “palco” para se manifestar. Infelizmente, essa Ágora Moderna está sendo destruída por quem não tem apreço à democracia, muito menos à vida humana, pois uma pessoa que tem a coragem de espalhar uma desinformação sobre saúde está (ou deveria estar) consciente de que sua atitude pode levar uma pessoa a deixar de tomar um remédio que poderia lhe salvar a vida ou tomar um que pode lhe tirar. O mundo todo está enfrentando a pandemia da Covid-19, no entanto os brasileiros enfrentam duas.

    Referências:

    GUAZINA, Liziane. O conceito de mídia na comunicação e na ciência política: desafios interdisciplinares. Porto Alegre. Revista Debates, v. 1, n. 1, p. 49-64, jul.-dez. 2007.

    RODA VIVA. Entrevista a Atila Iamarino. TV Cultura. São Paulo. | 30/03/2020. Disponível em https://youtu.be/s00BzYazxvU acesso em 14 mai. 2020;

    ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. 264p.

    WARDLE, Claire; DERAKHSHAN, Hossein. Information Disorder – Toward an interdisciplinary framework for research and policy making. Council of Europe. Estrasburgo, França. 27 out 2017. Disponível em https://rm.coe.int/information-disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c. Acesso em 15 mai. 2020


    [1] Exceção feita à Sátira e ao Conteúdo Impostor que, por pertencerem ao gênero humorístico, não passam por checagem das agências.

    Autoria de Cesar Augusto Gomes


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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