Tag: RT-qPCR

  • Testes para Covid-19: o Bom, o Mau e o Rápido

    Texto feito por Maurílio Bonora Junior e Ana Arnt

    A reabertura em muitos estados do Brasil já é uma realidade. Mesmo com muitos especialistas aconselhando contra isso. Assim, independente de ainda ser prudente que parte da população ainda permaneça em casa, as pessoas têm aderido cada vez menos às medidas de isolamento social. Bem como, infelizmente, cada vez menos se vê o uso de máscaras em espaços públicos. Apesar disso, também vemos vários indivíduos temerosos com a “volta à normalidade”. Em nosso cotidiano, temos recebido muitos questionamentos acerca de qual tipo de máscaras usar, e quais testes fazer em casos de sintomas de gripe e suspeita de Covid-19. Pois bem, estamos aqui para te ajudar!

    Qual a diferença entre todos esses testes?

    Testes RT-qPCR:

    Como já falamos dele em um post inteirinho há um tempo atrás, aqui no Especial, vamos só relembrar algumas coisas agora. Esse teste se baseia em detectar o material genético do SARS-CoV-2, o vírus causador da Covid-19, na nossa garganta ou nariz. Para isso, os profissionais de saúde passam um cotonete (chamado de swab) dentro do nosso nariz e garganta. Depois disso, encaminham esse material para um laboratório, onde esse material irá ser utilizado para a detecção do vírus. 

    O importante aqui é saber que tal teste é muito sensível, isso é, ele consegue detectar baixas quantidades de vírus nas nossas mucosas. Por causa disso, ele é mais indicado para o diagnóstico da Covid-19. Isso é importante pois, utilizando esse teste, é possível saber se uma pessoa assintomática está com o vírus ou não. Sendo, portanto, uma possível fonte de transmissão mesmo sem ter tal conhecimento.

    Testes sorológicos:

    Este é outro teste de laboratório. Ele utiliza produtos do nosso próprio corpo para saber se estamos com uma infecção de Covid-19 ou se já tivemos a doença: os anticorpos. Nesse tipo de teste, profissionais da saúde colhem uma amostra de sangue da pessoa. Após a coleta testam com amostras do patógeno, buscando identificar se o sangue possui anticorpos contra este, no caso, o vírus da Covid-19. Lembrando que também fizemos um texto falando sobre anticorpos e como são produzidos. Nesse teste, busca-se identificar dois tipos específicos de anticorpos, os IgM e IgG. É a partir da combinação de presença e ausência desses anticorpos que se tem o resultado:

    • Presença somente de IgM: a pessoa está no momento ou esteve com uma infecção de Covid-19 recentemente;
    • Quando há presença somente de IgG: a pessoa entrou em contato com o vírus da Covid-19 no passado;
    • Presença de IgM e IgG: a pessoa está no momento com uma infecção prolongada (crônica) de Covid-19;
    • Ausência de ambos: a pessoa nunca teve Covid-19 OU apesar de já ter tido Covid-19 têm poucos anticorpos no sangue OU está em um período inicial da infecção de Covid-19 e não teve tempo de produzir anticorpos, ainda.

    Um ponto importante desse tipo de teste é que ele detecta de forma indireta a presença do vírus no organismo. Ou seja, os anticorpos que o corpo produziu devido a infecção. Além disso, é importante lembrar que os anticorpos que produzimos durante uma infecção (especialmente o IgG, mas também o IgM) podem durar por semanas e até meses. Dessa forma, não se indica tais testes para se diagnosticar se uma pessoa está com Covid-19.

    Testes Rápidos:

    São os famosos “testes de farmácia”. Fisicamente parecidos com os testes de gravidez, foram bastante comentados na mídia durante os primeiros meses de pandemia. Todavia, agora, com a reabertura prematura dos comércios, escolas, e sociedade como um todo ressurgiram como pauta. Esse tipo de teste se baseia em uma técnica chamada cromatografia. Em termos mais simples, eles possuem uma substância chamada de reagente ou sensor, que vai reconhecer os anticorpos do nosso sangue (os Testes Rápidos de Anticorpo) ou uma parte específica do vírus, a partir da nossa saliva ou secreção do nariz (nos Testes Rápidos de Antígeno). Quando essa substância se liga aos anticorpos ou ao vírus, acontece uma série de reações químicas que fazem com que ela mude de cor. Essa mudança de cor aparece como pequenas faixas coloridas no teste, apontando a presença ou ausência dos anticorpos contra o SARS-CoV-2, ou do próprio vírus. 

    Testes Rápidos de Anticorpo e de Antígeno: algumas diferenças

    A leitura do resultado do teste rápido de anticorpo parece com o do teste sorológico. Uma vez que aponta a presença ou ausência de IgM e IgG. Já a leitura do teste rápido de antígeno é mais simples. Pois este aponta somente a presença ou ausência da proteína Spike do SARS-CoV-2 na nossa mucosa. O fato interessante é que ambos os testes também tem uma marcação chamada de “C”, que quer dizer o controle. Caso não apareça um risco nessa marcação, é um sinal de que o teste não funcionou corretamente. Dessa maneira, aquele resultado não é confiável, sendo necessário refazê-lo ou realizar outro teste (sorológico ou RT-qPCR).

     Assim como os testes sorológicos, os testes rápidos de anticorpos detectam a presença do vírus da Covid-19 de forma indireta, via os anticorpos que produzimos. Enquanto isso, os testes rápidos de antígeno detectam o vírus diretamente. Os pontos positivos aqui são que o resultado sai muito mais rápido do que nos outros dois tipos de teste. Uma vez que saibamos a resposta em pouco minutos (entre 15 e 30 minutos). Além disso, esse teste custa mais barato comparado aos outros, podendo-se realizar na própria farmácia. Contudo, temos um grande ponto negativo: a sua sensibilidade.

    A sensibilidade de um teste se refere a capacidade deste de detectar quantas pessoas realmente com anticorpos ou com o vírus tiveram um teste positivo. Exemplo:

    “Em um teste rápido de anticorpos com sensibilidade de 75%, a cada 100 pessoas que realmente tenham o anticorpo contra o vírus da Covid-19, 75 dessas pessoas terão um resultado positivo (chamado de verdadeiro positivo), e as outras 25, mesmo que tenham o anticorpo no sangue, terão um resultado negativo (chamado de falso-negativo).”

    Em outras palavras, mesmo se eu estivesse com o vírus e tivesse anticorpos contra ele no meu sangue, nesse exemplo, eu teria 25% de chance de ter um resultado errado. Ou seja, apontando que não estava contaminado. 

    Um outro complicador desse teste é a janela de tempo em que ele pode ser realizado. No caso dos testes rápidos de anticorpos, é aconselhado fazer este somente após o 8º dia de sintomas. Uma vez que seria somente a partir desse período de tempo que teríamos anticorpos suficientes no sangue para serem detectados pelo exame. Já no caso do teste rápido de antígeno, eles são indicados para serem feitos entre o 2º e 7º dia de sintomas. Isto é, quando há uma quantidade grande de vírus na mucosa. 

    Entretanto, aqui é necessário fazer algumas ressalvas:

    • Mesmo fazendo esse tipo de teste na janela de tempo correta, o resultado ainda pode ter margem de erro por causa da sensibilidade dele (explicada acima).
    • Esses testes precisam ser feitos, analisados e interpretados por profissionais de saúde treinados, e não por qualquer pessoa
    • De forma alguma, para diagnóstico da COVID-19, indica-se os testes rápidos

    Mas enfim, devo ou não fazer o teste rápido?

    Muitos planos de retomada, como o do estado de São Paulo, indicam (vagamente) esses tipos de testes (sorológicos e rápidos) como forma de diagnóstico em casos suspeitos. Entretanto, nossa indicação resposta curta ainda é: 

    Não, eles não podem ser utilizados para o diagnóstico.

    Como forma de diagnosticar a Covid-19, não se indica os testes rápidos de antígeno ou anticorpo, tanto quanto os sorológicos. Assim, a testagem por RT-qPCR, como indicado pela OMS, ainda é a recomendada. Uma vez que este teste tem uma sensibilidade muito maior que os outros testes, quando feito no período certo (entre o 4º e 12º dia). Isto é, o teste de RT-qPCR tem uma taxa de sucesso muito maior do que os outros. Pois, pode identificar inclusive casos assintomáticos da doença com muito mais facilidade. 

    Entretanto, não é como se os testes rápidos não servissem para nada. Conforme indicado pelo FDA, como forma de monitorar pessoas os testes rápidos são bastante indicados por serem uma solução prática, eficiente e barata, em situações específicas. Quais? Pessoas em constante contato com pacientes de Covid-19, de grupo de risco, como médicos, enfermeiros, trabalhadores em lares de idosos, etc. Além disso, mesmo para rastreio de contatos ou testes por amostras em grupos, dentro de grandes empresas, estes testes podem ser ferramentas eficientes.

    Eu fiz o teste rápido de antígeno e deu negativo, mas estou com sintomas de COVID-19, como proceder?

    Quando houver suspeita de estarmos com COVID-19 a recomendação sempre é realizar o teste de PCR. Caso isso não seja uma possibilidade e a saída for um teste rápido de antígeno, independente do resultado, reforça-se a necessidade de afastamento por 14 dias após os sintomas desaparecerem (em especial tosse e febre).

    Em ambientes de trabalho em que as pessoas permaneçam um longo período de tempo juntas, quando acontece o contato com alguém positivado, a indicação é de teste de todas as pessoas que estiveram contato e de afastamento por 10 dias na ausência de sintomas. Caso apareçam sintomas, a indicação é refazer o teste e manter-se afastado por 14 dias após os sintomas de febre e tosse desaparecerem.

    Sobre o tempo de incubação da COVID-19, escrevemos um texto em 2020, cujos tempos seguem válidos. Ainda ressaltamos que mesmo vacinados as pessoas devem seguir os protocolos de uso de máscara (preferencialmente PFF2), distanciamento físico / social, baixa permanência em ambientes fechados e mal ventilados.

    Mas quais sintomas eu devo levar em consideração?

    Sintomas gripais em geral, tosse seca, febre e cansaço estão entre os sintomas mais comuns, seguidos por dor de cabeça, diarréia, perda de olfato e/ou paladar e dor de garganta. Os sintomas graves que devem ter procura de unidades de saúde são falta de ar, dificuldade de respirar e dor no peito.

    Finalizando

    Sintomas gripais, em tempos de COVID-19 não só podem mas devem ser entendidos como suspeito de COVID-19 e ter afastamento imediato, sem ônus (salarial, de faltas no trabalho e/ou em aulas) para as pessoas. Mesmo com a vacinação aumentando em quantidade diariamente, ainda temos uma alta transmissão e não devemos negligenciar as medidas sanitárias mais simples, além da indicação de teste e rastreio para todas as idades.

    REFERÊNCIAS:

    Os autores

    Maurílio Bonora Junior é biólogo, mestre e doutorando em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, membro da equipe científica do Especial COVID-19.

    Ana Arnt é bióloga, doutora em Educação, Professora do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenadora do Blogs de Ciência da Unicamp e do Especial COVID-19.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • PCR e a sopa de letrinhas científica

    Por: Rafael Sanchez Luperini e Renato Augusto Corrêa dos Santos

    PCR, qPCR, RT-qPCR: o que significam essas siglas e o que elas têm a ver com os fungos? As discussões sobre técnicas e metodologias científicas utilizadas para diagnóstico da COVID-19 se popularizaram nos mais diversos meios de comunicação. 

    O RT-qPCR (Reverse Transcriptase Quantitative Polymerase Chain Reaction, em inglês), por exemplo, é o método mais eficaz para diagnosticar um paciente e ficou conhecido como “o teste do cotonete no nariz”. E nós queremos saber:

    1. Você já se perguntou como ele funciona? 
    2. Como e quando surgiu essa metodologia científica tão avançada? 
    3. Você sabia que existem ainda outras variantes desta técnica, chamadas de PCR, qPCR e RT-PCR? 
    4. Além das letras em cada sigla, quais as verdadeiras diferenças por trás de cada uma dessas técnicas? 

    Esse texto busca trazer as respostas para quem está cheio de dúvidas a respeito dessas interessantes, e extremamente versáteis, ferramentas das ciências biológicas.

    A história do PCR

    Essas metodologias são geralmente aplicadas na identificação de seres vivos a níveis bastante específicos, e para esclarecer melhor todas essas perguntas, vamos explicar a técnica, juntamente com a sua história. 

    Em 1983 aconteceu uma das mais significantes descobertas do século XX. O cientista Dr. Kary Mullis desenvolveu a reação em cadeia da polimerase (Polymerase Chain Reaction ou PCR). A partir dessa técnica se tornou possível obter muitas cópias de um mesmo fragmento de material genético, possibilitando a obtenção de grandes quantidades de DNA de uma amostra genética de um organismo.

    A técnica possibilita a produção de fragmentos de DNA de interesse partindo de pequenas quantidades de amostras de DNA usando a enzima DNA polimerase, a mesma que participa da multiplicação do material genético nas células. Esta enzima se liga a um pequeno fragmento (o iniciador, ou primer, em inglês), desenhado especialmente para se ligar ao DNA alvo, produzindo uma sequência complementar ao fragmento de DNA de interesse, escolhido antes do início da análise.

    O primeiro estudo detalhando a metodologia da técnica foi publicado no periódico científico Science, no ano de 1985, revolucionando a ciência e as possibilidades de descobertas ao se trabalhar com DNA. Porém essa metodologia ainda apresentava uma série de desafios, visto que é composta de 3 etapas demonstradas na imagem abaixo:

    Reação em cadeia da polimerase explicada passo a passo

    A realização de 20 a 40 ciclos promove a amplificação da região que se pretende analisar, seja ela um gene humano específico, ou de microrganismos ou basicamente qualquer material genético que se deseja multiplicar para analisar posteriormente.

    Variações da técnica de PCR

    Ao longo dos anos, começaram a surgir variações da técnica, e aplicações das mais diversas formas, e é nesse contexto que surge a análise tão utilizada hoje em dia nos diagnósticos de COVID-19, a RT-qPCR. 

    E o que significam todas essas letras adicionadas antes da PCR?

    Elas dizem respeito a uma metodologia com uso de uma enzima chamada Transcriptase Reversa (Reverse Transcriptase, ou RT), que tem a função de produzir uma fita de DNA (chamada de DNA complementar ou cDNA) a partir de uma fita de RNA. 

    Além disso, a letra “q” indica que esta técnica é quantitativa e pode ser usada em RT-qPCR e qPCR. Esta metodologia se parece muito com a PCR original, porém com a diferença de que são adicionadas sondas fluorescentes de DNA junto das amostras, as quais emitem fluorescência a cada ciclo realizado pelo aparelho.

    Portanto, durante a amplificação, a quantificação de DNA é determinada pela quantidade de fluorescência emitida pelo produto amplificado a cada ciclo.

    Isso é possível somente com a utilização de um sistema de equipamentos com monitoramento da fluorescência emitida, possibilitando uma quantificação mais exata de quanto material genético existia na amostra inicial, abrindo ainda mais opções e oportunidades de análises a serem feitas, como será explicado a seguir.

    Pesquisas que utilizam a técnica PCR

    Agora vamos dar alguns exemplos de pesquisas importantes no Brasil e ao redor do mundo, que utilizam a técnica de PCR e suas variantes.

    Aplicações de PCR nas pesquisas agrícolas do Brasil.

    Além dos interesses das aplicações da técnica na área da saúde, a agricultura e a indústria de alimentos e bebidas também se beneficiam da técnica. Em algumas situações, a qPCR é utilizada em laboratórios de análise de alimentos visto que é uma técnica altamente específica e sensível. Porém, dentre as dificuldades estão seu alto custo devido à necessidade de mão de obra especializada, insumos e metodologia para a detecção e identificação de determinados microrganismos.

    Diversas pesquisas desenvolvidas no Brasil visam o melhoramento da detecção de fungos que contaminam alimentos, como é o caso de espécies das espécies Aspergillus niger e Aspergillus welwitschiae, produtoras de micotoxinas, algumas delas nefrotóxicas e potencialmente carcinogênicas. 

    Pesquisas na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2018, coordenadas pela Dra. Marta Hiromi Taniwaki e em colaboração com pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL) estudaram o uso da técnica de qPCR na detecção destas espécies citadas acima, obtidas de café. O método desenvolvido possibilita rápida, precisa e sensível detecção das espécies citadas, que são morfologicamente idênticas.

    PCR em laboratórios de fitopatologia

    No Brasil, há algumas clínicas fitopatológicas que fazem a análise de qPCR para a detecção de doenças importantes em plantas, como é o caso da EMBRAPA, a ESALQ (Universidade de São Paulo, em Piracicaba), o Centro de Cana e o Centro de Citricultura, ambos pertencentes ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC). 

    A pesquisadora Laís Moreira Granato, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), contou um pouco sobre a aplicação de qPCR no cotidiano. Na prática, laboratórios de fitopatologia usam a técnica de RT-qPCR para a detecção de vírus de RNA  e atécnica de qPCR para detecção de fungos e bactérias em citros. Geralmente o citricultor leva amostras de frutas ou folhas para a clínica do Centro de Citricultura procurando por essas doenças.

    Infelizmente, como ja foi dito, os insumos e equipamentos que envolvem a qPCR são caros! No entanto, os citricultores precisam desse serviço para ter certeza de que não há doenças escondidas em seus pomares. 

    Uma das motivações para se pagar um pouco mais por esse serviço envolve a legislação que regula a exportação dos vegetais. Frutas de mesa, quando exportadas para a Europa, precisam obrigatoriamente passar por uma comprovação de que não há presença de alguns fungos. Um exemplo é Phyllosticta citricarpa nas cascas das laranjas. Este fungo não existe na Europa e a legislação não permite que nada entre sem uma comprovação de que está “limpo”.

    Na prática, em algumas situações, mesmo que a detecção pudesse ser feita, questões ligadas ao sistema produtivo podem ser um problema, como a limitação de equipamentos, disponibilidade de equipes de inspeção e de corpo técnico. Mas, além disso, descobrimos algo curioso quando o assunto é priorizar um problema ou outro na agricultura, e que podem deixar os fungos “de lado”, como nos contou a pesquisadora Dra. Andressa Bini, do Centro de Cana do IAC. 

    O exemplo é o fungo Colletotrichum falcatum, causador da podridão vermelha em cana-de-açúcar. Acreditava-se que o fungo infectaria apenas plantas a partir de ferimentos causados por uma praga, a lagarta de Diatraea saccharalis. Seguindo este raciocínio, a prioridade no passado era controlar apenas a praga, mas não o fungo em si, que seria uma consequência oportunista. 

    No entanto, a realidade é que os fungos conseguem infectar as plantas mesmo na ausência da praga chamada de “broca”, tornando a detecção do fungo uma prioridade, já que sem um controle efetivo da doença, podem ocorrer perdas de até 35% da produção e hoje o patógeno já ocorre pelo menos no Triângulo Mineiro, no Mato Grosso do Sul e em algumas regiões de São Paulo.

    Os eucaliptos e o fungo Austropuccinia psidii

    Outro exemplo de pesquisa aplicada e com uso de qPCR também vem da ESALQ! O eucalipto é uma planta muito importante para a produção de madeira e papel em nosso país. Uma doença fúngica causada por Austropuccinia psidii, a ferrugem, é conhecida como problemática para esta cultura. 

    Um grande problema da detecção desta doença é que o fungo é normalmente percebido apenas após o aparecimento de sintomas nas plântulas, quando o problema já é muito grande. Os métodos usados geralmente são pouco eficientes ou pouco sensíveis. Apostando na qPCR, mais sensível, mais rápida e menos laboriosa, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em 2018, propuseram o uso de qPCR para a detecção prematura da doença em eucalipto. Outra aplicação interessante desta análise, sugerida pelos pesquisadores, é a identificação rápida de plântulas suscetíveis ou resistentes à doença em programas de melhoramento.

    Como pudemos ver, geralmente as limitações ainda estão no alto custo dessa tecnologia recente, porém as aplicações são as mais diversas, e ainda há muito para se desenvolver na área. Ainda estamos no começo de uma nova era, e a tendência é que a técnica seja aprimorada e torne-se mais barata e aplicável com o passar dos anos.

    Fontes consultadas

    • Dra. Laís Moreira Granato (Instituto Agronômico de Campinas – IAC)
    • Dra. Andressa Peres Bini (Centro de Cana – IAC)
    • Dra. Daniele Sartori (Universidade Estadual de Londrina, UEL)
    • Artigo científico intitulado “A Real Time PCR strategy for the detection and quantification of Candida albicans in human blood.”, publicado na revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 62 em 2020, de autoria de Busser, F. e colaboradores. 
    • Artigo científico intitulado “A New Age in Molecular Diagnostics for Invasive Fungal Disease: Are We Ready?”, publicado na revista Frontiers in Microbiology em 2020, de autoria de Kidd, S. e colaboradores.
    • Artigo científico intitulado “Development of a quantitative real-time PCR assay using SYBR Green for early detection and quantification of Austropuccinia psidii in Eucalyptus grandis.” publicado na revista European Journal of Plant Pathology 150.3 em 2018, de autoria de Bini, A. e colaboradores.
    • Artigo científico intitulado “Real-time PCR-based method for rapid detection of Aspergillus niger and Aspergillus welwitschiae isolated from coffee.” publicado na revista Journal of microbiological methods 148 em 2018, de autoria de Von Hertwig, A. e colaboradores.
    • Matéria no site da empresa Kasvi intitulada “História e evolução da técnica de PCR (Polymerase Chain Reaction ou Reação em Cadeia da Polimerase)” publicada em 18/06/2015. (Website).
    • Matéria no site da empresa Kasvi intitulada “Qual a diferença entre PCR e qPCR?” publicada em 30/04/2015. (Website).
    • Matéria no Blog Biomedicina Padrão intitulada “A evolução da PCR” publicada em 05/12/2013. (Website).
    • Matéria no Blog Biomedicina Padrão intitulada “Reação em Cadeia da Polimerase – PCR” publicada em 14/06/2020. (Website)
    • Site da Embrapa (Website)

    Sobre os autores

    Rafael Sanchez Luperini é aluno de pós-graduação (mestrado) pelo programa de Bioquímica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) na Universidade de São Paulo (USP), atualmente orientado pelo Prof. Dr. Gustavo H. Goldman (FCFRP, USP Ribeirão Preto). Trabalha com espécies do gênero Aspergillus, buscando desvendar as diferenças entre espécies de fungos.

    CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/7815439327487936
    E-mail: rafaluperini@gmail.com
    Instagram: @rafasluperini
    Facebook: https://www.facebook.com/rafaluperini/

    Renato Augusto Corrêa dos Santos é doutorando pelo programa de Genética e Biologia Molecular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), fazendo análises genômicas de fungos patogênicos do gênero Aspergillus, sob orientação do Prof. Dr. Gustavo H. Goldman (FCFRP, USP Ribeirão Preto) e com financiado da FAPESP. Seu projeto envolve uma colaboração do com o LGE (UNICAMP) e o Rokas Lab (Vanderbilt University, EUA).

    CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/3339727232509001
    E-mail: renatoacsantos@gmail.com
    Instagram: @renato.correa.182
    Facebook: https://www.facebook.com/renato.correa.182

    Este texto foi escrito com originalmente no Blog Descascando a Ciência

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Diagnóstico por RT-qPCR, o que é isso?

    Em tempos como os atuais, temos visto muitos termos técnicos específicos na mídia e em notas de instituições que falam tanto da doença COVID-19, quanto do SARs-Cov-2 (o novo Coronavírus), quanto de sintomas e testes de diagnósticos.

    Em meio a todas estas informações, embora nos habituemos a ver os termos, não necessariamente compreendemos do que se trata. Em especial sobre os diagnósticos da doença, temos visto que há mais de um tipo de teste possível de ser feito.

    A Força Tarefa da UNICAMP anunciou que fará o teste chamado RT-qPCR, o qual foi considerado o principal teste de COVID-19 pela Organização Mundial da Saúde. Este texto busca explicar um pouco melhor sobre este teste e, também, o motivo pelo qual ele é importante no diagnóstico da doença.

    Arte: HUB Campinas

    Por que a Organização Mundial de Saúde indica o RT-qPCR como o principal diagnóstico?

    O diagnóstico feito pela técnica RT-qPCR foi preconizado para se realizar o diagnóstico do COVID-19 em pacientes suspeitos por ser capaz de verificar a presença de até mesmo uma única cópia do material genético do vírus (como veremos em seguida) e, também ser uma técnica amplamente estabelecida dentro de laboratórios de biologia molecular ao redor do mundo. Isto é, por ser uma técnica que grande parte dos laboratórios do mundo inteiro já conhece o protocolo e que é usado de maneira usual em suas pesquisas.

    E o que significam estas siglas? O que é, afinal, uma PCR e uma RT-PCR? 

    Desde quando foi criada até os dias atuais, as técnicas de PCR têm sido usadas em uma grande gama de pesquisas científicas, desde estudos sobre expressão gênica a detecção de variações genéticas dentro de uma população. Vamos compreender um pouco mais das etapas desta técnica e porque ela é importante para a detecção do novo Coronavírus?

    A PCR é a sigla que significa, em português, Reação em Cadeia de Polimerase. É uma técnica de biologia molecular muito usada para analisar a presença ou ausência de um gene no DNA de um ser vivo. Polimerase é a enzima responsável, dentro das células, por catalisar a adição de novos nucleotídeos a uma cadeia de DNA ou RNA. Isto é, ela proporciona agilidade e eficácia na duplicação ou transcrição de moléculas de DNA ou RNA.

    Arte: HUB Campinas

    Ao usarmos a enzima polimerase em uma reação em cadeia, dentro de um ambiente controlado (tal como na técnica que estamos explicando), conseguimos “amplificar” o material genético de uma amostra coletada. Isto é, conseguimos multiplicar o número de material a partir de uma pequena quantidade de DNA ou RNA, e assim analisar a presença de trechos específicos – como a de vírus, por exemplo. 

    A técnica PCR acontece com a adição de várias moléculas diferentes, para desempenhar papéis definidos na identificação do material genético que queremos multiplicar. Para realizar a PCR, nós misturamos: uma enzima capaz de duplicar o DNA, resistente a altas temperaturas; bases nitrogenadas (os “tijolos” que formam o DNA); primers (pequenos moldes de RNA que grudam no começo do gene ou segmento gênico de interesse) e, por fim, o DNA do organismo que se quer analisar. Ao submetermos todos estes elementos a ciclos de altas e baixas temperaturas, somos capazes de multiplicar de forma exponencial a quantidade de cópias daquele pedaço de DNA que temos interesse.

    No caso de um teste diagnóstico, ao se aplicar esta técnica, saberemos se existe o DNA do organismo (vírus) que estamos tentando detectar, após executar outra técnica chamada eletroforese em gel de agarose/poliacrilamida, que permite a visualização dos trechos de material genético que foram multiplicados. Isto é, se a pessoa está infectada, o DNA em questão será amplificado e o diagnóstico será positivo (mas ainda não é deste protocolo que se trata o diagnóstico do Coronavírus! Calma que chegaremos lá!).

    O DNA e o RNA possuem pequenas diferenças, quimicamente. O SARs-CoV-2, que é o material que queremos analisar em nossas amostras, é um vírus cujo material genético é uma molécula de RNA. E isto faz diferença no protocolo que temos que estabelecer… Para isso, usamos a técnica RT-PCR, que é a Reação em Cadeia de Polimerase de Transcrição Reversa.

    A grande diferença da PCR para a RT-PCR é que antes de fazermos todo o processo dito acima, nós pegamos o RNA do vírus e convertemos em um DNA complementar a ele mesmo, o chamado cDNA, (um processo que ficou famoso quando o HIV começou a ser estudado) e adicionamos esse cDNA a reação, no lugar do DNA genômico do organismo.

    E, por fim, qual a diferença para o RT-PCR quantitativo (RT-qPCR)?

    Geralmente as RT-PCR estão associadas a PCR quantitativa. Este processo nos permite saber quanto um gene ou o material genético de um vírus ou patógeno dentro da célula está sendo produzido.

    Nesse modelo, um fluoróforo (uma molécula capaz de emitir luz) é preso a uma sonda que se liga ao gene ou pedaço de DNA de interesse. Enquanto essa molécula fluorescente estiver ligada a essa sonda, a sua luz não é emitida, mas uma vez que ela é solta, a molécula começa a emitir fluorescência.

    Arte: HUB Campinas

    Quando a enzima responsável por duplicar o DNA chega a esse segmento onde a sonda está ligado, ela corta-a, liberando o fluoróforo, que dessa forma começa a emitir luz(2). A partir de um sensor na máquina onde está acontecendo essa reação, somos capazes de captar a luz emitida pelo fluoróforo a cada ciclo de duplicação do DNA, e por fim, quantificar sua expressão.

    Arte: HUB Campinas

    No começo da reação, há poucas cópias do DNA de interesse, e dessa forma a fluorescência emitida é pouca, mas com o passar dos ciclos, onde 2 cópias se tornam 4, 8, 16, e assim por diante de forma exponencial, a quantidade de luz emitida cresce também de forma exponencial e somos capaz de contar a quantidade inicial de moléculas que tínhamos no começo. 

    Quais as etapas para realizar o diagnóstico da COVID-19?

    Arte: HUB Campinas

    A Força Tarefa da Unicamp realizará testes diagnósticos que incluem 5 etapas:

    1. Coleta do material dos pacientes (células da mucosa da boca e do nariz), 
    2. Extração do RNA viral da amostra do paciente
    3. Conversão em DNA complementar (cDNA) ao RNA
    4. Duplicação exponencial do cDNA por RT-qPCR
    5. Análise do resultado por especialista para o diagnóstico

    Todo este processo demora algumas horas, normalmente. No entanto, estamos vivendo um período atribulado, com muitos testes sendo solicitados simultaneamente. Por enquanto, a FT-Unicamp têm a previsão de disponibilizar o resultado dos testes entre 24 e 48 horas. Mas este tempo pode aumentar dependendo da demanda que tivermos durante toda a pandemia.

    Direção de arte desta postagem:
    Anatália Oliveira Santos – Diretora de arte do HUB Campinas

    Texto feito para a Força Tarefa da Unicamp

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Para saber mais:

    Organização Mundial de Saúde. (2020). Coronavirus disease (COVID-19) technical guidance: Laboratory testing for 2019-nCoV in humans

    Arya, M., Shergill, I. S., Williamson, M., Gommersall, L., Arya, N., & Patel, H. R.

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp.
    Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

    (2005). Basic principles of real-time quantitative PCR. Expert review of molecular diagnostics, 5(2), 209-219.

plugins premium WordPress