Tag: SARs-CoV-2

  • Vacinômetros: quais dados estão sendo informados?

    Texto de Ana de Medeiros Arnt e Leonardo Augusto Medeiros

    Vocês já perceberam como as informações sobre o andamento da vacinação estão confusos e podem atrapalhar nossa compreensão sobre os dados? Hoje nós resolvemos olhar os famosos “vacinômetros”!

    Quando vamos analisar, há vários dados que parecem conflitantes e, até para tomarmos decisões baseados na sensação de estarmos mais ou menos seguros – individual ou populacionalmente. Verdade seja dita, não sei vocês, mas do lado de cá, cada um de nós vibra com as postagens de fotos de vacinas e com os números de vacinados crescentes!

    Mas como deveríamos olhar estes dados e que tipos de cuidados precisamos ter?

    Temos usado um termo de forma recorrente para falar de vacinação em massa que é cobertura vacinal. A cobertura vacinal nada mais é do que a quantidade de pessoas, dentro de uma população, que está com o esquema vacinal completo. Já o esquema vacinal completo, para COVID-19 seriam as duas doses e o tempo de imunização, ou a dose única e o tempo de imunização.

    Ao longo de toda a comunicação sobre vacinação também falamos sobre como seria importante ter uma alta cobertura vacinal para termos segurança no que tange à diminuição de casos e de circulação de vírus. Claro que tudo isso atrelado à manutenção de medidas não-farmacológicas tanto quanto fosse possível. Isto é: uso de máscaras (preferência para as filtrantes tipo PFF2), distanciamento físico / social, evitar ao máximo espaços fechados e não ventilados.

    Mas e quanto é uma boa cobertura vacinal? No início de 2021 apontamos que seria importante termos acima de 70% de vacinados na população para começarmos uma abertura segura. Neste meio tempo, tivemos o início da vacinação em nosso país e, também, a chegada da variante Gamma (p.1) e todo o caos de saúde pública vivenciado em Março e Abril deste ano – como se fosse pouco tudo o que tínhamos vivenciado até então.

    Em suma, temos apontado mais recentemente que seria fundamental termos 75% de cobertura vacinal – ou mais do que isto, perto de 90% frente à variante Delta. 

    Cobertura vacinal de 75% representa o quê exatamente?

    Em nosso país, considerando a totalidade da população 75% representa todos os adultos acima de 18 anos estarem vacinados com duas doses ou dose única. Todavia, antes, alguns lembretes:

    1. Se tomarmos as vacinas que têm regime de duas doses precisamos de duas doses para nos protegermos

    2. Nos protegermos significa também proteger quem está em nossa volta.

    3. Estarmos vacinados significa seguir usando medidas não farmacológicas tanto quanto for possível.

    Dados públicos de vacinação nas redes sociais e sites oficiais

    Como buscamos informações

    Sobre os dados de vacinação nos estados e municípios brasileiros, nós pedimos ajuda de quem segue nosso trabalho na rede social Twitter para ver como algumas prefeituras e estados estão divulgando os dados! Vimos vários modos de divulgação e vamos apresentar aqui alguns deles.

    Para explicar como vamos apresentar estes dados

    É importante dizer que tentamos agrupar por “como os dados estão organizados”: há quem só diga quantas doses foram aplicadas, há quem apresente porcentagens de populações ou parcelas de população vacinadas; há quem coloque vacinação junto com outros dados da COVID. Tudo isso modifica bastante a informação que está nos sendo fornecida e, também a facilidade ou não de lermos estes dados.

    De modo algum nosso intuito é desmerecer o trabalho das prefeituras que têm feito um esforço grande em deixar as populações de seus municípios informadas, já ressaltamos aqui! No entanto, conforme vamos recebendo perguntas, também percebemos que existe dificuldade de compreensão das informações que existem não só nas comunicações em si, mas em um montante de informações que a população procura em outros espaços para conseguir tomar decisões para melhor se prevenir. E, muitas vezes, é nessa quantidade de informações e dificuldade de entender números específicos, que também vamos nos confundindo… 

    Assim, organizamos tudo a partir de como consideramos que alguns dados poderiam ser apresentados os dados de vacinômetros, a partir da ideia de cobertura vacinal, já que este é um dado que nos dá uma ideia geral de como a nossa população está neste momento.

    Por fim, também ressaltamos que usamos as informações que nos foram fornecidas, isto é: não fomos atrás para ver “como mesmo” estes dados estão nas plataformas das prefeituras. Dessa maneira, compreendemos que essa decisão se faz necessária deixar clara, em função de termos apresentado nossas ideias aqui a partir de como o público coleta informações sobre a vacinação – e muitas vezes como este público vem até nós perguntar. É a partir destes dados divulgados em redes sociais e sites oficiais de seus municípios.

    Nós dividimos as informações que recebemos em três categorias para apresentar a vocês:

    1) Vacinômetros com aplicações de doses: Cidades que apresentam números totais de vacinados;

    2) Vacinômetros com porcentagens de vacinados: Cidades ou estados que apresentam porcentagem de “público vacinado”, esta categoria apresentou variações que dividimos em

    • População com primeira dose completa: considera apenas a porcentagem que tomou a primeira dose, para apresentar os dados ao público;
    • Público vacinável vacinado: Isto é, quantas pessoas entre aquelas que podem ser vacinadas foram vacinadas;
    • População Vacinada: faltando dados sobre informações de doses, população vacinável e população geral.
    • População Adulta Vacinada e População Geral Vacinada: detalhando as informações em categorias

    3) Vacinômetros com porcentagens de vacinação: porcentagens aleatórias e sem informações detalhadas: porcentagens que não informam exatamente sobre o que se trata o dado apresentado.

    Ressaltamos que recebemos uma quantidade enorme de exemplos e não foi possível usar todos, infelizmente. Foram mais de 70 mensagens recebidas, as quais agradecemos imensamente. Dessa forma, buscamos agrupar e utilizar o máximo de exemplos para diversificar a informação e mostrar informações palpáveis para compreender melhor como ler estes vacinômetros.

    Vamos aos exemplos de vocês?

    Vacinômetros com aplicações de doses

    1/3 Vacinômetros de municípios que colocam aplicações de doses como informação
    2/3 Vacinômetros de municípios que colocam aplicações de doses como informação
    3/3 Vacinômetros de municípios que colocam aplicações de doses como informação

    Vacinômetros com porcentagens de vacinados

    1/5 Vacinômetros de municípios que colocam porcentagem da população como informação
    2/5 Vacinômetros de municípios que colocam porcentagem da população como informação
    3/5 Vacinômetros de municípios que colocam porcentagem da população como informação
    4/5 Vacinômetros de municípios que colocam porcentagem da população como informação
    5/5 Vacinômetros de municípios que colocam porcentagem da população como informação

    Vacinômetros com porcentagens de vacinação

    Vacinômetros com porcentagens de vacinação

    O que podemos falar sobre estes exemplos que trouxemos aqui?

    É de suma importância que as prefeituras apresentem os dados de maneira clara e objetiva, dando ênfase sempre às informações com maior impacto sobre o combate à pandemia. Dessa forma, é bom lembrar que, em casos como os que estamos vivendo, as comunicações oficiais também têm um papel de informar as populações para melhor conduzir suas ações e decisões acerca das proteções individuais.

    Assim, nós consideramos que a porcentagem da população total que já foi vacinada, com uma dose é importante sim. Mas especialmente a parcela que já está com seu esquema vacinal completo é fundamental como dado técnico para compreendermos em que etapa estamos neste momento, de cobertura vacinal e, portanto, proteção coletiva.
    Ao fazer recortes específicos, como, por exemplo, considerar apenas o percentual de adultos vacinados, ou até mesmo divulgar apenas o percentual entre as vacinas recebidas e aplicadas, pode-se gerar confusão na população, que vê números mais altos e pode ser levada à compreensão de que a cidade já está em um patamar mais alto de imunização, portanto, em um nível maior de segurança. 

    Não priorizar esses dados, divulgando outros com menor relevância prática no combate ao vírus pode ser mais um ruído – dentre tantos que temos.

    Por outro lado, não é nosso intuito (novamente) desmerecer o trabalho que todos têm feito para informar a população. Mas também apresentar a quem tem acompanhado nosso trabalho, um pouco sobre como estes dados podem ser lidos e quais limites de informações podemos extrair dali, neste momento.

    Por fim

    Este texto, feito de forma colaborativa, só tem a agradecer a todos que ajudaram enviando imagens para que conseguíssemos ver a diversidade de formas de comunicar sobre as vacinas. É importante, dentro do nosso trabalho, afim de que nós tenhamos mais condições de entender quais são as dúvidas comuns que surgem. Além disso, compreender como as informações têm sido percebidas por todos. Por fim, novamente ressaltamos que de forma alguma este levantamento teve intenção de ser “completo”, nem uma crítica direta às prefeituras, que tem feito um esforço enorme para deixar sua população informada sobre o andamento da vacinação.

    Para Saber Mais

    Cobertura vacinal, retomadas, indivíduos e população

    Sobre aberturas, cautelas e políticas públicas

    Estratégias de vacinação: o que se leva em conta?

    Coronavírus Brasil: Site oficial | Twitter 

    Vacinômetros, via Rede Análise COVID-19

    Langdon Data Monitor da Covid: Vacinação

    Os autores

    Ana de Medeiros Arnt é bióloga, Doutora em Educação, Professora do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenadora do Blogs de Ciência da Unicamp e do Especial COVID-19

    Leonardo Augusto Medeiros é graduado em cinema e audiovisual, é um dos administradores no grupo Coronavírus Brasil e realiza o levantamento dos dados sobre a pandemia, e divulgação dos dados da vacinação.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Mutações virais: a dança dos aminoácidos

    Texto de Gildo Girotto Júnior

    Você deve estar lendo, ouvindo ou assistindo diferentes notícias sobre mutações e as variantes do coronavírus, e, também, sobre novos riscos que elas podem gerar, certo? No texto anterior (que você pode ler clicando aqui) falamos um pouco da dinâmica viral e agora vamos falar de outros detalhes dessa coisa toda.

    O que já sabemos

    Os vírus estão sujeitos aos mesmos mecanismos evolutivos que envolvem todos os seres vivos, inclusive nós, humanos. Essas mutações podem, por meio de modificações estruturais e químicas, alterar a forma como eles infectam as células. Algumas dessas alterações têm grande impacto na forma como os vírus se disseminam na população humana e como nosso organismo interage e reage na presença de vírus [1]. Neste texto vamos falar sobre como algumas alterações já identificadas promovem a maior interação do vírus com nossas células.

    Sabemos que as mutações dependem de mecanismos de alteração genética por meio dos quais sequências de genes distintas daquelas do vírus de referência são disseminadas na população dos parasitas, podendo levar a novas variantes [2]. Isso ocorre com o processo de cópia do material genético, RNA ou DNA, e torna a evolução possível. São essas mutações no material genético que irão, eventualmente, desencadear alterações nas estruturas e composição dos vírus.

    Isto quer dizer que nem toda alteração genética desencadeia uma alteração estrutural ou melhora na adaptação: se não trouxerem vantagens para a sobrevivência do vírus acabam por ser desaparecerem da população; se auxiliarem o parasita, por proporcionarem adaptações ao ambiente e são disseminadas em novas cópias. Podemos ressaltar também que a seleção natural e a junção de processos que levam a variações genéticas são os principais responsáveis por definir se uma mutação ocorrerá e se permanecerá naquela população.[3]

    Um baile a dois: o sistema chave e fechadura

    Na capa proteica do coronavírus há uma proteína denominada Spike (Spike é uma palavra do inglês que significa espinho) ou, simplesmente, S. Essa proteína interage com as nossas células abrindo caminho para que o material genético do vírus consiga penetrar. Precisamos, portanto, entender porque a mudança nessa proteína ocorreria e como identificá-la, bioquimicamente falando.  

    Observemos então o caso das variantes do coronavírus, falando especificamente da interação da proteína S com o receptor celular, denominado ACE2. Podemos pensar que quanto maior a atração entre proteína e receptor, mais fácil será do vírus nos contagiar, despejando seu material genético em nossas células.

    A conexão entre a proteína e a célula pode ser associada à conhecida analogia chave e fechadura que ocorre entre enzimas e substratos, uma vez que o processo de interação química é semelhante [4]. É como se partes da proteína fossem chaves que se encaixam bem nas fechaduras de nossas células.

    Mas, no caso de mutações…

    Quando ocorrem mutações, esses encaixes podem ser melhorados se as interações entre as moléculas de S e do receptor ACE2 se tornarem mais fortes. Vamos considerar este ponto para análise.

    As proteínas são formadas pela união de um conjunto de moléculas que podem se repetir diversas vezes. É como se pegássemos 22 peças diferentes, disponíveis quase que infinitamente no ambiente, e as combinássemos de modo a montar uma grande cadeia. Essas peças são as moléculas de aminoácidos. Por diferentes razões, deste fatores como a temperatura, acidez e ainda fatores que não são muito bem elucidados, essas combinações podem variar. O que reconhecemos nos estudos é a possibilidade de eliminação de moléculas ou substituição de alguns aminoácidos por outros. Essas mudanças geram proteínas diferentes, sendo uma das razões para termos as variantes virais.

    Assim, como a proteína S é atraída por e atrai nosso receptor ACE2, para uma determinada composição a interação pode aumentar (pela própria natureza das moléculas) e também devido às posições e estruturas dos novos aminoácidos, que podem se ajustar mais adequadamente estabelecendo um contato mais intenso com o receptor. Então, quanto maior essa interação, maior a quantidade de vírus que consegue efetivamente depositar seu RNA e, como apontam alguns estudos [5][6], o maior número de vírus que efetivamente entram em nossas células pode ser responsável pelo agravamento da doença, pois mais células serão comprometidas e mais órgãos poderão ser afetados.

    A música está mudando

    Em janeiro de 2021, pesquisadores da faculdade de medicina de Ribeirão Preto (FMRP), por meio de um conjunto de análises e simulações computacionais, pesquisaram especificamente como a mudança de um dos aminoácidos da proteína S poderia explicar a maior taxa de contágio da mutação viral identificada em setembro de 2020 e conhecida como variante alfa [7]. O que se sabia por meio de estudos anteriores é que entre o vírus original de referência, identificado em 2019, e essa mutação havia uma troca de um aminoácido identificada por N501Y. Mas o que isso significa?

    Essas letras e números se referem a qual aminoácido estamos falando e a posição em que ele se encontra na estrutura da proteína. Assim, o N se refere a um aminoácido chamado asparagina, o número 501, indica sua posição e o Y se refere a um aminoácido chamado tirosina que substituirá o primeiro. Isto é, ao trocar uma asparagina por uma tirosina na posição 501 temos o que chamamos de N501Y [8]. Por fim, essa troca de moléculas gera uma interação mais forte junto ao receptor de nossas células.

    Vamos entender melhor com a Figura 1, que representar as interações antes e depois da mudança dos aminoácidos?
    Figura 1: Alteração na estrutura química de aminoácidos do Sars-Cov-2
    Gian Carlo Guadagnin/Sala Cinco
    Fonte: Universidade de São Paulo [7]

     Outras variantes também já tiveram as interações entre a proteína e o receptor identificadas. Por exemplo, a variante Delta tem mudanças nos nos aminoácidos L452R e T478K. Já sabemos o que esses códigos significam: na L452R a primeira letra determina o aminoácido Leucina (L), que será substituído na posição 452 pelo aminoácido Arginina (R); no caso da T478K temos, de forma semelhante, a substituição de uma Treonina (T), na posição 478 por uma Lisina (K), o que faz com que o vírus consiga interagir melhor com as células e uma das consequências é a maior transmissibilidade comparada com outras variantes. 

    Sem errar o passo 

    Um fator que é apontado pela ocorrência de mutações é a alta taxa de transmissão do vírus, uma vez que, quanto mais vírus circula, maior a quantidade de replicações e maiores são as chances de alteração [5][6]. Dessa maneira, a dificuldade de controle dos casos de contaminação podem levar a novas adaptações do vírus tornando-o mais transmissível. 

    Considerando que ainda existem muitas pessoas que não estão imunizadas, o vírus tem maiores possibilidades de se reproduzir, aumentando as chances de ocorrerem alterações no material genético. Assim, com a taxa de vacinação ainda baixa, temos dois problemas. Em primeiro lugar, ainda que as vacinas tenham se mostrado eficientes frente às variantes [9], muitas pessoas não estão imunizadas e as variantes podem gerar casos mais graves da doença. Além disso, em segundo lugar, mesmo vacinados ainda podemos transmitir a doença. Dessa forma, algumas medidas, como manter o distanciamento e o uso de máscaras, devem continuar por algum tempo.

    Por fim, ter consciência disso e manter essas medidas nos levará ao enfrentamento mais rápido desse cenário de pandemia diminuindo as possibilidades de novos surtos da doença. 

    Trabalharam nesta edição:

    Revisão: Mariana Bercht Ruy.

    Arte e diagramação: Gian Carlo Guadagnin.

    Capa: Stephanny dos Santos Nobre.

    Colaborações: Gian Carlo Guadagnin e Stephanny dos Santos Nobre.

    Para saber mais:

    [1] The Virus: How do mutations cause viral evolution? YALE School of medicine

    [2] O que são mutações, linhagens e cepas, Fiocruz.

    [3] FLEISCHMANN, WR Viral genetics, In Baron (Ed), Medical microbiology (4 ed, cap. 43), Galveston, TX: University of Texas Medical Branch at Galveston.

    [4]  NISHIOKA, S Seleção de um anticorpo de domínio único e seu potencial para o tratamento e prevenção da COVID-19, Una SUS

    [5] MOHAMMAD, A et al (2021) Higher binding affinity of furin for SARS-CoV-2 spike (S) protein D614G mutant could be associated with higher SARS-CoV-2 infectivity. International Journal of Infectious Diseases, v103, p 611-616

    [6] Variante Delta: as 5 mutações que tornam coronavírus mais contagioso e preocupante BBC (2021)

    [7] Estudo indica um dos fatores que tornam nova variante do coronavírus mais contagiosa. USP.

    [8] SANTOS, JC; PASSOS, GA (2020) The high infectivity of SARS-CoV-2 B.1.1.7 is associated with increased interaction force between Spike-ACE2 caused by the viral N501Y mutation bioRxiv preprint

    [9] BERNAL, JL et al (2021) Effectiveness of Covid-19 Vaccines against the B.1.617.2 (Delta) Variant The New England Journal of Medicine.

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

    logo_

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, houve revisão por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • Sobre a vacinação e abertura prematura: um celeiro para novos casos e variantes

    É tempo de esperança. A esperança da chegada de um dia melhor, sem a Covid-19 em nosso mundo, está quase na porta. Grande parte desta crescente esperança deposita-se na vacinação da população mundial.

    Cada vez mais estamos vendo manchetes em São Paulo, no Brasil e em vários outros lugares do mundo sobre a reabertura de locais, visto o número cada vez maior de pessoas se vacinando contra a Covid-19. As pessoas anseiam em se vacinar para estarem protegidas, poderem sair de casa, rever parentes, amigos, colegas, viajar, ir a bares, cinemas e museus. 

    Mas toda essa ansiedade para a volta ao “normal” também gera problemas. O principal deles é a ideia da rápida retomada das atividades presenciais, colocando de lado as medidas de distanciamento social, uso de máscara e quarentena.  

    Não é de hoje que os cientistas, autoridades sanitárias e divulgadores científicos vêm falando que a vacinação, única e exclusivamente, não irá resolver a pandemia. No melhor dos cenários, com pelo menos 75% da população vacinada e aliada a outras medidas de contenção, as vacinas podem diminuir muitos os casos de Covid-19 e permitir uma retomada lenta à “normalidade”. No pior dos cenários, uma vacinação com rápida abertura pode funcionar como um impulso para o surgimento de novas variantes, colocando em risco as pesquisas dos últimos 17 meses para o desenvolvimento de uma vacina eficaz.

    “MAS ENTÃO, SE MESMO VACINADO DEVO FICAR EM CASA, QUANDO VOU PODER SAIR?”

    Essa é a pergunta de ouro que todos estão se fazendo. Teoricamente, o ideal é estar com pelo menos 75% da população de um país vacinada. Tomando o Brasil como exemplo, temos uma população de aproximadamente 212 milhões de habitantes. Assim, poderia haver uma reabertura segura do país quando no mínimo 159 milhões de brasileiros estivessem completamente vacinados (que é o equivalente a população maior de 18 anos).

    E completamente vacinado significa duas semanas após a segunda dose (ou um mês depois da dose única, no caso da Janssen) no braço.

    Não é só com uma dose. Assim como não é no intervalo de doses. Ademais, não é com ambas as doses. 

    Novamente, o esquema completo é: duas semanas após ter recebido a segunda dose. 

    Contudo, não é isso que temos visto em alguns lugares. Tomando São Paulo como exemplo, tem se visto vários anúncios falando sobre a reabertura total do comércio e outros estabelecimentos, divulgando uma retomada à “normalidade” após o término da vacinação da população adulta do estado em 16/08 (última segunda-feira). Mas como comentado à exaustão em um outro texto recente aqui do Especial, falar em “população vacinada” quando boa parte dessa recebeu só a primeira dose não é realmente verdade. E nem correto. 

    É nessa falsa sensação de segurança que os problemas começam a surgir.

    VAMOS COMEÇAR OLHANDO OUTROS PAÍSES

    Reino Unido:

    com 68% da população tendo recebido pelo menos a primeira dose da vacina, e 52% terem recebido as duas, e com um relaxamento de quase todas as medidas de restrição, os britânicos voltam a ver uma subida rápida dos casos de infecção da Covid-19 após a chegada da variante Delta.

    Holanda:

    em 26 de junho promoveu a reabertura total do comércio, e tirou a obrigatoriedade do uso de máscaras. Duas semanas depois, revogou ambas as medidas e voltou a restringir as atividades quando os casos de Covid-19 explodiram com a variante Delta.

    Estados Unidos:

    com quase 50% da população vacinadas com as duas doses, o CDC (Centro de Controle de Doenças) suspendeu a necessidade do uso de máscaras e permitiu a reabertura de bares e restaurantes em todo o país, mesmo com estados em que a taxa de vacinação completa ficava por volta dos 35%. Dito e feito: os casos voltaram a aumentar, variante delta tomou o país, e no final de julho o CDC recorreu a decisão tomada.

    Vários outros países, com altos índices de vacinação completa (+50%), estão vendo os casos voltarem a subir, mesmo com boa parte da população vacinada: Canadá, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Itália e mesmo Israel, que foi modelo de vacinação há alguns meses atrás.

    Em grande parte deles, a história foi parecida: com um grande número de pessoas se vacinando, as autoridades começaram a diminuir e enfraquecer as medidas de restrição, permitindo que as pessoas circulassem mais, estabelecimentos ficassem abertos sem restrição de tempo ou lotação e retirando a obrigatoriedade do uso de máscaras. E os resultados também são bem parecidos: uma explosão de novos número de casos, principalmente, entre os não vacinados. E isto  resultou em novos fechamentos e retomada das restrições. 

    Contudo, agora há uma questão nova que tem dificultado o controle da pandemia, mesmo nesses países com altos índices de vacinação: a variante Delta. 

    “O QUE QUE TEM DE TÃO ESPECIAL NESSA VARIANTE DELTA QUE OS JORNAIS NÃO PARAM DE FALAR? ANTIGAMENTE NÃO ERA A GAMA (OU P1) A PROBLEMÁTICA?”

    Pois é, a variante Gama AINDA é problemática. Contudo, há poucos meses surgiu a variante Delta na Índia, que vem tomando conta do cenário viral em todo o globo, já sendo a mais prevalente em boa parte do mundo. No Brasil, a variante Gama ainda é a mais prevalente e os pesquisadores têm tentado entender o motivo do avanço da variante Delta estar sendo mais lento aqui. 

    Veja nas duas figuras abaixo como a Delta está presente em vários países nas últimas duas semanas (Figura 1) e em São Paulo como a predominância das variantes foi mudando ao longo do tempo (Figura 2)

    Figura 1: Variantes predominantes em cada país, analisada a partir de sequenciamento genético nas últimas duas semanas. Isto pode não representar completamente a situação do país, em função de apenas uma fração dos casos serem sequenciados. Fonte da Imagem: CoVariants.org e GISAID.
    Figura 2: variantes relevantes em São Paulo ao longo dos meses. Fonte da imagem: Fiocruz (disponível em: http://www.genomahcov.fiocruz.br/dashboard/)

    Entretanto, esse não é o ponto deste texto.

    Todo o problema ao redor da variante Delta é a sua alta capacidade de transmissão. Além disso, soma-se a várias mutações que podem levar a um escape da imunidade. Mas para tranquilizar os corações: a proteção gerada pelas vacinas ainda permanece contra essa variante, assim como foi observado para outras. No entanto, há sim uma redução na quantidade de anticorpos neutralizantes.

    De acordo com alguns artigos recentes, o que se sabe até agora é que pessoas que tiveram uma infecção natural de Covid-19 com a variante Gama (de Manaus) ou a variante Beta (da África do Sul) têm uma fraca proteção contra a variante Delta. Em outras palavras, os anticorpos gerados pela infecção natural dessas variantes pouco protegem. Ademais, não garantem que, se essas pessoas não se vacinarem e pegarem a variante Delta, elas terão uma doença menos severa ou leve caso se reinfectem. 

    Claro que aqui precisamos fazer uma pequena ressalva: os pesquisadores olharam somente para uma parte da resposta imune, que são os anticorpos. Nosso sistema imune tem diversas outras ferramentas capazes de nos proteger, como a resposta imune celular. Pouco se sabe se esse escape do vírus também afeta os linfócitos, principais atores da resposta celular.

    Mas aqui também fica nosso apelo: NÃO caia nessa de “tive Covid-19 então não preciso me vacinar”.

    TODOS precisam ser vacinados.

    Muito provavelmente se você teve a Covid-19 no passado, foi com alguma das antigas variantes que não protegem (ou protegem fracamente) contra essa nova variante Delta. Você PODE sim ter Covid-19 novamente, tanto a forma leve com grave e transmitir para parentes, conhecidos e amigos.

    Voltando aos estudos, os pesquisadores também viram uma redução da efetividade das vacinas (isso é, a eficiência em reduzir os casos de Covid-19 com sintomas) e da eficiência dos anticorpos neutralizantes gerados em pessoas vacinadas. Entretanto, essa redução é parecida com a que foi vista em outras variantes (Alfa, Beta e Gama). 

    Trocando em miúdos

    Colocando em termos numéricos para exemplificar: a efetividade da vacina da Pfizer (com 2 doses) contra a variante Alfa foi de 93%, enquanto  contra a Variante Delta foi de 88%. Isso é, a cada 100 pessoas que tomaram ambas as doses da vacina da Pfizer, somente 7 (=100-93) tiveram sintomas de Covid-19 após a infecção pela variante Alfa, e somente 12 (=100-88) tiveram sintomas de Covid-19 pela variante Delta. 

    Já para a vacina da AstraZeneca, a efetividade das duas doses contra a variante Alfa foi de 74% e contra a variante Delta foi de 67%. Sim, um pouco menor do que a Pfizer. Mas isso não quer dizer que quem tomou a vacina da AstraZeneca tem mais riscos de ter Covid-19 e morrer. Esses números são só relativos aos casos sintomáticos, aqueles que a pessoa desenvolve um sintoma da doença. Ambas as vacinas continuam com uma efetividade bem alta contra casos graves. 

    Sim, são boas notícias, mas…

    Apesar dessas boas notícias das vacinas continuarem nos protegendo, nem tudo é um mar de rosas. Esses valores que dissemos são referentes a efetividade de AMBAS as doses de vacinas em uma pessoa. Os pesquisadores viram que em pessoas que só tomaram a primeira dose (seja de Pfizer ou AstraZeneca) a eficiência das vacinas era muitíssimo baixa. Em outras palavras: somente a primeira dose NÃO PROTEGE uma pessoa. Esse indivíduo NÃO TÊM uma chance menor de contrair a forma leve da Covid-19 e assim, pode morrer, além é claro de poder transmitir para outras pessoas. 

    Essa redução da efetividade das vacinas indicou aos cientistas que mesmo com a variante Delta não escapando totalmente da proteção garantida pelos anticorpos após a vacinação, é bem preocupante esse cenário em que surgem novas variantes que conseguem escapar, por exemplo, de uma imunidade “natural”, como foi visto no caso das pessoas que tiveram Covid-19 naturalmente com a variante Beta e Gama, e que produzem anticorpos pouco eficiente contra a variante Delta.

    Em suma…

    Sabemos que a variante Delta é muito mais transmissível, escapa da imunidade natural causada por outras variantes, e reduz a eficácia das vacinas (mesmo que essas ainda nos protejam). 

    Sabemos também que muitos países com vacinações MUITO mais avançadas do que as nossas reabriram. Isto é, voltaram à “normalidade” e tiveram que fechar os estabelecimentos novamente. Mas porquê? Ora, tudo porque a variante Delta chegou nesses países e NENHUM deles havia atingido ainda uma imunidade coletiva. 

    Vimos o número de casos e internações aumentando nesses países, com a grande maioria das pessoas não vacinadas sendo os infectados da vez. 

    E mesmo assim, com todos esses exemplos do que não funcionou, ouvimos pessoas em nosso país, estado e/ou cidade falando sobre a retomada à normalidade e abertura dos estabelecimentos. Isso com somente 20% da população inteiramente vacinada (isto é, com duas doses). Dessa forma, a mensagem final que queremos passar é: continuem se cuidando. Tomem as vacinas (ambas as doses!!!) se na sua cidade já é possível. E principalmente, continuem usando máscaras e evitando aglomerações. Pois no caminho que estamos, o futuro que nos aguarda não é nada bom. 

    Para Saber Mais

    Reportagens

    Europa aprova plano de abertura de fronteiras para vacinados, mas lista de países habilitados só será definida depois

    O que acontecerá no Brasil quando a variante delta se espalhar pelo país inteiro?

    Países com vacinação acelerada veem aumento de casos de Covid e queda de mortes.

    Se reabertura em SP virar vale-tudo, pode haver repique de Covid, dizem especialistas

    Entenda a alta de casos de Covid-19 em países com vacinação avançada.

    Israel restringe viagens e indica novo lockdown para conter casos de  covid-19. Covid: os primeiros resultados da reabertura em seis países.

    Artigos

    Liu, C, Ginn, HM, Dejnirattisai, W, Supasa, P, Wang, B, Tuekprakhon, A, … & Screaton, GR (2021) Reduced neutralization of SARS-CoV-2 B. 1.617 by vaccine and convalescent serum Cell

    Planas, D, Veyer, D, Baidaliuk, A, Staropoli, I, Guivel-Benhassine, F, Rajah, M M, … & Schwartz, O (2021) Reduced sensitivity of SARS-CoV-2 variant Delta to antibody neutralization Nature, 1-7. 

    Lopez Bernal, J, Andrews, N, Gower, C, Gallagher, E, Simmons, R, Thelwall, S, … & Ramsay, M (2021) Effectiveness of Covid-19 vaccines against the B. 1.617. 2 (delta) variant New England Journal of Medicine.

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária – Faz sentido isso?

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt e Marina Fontolan

    Faz sentido restringir espaços entre vacinados e não vacinados?

    Recentemente aprovado, o Projeto de Lei 1674/2021 trata do Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária (PSS). O que você sabe sobre isso?

    O referido PL acabou de ser aprovado no senado e agora será apreciado na Câmara dos Deputados. Ele criou o PSS, que seria um documento para pessoas que estão imunizadas contra a COVID-19 para que tenhamos políticas públicas de suspensão ou abrandamento de medidas restritivas. Tais condições são relativas às informações de vacinação e/ou imunização das pessoas em relação a doenças específicas.

     A premissa para esta lei é exercer um controle de possíveis epidemias e pandemias futuras – além da própria COVID-19 – mas mantendo a liberdade de ir e vir, dentro de parâmetros de segurança previamente estabelecidos.

    Dessa maneira, a lei parte do pressuposto que podemos adotar determinados critérios para diminuir ou suspender medidas que restrinjam nossos movimentos em situações de crise sanitária.

    A pergunta que talvez seja importante se fazer para esta lei é: faz sentido dividir espaços entre vacinados e não vacinados?

    Há diferentes questões que envolvem este debate. Vamos destrinchar alguns deles aqui

    A vacinação não é compulsória;

     Sim! É verdade. A vacinação não é compulsória e defendemos isto! Não compreendemos a vacinação, mesmo sendo obrigatória, como uma ação que o Estado brasileiro pode efetuar de forma coercitiva. Existe diferença substancial entre estas duas noções. Assim, a vacinação, por ser obrigatória, pode se vincular a atos punitivos quando não tomarmos. Por exemplo, pode-se restringir nosso acesso a concursos públicos ou serviços públicos específicos, por meio de lei.

    Podemos seguir sem tomar as vacinas que decidimos não tomar – mas aquelas que consideram-se obrigatórias, podem ter medidas de restrição para acesso de serviços fornecidos pelo nosso país.

    Não deveria ter discriminação de espaços por ações individuais e opções relacionadas ao nosso corpo;

    Este é um ponto interessante e repleto de vieses. Não existe discriminação no sentido de preconceitos contra a pessoa que não quer se vacinar. Mas existe, no pressuposto da lei, a intenção de que pessoas vacinadas ou imunizadas estão seguras e, portanto, podem circular sem prejudicar outras ao seu redor.

    Nestes casos, a idealização da lei poderia ser entendida pelo bem coletivo, mais do que pela criminalização do que se faz com o corpo individual e as decisões acerca disso… O que nos leva para o próximo item. 

    O estado não deveria controlar nossos corpos;

    A princípio não. Mas esta fala é perniciosa em tantos sentidos, não é mesmo? A liberdade sobre os nossos próprios corpos é um debate absolutamente profundo e necessário. Que não se restringe à vacinação. Ela diz respeito a termos o direito de assumirmos quem nós somos – diz respeito à nossa identidade como cidadão de uma sociedade, de uma nação. Assim, o direito ao nosso próprio corpo é parte da minha condição humana e de minha vivência neste país.

    Eventualmente esta liberdade é cerceada quando eu coloco em risco a vida e a segurança dos outros. De qualquer modo, a noção de risco à sociedade é mais vago e difícil de delimitar do que pode parecer.

    Existem várias pessoas que vêm lutando pelo direito de ser quem são, juridicamente, em nosso país há décadas. Por exemplo, direito de ir e vir, casar com quem quiserem, beijar, transar, ter filhos com quem quiserem, quando (e se) quiserem.

    O Estado, ao tornar a vacina obrigatória, não controla o teu corpo – ele te dá a opção de usar diversos serviços públicos ou te restringir acesso a eles.

    Ninguém tem qualquer direito de agir coercitivamente em relação ao teu corpo, vacinando-te. Tens razão, o estado não deveria controlar nossos corpos. Mas não é em processos de vacinação que isto acontece, mesmo quando isto é obrigatório.

    A segurança sanitária coletiva está acima da individual;

    Sim! A segurança sanitária diz respeito à coletividade. A vacina, individualmente, não faz sentido. Se você está vacinado sozinho, não existe qualquer vantagem em relação ao controle da doença e sua circulação. A vacina é um projeto público de controle de doenças em nossa sociedade. E é por isso que, idealmente, ela é obrigatória. Pois visa à saúde da humanidade, acima de indivíduos isolados.

    É fundamental um indivíduo se vacinar, junto com os milhões que vivem próximo a ele. A vacinação, mais do que nos proteger isoladamente, faz com que os vírus não circulem. Neste sentido, quem não pode vacinar por alguma questão de saúde particular, também está protegida! E a vacinação de algumas doenças – talvez a COVID-19 se encaixe aí (ainda precisamos de alguns dados sobre isso) – precisam ser periódicas. Como a gripe, por exemplo.

    Existe controle de doenças altamente infecciosas com documentos “teste de detecção negativo” com teste de validade

    Exato, os testes de detecção feitos isoladamente, sem continuidade – especialmente em doenças em que a reinfecção pode ocorrer – são sempre um retrato do passado (que se relacionam à janela imunológica). Por isso, se estamos circulando, em um país com a nossa taxa de transmissão como está, os testes são fundamentais – mas eles são certificações temporárias, com validade de curtíssimo prazo. Em todo o caso, “teste negativo” sempre tem validade relacionada à janela imunológica – que é o tempo em que nós nos infectamos até o tempo do teste conseguir detectar os vírus. No caso da COVID-19, nossa janela é de no mínimo 5 dias. Assim, o resultado obtido hoje diz respeito ao tempo transcorrido entre a coleta, somados 5 dias de uma possível infecção.

    Mas o Projeto de Lei ainda abrange outras questões delicadas

    Este PL não se trata apenas da COVID-19, especificamente. É um projeto que se propõe a pensar futuramente a gestão de crises sanitárias, com outras epidemias e/ou pandemias.

    Na Justificação (páginas 8-12), há alguns pontos preocupantes para firmar a possibilidade de suspendermos medidas restritivas, como dado científico.

    Trecho da Justificação do Projeto de Lei

    Inicialmente, é exatamente por termos poucas pessoas imunizadas com a vacina que, ainda, as pessoas não estão em plena condição de retomarem suas “atividades normais”. Novamente, a vacinação é um processo de massa – não individual.

    Além disso, pensar que temos poucas pessoas infectadas é um grande risco. Primeiro, temos os casos das pessoas assintomáticas, que estão infectadas, transmitem o vírus (que pode matar outras pessoas) e não são testadas.

    Em segundo lugar, o Brasil não está fazendo testagem em massa da população. Seguimos ocupando um lugar irrisório no hanking mundial em relação à testagem por milhão de habitantes. Especialmente se levarmos em consideração o andamento da pandemia no Brasil e a quantidade de mortes ainda crescente (e a transmissão, literalmente, correndo solta).

    Isso faz com que não tenhamos a dimensão real de quantas pessoas já se infectaram e aquelas que estão infectadas. Por fim, o argumento de ‘imunidade de rebanho’ criado por meio das pessoas infectadas naturalmente não existe. A cidade de Manaus foi um exemplo disso! A maior parte da população foi infectada e isso não gerou imunidade. A vacinação é um ato coletivo e precisamos que ela seja feita o mais rápido possível.

    Mas já existe passaporte para outras doenças, quando viajamos para o exterior!

    Outro ponto importante desta questão está relacionado à entrada em outros países. Não é de hoje que alguns países exigem que as pessoas estejam vacinadas para determinadas enfermidades. Um exemplo disso é o México, um país que exige que as pessoas que entrem em seu território estejam vacinadas contra febre-amarela. No entanto, é importante notar que, mesmo estando vacinados, há países que continuam não aceitando a entrada de pessoas de determinadas nacionalidades ou que tenham certos países de origem. Este é o caso dos brasileiros já totalmente vacinados contra a Covid-19. Afinal, os países temem a circulação de variantes e a morosa vacinação no Brasil está sendo fator decisivo nisso. Assim, mesmo que o governo brasileiro crie seu próprio ‘passaporte vacinal’, ele pode não ser aceito em outros países.

    Por outro lado, o passaporte entre países com as doenças sob controle – ou no caso de inexistência da doença há muitos anos (mas ainda existência de hospedeiros intermediários, como no caso da febre amarela) o passaporte adquire outro sentido: a da tentativa de manter a doença erradicada naquela localidade. Um passaporte contra a febre amarela entre fronteiras de países (como Brasil e México) faz mais sentido do que um passaporte interno entre localidades de uma cidade, no caso da COVID-19. Estamos habitando os mesmos espaços e circulamos em espaços conjuntos, antes de adentrar um território cujo acesso seja restrito. Enquanto não controlarmos a circulação do vírus com medidas não farmacológicas, além da vacina em conjunto, e mantivermos a transmissão alta na população, este passaporte tem pouca efetividade na prática.

    Finalizando

    Por fim, na justificação, a ideia de que “muita gente não está infectada e portanto pode circular” em uma doença que ao infectar uma pessoa, pode passar despercebida em formas brandas ou até assintomáticas, transmitindo sem que percebamos, é um risco que temos debatido desde o início da pandemia. O controle tem que ser via diminuição de contatos, enquanto não tivermos uma cobertura vacinal adequada em nossa população!

    Nosso posicionamento segue termos políticas públicas efetivas, rápidas e seguras para estancarmos a transmissão da doença: vacinação em massa, uso de máscaras, distanciamento social (isolamento social quando possível) e auxílio para populações vulneráveis.

    Não existe mágica para vencermos o vírus, não existe passaporte de segurança, fora medidas não farmacológicas aplicadas à risca, com vacinação em massa.

    Autoria

    Ana de Medeiros Arnt, Bióloga, Doutora em Educação, Professora de Biologia do Instituto de Biologia da Unicamp, coordenadora do Blogs de Ciência da Unicamp e do Especial COVID-19

    Marina Fontolan, Historiadore, Doutorande no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, divulga ciência no Grupo Infovid e no Todos Pelas Vacinas

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19 e para o Todos Pelas Vacinas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Não existe tratamento precoce para a COVID-19 [capítulo de hoje: Hidroxicloroquina]

    Desde o início da pandemia, criou-se um grande alvoroço sobre a polêmica hidroxicloroquina. Concomitante à possibilidade dela funcionar no tratamento e prevenção da Covid-19, no chamado Kit-Covid. Assim, nesse texto, nós vamos esclarecer tudo o que você precisa saber sobre esse assunto. E para começar, já podemos lhe dizer: não, ela não funciona.

    Mas calma lá, “vamos por partes”, como diria o velho Jack (O Estripador)…

    Para que serve e como funciona a Hidroxicloroquina?

    A princípio, a hidroxicloroquina foi uma forma alternativa da cloroquina. Assim, desenvolveu-se esta forma para combater os variantes do patógeno da malária que tinham desenvolvido resistência a própria cloroquina. Isto acontece de maneira similar com as bactérias que desenvolvem resistência a antibióticos. Dessa forma, a hidroxicloroquina surgiu como um antimalárico. Contudo, alguns estudos demonstraram que ela também era capaz de atuar de forma benéfica no cenário de algumas doenças autoimunes. Tais como artrite reumatóide e lúpus eritematoso (1, 2).

    Funcionamento da Hidroxicloroquina

    Basicamente, o principal mecanismo da hidroxicloroquina no combate a malária é impedir que uma enzima muito específica do parasita destrua a hemoglobina das nossas hemácias. Além disso, a hidroxicloroquina se acumula em uma parte específica do parasita, chamada de lisossomo, aumentando o pH dessa região. Caso não tenha visto, temos um texto muito bom explicando o que é o pH.

    Mas tem mais, esse medicamento tem a mesma capacidade de se acumular nos lisossomos (e endossomos, uma outra parte das células) nas nossas células humanas. Assim, isto dificulta a realização de alguns processos relacionados à resposta imune (3). E é daí que vêm a sua capacidade de influenciar doenças autoimunes, levando a uma consequente melhora dessas. Por fim, ainda se viu que a hidroxicloroquina tinha a capacidade de diminuir a formação de coágulos no corpo, também chamada de antitrombótica.

    Entretanto, nem tudo é um mar de rosas. Ao mesmo tempo que esse remédio mostra vários benefícios em alguns cenários, ele também tem seus efeitos colaterais. Dentre eles, o principal e que mais chama atenção é o de causar arritmias nas pessoas. Isto é, um descompasso dos batimentos do coração, tornando-os mais lentos ou mais rápidos (4, 5). Além disso, essa informação, soma-se ao fato de que o SARS-CoV-2 pode infectar células do coração e causar danos a ele. Ou seja, como a própria arritmia e insuficiência cardíaca, que você pode entender melhor nesse texto aqui. Tais questões tornam mais delicada a tomada de decisão no uso ou não da hidroxicloroquina.

    De onde vem a ideia de se usar um remédio de malária contra um vírus?

    Mas foi justamente dessa capacidade de se armazenar nos nossos endossomos, aumentando o pH deles, que alguns cientistas começaram a questionar se isso poderia ajudar no combate ao SARS-CoV-2. Visto que os endossomos também são uma porta de entrada do vírus nas nossas células. 

    Com essa hipótese em mente, os pesquisadores decidiram investigar os impactos do tratamento da covid-19 com a hidroxicloroquina. Dessa forma, os primeiros estudos publicados, analisaram a ação do vírus in vitro. Isto é, em células numa placa de laboratório, portanto, um ambiente mega controlado. Assim, nestas pesquisas, a cloroquina e hidroxicloroquina conseguiram diminuir a infecção do SARS-CoV-2 em células de rim de macaco (6, 7). E aqui entra a nossa ressalva.

    Esse tipo de estudo é muito importante pois é o pontapé inicial para mostrar se um medicamento é capaz ou não de combater uma infecção. Entretanto, definitivamente NÃO é a partir dele que podemos dizer com toda certeza (como muitos políticos tem feito) que esse remédio funcionará de verdade, no mundo real, quando for dado a nós.

    Um dos motivos: testou-se em células de macaco, e não humanas. Essas “linhagens celulares” como chamamos, são muito efetivas nesse tipo de teste por serem extremamente resistentes a toxicidade. Todavia, aí entramos em outro ponto! A dose de hidroxicloroquina dada para essas células para impedir a infecção do SARS-CoV-2 foi muito superior àquela permitida para nós, humanos, consumirmos. Ou seja, em um cenário em que nós ingeríssemos a mesma dose, ela seria extremamente danosa e até mesmo LETAL para nós.

    Como então a hidroxicloroquina foi liberada para uso?

    No início da pandemia, publicou-se estes primeiros artigos. Alguns médicos começaram a utilizar a hidroxicloroquina em casos graves da Covid-19, em que não havia mais o que ser feito. Assim, a partir daí, começaram-se a publicar alguns artigos. Dessa forma, o argumento relacionava-se ao fato de que mesmo uma dose menor do medicamento era capaz de auxiliar na melhora dos pacientes. Isto incluía casos em que a administração do medicamento acontecia junto com a azitromicina, parte disso, gerou o conhecido kit covid. Esses estudos foram recebidos com animação por parte de alguns cientistas. Mas também com muitas dúvidas. Várias perguntas baseava-se em limitações dos estudos como um baixo número de pessoas analisadas e pequeno tempo de acompanhamento (8, 9).

    Pois com base nesses primeiros artigos, muitas figuras políticas (como o presidente Trump e Bolsonaro), começaram a divulgar os aparentes “benefícios” da hidroxicloroquina. Tais ações se encaminham na contra-mão de várias entidades como o Ministério da Saúde dos respectivos países. Além disso, órgãos regulamentadores e a própria OMS diziam ser muito cedo para falar esse tipo de coisa com 100% de certeza.

    Mas então, a hidroxicloroquina funciona ou não?

    Após essas publicações preliminares de pesquisa, um grupo cada vez maior de pesquisadores começou a se questionar. Será que a hidroxicloroquina era realmente eficaz no combate a Covid-19? A proposta neste momento vinculava-se a estudos randomizados com um número muito maior de pessoas.

    Pois então, agora, trago algumas das conclusões que esses estudos tiveram:

    A hidroxicloroquina é incapaz de impedir o desenvolvimento dos sintomas da Covid-19. Isto em pessoas que começaram a tomar o remédio após terem contato com alguém que estava com Covid-19 (10).

    Neste trabalho, os cientistas analisaram cerca de 800 pessoas que tiveram contato com alguém da família que estava com Covid-19 (confirmado por RT-qPCR). Dessas pessoas, 400 delas foram tratadas por 5 dias com hidroxicloroquina, enquanto as outras 400 receberam o tratamento comum. Assim, ao final do estudo, o que se concluiu? Os pesquisadores viram que a porcentagem de pessoas que tratadas com hidroxicloroquina se aproximava muito parecido do havia recebido o tratamento padrão (11,8% vs 14,8%). 

    O tratamento com hidroxicloroquina não reduz a mortalidade de pacientes internados. (11).

    Nesse estudo, os pesquisadores acompanharam 4.500 pessoas que tiveram Covid-19 (confirmada com RT-qPCR) e acabaram sendo internados. Algumas pessoas precisaram de ventilação mecânica (os casos graves, de UTI). Outras precisaram somente de oxigênio e outros não precisando de nenhuma das opções. O que foi visto é que em nenhum dos cenários observados houve melhora dos pacientes com o uso de hidroxicloroquina por 6 dias. O tratamento com ela não diminuiu o número de mortes, o número de intubações e tempo no hospital comparado com o tratamento sem ela. 

    O tratamento combinado de hidroxicloroquina e azitromicina não melhora a recuperação de pacientes internados com casos leves e moderados (12).

    Nessa publicação, os cientistas avaliaram cerca de 600 pacientes que tinham casos confirmados leves ou moderados (com uso de oxigênio mas sem intubação) de Covid-19. Esses pacientes foram divididos em três grupos: 1º recebeu o tratamento comum; 2º recebeu o tratamento com hidroxicloroquina; 3º recebeu tratamento combinado de hidroxicloroquina e azitromicina. Ao final da pesquisa, os autores viram que não havia diferença na evolução da Covid-19 com o tratamento de hidroxicloroquina sozinha ou combinada com azitromicina. Como sempre, em estudos assim, quando comparada com o tratamento comum. Em outras palavras, o medicamento sozinho ou combinado não influenciou a melhora ou piora dos pacientes de alguma forma.

    Dito tudo isso…

    Quero terminar esse texto relembrando para todos: até o momento não há qualquer medicamento aprovado que seja eficaz no combate a Covid-19! Até agora a nossa melhor ferramenta contra a pandemia ainda são as vacinas. Mas somente elas não nos salvarão. Temos que continuar usando máscara (mesmo você que já foi vacinado). Ficar em casa o máximo possível, cobrar medidas de restrição em escala nacional e, principalmente, respeitá-las o máximo possível. 

    As vacinas são medidas de prevenção. Os medicamentos são medidas de tratamento. Para o controle da pandemia e recuperação da economia (como muitos desejam) é muito mais eficaz nós evitarmos a contaminação de pessoas. Não adianta confiarmos que poderemos ser tratados caso nos infectemos, sem qualquer indício de que teremos tratamento – pois não existe mesmo. Com a infecção há um gasto muito maior relacionado a outros medicamentos, intubação e hospitalizações. Enquanto com a prevenção da infecção com a vacina, o dinheiro gasto é muito menor.

    Fiquem em casa, se vacinem. E cobrem (cada vez mais) que o investimento na ciência, na produção de vacinas e na importação das IFAs aconteça.

    Para saber mais

    1. Petri M (2011) Use of hydroxychloroquine to prevent thrombosis in systemic lupus erythematosus and in antiphospholipid antibody-positive patients, Curr Rheumatol Rep ,13(01):77–80 

    2. Ruiz-Irastorza G, Ramos-Casals M, Brito-Zeron P, Khamashta MA (2010) Clinical efficacy and side effects of antimalarials in systemic lupus erythematosus: a systematic review, Ann Rheum Dis 69(01):20–28

    3. Informativo elaborado pelo grupo de trabalho “Ciências Farmacêuticas e a Covid-19. As bases científicas do uso da cloroquina e da hidroxicloquina sobre a covid-19.

    4. Bikdeli, B, Madhavan, MV, Gupta, A, Jimenez, D, Burton, JR, Der Nigoghossian, C, & Group, TC (2020) Pharmacological agents targeting thromboinflammation in COVID-19: review and implications for future research, Thrombosis and haemostasis, 120(7), 1004.

    5. Dhakal, BP, Sweitzer, NK, Indik, JH, Acharya, D, & William, P (2020) SARS-CoV-2 infection and cardiovascular disease: COVID-19 heart, Heart, Lung and Circulation.

    6. Wang, M, Cao, R, Zhang, L, Yang, X, Liu, J, Xu, M, & Xiao, G (2020) Remdesivir and chloroquine effectively inhibit the recently emerged novel coronavirus (2019-nCoV) in vitro, Cell research, 30(3), 269-271.

    7. Liu, J, Cao, R, Xu, M, Wang, X, Zhang, H, Hu, H, … & Wang, M (2020) Hydroxychloroquine, a less toxic derivative of chloroquine, is effective in inhibiting SARS-CoV-2 infection in vitro, Cell discovery, 6(1), 1-4.

    8. Mégarbane, B (2020) Chloroquine and hydroxychloroquine to treat COVID-19: between hope and caution, Clin Toxicol (Phila), 1-2.

    9. Gautret, P, Lagier, JC, Parola, P, Meddeb, L, Mailhe, M, Doudier, B, … & Raoult, D (2020) Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID-19: results of an open-label non-randomized clinical trial, International journal of antimicrobial agents, 56(1), 105949.

    10. Boulware, DR, Pullen, MF, Bangdiwala, AS, Pastick, KA, Lofgren, SM, Okafor, EC, … & Hullsiek, KH (2020) A randomized trial of hydroxychloroquine as postexposure prophylaxis for Covid-19, New England Journal of Medicine, 383(6), 517-525.

    11. RECOVERY Collaborative Group (2020) Effect of hydroxychloroquine in hospitalized patients with Covid-19 New England Journal of Medicine, 383(21), 2030-2040.

    12. Cavalcanti, AB, Zampieri, FG, Rosa, RG, Azevedo, LC, Veiga, VC, Avezum, A, … & Berwanger, O (2020) Hydroxychloroquine with or without Azithromycin in Mild-to-Moderate Covid-19, New England Journal of Medicine, 383(21), 2041-2052.

    Outros artigos mostrando a ineficácia da hidroxicloroquina sozinha ou combinada com azitromicina:

    • Magagnoli, J, et al. “Outcomes of hydroxychloroquine usage in United States veterans hospitalized with Covid-19.” Med 1.1 (2020): 114-127.
    • Fiolet, T, Guihur, A, Rebeaud, ME, Mulot, M., Peiffer-Smadja, N, & Mahamat-Saleh, Y (2021). Effect of hydroxychloroquine with or without azithromycin on the mortality of coronavirus disease 2019 (COVID-19) patients: a systematic review and meta-analysis. Clinical Microbiology and Infection, 27(1), 19-27.
    • Mitjà, O, Corbacho-Monné, M, Ubals, M, Alemany, A, Suñer, C, Tebé, C, … & Clotet, B (2020). A cluster-randomized trial of hydroxychloroquine for prevention of Covid-19, New England Journal of Medicine.
    • Bakadia, BM, He, F, Souho, T, Lamboni, L, Ullah, MW, Boni, BO, … & Yang, G (2020). Prevention and treatment of COVID-19: Focus on interferons, chloroquine/hydroxychloroquine, azithromycin, and vaccine. Biomedicine & Pharmacotherapy, 111008.
    • Gautret, P, Lagier, JC, Parola, P, Meddeb, L, Mailhe, M, Doudier, B, … & Raoult, D (2020). Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID-19: results of an open-label non-randomized clinical trial. International journal of antimicrobial agents, 56(1), 105949.
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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • E quando?

    21 de março de 2020

    Lançávamos o Especial COVID-19. Lá estavam alguns textos que buscavam compreender o que era o vírus e defendendo a noção de ficar em casa como grande salvadora de nossas vidas.

    Tínhamos uma nesga de esperança que seriam poucos dias ou meses trancafiados. Um ano depois e seguimos batendo recordes.

    Não sei vocês, mas nós seguidamente pensamos… “e se”. E nossos pensamentos se esvaem novamente, como tentativa de fugir disto.

    “E se” é um tempo da crueldade. Pois nos insere em possibilidades alternativas irreais que entristecem e nos assolam. Todavia, não parece que qualquer realidade alternativa distópica seja plausível de ser inserida em um contexto pior do que o que estamos vivendo neste exato momento.

    Nos últimos dias, buscamos pensar no “e quando?”.

    E quando escutarem a ciência?

    Assim, interrogamos, o que mudará quando dentro das lógicas das políticas públicas, ao invés de buscarem milagres, tivermos análises de dados que apontam para possibilidades? Possibilidades que, sim, têm margem de erro – mas têm acurácia, verificação, revisão para alinhar mais e mais ações que salvam vidas.

    Não o quê. Quando isto ocorrerá? E quantas vidas salvaremos diariamente a partir do momento em que pararmos? Além disso, até quando, na política pública brasileira – em todas as esferas – negaremos assistência imediata a pessoas que precisam? Bem como, quando investiremos em práticas que desde o início desta crise sanitária têm sido funcionais?

    Quais? Isolamento social, uso correto de EPIs, campanhas em massa para atingir a todos e políticas públicas. E quando faremos isso para garantir a efetividade das ações e contenção da doença?

    Quantas vidas, quantas famílias, podem ser salvas com distribuição no Sistema Único de Saúde, de máscaras PFF2? Falo desta máscara pois ela tem como garantir certificação do InMetro. Assim, teríamos efetividade de segurança, ao invés do que ocorre com a distribuição de máscaras de pano, sem qualquer cuidado técnico de produção, para trabalhadores. Quando levaremos a sério e faremos disto lei e política pública?

    E quando a política adotará medidas que garantam a saúde do trabalhador, ao invés de jogá-lo nas ruas “para colocar comida em casa”?

    E quando as políticas públicas olhará dados epidemiológicos de mobilidade urbana, mobilidade de internações, tendências para estipular metas precisas, para além de “pedir” que pessoas fiquem em casa se possível?

    E quando as políticas públicas pararão de culpabilizar variantes pelas mortes, enquanto restringem horários de circulação na madrugada, mas os ônibus e metrôs seguem cheios?

    E quando perceberão que podemos abrir quantas vagas de UTIs quisermos, isso não acontecerá na velocidade em que a COVID-19 se espalha e não teremos leitos suficientes?

    E quando tomarão a decisão de colocar na ponta do lápis, ou na célula da planilha que pacientes em UTIs custam mais caro – e custam vidas – enquanto investir em auxílio emergencial, máscaras, vacinas e isolamento é mais barato e NÃO LEVA PESSOAS À ÓBITO?

    E quando vão parar de culpabilizar cada um de nós por termos que nos expor a um vírus que socialmente está nos esfacelando, enquanto permanecemos sem ministro da saúde?

    Por fim

    Em respeito a todos os que se despediram de nós neste 1 ano, nós gostaríamos de saber não mais “e se tivéssemos feito”, estamos agora lutando e COBRANDO pelo “e quando começarão a fazer?”

    E quando?

    21 de Março de 2021.

    Este texto é original e exclusivo do Especial Covid-19

    A arte de capa é de @clorofreela

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Tecnologia microfluídica da LumiraDx é aprovada pela ANVISA para teste de antígeno SARS-CoV-2

    Teste de antígeno COVID-19 da LumiraDx. Fonte: LumiraDx.

    Prezado leitor, eu realmente espero que esteja tudo bem com você e sua família. Diante de tantas notícias ruins que tivemos no ano de 2020, a aprovação pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) das primeiras vacinas no Brasil é um alento para todos nós. E temos outra boa notícia para nós que estamos na luta contra o COVID-19 e que nos dedicamos ao estudo da Microfluídica.

    No dia 18 de janeiro, a ANVISA concedeu aprovação para o teste de antígeno LumiraDx SARS-CoV-2. A LumiraDx foi fundada em 2014 e desde então a empresa desenvolve, fabrica e comercializa plataformas de diagnóstico em pontos de atendimento. A plataforma LumiraDx oferece resultados de diagnóstico em alguns minutos, sendo de baixo custo e acessível aos profissionais de saúde.

    O teste LumiraDx SARS-CoV-2 Ag é um ensaio de imunofluorescência* microfluídica para detecção direta e qualitativa de proteínas do nucleocapsídeo** em amostras nasais ou nasofaríngeas de pacientes com suspeita de COVID-19. Usado com o instrumento LumiraDx, o teste fornece resultados rápidos no ponto de atendimento. Os resultados de elevada sensibilidade são obtidos em 12 minutos a partir do início da análise.

    Segundo estudos clínicos realizados, o teste LumiraDx SARS-CoV-2 Ag nos instrumentos LumiraDx permitirá um desempenho clínico de 97,6% de concordância percentual positivo e 96,6% de concordância percentual negativo, com um limite de detecção de 32 TCID50/mL***.

    Como usar o teste de antígeno da LumiraDX?

    Segundo a empresa, a plataforma LumiraDx deve ser operada em temperatura ambiente entre 15 °C e 30 °C e umidade relativa de 10% a 90%. A amostra extraída do paciente deve ser usada dentro de 5 horas de preparação quando armazenado à temperatura ambiente. As amostras nasais extraídas podem ser congeladas a -80 °C e usadas até 5 dias após o congelamento. As amostras e o tampão de extração devem estar em temperatura ambiente antes do teste.

    O processo de forma geral funciona em quatro etapas: preparação da amostra (Prep sample); inserção da tira de teste (Insert Test Strip); execução do teste (Apply & Run) e análise dos resultados (Report results).

    O teste começa com uma coleta de uma amostra de zaragatoa do paciente, i.e., colheita de amostras a partir da parte detrás do nariz e garganta. Em seguida, o cotonete do paciente é colocado em um frasco com solução Tampão de extração por 10 segundos. O cotonete é removido do frasco, sendo esse então selado.

    O próximo passo é a inserção da tira de teste. Após a inicialização da plataforma LumiraDx e quando solicitado, a porta do equipamento é aberta e a tira de teste é inserida cuidadosamente. Essa tira vem junto com os materiais do teste.

    Em seguida deve-se selecionar o tipo de amostra apropriado (SARS-CoV-2 Ag) e confirmar o tipo de teste (Nasal Swab). Em seguida ocorre a aplicação da amostra do frasco na tira de teste. A empresa recomenda a aplicação de uma gota inteira da amostra na área de aplicação da amostra da tira de teste quando solicitado pelo instrumento. Após o fechamento da porta do equipamento, a análise se inicia. Os resultados são exibidos em até 12 minutos após a aplicação da amostra, sendo os resultados do teste lidos no próprio instrumento da LumiraDx.

    Mais informações são disponibilizados no site da empresa: https://www.lumiradx.com/uk-en/

    O registro na ANVISA pode ser visualizado neste link: https://www.smerp.com.br/anvisa/?ac=prodDetail&anvisaId=81327670118



    * Imunofluorescência é uma técnica que permite a visualização de antígenos nos tecidos ou em suspensões celulares utilizando corantes fluorescentes, que absorvem luz e a emitem num determinado comprimento de onda (c. d. o.). Quando o corante está ligado ou conjugado com um anticorpo, os locais de reação entre o antígeno e o anticorpo conjugado podem facilmente ser visualizados. Os fluorocromos mais utilizados em técnicas de imunofluorescência são a fluoresceína isocianetada (FITC) e rodamina.

    Fonte: Wikipédia

    ** Nucleocapsídeo é uma estrutura viral formada pela associação do capsídeo com o ácido nucléico do vírus.

    Fonte: Wikipédia

    *** TCID50 – Dose infecciosa para 50% da cultura de tecidos.

    Este texto foi escritp originalmente no blog Microfluídica e Engenharia Química

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Ciência para crianças! A vacina do Butantan

    No quadrinho anterior, pudemos acompanhar o pequeno Dragonino aprendendo sobre o que são os vírus. Antes disso, Dragonino também aprendeu sobre a importância do isolamento social para combater a pandemia de Covid-19. Hoje, Draco explicará a seu filho como a ciência deu mais um importante passo nessa batalha! Venha junto com o Dragonino para conhecer mais sobre a vacina do Butantan!

    Quadrinhos da série "Ciência para Crianças!", com o tema "A vacina do Butantan".

    Os cientistas de diversas partes do mundo estão trabalhando bastante para ajudar a combater o novo coronavírus! Algumas vacinas que foram desenvolvidas em diferentes laboratórios já foram testadas, aprovadas e estão sendo produzidas e distribuídas para a população.

    Draco e Dragonino estão muito felizes com o início da vacinação, mas sabem que ainda é preciso manter todos os cuidados. Ainda não é hora de voltar a fazer aglomerações ou sair de casa sem usar máscara! É preciso ter paciência e esperar até que a maioria da população esteja vacinada. Só assim será possível reduzir a circulação do vírus e garantir que menos pessoas fiquem doentes.

    Enquanto isso, que tal aproveitarmos para aprender mais sobre como as vacinas funcionam? Fiquem de olho nos próximos quadrinhos, pois Dragonino está muito curioso e ainda tem muitas dúvidas que precisam ser esclarecidas!

    Fontes de informações:

    Equipe: 

    • Design, pesquisas e roteiro: Giovanna S. Veiga e Carolina S. Mantovani

    Este texto foi escrito originalmente no blog Nas asas do dragão

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • P.1 e a CoronaVac: é verdade que não precisa mais vacinar? (Spoiler, precisa sim!)

    Texto escrito por Ana Arnt, Marcelo Mori, Alessandro Farias e José Luiz Modena

    Vocês devem ter escutado falar da nova linhagem P.1 de SARS-CoV-2 e como ela é fracamente neutralizada por anticorpos gerados durante infecções prévias ou vacinações. Talvez tenha recebido notícias junto de mensagens como “sinto muito para quem se vacinou” ou “não adianta mais se vacinar”. Será mesmo?

    Bom, hoje nós viemos falar sobre este estudo que está sendo muito veiculado na mídia e, mais do que isto, vamos apontar os cuidados necessários com estas mensagens que estão chegando para vocês (lá ao final do texto!).

    Mas antes, um spoiler:

    Então chegou o dia da minha vacina,
    eu devo desencanar e nem ir?
    Não! Não é isto que estamos dizendo – e já temos bastantes desinformações alarmistas a este respeito rondando e alardeando contra esta vacina! Mas calma! Os resultados precisam ser interpretados com cautela. Isto dito pelos próprios pesquisadores deste estudo! Inicialmente, em função de os anticorpos neutralizantes serem apenas um dos componentes do sistema imunológico!
    E quem somos nós na fila do pão para falar deste artigo?

    Bom, a divulgadora científica oficial do Grupo de Pesquisa EMRC e (tcharãm) os pesquisadores do EMRC que participaram do artigo (hehehe). Acho que a gente consegue falar um tantinho sobre isto sim (seja para acalmar os ânimos, seja para explicar o estudo melhor)! Vem com a gente!

    A covid, o Brasil e a ciência

    O Brasil é o segundo país mais afetado pela epidemia de COVID-19, logo atrás dos EUA. Isto em quantidade de casos e números de óbitos. Isto considerando que não fazemos a quantidade de testes e rastreio suficiente para termos dados precisos! Estamos chegando, no dia de hoje, a 260 mil mortos. Esperamos, ainda e ansiosamente, por medidas duras para contenção do vírus, tanto quanto pela vacinação em massa. Medidas que só podem ser feitas e implementadas pelas instâncias governamentais – sejam municipais, estaduais ou federal.

    Enquanto isso, a ciência não para e segue buscando compreender melhor o vírus, sua evolução, desenvolvimento e as relações entre as novas variantes e as vacinas disponíveis à população no mundo.

    A CoronaVac e a P.1

    Em estudo recente, conduzido por 10 instituições brasileiras, UNICAMP, USP e CNPEM entre elas, e em colaboração internacional com instituições como Universidade de Oxford, foram obtidos resultados ainda preliminares, mas importantes sobre a capacidade de anticorpos gerados por indivíduos recuperados da COVID-19 ou indivíduos vacinados com a CoronaVac (Sinovac) de neutralizar, ou seja inativar, a nova variante P.1 de SARS-CoV-2.

    A P.1 é a variante que emergiu no Brasil no final de 2020 em Manaus e tem sido debatida em jornais e veículos de notícias nacionais e internacionais que já apontam sua presença em todas as regiões brasileiras e vários outros países.

    O estudo ainda está em fase de preprint. No entanto, ressalta-se sua relevância em função da vacina CoronaVac ser uma das vacinas mais presentes em solo brasileiro. O estudo investiga anticorpos presentes no plasma na fase de covalescência em pessoas infectadas previamente. Os resultados indicam que estes anticorpos possuem capacidade neutralizante reduzida para a nova linhagem P.1. Isto comparando-se com resultados obtidos com uma linhagem circulante nos primeiros meses de epidemia do Brasil. O resultado foi obtido em plasma coletado cerca de 2 a 3 meses após a COVID-19.

    Sobre Plasma Covalescente já falamos anteriormente, e não vamos detalhar aqui o significado. Vocês podem conferir o texto aqui.

    O que vem chamando a atenção a este estudo, no entanto, é o resultado que os plasmas coletados 5 meses após vacinação com duas doses da CoronaVac. No caso, os resultados ainda preliminares também demonstraram uma pequena quantidade de anticorpos neutralizantes frente aos vírus isolados de SARS-CoV-2 da linhagem P.1, assim como da linhagem B, circulante no Brasil no início da pandemia. Este resultado sugere que pessoas previamente infectadas ou vacinadas podem ser infectadas com o vírus da linhagem P.1 circulante no Brasil.

    Primeiro, vale destacar que a queda de anticorpos neutralizantes alguns meses após a vacinação é um fenômeno conhecido e relatado desde os estudos clínicos da fase II da CoronaVac. Além disso, é fundamental destacar que pesquisas indicam queda de anticorpos neutralizantes meses após a infecção por coronavírus. . As reinfecções, entretanto, embora preocupem, não são em uma quantidade “gigantesca”. Isto é, não são compatíveis com a queda do anticorpo em nosso corpo. O que indica que há mais elementos de nosso sistema imune que estão funcionando. Tudo isto são indicadores de apenas UM fator relacionado à resposta imune.

    (reprise do spoiler) Então chegou o dia da minha vacina, eu devo desencanar e nem ir?

    (pelamor não é isso) Não! Não é isto que estamos dizendo – e já temos bastantes desinformações alarmistas a este respeito rondando e alardeando contra esta vacina! Mas calma!

    Os resultados precisam ser interpretados com cautela. Isto dito pelos próprios pesquisadores deste estudo! Inicialmente em função de os anticorpos neutralizantes serem apenas um dos componentes do sistema imunológico!

    Como assim?

    Ora, outros elementos como o sistema imune celular pode proteger as pessoas inclusive contra as formas mais graves da doença! E estes elementos não foram avaliados neste estudo!

    É importante destacar que o sistema imune celular é fundamental para a eliminação de infecções virais – muito embora sempre ressaltemos o papel dos anticorpos e estes sejam popularmente mais conhecidos (embora definitivamente não os únicos envolvidos na defesa de nosso corpo nas infecções).

    O sistema imune é “um mundo a parte” nas ciências biológicas e de saúde. E tem, sim, um grau de complexidade para conseguirmos esmiuçar estes resultados e informações todas as vezes que precisamos falar disso!!!

    Claro que em momentos como este, entendemos a apreensão de todos. Mas ressaltamos: não podemos nos deixar levar por tudo o que chega nos famigerados grupos de whatsapp e grupos de outras redes sociais. Muita calma SEMPRE ao compartilhar estes conteúdos.

    Assim, ressaltamos ENFATICAMENTE, que esta vacina analisada neste estudo apresentou uma eficácia elevada na proteção contra formas clínicas graves da COVID-19 e estes resultados seguem válidos e, portanto, VACINAR-SE SEGUE SENDO A RECOMENDAÇÃO!

    Por fim, destacamos que, dentre outras características relacionadas a este estudo, o nosso “N amostral”, ou seja, o número de indivíduos analisados, é PEQUENO. Além disso, outras vacinas precisam ser avaliadas contra a P.1 – bem como outras variantes já em circulação e que provavelmente surgirão.

    Há necessidade de desenvolver estudos mais amplos e abrangentes, com um N amostral maior, que visem avaliar outros aspectos da resposta imunológica. Bem como realizar estudos similares com pessoas que receberam outras vacinas, frente às novas variantes de SARS-CoV-2 no Brasil.

    Tá, mas se o estudo é incipiente, qual o motivo de publicarem?

    Se estivéssemos em um bar, descontraídos numa sexta, essa seria a hora que daríamos um tapa na mesa e diríamos: “mas aí é que tá…”

    Bom, mas estamos cumprindo as normas de distanciamento social e estamos falando sério sobre o artigo sobre a P.1 e a CoronaVac com uma mensagem fundamental.

    Aqui está o paradoxo de trabalhar com ciência… Em primeiro lugar, não estamos aqui para publicar só o que nos agrada e guardar a sete chaves os resultados que não gostamos.

    Este resultado é relevante e pode ser considerado assim para outros cientistas que também trabalham com pesquisas similares. Inclusive, outros estudo pelo mundo, com outras formulações vacinais, têm demonstrado resultados muitos semelhantes ao nosso estudo. Isto é, temos testado todas as vacinas para as variantes, para exatamente ver o que estamos cobrindo, como estamos cobrindo a doença e os cuidados que ainda precisamos ter.

    Relevante não para nos gerar pânico – mas por nos fazer entender alguns aspectos da doença, da vacina e seus efeitos. Relevante, também, pois nos indica os cuidados que devemos seguir tendo – e de maneira URGENTE – para conter o vírus!

    A vacina é fundamental e ainda é nossa maior aposta!

    Mas precisamos seguir medidas que estão sendo regulamentadas e indicadas como seguras e eficazes desde o início da pandemia: usar máscaras (preferencialmente PFF2 ou N95), manter as medidas de higiene do ambiente e, primordialmente, distanciamento social, mesmo em indivíduos vacinados!

    Estas medidas são simples, eficazes e precisam seguir sendo defendidas com empenho de todos – e cobrança para serem efetivas, pelo poder público!

    Assim, lembramos também que novas variantes surgem exatamente pelo vírus seguir circulando descontroladamente e estas medidas ajudam na contenção do vírus. Além disso, aliado às vacinas (especialmente se conseguirmos aumentar a quantidade de vacinas aplicadas mais rapidamente),teremos cada vez menos vírus circulando e consequentemente menos pessoas infectadas: e esta é nossa prioridade!

    Uma nota sobre preprints

    A outra questão sobre publicar este artigo em preprint é que ele tem um “endereço” certo – que são cientistas, como já falamos. Ah! Quer dizer que não cientistas não podem ler agora? Não é isso. Nossa ênfase segue: lembrar que os resultados precisam ser lidos com cautela, sem aligeiramentos e ansiedades, especialmente em momentos como este. Por isso nos artigos existem ressalvas, existe também palavras como “resultados SUGEREM”. E isto indica que não são 100% conclusivos, mas apontam caminhos a serem pensados, analisados e, eventualmente, replicados em N amostrais maiores!

    Ainda é fundamental apontar, neste sentido, que as principais revistas tem recomendado fortemente (ou até obrigam) a inserção de dados relacionados à COVID-19 em preprint. A ideia atual é disseminar o conhecimento rapidamente justamente para que ele seja submetido à escrutínio científico público o mais rápido possível. Isso permite algumas questões:

    – primeiro maior transparência do processo científico;
    – ajuda a guiar os cientistas na busca do conhecimento, pois nenhuma pesquisa é pautada por apenas um estudo, mas conjuntos de observações independentes
    – proporciona que outros grupos que estejam pesquisando dados similares, possam reforçar, revisar ou repetir partes dos experimentos para já apontar inconsistências ou coerências dos estudos.

    Em tempos de pandemia, os preprints servem para cientistas acessarem estudos o mais rápido possível, para gerar mais respostas viáveis de compreensão da doença e solucionar problemáticas possíveis. O preprint é uma ferramenta da ciência para cientistas. E isto não quer dizer que não cientistas não podem ter acesso, mas quer dizer que é um tipo de leitura diferente que precisa ser feita, antes de decisões e publicações apressadas!

    Ah, então os resultados não devem ser levados em consideração?

    Hehehe não! Calma. O que estamos dizendo: que não existe 8 ou 80. Estes resultados são preliminares – indicam que precisamos analisar mais, “repetir a dose de análises”, compreender melhor o que está acontecendo. Assim, NADA DISSO invalida resultados anteriores.

    É falaciosa, portanto, qualquer notícia que diga que “não adianta nada ter tomado vacina”. Seguimos indicando a vacina como fundamental para este momento.

    Dessa forma, ressaltamos que existem mais de um sistema de proteção que são estimulados pelas vacinas. Entretanto, mais do que tudo isso, seguimos afirmando que MESMO ANTES DESTES RESULTADOS já existia o indicativo CONSTANTE de “precisamos seguir isolados e com distanciamento social, uso de máscaras e sem aglomeração até atingirmos a vacinação em massa!”

    Estes resultados não mudaram esta perspectiva e indicação de medidas! Seguimos fortemente recomendando a mesma coisa desde os primórdios da pandemia!

    Portanto, se cuidem, cuidem dos seus, não aglomerem, usem máscara, saiam de casa APENAS PARA O ESSENCIAL E INEVITÁVEL. Seguimos, com este estudo, endossando a vacina e dizendo a todos: vacinem-se assim que a data de vocês chegar!

    Artigo na íntegra:

    Souza, W, Amorim, M, Sesti-Costa, R, Coimbra, L … Proença-Modena, JL (2021) Levels of SARS-CoV-2 Lineage P.1 Neutralization by Antibodies Elicited after Natural Infection and Vaccination

    Outros artigos deste grupo de pesquisa no Blogs

    Amorim, Mariene. Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2

    Bonora Junior, Maurílio E aqueles resultados das vacinas? – Parte 2: Memória Imunológica

    ___. Covid-19: um exército invisível combatendo a doença!

    ___. Imunidade Celular: um exército de soldados invisíveis

    ___. Plasma Convalescente: tratamentos a partir de anticorpos

    ___. O que são Anticorpos?

    Esta pesquisa recebeu apoio de diversas agências de fomento e órgãos nacionais e internacionais, como a FAPESP, o Medical Research Council, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, FINEP, CNPq, FAEPEX, CAPES e NIH. Membros ativos de redes de pesquisa nacionais, em especial a Rede Corona-ômica.BR/MCTI, filiada à RedeVírus MCTI, assinam o estudo e demonstra-se a importância dos esforços de investigação científica de Univesidades e Centros de Pesquisa nacionais para o enfrentamento da pandemia.

    Este texto foi escrito originalmente no blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2


    O que isso tem a ver com as “escapadinhas” da quarentena

    Texto escrito por Mariene Amorim

    Vírus. Nunca houve tanto interesse sobre o significado dessa palavra antes. O conceito de vírus é simples, em comparação com a complexidade do seu significado na natureza. Os vírus são partículas muito pequenas, formadas apenas por proteínas e ácido nucleico (material genético que pode ser DNA ou RNA), e alguns possuem ainda um envelope lipoproteico recobrindo a partícula.

    Todos os organismos vivos são compostos por células, às vezes por uma única célula, como as bactérias, e às vezes por milhares de células, como nos animais e nas plantas. Os vírus, por sua vez, não possuem células e dependem totalmente de componentes das nossas células para se replicarem.

    Sendo assim, enquanto as células possuem uma maquinaria específica responsável por corrigir eventuais mutações à medida que replicam seu DNA, esse processo não acontece nos vírus. Portanto, quanto mais os vírus se replicam e se espalham pela população, mais eles vão sofrendo alterações em seu material genético as quais não são corrigidas.

    As mutações

    Essas alterações são mudanças na sequência de nucleotídeos, que são as moléculas que compõem o DNA e o RNA, e são conhecidas como mutações. No entanto, o acúmulo de mutações, com o tempo, permite o surgimento de partículas virais um pouco diferentes umas das outras, que seriam as variantes virais. E vale ressaltar que essas mutações acontecem por acaso, e não propositalmente.

    Dessa forma, esse é um processo natural na história evolutiva dos vírus, e é esperado que aconteça. Todavia, alguns vírus sofrem mutações com mais frequência do que outros, devido a uma diversidade de fatores.  

    Os vírus de RNA costumam sofrer muitas alterações em seu material genético à medida que se replicam e se espalham. O SARS-CoV-2 é um vírus que possui como material genético uma fita simples de RNA, e acumula cerca de 1 a 2 mutações a cada mês. A pandemia do novo coronavírus começou em dezembro de 2019, e diversas variantes já foram reportadas por todo o globo. Entretanto, várias destas mutações não alteram significativamente a ação do vírus.

    As mutações e as infecções

    Já sabemos também da existência de algumas mutações específicas que acabam favorecendo a infecção de alguma forma. Por exemplo, uma alteração que proporciona uma melhor ligação do vírus com o receptor celular para a entrada do vírus na célula que ele precisa infectar, que chamamos de célula hospedeira.

    Mas, o que isto quer dizer? Apenas para relembrar o que já vimos em textos anteriores. O vírus entra na célula a partir de um receptor – uma proteína que se localiza na membrana de nossas células. No caso do SARS-CoV-2, esta molécula presente nas nossas células chama-se ACE2. Já a proteína do vírus que se encaixa na ACE2 é a “famosa” Spike. A Spike funciona como uma chave, que consegue acessar a fechadura (a proteína ACE2) para entrar nas células.

    Recentemente, duas variantes do SARS-CoV-2 têm chamado muito a atenção das autoridades e da população mundial, devido ao acúmulo de várias mutações em seu RNA, que aparentemente favorece sua dispersão, ou seja, essas variantes se espalham mais rapidamente do que as outras variantes locais. São elas a B 1.1.7 reportada pela primeira vez no Reino Unido, e a 501.V2, ou B 1.351, reportada pela primeira vez na África do Sul, que já são encontradas em outros países. 

    A análise filogenética da variante B 1.1.7 mostra uma alta taxa de evolução molecular.

    O que isto quer dizer?

    Bom, “análise filogenética” é como se fosse uma análise dos “antepassados”, na biologia. Só que neste caso, analisamos a evolução dos seres e populações a partir de sua genética. Neste tipo de análise, conseguimos estabelecer o acúmulo de mutações e como elas vão dando origem a seres ligeiramente diferentes – até tornarem-se (por exemplo) outro ser completamente diferente. 

    Claro que vírus não são considerados seres vivos! Todavia, eles têm RNA ou DNA e, assim, é possível traçar também uma linha que explica e nos ajuda a analisar as mutações e as variações.

    Dito isto, vamos à variante B 1.1.7.

    Essa variante possui um acúmulo significativo de mutações (no total de 17 mutações!). Aparentemente, a grande questão desta variante é que as mutações podem estar proporcionando maior transmissibilidade. Dito de maneira mais simples: esta variante se espalha mais e de maneira mais eficiente do que a “versão anterior” do coronavírus. 

    É importante ressaltar que até o momento, esse conjunto de mutações apresentadas pela B 1.1.7 não está diretamente relacionado ao desenvolvimento de casos mais graves da doença. Todavia, é necessário que seja feita uma vigilância genômico- epidemiológica para acompanhar os casos, além de investigações laboratoriais para verificar antigenicidade e mecanismos de patogênese.

    Calma! Como assim?

    É fundamental, neste momento, acompanharmos como esta nova variante está se espalhando, fazendo sequenciamento genético destes vírus, para avaliar a situação epidemiológica da doença – que diz respeito à velocidade que se espalha, em que situações, como se diferencia da “variante de coronavírus original”. Isto é: precisamos monitorar esta variante e analisar seu impacto na população.

    As investigações laboratoriais dizem respeito ao sequenciamento, mas também a como esta variante reage no nosso organismo e como nosso organismo responde a esta nova variante (se o agravamento da doença passa a existir, se conseguimos nos defender desta variante como da anterior etc.).

    Reino Unido… África do Sul… São países distantes, de outros continentes… Isso nunca vai acontecer no Brasil, certo? Errado!

    Dois casos da variante B 1.1.7 já foram reportados no Brasil, em dezembro do ano passado, aproximadamente na mesma época em que essa linhagem foi reportada no Reino Unido. Encontrar essas variantes não é uma tarefa fácil, e demanda árduas horas de trabalho dos pesquisadores, investimento, e parcerias com unidades de saúde. Porém, apenas assim é possível identificá-las.

    Foi no intuito de investigar as variantes circulantes em Manaus, atualmente uma das cidades que mais tem sofrido com o avanço da pandemia em nosso país, que pesquisadores identificaram uma nova variante, ou linhagem, que recebeu o nome de P1, descendente da B 1.1.28.

    Foi visto que a P1, encontrada em Manaus, tem mutações em comum com a B 1.1.7 e com a B.1.351, em regiões do material genético que codifica a proteína Spike que comentamos anteriormente. Ou seja, essa variante também pode ter maior transmissibilidade. Estaria ela associada ao recente aumento de casos em Manaus e às reinfecções?

    Mas, vamos guardar essa pergunta para os próximos capítulos!

    Os vírus são partículas muito pequenas, de constituição simples, mas que podem ser complexos na sua maneira de existir no mundo, e gerar problemas globais. O número de casos de COVID-19, e a pandemia na qual nos encontramos é, de fato, algo que ficará marcado na história.

    A maneira como esse vírus se espalha tão facilmente, e o crescente número de casos, resulta no aumento da diversidade do vírus, e podemos a qualquer momento nos deparar com um vírus mais facilmente transmissível, mais perigoso, mais mortal. Portanto, sim, variantes virais importantes também podem surgir no Brasil, bem debaixo (ou dentro) do nosso nariz. Bem como, a transmissão está diretamente relacionada a maneira como nos comportamos diante dessa grande tragédia, e da nossa responsabilidade social.

    Por fim

    É sempre importante retomar a necessidade dos cuidados básicos de higiene e distanciamento social. Neste momento, claro que as novas variantes nos assustam. Mas não é “culpa” delas tudo o que estamos vivendo agora. Assim, é fundamental seguirmos cobrando políticas públicas que possibilitem que o máximo de pessoas fiquem em casa com segurança.

    As novas variantes também são decorrentes da enorme circulação dos vírus que temos. Em suma, é necessário que a gente diminua a circulação dos vírus – e todas as suas variantes – da maneira mais urgente e imediata possível.

    #maisresponsabilidadesocial #menoscoronavirus

    Mais textos sobre coronavírus neste blog:

    Como é que um vírus que ataca o sistema respiratório, causa danos no cérebro?

    Para saber mais

    1. Rambaut, Andrew et al (2020) Preliminary genomic characterisation of an emergent SARS-CoV-2 lineage in the UK defined by a novel set of spike mutations. Virological org Dezembro de 2020

    2. Faria, Nuno R (2021) Genomic characterisation of an emergent SARS-CoV-2 lineage in Manaus: preliminary findings. Virological org Janeiro de 2021.

    3. Candido, Darlan S et al (2020) Evolution and epidemic spread of SARS-CoV-2 in Brazil Science, Vol369 (6508), p. 1255-1260, 2020

    4. Voloch, CM et al (2020) Genomic characterization of a novel SARS-CoV-2 lineage from Rio de Janeiro, Brazil medRxiv.

    5. Tegally, H et al (2020) Emergence and rapid spread of a new severe acute respiratory syndrome-related coronavirus 2 (SARS-CoV-2) lineage with multiple spike mutations in South Africa, medRxiv.

    6. Duchene, Sebastian, Leo Featherstone, Melina Haritopoulou-Sinanidou, Andrew Rambaut, Philippe Lemey, and Guy Baele (2020) “Temporal Signal and the Phylodynamic Threshold of SARS-CoV-2” Virus Evolution 6 (2): veaa061.

    A autora

    Mariene Amorim Natural de Salvador, Bahia, e biomédica formada pela Universidade Tiradentes – Aracaju, Sergipe. Mestre em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, na área de Virologia. Trabalha com vírus emergentes desde 2015. Atualmente é doutoranda em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, e participa de um estudo genômico-epidemiológico e de multi ômicas do novo coronavírus (SARS-CoV-2), a fim de acompanhar a evolução molecular do vírus, entender o desenvolvimento da COVID-19 e acompanhar o avanço da pandemia na cidade de Campinas e região metropolitana. Mariene também é membro da Força-Tarefa contra a COVID-19 da Unicamp.

    Nossos sites institucionais:

    Força Tarefa da Unicamp

    Unicamp – Coronavírus

    Este texto foi escrito originalmente no blog EMRC

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

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