Tag: saúde mental

  • Vamos abrir as escolas? (parte 1)

    Texto escrito por Gian Carlo Guadagnin e Gildo Girotto Junior

    E agora, José? E agora, Você?

    Porque planejar um novo semestre escolar corretamente não significa precisar voltar ao sistema presencial? É hora de ouvir educadores, professores e alunos, e não só empresários e economistas. O problema, ou o caroço, não é a escola não ser presencial, é ela não ser nada. E, tristemente, em muitos lugares ela já é pouca.

    Com a naturalização irracional da pandemia do novo coronavírus, por boa parte da população e endossada por políticos e figuras públicas, a vida volta a uma normalidade inexistente e perigosa. Da irresponsabilidade de quem é legalmente dono de si, surgem os que querem colocar jovens e crianças em risco, com justificativas superficiais que se suportam no desconhecimento da realidade da escola no país.

    As ruas…

    Não bastassem as aglomerações em ruas, bancos, restaurantes e lojas, há quem defenda que é hora dos estudantes voltarem às suas atividades escolares presenciais. Defendem ainda que planejar um novo semestre/bimestre à distância não se justifica, uma vez ser possível organizar as escolas em condições para alocar estudantes, professores e funcionários em sala.

    Procuramos nesse texto iniciar uma discussão trazendo, primeiramente, uma visão geral e algumas recomendações de especialistas sobre o retorno às aulas. A intenção dessa série é, a partir de argumentos factuais, entender caminhos para a educação nesse momento, ainda que ocorra a distância. E, deixamos claro nossa opinião que o contexto de um planejamento do ensino à distância EM CONTEXTO PANDÊMICO não significa defender um projeto de educação a distância permanente. 

    O caroço no angu

    Matérias recentemente publicadas em jornais de grande circulação apresentam uma visão problemática, em alguns pontos, sobre a volta às aulas. Limitações de abordagem, falácias e uma diminuição da situação escolar nacional que é, na verdade, típica de quem nunca, ou muito pouco, entrou numa sala de aula da rede estadual de qualquer unidade da federação. Assim, a falsa simetria entre escolas e comércio, sob a égide de um populismo que se pauta em frases como “pagaremos caro por abrir bares antes de escolas” sustenta uma ideia de que o lucro do empresariado educacional está padecendo e necessitando de discursos baratos na tentativa de convencer população e governo. Em contraponto, pesquisas com a população mostram que uma de cada três pessoas não se sente segura no retorno à escola, o que acirra ainda mais o debate.  

    O fato é que a ingerência que se faz em tantas áreas econômicas e sociais não pode, nem deve de forma alguma, ser estendida para as escolas por uma justificativa, usada de forma rasa, de que a educação e as crianças devem ser prioridade. Se as crianças, os jovens, todos aqueles que trabalham neste setor e a educação devem (e devem mesmo!) ser prioridade, então porque não pensar na saúde e segurança desses sujeitos primeiro?!

    Pois é…

    Sabemos, e reafirmamos, a necessidade do compartilhamento de experiências com outros indivíduos na formação cognitiva, social e emocional dos estudantes(1) . Se nós, adultos, já sofremos com a ausência do contato humano, imaginemos as crianças. Além disso, é verdade que muitos jovens e crianças não estão tendo nenhum tipo de educação formal nesse período de pandemia (a ONU estima cerca de 1,6 bilhão de pessoas no mundo todo)(2). Mas, é exatamente por isso que precisamos pensar formas eficientes e acolhedoras de educação, ainda que à distância (e não necessariamente virtual), em um momento que essa parece ser a opção mais segura, principalmente em países com a estrutura educacional como a brasileira.

    Dizemos isso em virtude de nossa situação social e econômica ser muito particular, o que se desdobra e implica em grande medida na nossa educação quanto à acesso, eficiência, métodos, espaços, limitações e proficiências. Claro que discutir o lugar da escola nesse momento sem falar de seguridade e desigualdade social, distribuição de renda e condições mínimas de vida é bastante complicado.

    E o comércio, não abriu?

    Boa parte dos negócios reabriu porque seus donos não conseguem manter funcionários e a si mesmos, sem clientes. Isso mostra que, nas massas, até mesmo aqueles que se entendem parte do processo produtivo não têm estabilidade social. O que dizer então das famílias, e de seus estudantes, em situação de vulnerabilidade, ou que perderam o emprego ou tiveram diminuição de renda? Bom, a escola não é fonte de renda, de modo geral, para os estudantes, mas é a única fonte de alimentação balanceada que muitos deles têm. Estar desassistido pela escola sujeita um aumento das chances de abuso sexual, gravidez na adolescência e exploração do trabalho para auxiliar as despesas da casa. Além disso, significa não aprender na “idade ideal”, o que leva a defasagens na vida toda(3).

    Entretanto, observa-se que, mesmo que o comércio tenha aberto, a vida não voltou ao espírito de normalidade. Segundo a pesquisa(4), a sensação de segurança sanitária é baixa. Dados recentes mostram que 31% das pessoas não se sentem nada seguras para ir ao trabalho, e esse número aumenta em situações de lazer, atingindo 59% em ‘ir à restaurantes” e 63% para “ir ao cinema”. 

    E a escola?

    Quanto à escola, entre as famílias que ganham até 2 salários mínimos ao mês o percentual de pessoas contrárias à abertura das instituições é de 77%, e atinge 56% das famílias com renda superior a dez mil reais ao mês. Nas famílias em que os estudantes frequentam a rede privada, 75% se mostraram contrários à abertura, enquanto nas com estudantes da rede pública o índice chega a 79%. 

    Compreendendo toda a complexidade do impacto da ausência da escola como espaço físico. Todavia, compreendemos também que a escola é muito diferente do comércio e, nessa situação que vivemos, ela não precisa estar aberta para funcionar. Mesmo as escolas particulares continuaram funcionando e, inclusive, cobrando mensalidades, o Estado não cortou a pequena e mal-distribuída verba da educação. O trabalho de professores e funcionários não parou. Na verdade surgiram novos desafios, mas a maioria dos estudantes continuaram sendo, de alguma maneira, atendidos à distância, online ou por meios físicos. 

    O que defendemos portanto, é que, não havendo a garantia de preservação da saúde de estudantes e não sendo possível estimar como a disseminação do vírus seria afetada pela volta presencial as aulas, todo esse atendimento seja pensado, planejado e organizado para que continue remoto e, possa, nesse caminho aprimorar ações para garantir o acesso aqueles que ainda estão à margem do processo. No terceiro texto desta série apresentaremos dados das escolas e ações possíveis nesse sentido.

    Mas e a Europa, não tá abrindo?

    Enquanto isso, onde a desigualdade social é menor, e as condições de acesso básico à educação são levadas a sério, meio mundo resolveu voltar ao ambiente presencial, e com motivos. Além de ter um programa eficiente e planejado de retorno, esses (poucos) países tiveram um controle inteligente e efetivo da pandemia, desde muito cedo, coisa que, salvo exceções por forças estaduais ou municipais, não tivemos, não em nível nacional. Nossas taxas de contágio não diminuíram satisfatoriamente (apenas se estabilizaram) e nossa condição física escolar impede que o argumento de que “dá pra voltar, mas com cuidado” se produza como verdadeiro. 

    Mesmo nesses países não há plenas garantias de que a volta será definitiva; é um processo gradual e sob observação, com possibilidade de declinação à qualquer momento. Assim, há que se destacar ainda, que mesmo em países considerados seguros, o número de casos aumentou. Na frança, por exemplo, os novos casos associados ao ambiente escolar representaram na última semana um terço do total.(5)(6)

    Recomendações

    Se buscarmos as recomendações para entender o processo, acharemos as recomendações do corpo de especialistas em educação da UNESCO, em abril. Neste documento, consta que da reabertura das escolas os governos deveriam:

    “Preparar-se com políticas, procedimentos e planos de financiamento estratégicos necessários para melhorar a escolaridade, com foco em operações seguras, incluindo o fortalecimento de práticas de ensino a distância.”(7) 

    Nós fizemos isso? Temos um Plano? Não, não fizemos isso. Mas queremos reabrir tudo a toque de caixa.

    A OMS desencoraja a abertura de escolas em locais onde a contaminação ainda seja alta (como no caso do Brasil) (7). Além disso, pesquisadores do Massachusetts General Hospital (MGH), afiliado à Harvard, e do Mass General Hospital for Children (MGHfC) afirmam que as crianças desempenham um papel maior do que o imaginado na difusão do coronavírus na comunidade. Isso porque as crianças infectadas mostraram ter um nível significativamente mais alto de vírus em suas vias aéreas do que adultos hospitalizados em UTIs para tratamento da doença. Ademais, são assintomáticas em boa parte dos casos(8;9).

    Finalizando

    Deste modo, o que precisamos (antes de reabrir irresponsavelmente as escolas) é planejar, cobrar ações das esferas públicas (lembrando que não é o professor que resolve os problemas da escola). Isto para a manutenção e incremento do acesso e da qualidade da educação, em prol de programas que garantam que todos tenham uma vida digna, com saúde, educação e estabilidade econômica, fatores que poucas vezes antes estiveram tão interligados, ou tão na nossa cara. Tampouco podemos também transferir as responsabilidades da educação familiar para a escola.

    Nos próximos textos, discutiremos mais sobre todo esse contexto. O problema, ou o caroço, não é a escola não ser presencial, é ela não ser nada. E, tristemente, em muitos lugares ela tem sido pouca.

    Para saber mais

    1 – Socialização na Escola

    https://www.scielo.br/pdf/er/n32/n32a10.pdf

    2 – ARTIGO: Reabrir as escolas: quando, onde e como?

    https://pt.unesco.org/news/reabrir-escolas-quando-onde-e-como

    3 – Marco de ação e recomendações para a reabertura de escolas – Abril de 2020.

    https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373348_por

    4 – Pesquisa aponta insegurança sobre a volta às aulas

    https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/09/75-dos-eleitores-na-cidade-de-sao-paulo-sao-contra-volta-as-aulas-segundo-datafolha.shtml

    5 – Disparada de casos põe em xeque volta às aulas na França

    https://www.dw.com/pt-br/disparada-de-casos-p%C3%B5e-em-xeque-volta-%C3%A0s-aulas-na-fran%C3%A7a/a-54768254

    6 – Infecções em escolas são um terço dos novos casos de Covid-19 na França

    http://g1.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/videos/t/videos/v/infeccoes-em-escolas-sao-um-terco-dos-novos-casos-de-covid-19-na-franca/8891815

    7 – OMS, UNESCO e Unicef fazem recomendações para a segurança escolar na pandemia.

    https://pt.unesco.org/news/unesco-unicef-e-oms-emitem-orientacoes-garantir-que-escolas-estejam-seguras-durante-pandemia-da

    a – Documento  https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000374258_por

    8 – Alta transmissão por crianças

    9 – Crianças assintomáticas são 64% das infectadas pelo Covid-19 em Sp.

    https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/08/18/mais-de-64percent-das-criancas-que-testaram-positivo-para-covid-19-foram-assintomaticas-aponta-mapeamento-da-prefeitura-de-sp.ghtml

    Os Autores

    Gildo Girotto Junior é Licenciado em Química (UNESP), Doutor em Ensino de Química (USP) e atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Química da Unicamp

    Gian Carlo Guadagnin é estudante de graduação em Licenciatura em História (UNICAMP)

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Assim, os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Dessa forma, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • “Quando fecho a porta da minha casa, me sinto mal acompanhado”: impactos da pandemia e do isolamento social na saúde mental

    Texto produzido por Débora Bicudo de Faria Schützer* e Lia Keuchguerian Silveira Campos**

    A necessidade de isolamento social a fim de controlar a transmissão da COVID-19, preconizada pela OMS traz impactos significativos à saúde mental da população em todo o mundo (1). O isolamento é a única ferramenta possível na atualidade para controlar a nova doença, entretanto, sabe-se que ele pode aumentar a incidência de crises psicológicas (2). No Brasil, temos enfrentado um cenário de contradições e de conflitos políticos que acentuam os efeitos psicossociais negativos dessa condição (3). Dessa forma, angustiados e isolados, temos que nos haver com nossos conteúdos psíquicos e questões psicológicas preexistentes.

    Em curto período de tempo, as rotinas foram alteradas. Não podemos ir ao local de trabalho ou de estudo, não temos mais confraternizações com os amigos e até os que estão padecendo da doença encontram-se isolados da família. Essa nova realidade, apesar de sabermos que é momentânea, nos traz muitas incertezas e inseguranças. A sensação atual, como disse Minerbo (4), é a de que “estamos sem chão”. O trabalho mental de que perdemos algo da nossa vida que nos parecia tão seguro e conhecido nos coloca em um terreno psíquico árido, de luto, de ansiedade e de medo.

    Sabemos que o impacto emocional diante do potencial de contaminação pelo vírus, com seu consequente aumento da mortalidade, juntamente com o isolamento social, causa ansiedade em todos os seres humanos, independentemente da idade e de pertencer ou não a um grupo de risco. Entretanto, estudos indicam que sobretudo pessoas com algum comprometimento em saúde mental, idosos, profissionais de saúde e acometidos pela COVID-19 merecem mais atenção nesse momento (5,6).

    Pacientes com confirmação do diagnóstico de COVID-19, assim como os com suspeita, experienciam além dos sintomas físicos que já aumentam a ansiedade também o medo da morte, a culpa devido ao potencial de contágio e sofrem pelo estigma frente a sua família e seus amigos. A quarentena provoca sentimento de vazio, de solidão e até de mesmo raiva (2).

    Importante salientarmos o fato de que este momento de privações diversas no qual estamos envolvidos pode potencializar questões emocionais preexistentes e assim temos a experiência de estarmos “mal acompanhados com nós mesmos” em relação aos nossos recursos internos para lidar com essas questões. Todos somos colocados à prova de nossas capacidades mentais no que se refere à resiliência, à criatividade e à capacidade de lidar com frustração e perdas. Sem contar com o medo da morte ao qual somos expostos quando estamos falando de uma condição de saúde pouco conhecida, uma doença sem vacina, sem remédio e que vem sobrecarregando sistemas de saúde no mundo todo.

    Dessa forma, é preciso estabelecer redes de apoio e diversas maneiras de manter conexão com outras pessoas por meio das mídias eletrônicas. Embora, essas mídias também devam ser utilizadas com cautela já que podem representar uma grande fonte de informações falsas que aumentam o estresse, além das atualizações constantes em relação a número de mortos e de contaminados (6).

    Toda essa angústia à qual estamos sendo expostos gera a necessidade de um rearranjo que exige de nós um trabalho mental exaustivo, que afeta nosso cotidiano de diversas maneiras, inclusive influenciando na qualidade de vida. Assim como o corpo aciona seu sistema de defesa diante de uma ameaça, a mente também tenta se defender frente a uma nova situação. Nesse momento, utilizamos mecanismos de defesas variados, que dependem das nossas condições emocionais preexistentes e se tornam evidentes no modo como nos comportamos. Resultados de investigações em epidemias anteriores (5) demonstraram que os comportamentos relacionados à ansiedade desempenham um papel importante já no curso de uma epidemia, pois comportamentos inadequados devido ao aumento do estresse e da ansiedade psicológicos prejudicam a implementação de estratégias e de medidas de tratamento além de contribuírem para uma maior disseminação da pandemia.

    Percebemos que o mecanismo de defesa mais prejudicial à sociedade vem sendo a negação da realidade. Entende-se que a apreensão da realidade está ligada à compreensão dos mecanismos que organizam a lógica social vigente para valorização da saúde e da vida, como por exemplo o que é comprovado cientificamente e o consenso das principais autoridades de saúde. O indivíduo que nega essa realidade não coloca em risco apenas a sua própria saúde, mas a da população em geral. Resistente em cumprir com a necessidade de quarentena, acaba por expor também seu círculo social mais íntimo. A negação está ligada a um pensamento mágico e a uma incapacidade de esperar e de tolerar frustração.

    Essa questão também foi abordada por Kübler-Ross (7), quando a autora incluiu a Negação como o primeiro estágio vivenciado pelos seres humanos em um processo de luto, seguido pelos períodos de Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação. Recentemente Weiss (8) publicou um artigo sobre a importância dessas fases de luto para compreendermos nossas emoções durante a pandemia. O autor considera que a Negação no momento atual pode ser expressa por meio de enunciados como “Essa coisa toda é tão exagerada. Que circo da mídia. As pessoas contraem a gripe todos os anos e quase ninguém morre. Eu não sou do grupo de risco então ficarei bem”. Para o autor, na fase da Raiva podem surgir questionamentos como “Isso é tudo culpa da China. Se eles tivessem colocado em quarentena mais cedo, não estaríamos tendo esse problema”. Durante a fase de Negociação, Weiss sugere que o indivíduo pode pensar “não haver problema em passar tempo com outras pessoas, desde que elas lavem as mãos antes de me verem”. Na fase da Depressão, a pessoa poderia ter pensamentos como “Não posso trabalhar, não posso ganhar dinheiro. Em breve, estarei sem dinheiro e sem teto. Essa epidemia é o novo normal. Eu posso dizer adeus às minhas esperanças e sonhos. Eu sou de alto risco e provavelmente vou morrer”. Já na fase de Aceitação podem aparecer ideias como “Não consigo controlar a pandemia, mas posso fazer minha parte isolando-me em casa, lavando as mãos e mantendo-me positivo. O fato de não poder sair de casa não significa que minha vida tenha que parar. Posso trabalhar em casa e ainda posso me conectar com meus amigos e familiares via telefone e internet”. É importante alertar que essas fases são fluídas e não ocorrem necessariamente nessa ordem.

    Em relação às crianças (9), os reflexos do isolamento apresentam traços delicados com o prolongamento do fechamento das escolas e com o confinamento em casa que pode trazer efeitos negativos para saúde física e mental, assim como identificamos nos adultos. Com redução da atividade física, aumento da exposição a telas, padrões irregulares de sono e mudanças na sua rotina alimentar, o resultado é de ganho de peso, aumento da ansiedade e até mesmo de comportamentos agressivos. Além disso, tendo elas sido privadas do contato social com outras crianças, assim como do contato direto com professores, e estando expostas à educação a distância sem fundamentação teórica suficiente para embasamento pedagógico das escolas brasileiras, vemos acentuar quadros de ansiedade, de déficit de atenção, de hiperatividade, além de fobias e de quadros psicossomáticos.

    Em relação aos adolescentes e jovens, a atenção e o cuidado também se tornam importantes. Essa população está em plena fase de socialização e de construção da identidade com relativa independência dos pais e estão se vendo obrigados a ficar confinados, em alguns casos, justamente com eles (10). Diante disso, muitos conflitos internos também podem surgir, é preciso ouvi-los, respeitar sua individualidade e compreender com sinceridade que não é fácil para eles também. É muito importante manter a preocupação de não os sobrecarregar com demandas escolares e de “produtividade”, desconsiderando que estão enfrentando medos em relação a serem infectados ou a perderem pessoas queridas, além de estarem frustrados em relação às privações de contato social, com pouco espaço em casa e até mesmo preocupados com perdas financeiras que possam haver nesse quadro socioeconômico resultante da quarentena (9).

    Entendemos que a educação a distância pode ser uma ferramenta interessante para o enfrentamento da situação atual, mantendo o vínculo com a instituição educacional e com o conhecimento. Destacamos, no entanto, que há a necessidade de uma adequação ao contexto histórico, social e econômico em que estamos vivendo, considerando que o excesso pode resultar em sobrecarga emocional e ser prejudicial, causando um efeito contrário no processo de aprendizagem.

    De qualquer forma, estamos todos sendo confrontados pela pandemia do coronavírus. É um chumbo grande sobretudo em relação à saúde mental. Além do isolamento e da sensação de solidão, ainda somos obrigados a lidar com o medo e a constante reflexão sobre a própria saúde, a saúde da família e dos amigos. Minerbo (4) nos alerta que estamos vivendo um momento de incerteza que nos desafia a dar o próximo passo “no vazio”.

    Claro que a ciência e os pactos sociais nos colocam também em um outro patamar de possibilidades e de direcionamento. Mas isso nem sempre parece alcançar a todos e uma questão importante nesse processo está ligada à saúde mental: “quanto posso me colocar no lugar do outro, me solidarizar? ” Dessa forma, entendemos que o momento também pede que possamos tirar proveito de um mal negócio, e transformarmos algumas atitudes para contribuirmos com um melhor desfecho para essa pandemia. Há a importância de se poder fazer parte desse pacto social e de se responsabilizar pela situação da disseminação dessa doença, assim como de controlar de certa maneira os impactos que o difícil, mas necessário, isolamento social nos impõe.

    Nesse cenário muitas vezes é importante reconhecer o momento de procurar uma ajuda profissional para si mesmo ou para algum conhecido. Vimos aqui a importância da psicoterapia, que nesse enquadre está sendo até mais acessível diante da possibilidade de teleatendimento. Além disso, é oportuno investir nas relações, nas trocas afetivas, na comunicação aberta com as pessoas ao nosso redor, amigos, familiares, idosos, pessoas que moram sozinhas. O momento é de envolver-se com as necessidades emocionais, num esforço para aceitar diferenças e conhecer a própria individualidade e a do outro, abrindo um espaço para relacionamentos genuínos que só serão possíveis se estivermos bem com nós mesmos e com a sensação de que, ao fecharmos a porta de casa, possamos encontrar acolhimento interno durante essa experiência de vida tão difícil à qual fomos submetidos.

    Para Saber mais
    1. World Health Organization. Mental health and COVID-19, 2020. http:// www.euro.who.int/en/health-topics/health-emergencies/coronaviruscovid-19/novel-coronavirus-2019-ncov-technical-guidance/ coronavirus-disease-covid-19-outbreak-technical-guidance-europe/ mental-health-and-covid-19
    2. Xiang, Y.T., Yang, Y., Li, W., Zhang, L., Zhang, Q., Cheung, T., Ng, C. (2020). Timely mental health care for the 2019 novel corona vírus outbreak is urgently needed. Lancet. Psychiatry 7, 228–229. https://doi.org/ 10.1016/S2215-0366(20)30046-8.
    3. Editorial Lancet (2020), Covid-19 in Brazil: “So what?” Lancet 395(10235):1461. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31095-3
    4. Minerbo, Marion. Isolamento para você qual e a pior parte 2020. Disponível em: https://loucurascotidianas.wordpress.com/2020/04/17/isolamento-para-voce-qual-e-a-pior-parte/
    5. Hahad, O., Gilan, D. A., Daiber, A., & Münzel, T. (2020). Bevölkerungsbezogene psychische Gesundheit als Schlüsselfaktor im Umgang mit COVID-19. Das Gesundheitswesen. doi:10.1055/a-1160-5770
    6. Sood S. (2020). Psychological effects of the Coronavirus disease-2019 pandemic. RHiME 7:23-6.
    7. Kübler-Ross, E., & Kessler, D. (2005). On grief and grieving: Finding the meaning of grief through the five stages of loss. New York; Toronto: Scribner.
    8. Weiss, R. (2020). COVID-19 and the Grief Process. What happens to our differences when our experience is shared? https://www.psychologytoday.com/us/blog/love-and-sex-in-the-digital-age/202003/covid-19-and-the-grief-process
    9. Wang, G., Zhang, Y., Zhao, J., Zhang, J., Jiang, F. (2020) Mitigate the effects of home confinement on children during the COVID-19 outbreak. Lancet 21;395(10228):945-947. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30547-X
    10. Preto, M. O. Os Adolescentes na Pandemia. In: http://www.fepal.org/os-adolescentes-na-pandemia/


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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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