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  • A permissividade dos discursos do trote: caso UNISA

    A permissividade dos discursos do trote: caso UNISA

    Autor

    Matheus Naville Gutierrez

     O caso dos estudantes de medicina da UNISA expulsos por importunação sexual escancara problemas sobre as práticas violentas normalizadas nas universidades.

    As redes sociais e a mídia foram tomados por uma cena desprezível e extremamente problemática nestas últimas semanas. Homens, estudantes de medicina de uma faculdade particular, em um evento esportivo, saíram nus e se masturbaram publicamente durante uma partida de vôlei feminino. No meio de uma multidão de pessoas, sem alarde e sustos por parte daqueles presentes, toda esse escárnio com a normalidade toma palco em um evento universitário. 20 estudantes já foram expulsos pelo crime, que ocorreu em abril e só tomou repercussão agora em setembro. Incrivelmente, a justiça já reverteu a decisão de expulsar os estudantes.

    As análises e críticas (necessárias e até mesmo escassas) tomaram um rumo sobre o simbolismo, a possibilidade desse tipo de importunação sexual acontecer de forma impune; o privilégio dos estudantes, homens brancos, cometerem crimes e só repercutir meses depois na mídia. Sim, todas essas críticas são extremamente importantes e necessárias, principalmente na conjuntura machista, racista e extremamente problemática que temos nas nossas faculdades. Mas um ponto me chamou muito a atenção, que foram as defesas dos acusados.

    Defender o indefensável, normalizar o abjeto: a função do trote universitário

    Após toda a repercussão inicial, a defesa dos estudantes e da universidade começaram a se armar para possibilitar uma contra argumentação ao caso, buscando uma solução. A universidade alega que a situação toda não passava de um trote, pedindo até o arquivamento da apuração que estava sendo conduzida. A defesa dos estudantes identificados no caso também usaram do mesmo argumento, alegando que eram todos calouros e que foram coagidos através do trote a realizar os atos obscenos e criminosos. Como não sou juiz e nem atuo com direito criminal, não vou pesar sobre a veracidade e o julgamento da defesa. Mas vejo como uma reflexão necessária: você aqui que lê, acredita que seja completamente impossível que isso tenha acontecido? 

    A discussão que proponho aqui é que o trote universitário, a sua estrutura, história e formas de existir possibilitam que essa defesa deste crime deplorável através dele. Se existe o trote, enquanto esta instituição de perpetuação e normalização da violência, da humilhação, da hierarquização, esses argumentos nefastos continuarão existindo. 

    Parece-me óbvio o problema aqui. O arcabouço jurídico utilizado pela defesa dos acusados só é possível pois o trote existe como ele é hoje. Este discurso problemático da defesa existe porque o trote existe. Neste processo, perde-se o ponto daquilo que foi registrado: homens importunando sexualmente outras pessoas. A universidade, os advogados e toda a argumentação da defesa se baseia unicamente na existência do trote. Veja, a existência do trote serviu justamente o seu propósito em um dos níveis mais grotescos da sociedade. Ele normalizou crimes, defende atitudes abjetas, desumaniza todos aqueles ao seu redor. 

    A pequena resposta não resolve o problema todo 

    Logo, mostra-se mais um ponto do porque o seu fim é extremamente necessário para preservarmos as universidades brasileiras. Contudo, para além da possível verdade sobre o trote ou não neste caso viral, as estruturas das relações universitárias que passam pelo trote precisam ser reestabelecidas para que este tipo de defesa não exista mais. Para que não passemos pano para crimes por uma prática “tradicional”.

    E o fio condutor desta problemática toda continua sendo a frágil e patética defesa da existência do trote enquanto brincadeira integradora. Já existe uma base teórica expondo que o trote, enquanto prática universitária, só causa a formação de discursos e atitudes machistas, racistas, LGBTQIAfóbicas, com o troco de um sentimento muito superficial de pertencimento e exclusividade. 

    Obviamente, cabe aqui reforçar que não, acabar com o trote não vai acabar com todos os problemas que foram citados aqui. Porém, o seu fim possibilita a existência da diversidade nas universidades e exima a existência da defesa do indefensável, a normalização do absurdo, a humilhação gratuita que forma profissionais imersos nestes discursos. É um passo pequeno, mas é um passo necessário.

    Para saber mais:

    Machado, L, Viana, H, Marques, P, Honório, G, (2023) Após decisão judicial, Unisa vai reintegrar os 15 alunos expulsos. TV Globo e G1 SP.

    Barreto Filho, H (2023) Polícia investiga dois possíveis crimes em caso de estudantes nus da UNISA UOL.

    Rodrigues, B (2023) UNISA trata atos de simulação de masturbação como “trote” e pede para MEC arquivar apuração, CNN Brasil

    Fantástico (2023) Nudez na quadra: alunos de medicina dizem que foram expulsos sem direito de defesa. G1, Fantástico


    Sobre o autor

    Matheus Naville Gutierrez é Mestre e doutorando em ensino de Ciências e Matemática pela UNICAMP e licenciado em Ciências Biológicas pela UNESP. Sempre dialogando sobre educação, tecnologia, ensino superior, cultura e algumas aleatoriedades que podem pintar por ai.

     

    Como citar: 

    Gutierrez, Matheus Naville. (2023). A permissividade dos discursos do trote: caso UNISA. Revista Blogs Unicamp, V9, N2. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/11/29/a-permissividade-dos-discursos-do-trote-caso-unisa/. Acesso em dd/mm/aaaa.

    Sobre a imagem destacada:

    Imagem de vecstock no Freepik. Arte por Juliana Luiza.

  • Novo Ensino Médio: Desafios para o ensino superior

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Matheus Naville Gutierrez

    Como citar:  

    Naville Gutierrez, Matheus (2023) Novo Ensino Médio: Desafios para o ensino superior. Revista Blogs Unicamp, V.09, N.01, 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/08/04/novo-ensino-medio-desafios-para-o-ensino-superior/  
    Acesso em dd/mm/aaaa
    Sobre a imagem destacada:

    No primeiro plano tem jovens concentrados estudando. Na imagem de segundo plano tem jovens em manifestações para condições de ensino melhores.

    Atribuição:

    Fotos: Fernando Almeida / g1 Campinas e Região e Prefeitura de São Paulo. Arte por Clorofreela.

  • Criar uma lei de proibição do trote universitário é a solução para esse problema histórico?

    Adicione o texto do seu título aqui

    Autores

    Texto escrito por Matheus Naville Gutierrez

    Como citar:  

    Naville Gutierrez, Matheus (2023) Criar uma lei de proibição do trote universitário é a solução para esse problema histórico?. Revista Blogs Unicamp, V.09, N.01, 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/revista/2023/08/02/criar-uma-lei-de-proibicao-do-trote-universitario-e-a-solucao-para-esse-problema-historico/ 
    Acesso em dd/mm/aaaa
    Sobre a imagem destacada:

    Montagem com uma foto rasgada de de estudantes fugindo de jatos de substâncias amarelas e vermelhas que são lançadas sobre eles por fileiras de jovens usando luvas de látex branco.

    Atribuição:

    Arte por Juliana Luiza e Clorofreela.

  • A gratuidade da universidade pública é inquestionável

    Texto por Matheus Naville Gutierrez

    A PEC 206 pode destruir a universidade pública brasileira. Precisamos defendê-la de argumentos falsos.

    O deputado Kim Kataguiri (Democratas-SP) colocou em pauta hoje um projeto que visa alterar a constituição, o qual ele é relator. A PEC 206/2019, redigida em 2019 pelo deputado General Peternelli (PSL-SP), propõe a cobrança de mensalidade nas universidades públicas para todos os seus frequentadores, e aqueles que não puderem pagar, podem usufruir da universidade pública gratuitamente. O progresso científico e tecnológico brasileiro é diretamente afetado e atacado com esse projeto, que antes de mais nada, é deturpado e usa de pressupostos errôneos. Primeiramente, a PEC usa pressupostos completamente equivocados. Vamos debatê-los a seguir.

    O texto enganador da PEC

    Logo após a leitura do texto da PEC, uma problemática bem clara sobre o pressuposto do projeto de lei se mostra. A defesa nefasta que está acontecendo nas redes sociais não leva em consideração os parâmetros da lei em si.

    Trecho PEC
    Trecho retirado da PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N.º206 , DE 2019

    Conforme o texto acima, a lei propõe justamente que exista uma comissão que avalie a situação socioeconômica dos estudantes e faça uma deliberação sobre o pagamento ou não da mensalidade. Ou seja, a base é que TODOS os estudantes paguem mensalidade, estando apenas alguns eximidos da conta. Decerto, essa lógica levanta muitas questões problemáticas. Vamos a algumas delas:

    Como essa comissão será formada? Como ela atenderá todos os estudantes? Quais critérios serão utilizados para essa escolha? Essa comissão não poderia ser utilizada de forma a excluir ainda mais os estudantes? Eles não precisariam passar por mais uma etapa burocrática para conseguir se manter na universidade pública?

    Uma vez que esse debate entrou na esfera pública novamente, podemos nos debruçar em alguns pressupostos que esse projeto de lei. A seguir, coloco algumas dessas questões para conversa.

    Quem frequenta a universidade pública?

    Inicialmente, a defesa dessa PEC sugere que as universidades públicas brasileiras são frequentadas majoritariamente por pessoas oriundas das classes mais altas. Sendo assim, elas teriam o poder aquisitivo necessário para pagar os custos de seus estudos na universidade. Ainda que esse discurso pareça verdadeiro, ele atualmente é falso. Segundo dados da pesquisa do perfil socioeconômico dos estudantes de graduação das universidades federais, o perfil brasileiro é: 53,5% dos estudantes vivem com renda de até 1 salário mínimo por pessoa nas famílias. Esta pesquisa coletou dados de 63 universidades federais brasileiras. Confira abaixo os dados na tabela:

    É necessário debater sobre as formas que universidade pública elitiza o conhecimento e cria modos de facilitar a permanência de pessoas com renda maior, nós sabemos disso. Contudo, o projeto de lei não serve como resposta para esse problema.

    Ou seja, a PEC coloca como responsável por essa problemática os estudantes. Como assim? Atualmente, a universidade não possibilita o acesso e a permanência de pessoas sem os recursos financeiros, o que falarei mais adiante. Mas o mais relevante é: cria uma disputa por vagas e cotas entre os próprios estudantes já em situação de vulnerabilidade social e financeira. Esta PEC cria, portanto, uma narrativa de embate entre os estudantes para tirar o foco da problemática real das universidades: as políticas públicas e como são feitos os investimentos.

    Atacando o problema de verdade

    Para que essa elitização velada da universidade comece a ser combatida de verdade, precisamos focar em duas frentes. Primeiramente, o debate sobre o vestibular. Ele sim, um gargalo colocado de forma proposital para excluir uma parcela dos estudantes. Ele afunila a entrada na universidade, principalmente quem não consegue dedicar o tempo necessário de estudos para enfrentar a maratona dos vestibulares (e não consegue pagar por cursos pré-vestibulares).

    Em seguida, as políticas públicas de permanência. A universidade pública brasileira é um espaço de formação que exige a dedicação quase exclusiva de seus alunos, sem tempo para trabalhos externos. Para criar condições aos estudantes usufruam de suas possibilidades formativas, a universidade precisa garantir moradia, alimentação e renda para os estudantes.

    Nossa defesa, como política pública, é oposta ao projeto de lei. Isto é, o financiamento para permanência de estudantes na universidade pública deve ser proveniente de políticas públicas inclusivas, que abarquem a diversidade, origem e identidades diversas. Quem deve financiar esses estudantes, portanto, não devem ser eles mesmos, mas políticas públicas destinadas a sua formação.

    O que se desenvolve na universidade pública no Brasil?

    Ao mesmo tempo, o discurso de se pagar é nefasto por não compreender a complexidade da produção e da vivência nas universidades brasileiras. A ideia de que é um local de apenas estudo, em que o estudante apenas assiste aulas e realiza provas é falacioso. A universidade pública, desde os estudantes de graduação, desenvolve ciência, forma profissionais, produz conhecimento que retornará para a sociedade.

    O desenvolvimento da ciência brasileira, realizada por graduandos e pós-graduandos, foi o que nos garantiu o desenvolvimento de diagnósticos, com agilidade e eficiência, durante toda a pandemia da Covid-19, aqui na Unicamp e em várias universidades brasileiras. Além disso, a grande quantidade de pesquisas e atuações acadêmicas neste período, em todas as áreas de conhecimento, tiveram participação ativa de estudantes ainda em formação, de modo voluntário ou com bolsas, que minimizaram os efeitos da doença em toda a sociedade brasileira.

    Uma nação que busca o progresso sustentável e tecnológico precisa do desenvolvimento científico, que acontece unicamente nas universidades públicas. Isto é, a proposta de se pagar para estudar em uma universidade pública, além de afastar futuros cientistas que poderiam surgir de diversas origens sociais e econômicas, deturpa a própria ideia de desenvolvimento científico em nosso país.

    A pós-graduação: ela também pode ser afetada em médio e longo prazo

    O pós-graduando, hoje, vivencia uma carreira de uma avassaladora precarização, sem recursos, com bolsas sem ajustes e com a visão social de que é “apenas um estudante”. Não, não é. O estudante de graduação e pós-graduação são profissionais que desenvolvem trabalhos em sua área de formação, desde o início do curso. Você, por exemplo, aceita trabalhar de graça por vários anos, sem nenhuma renda? Pois é, além de atuar de graça, ainda precisaria pagar, neste caso.

    Na perspectiva desta lei, que prevê cobrança de mensalidade na graduação, também não afetaria essa etapa que acontece na universidade pública? Se cobrarmos os estudantes de graduação, depois de quanto tempo a pós-graduação que será cobrada? Essa proposta de lei é um afronte gigantesco à autonomia e ao ideal de universidade pública.

    A educação deve sempre ser pública, gratuita, de qualidade e de fácil acesso

    Em suma, esse é um projeto de lei que ataca diretamente a constituição nacional que garante o acesso à educação pública, gratuita e de qualidade para para todas as pessoas da nação. Em primeiro lugar, a garantia que ela é pública é a base para o desenvolvimento da ciência, da extensão e do ensino sem a necessidade de cumprir uma agenda empresarial e de resultados. Juntamente, a educação precisa ser gratuita, para garantir que todas as pessoas tenham acesso ao desenvolvimento cidadão, profissional, científico e humanístico. Assim como ela também precisa ser de fácil acesso, garantindo que todas as pessoas que busquem uma instituição de ensino consiga acessá-la.

    O problema da elitização velada das universidades é importante e de necessária discussão. Mas que ela seja feita de forma séria, verdadeira e com propostas reais de sua superação, e não seja retirado do Estado brasileiro a sua responsabilidade.

    Atualização (24 de maio, 19h21; Editorial)

    A PEC não está mais em tramitação, enquanto finalizávamos o texto, em função do pedido de Audiência Pública, com participação de representantes da sociedade civil organizada, conforme consta neste documento.

    Para saber mais

    Beraldo, Gabriela (2022) Bolsa Capes, do MEC, completa 9 anos sem reajuste. entenda o que isso significa, 23 de março de 2022.

    BRASIL. PEC 206/2019, Dá nova redação ao art. 206, inciso IV, e acrescenta § 3º ao art. 207, ambos da Constituição Federal, para dispor sobre a cobrança de mensalidade pelas universidades públicas.

    UFES. Pesquisa nacional apresenta o perfil dos estudantes de graduação das universidades federais, 17 de maio de 2019.


    Publicado originalmente no blog PEMCIE.


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadoresAlém disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp.

  • Por dentro da Força Tarefa da Unicamp, Com Dr. Marcelo Mori

    O que é e como funciona a pesquisa por dentro da Força Tarefa da Unicamp tem a participação do Dr. Marcelo Mori, coordenador da Força Tarefa.

    Nosso convidado vai falar para nós sobre como é o trabalho coletivo, em várias áreas de conhecimento, contra a Covid-19!

    Entrevistado de hoje:

    Dr.Marcelo Mori, professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Tecidual do Instituto de Biologia da Unicamp, Coordenador da Força Tarefa da Unicamp

    Entrevistadoras

    Drª. Ana de Medeiros Arnt – Coordenadora do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp e professora do Instituto de Biologia da Unicamp

    Drª. Graciele Oliveira – Comitê técnico e científico do Especial Covid-19 do Blogs de Ciência da Unicamp

  • “Só dá aulas”: o que fazemos na universidade pública? (parte 2 – a pandemia)

    Texto escrito por Lavínia Schwantes e Ana Arnt

    No outro texto, falamos um pouco sobre rotina de trabalho de professores universitários a partir daquela pergunta que escutamos desde que começamos a ser professoras: “mas você só dá aulas?”. E agora? O que fazemos nesse período peculiar de 2020? As universidades estão sem estudantes?

    Para retomar, você que tem de lembrar das três funções de um professor universitário: ensino, pesquisa e extensão. E ainda aquela quarta: a gestão. Como tudo isso funciona na quarentena?

    Nós somos professoras em duas universidades públicas distintas – a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesta série de textos sobre o trabalho universitário durante a pandemia, vamos apresentar um pouco sobre como nosso trabalho não é só dar aulas, mas também como temos organizações diferentes para trabalhar neste momento.

    Bom, com o início da pandemia da COVID-19, o distanciamento foi decretado como uma das melhores – e até agora mais efetiva – formas de evitar contágio. A universidade é um local de grande circulação de pessoas e, também, de aglomeração de estudantes dentro de laboratório ou espaços de pesquisa e nas salas de aula. É por isso que foi decretada quarentena nas atividades de ENSINO – e atividades presenciais como extensão e pesquisa também foram afetadas em várias universidades. A Unicamp decretou o fechamento das atividades presenciais no dia 14 de março, a FURG dia 16 de março.

    O que as universidades estão fazendo?

    Há várias atividades que citamos no primeiro texto que continuam acontecendo. De que forma? Principalmente via trabalho remoto, com auxílio da rede de internet. Dessa forma, continuamos orientando alunos, preparando aulas, estudando e escrevendo artigos sobre nossas temáticas de pesquisa, escrevendo e avaliando projetos e pensando alternativas para o trabalho de extensão e outras atividades que, como citamos, podemos fazer com o uso das redes de internet.

    Ah, então quer dizer que vocês ficam o dia inteiro na internet?

    Vamos falar de uma parte da pesquisa

    Neste contexto, o que mais temos feito nesse tempo são trabalhos desenvolvidos em reuniões on line! Parece meio estranho, mas nosso trabalho envolve, além de estudar e analisar o que temos pesquisado, conversar sobre isso com outros pesquisadores, para compartilhar resultados e conclusões de pesquisas.

    Isto atualmente é feito, por exemplo, com reuniões de orientação com os pós-graduandos e com discussão entre colegas. Na pesquisa, podemos ressaltar ainda que existem inúmeros trabalhos que podem ser desenvolvidos “sem trabalho de campo e/ou laboratório”. Há uma grande etapa da pesquisa, de análise, estudo de publicações científicas, discussões teóricas e escrita de artigos, que vêm sendo desenvolvidas através destas reuniões, cada um em sua casa. A pesquisa envolve, sim, uma parte de “campo” (no nosso caso, muitas vezes dentro de escolas, por exemplo). Mas neste momento, temos revisitado pesquisas que estavam com muitos dados coletados e não vínhamos tendo tempo para analisar. 

    Os alunos de pós-graduação (que são pesquisadores em formação) seguem fazendo suas pesquisas e nós, professoras, orientamos seus trabalhos (e pesquisamos junto). Este trabalho não parou, em momento algum, nestes tempos de isolamento social.

    E as aulas? Como ficam?

    Além disso, as aulas aconteceram em tempos diferentes em cada universidade. Na Unicamp, por exemplo, as atividades on line reiniciaram alguns dias após pararem as atividades presenciais – e percebemos que havia várias dificuldades que seriam difíceis de contornar se retomássemos tudo ao mesmo tempo, virtualmente. Paramos, reorganizamos enquanto estávamos em atividades. Já na FURG, que preferiu verificar o acesso dos estudantes e estudar a melhor forma de trabalho remoto previamente, estabeleceu-se que seria melhor espaçar o retorno das aulas virtualmente e apenas as atividades de ensino na pós-graduação retornaram dia 10 de agosto.

    Assim, há várias reuniões on line em que planejamos não apenas sobre como voltar às aulas, mas que estruturas têm nossos alunos para acessar as aulas e como podemos disponibilizar recursos a quem está faltando (computador e internet, especialmente). Algumas vezes, parece que, a cada semana, uma reunião “brota” na nossa agenda!!! Como tudo isto é novo para todos nós, parte das tarefas atuais é organizarmos ações da universidade, sem oferecer riscos a ninguém (ou minimizando os riscos ao máximo possível). 

    Por incrível que possa parecer para alguns, nem todos estudantes universitários têm acesso a internet. Cerca de 70% dos estudantes de universidades públicas vêm de famílias com renda de até 1,5 salários mínimos per capita. Neste sentido, são alunos que necessitam de auxílios diversos para se   manter estudando. Outros tantos que têm acesso, o fazem apenas de aparelhos celulares móveis. Então, este retorno tem de ser bem pensado para incluir o maior número possível de estudantes no processo de reinício de ensino de uma universidade que, lembramos a vocês, é pública!

    Tem ainda a gestão universitária em tempos pandêmicos, calma lá que ainda não acabou…

    De uma maneira geral, essas reuniões são principalmente relacionadas às atividades de gestão. Isto é,  como poderemos gerenciar as atividades da universidade sem prejudicar os estudantes, professores e toda a comunidade. Na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), há um grande grupo de colegas e de técnicos que estão no que chamamos a linha de frente do trabalho universitário na pandemia. Eles estão constantemente em reuniões de organização de como faremos para o retorno das aulas da graduação, da pós-graduação e atividades de extensão e de pesquisa. Na Unicamp, também existem grupos específicos para este debate. A Unicamp também montou a Força Tarefa da Unicamp, um grupo de pesquisa específico só para questões da Covid-19, além dos diagnósticos da doença. 

    Dessa forma, estes grupos de docentes, funcionários e, também, estudantes, buscam analisar e estipular prazos e protocolos para retornos – ou atividades remotas. Como isto acontece? Principalmente através de questionários aos estudantes e professores, para ver suas condições de acesso à internet, possibilidades de executar etapas da pesquisa à distância, existência de grupos de risco, dentre outras questões.

    Todos estes dados vêm sendo analisados – cada um em sua unidade universitária – para reorganizar normativas da universidade que regem a graduação e a pós-graduação para a nova realidade que estamos enfrentando. E agora, estão encaminhando novos calendários formulados a partir dos dados dos questionários para em um momento posterior, iniciar a retomada das atividades de ENSINO. Pode parecer enrolado – e nem sempre todas as medidas são simples – mas como dissemos, tudo é novo e tem sido feito às pressas, buscando impactar o menos possível a continuidade das atividades, nem colocar em risco à vida das pessoas.

    Por fim…

    Ainda há bastante a ser dito sobre esta reorganização da universidade, hoje trouxemos uma pequena pincelada do que temos feito. Cada universidade, por ter autonomia e por ter realidades diferentes, vem montando seus grupos de trabalho de forma diferenciada também. Nós vamos abordar um pouco mais sobre isto nos próximos textos, especialmente acerca dos serviços à comunidade que as universidades públicas tem feito agora na pandemia e sobre as aulas na modalidade remota…

    Nós duas temos pensado em escrever esta série há tempos, mas acabou demorando um pouco para ser escrito. Por quê? Isso mesmo! Como vocês podem ver, trabalho, pesquisa, aulas e reuniões, não faltam! Aguardem que logo logo traremos um pouco dos bastidores desse trabalho feito por aqui!

    Para saber mais:

    Rede pública do RS alcança primeiro lugar no ranking do Enem

    Dados INEP: Sinopse Estatística da Educação Superior 2018.

    MOITAL, F, Maria GSC; ANDRADE, FCB (2009) Ensino-pesquisa-extensão: um exercício de indissociabilidade na pós-graduação, Revista Brasileira de Educação, vol14, nº41, Rio de Janeiro, maio/ago.  

    KUENZER, AZ, MORAES, MCM (2005) Temas e tramas na pós-graduação em educação, Revista Educação e Sociedade, v26, nº93, Campinas, set/dez/2005

    Dados da Academia brasileira de ciências sobre produção científica no Brasil

    As autoras

    Lavínia Schwantes – Biológa, formada no século passado na UFRGS; atua como professora na área há mais de 20 anos. Encantada pela educação em ciências, trabalha formando professores de Ciências e Biologia. Pesquisa a ciência, sua produção e sua filosofia, e como pode ser ensinada, tendo aí concentrado seus estudos, projetos, publicações científicas, leituras e orientações de graduação e pós-graduação junto ao Grupo PEmCie no CEAMECIM na Universidade Federal do Rio Grande-FURG.

    Ana Arnt – Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB), do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM) e do Programa de Pós-Graduação em Genética e Evolução. Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência!

    Este texto foi escrito exclusivamente para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • “Só dá aulas”: o que fazemos na universidade pública? (parte 1)

    Texto escrito por Lavínia Schwantes e Ana Arnt

    Somos duas professoras, biólogas, com mestrado e doutorado na área de Educação/Ensino. E vamos contar um pouco da trajetória de trabalho nossa, para exemplificar um pouco do que é e como trabalha a universidade – e como isso vem acontecendo na pandemia.

    Mas antes de falarmos da pandemia, vamos falar sobre o nosso trabalho “no antigo normal”.

    “Só dá aulas”

    Já trabalhei com o Ensino Médio – eu amava “dar aulas” para essa galera no meu querido Sarmento Leite e me orgulho demais dos colegas que, mesmo com a desvalorização salarial imposta na última década, mantém bons índices de desempenho com os estudantes[1]. E, atualmente, estou como professora universitária há 13 anos, na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), já dei aula também na Universidade Federal do Tocantins (UFT). Essa pergunta que está no título deste post eu escuto desde o início de minha carreira profissional como professora há 20 anos! (Lavínia Schwantes).

    Eu fui professora de cursinho popular por 6 anos. Um tempo em que aprendi a compreender a docência, os conteúdos curriculares, como imersos em questões sociais que jamais poderiam ser segmentados. Também foi onde aprendi que entrar na universidade é, para muitas pessoas, um grande sonho. Sou professora universitária há 15 anos, já fui professora na Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT) e, desde 2016, dou aula na Unicamp. Esta pergunta que está no título do post eu escuto desde o início da minha carreira profissional, que completou 18 anos… (Ana Arnt)

    Mas ainda hoje? Sério?

    Ainda mais em tempos pandêmicos, com as universidades “paradas” (muitas aspas aqui), essa pergunta volta a ressoar por todos os lados e resolvemos explicar o que fazem docentes de universidade pública.

    Não fazem nada?

    Para começar, segundo a lei que rege o funcionalismo público civil (lei 8112/1990), este professor é um funcionário público. Na sua origem, portanto, deve atender ao serviço público. Ou seja, seu trabalho serve a toda a comunidade e à sociedade. Para ser servidor, precisa ser aprovado em um concurso público, aberto a todos que se encaixam nos requisitos da vaga.

    Assim, neste concurso, o candidato deve mostrar que sabe o conteúdo da vaga à qual está concorrendo. Isto é, deve mostrar que sabe “dar uma aula” e, mais do que isso, organizar um plano de trabalho no qual constem projetos de pesquisa, de extensão e, de ensino, claro. Daí, já tiramos as três funções que, tanto o professor quanto a universidade pública têm, que são: ensino, pesquisa e extensão!

    Aqui cabe um esclarecimento importante em relação a carreira de professores no Ensino Superior. Segundo a lei que rege o magistério público federal (Lei 12772/2012) a carreira de professor tem classes conforme o nível estudo (graduado, Mestre ou Doutor) e pode ser D.E. (Dedicação Exclusiva) ou não. Alguns tem regime parcial de 40h ou 20h semanais.

    A maioria dos professores de Ensino Superior são doutores (58% nas universidades brasileiras em 2018)[2] e tem D.E. (71% nas universidades brasileiras em 2018)[3]. Isso quer dizer que eles se dedicam somente à universidade, ao trabalho que nela desenvolvem, considerando o tripé de ensino, pesquisa e extensão conforme previsto no artigo 207 da Constituição Federal (CF) de 1988. Não podem ter outra renda, nem trabalhar em outros lugares, não podem ter empresa ou receber remuneração para outra atividade fora da universidade de forma fixa (apenas para trabalhos pontuais – como consultorias ou cursos – e há um limite anual para isso).

    Afinal, o que compõe esse tripé?[4]

    ENSINO

    Uma das funções da universidade é a formação de profissionais em áreas específicas. Isso é ENSINO. Aí está, agora sim! É o “dar aulas”. Assim, todo semestre, o professor universitário público, não importa o regime de trabalho que tem (D.E., 40 ou 20h) atende turmas de alunos nos cursos de graduação que atuam.

    O tempo que ocupa para essa função é determinado pela universidade e pode variar dentro de seus órgãos internos. Isso chama-se autonomia universitária e é amparado no artigo 207 da CF e na Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional (lei 9394/96).

    Mas o “dar aulas” não é somente estar em sala de aula. Vejam que o conhecimento aumenta e se modifica muito ao longo do tempo e com isso, a necessidade do professor ter aulas atualizadas. Não adianta o professor dar a mesma aula desde o ano 2000 quando entrou na universidade, porque, com certeza, o conhecimento científico sobre sua temática de aula e as metodologias existentes para ENSINÁ-la se modificaram ao longo desse período.

    Para manter a atualização do que ensina aos seus graduandos, e assim, formar bons profissionais, o professor estuda e prepara aulas toda semana. Ainda tem a tarefa semanal de avaliar a aprendizagem dos estudantes, isto é, elaborar, disponibilizar, ler, corrigir trabalhos e provas, estabelecendo notas para cada uma das turmas das disciplinas. Vamos dizer então, se ele “dá aulas” duas tardes por semana na graduação, outros dois turnos ele usa para preparar as aulas, estudar para elas e avaliar trabalhos dos estudantes. Aí se vão quatro turnos de trabalho no ENSINO.

    PESQUISA

    A segunda função do professor universitário público D.E. é a PESQUISA! E aqui, entra outro tanto de atividades. O que é fazer pesquisa hoje? [5]É atualização de saber da área específica que o professor trabalha, isto é, produção de conhecimento. As universidades públicas são responsáveis por 95% do conhecimento produzido no país[6]. Como ele faz isso? O professor, geralmente, se vincula a um curso de pós-graduação de sua áre, cada universidade tem muitos destes cursos em todas áreas nas quais formam profissionais na graduação.

    Inserido na pós-graduação, o professor desenvolve pesquisas em diferentes espaços na universidade – um laboratório, uma sala multidisciplinar ou outro. Ali, o professor orienta os estudantes em pesquisas próprias, mas quase sempre vinculadas à temática e pesquisa central do professor. Existem professores que orientam cinco, sete ou 15 estudantes simultaneamente, que, depois de formados na graduação, se dedicam a desenvolver projetos para receber os títulos de Especialista, Mestrado e/ou Doutorado. Esses orientandos e o professor formam o que chamamos de grupos de pesquisa.

    Fazer pesquisa, atualmente, também implica compartilhar o conhecimento para a comunidade científica de cada área, o que significa escrever artigos científicos. E também implica buscar auxílio financeiro para que seus projetos sejam desenvolvidos, pois para fazer pesquisa, precisamos de livros, acesso bom à internet, equipamentos, materiais diversos, reagentes e outros recursos. E todos eles precisam de verba!

    Fazer pesquisa envolve todo um trabalho burocrático, além da “pesquisa em si”

    Na busca desses recursos, o professor precisa escrever projetos e submetê-los para avaliação de agências de fomento que abrem editais específicos para tal, sejam essas agências governamentais ou privadas. A pesquisa ainda inclui participar de comissões de avaliação de artigos científicos, de artigos para eventos, de comitês de avaliação de projetos de editais.

    Ou seja, o trabalho com PESQUISA na universidade pública requer tempo para: reuniões do grupo de pesquisa e orientação dos alunos (um turno); trabalho no laboratório ou espaço de pesquisa (um turno); escrita de artigos científicos, de projetos e de relatórios de pesquisa (um turno); leitura e avaliação de artigos dos orientandos, bem como, de revistas científicas (mais outro turno)…

    Ah, e claro que, na pós-graduação, o professor “dá aulas” também, nos cursos de Especialização, Mestrado e/ou Doutorado para os estudantes pós-graduandos. E para tal, como na graduação, ele também deve preparar e estudar, atualizando seu tema da aula. Portanto, aí temos, aproximadamente, mais quatro turnos de PESQUISA e mais um de ENSINO de novo!

    EXTENSÃO

    Por fim, a última função, mas não menos importante, de um professor docente universitário público é a EXTENSÃO!! Antes, comentei que a maior parte de produção do conhecimento se faz dentro das universidades públicas e que uma função da pesquisa é divulgar este conhecimento para comunidade científica. E quem não é desse grupinho da comunidade científica? Como fica sabendo do saber, ou dos produtos, ou das tecnologias que são produzidas na universidade?

    Pelo trabalho de extensão, cujo nome revela sua função: é uma extensão da produção da universidade para a comunidade no entorno dela. Assim, mais uma vez, o professor, tem de escrever projetos de extensão e executá-lo com a ajuda de uma equipe – outros colegas ou estudantes. Esse trabalho pode ser de divulgação científica, de trabalho com as comunidades periféricas, com determinada porção da população, com uma determinada instituição que não a universidade, com prefeituras ou associações de bairro, em hospitais ou museus, por exemplo.

    Há inúmeras possibilidades de extensão que envolvem, além da já citada divulgação de conhecimento, o retorno do investimento social na universidade para a população como um todo! Você sabia, por exemplo, que muitos dos museus, jardins botânicos ou espaços de cultura que você frequenta são mantidos pelas universidades públicas? Muitas delas mantêm também hospitais universitários públicos com recursos físicos, estruturais, de capital e humanos. Isto é, todos estes são espaços de extensão universitária com foco no atendimento direto ao público já mais consolidados historicamente!

    Lembra dos movimentos “Ciência na Rua”?

    Também lembramos a vocês, aqueles movimentos de maio de 2019 do tipo “ciência na rua”, em prol de uma educação de qualidade. Pois é, o objetivo desses eventos era mostrar todo o trabalho/pesquisa/conhecimento desenvolvido nas universidades para a comunidade, como um grande evento de EXTENSÃO!! Foi importante para muitos professores entenderem também qual sua função com essa atividade do tripé da universidade! Todavia, infelizmente, a extensão ainda é a “prima pobre” da universidade pública, há, mesmo com um crescente, pouco investimento e poucos projetos de extensão. Mas é função do docente universitário. Digamos que aí vai outro turno de trabalho na EXTENSÃO!

    No total…

    Por fim, voltamos a contagem: são dois turnos, mais dois, mais um no ENSINO; quatro turnos semanais na PESQUISA e um turno na EXTENSÃO, somando 10 turnos de trabalho! É possível para o professor “jogar” estes turnos a cada semana conforme a necessidade. Isto é, estes dez turnos aqui variam de semana a semana conforme as demandas vão surgindo no trabalho! Exceto o tempo de dedicação às aulas na graduação, que é mais fixo, o professor pode se envolver mais na pesquisa ou na extensão de acordo com a característica individual ou de sua área. Mas todo tripé é sua função!!!

    Um exemplo real

    Vejamos nosso exemplo (somos professoras com Doutorado e somos D.E.): duas tardes de aulas na graduação na Biologia; dois turnos de preparo das aulas sobre Educação em Biologia. Mas, calma, também temos aulas na pós-graduação (um turno de aula, um turno preparando material).

    Ainda, reunião com grupo de pesquisa PEmCie, estudos sobre nosso tema de pesquisa “História e Filosofia da Ciência”, reuniões com cada um dos orientandos do grupo. Na FURG, são um total de doutorando, duas mestrandas, dois bolsistas de iniciação científica, duas professoras. Na Unicamp, dois doutorandos, sete mestrandos, cinco alunos de iniciação científica e alunos que estão estudando para entrar nas próxima seleções de pósgraduação. Além disso, temos leitura dos artigos deles e organização de trabalhos dos orientandos e escrita de artigos e projeto de pesquisa (vai aí uns, sei lá, uns quantos turnos de trabalho, hehe).

    Estamos revitalizando meu projeto de extensão que incluía divulgação científica nas escolas e agora estamos focando nas tecnologias digitais para tal. Além disso, o grupo também tem atuado na Divulgação Científica – aqui no blogs e no nosso podcast, nesta empreitada são alguns turnos (que variam dependendo da semana…).

    Será que ficou um pouco mais claro?

    Quanto deu aí? Muitos turnos, não é? Deu para “encher” uma semana de trabalho? Dá pra incluir até o sábado, muitas vezes! Ah, sim… E, a Lavínia ainda trabalha com os estágios docentes nas escolas, então visitas periódicas a essas instituições parceiras estão, também, na minha rotina. Mas enfim, acho que conseguimos apresentar um panorama breve que indica que nosso trabalho é mais do que “dar aulas”. Não acha?

    Todavia, não esqueçamos que muitos professores, exercem cargos de gestão (seria uma quarta função nesse tripé), assumindo, temporariamente, coordenações de curso de graduação, de pós-graduação, diretoria de seções nas pró-reitorias ou em departamentos e institutos; ou mesmo, gerenciando pró-reitorias e reitorias. Como são temporários, não coloquei esse trabalho administrativo na conta, mas posso afirmar, por experiência própria como coordenadora por 2,5 anos, que é um baita trabalho, cansativo e, muitas vezes, burocrático!

    E tem mais, um professor D.E. participa de atividades temporárias na universidade como: comissão de graduação, de pós-graduação, de seleção de mestrado/de doutorado, bancas de avaliação de teses e dissertações, orientador de trabalho de conclusão de curso, comissões eleitorais, comissões de curso. Pode assumir gestão sindical ou comissão de organização de eventos. Por fim, ainda tem participação em eventos científicos e apresentação de trabalhos em congressos, participação em reuniões de todo e qualquer tipo, etc.

    “Ah, mas eu conheço um professor que só vai à universidade pra dar aulas”

    “Eu conheço o fulano, que foi meu professor, e não faz tudo isso não”. É, infelizmente, conhecemos professores universitários assim! Como em qualquer profissão, há quem não possa ser tomado de exemplo e, definitivamente não são a maioria. No entanto, apostamos nos meus colegas que trabalham bastante para um bom desenvolvimento na/da universidade para/com a sociedade!

    E o que podemos dizer para você? Espelhe-se naqueles que levam seu trabalho a sério e o conduzem de forma a promover melhorias para a nossa sociedade. E se aqueles que não o fazem ainda te incomodarem muito: “dê um toque” para eles, comente sobre a necessidade de fazermos nosso papel e mostrarmos toda a potência de uma universidade pública!

    Nosso foco eram os tempos pandêmicos né? Mas tivemos que nos estender um pouco na explicação para vocês entenderem melhor. E como tudo isso funciona na quarentena fica para um próximo post!


    Para saber mais:

    [1] Rede pública do RS alcança primeiro lugar no ranking do Enem

    [2] [3] Dados INEP: Sinopse Estatística da Educação Superior 2018.

    [4] MOITAL, F, Maria GSC; ANDRADE, FCB (2009) Ensino-pesquisa-extensão: um exercício de indissociabilidade na pós-graduação, Revista Brasileira de Educação, vol14, nº41, Rio de Janeiro, maio/ago.  

    [5] KUENZER, AZ, MORAES, MCM (2005) Temas e tramas na pós-graduação em educação, Revista Educação e Sociedade, v26, nº93, Campinas, set/dez/2005

    [6] Dados da Academia brasileira de ciências sobre produção científica no Brasil

    As autoras

    Lavínia Schwantes – Biológa, formada no século passado na UFRGS; atua como professora na área há mais de 20 anos. Encantada pela educação em ciências, trabalha formando professores de Ciências e Biologia. Pesquisa a ciência, sua produção e sua filosofia, e como pode ser ensinada, tendo aí concentrado seus estudos, projetos, publicações científicas, leituras e orientações de graduação e pós-graduação junto ao Grupo PEmCie no CEAMECIM na Universidade Federal do Rio Grande-FURG.

    Ana Arnt – Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB), do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM) e do Programa de Pós-Graduação em Genética e Evolução. Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência!

    Este texto foi escrito originalmente no para o Blog Pemcie

    Texto 2 da série

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Enem 2020 e o adiamento devido à pandemia


    A decisão do governo foi manter o Enem 2020

    Tempo de leitura: 3 min

    Nota (08/07/2020): foi decidido pelo adiamento da prova, as provas escritas serão nos dias 17 e 24 de janeiro.

    Pelos estudantes, as provas impressas seriam realizadas nos dias 2 e 9 de maio de 2021 e digital nos dias 16 e 23 de maio de 2021. Sendo realizada em maio, o primeiro semestre seria perdido.”

    Com a pandemia, muitos alunos não terão condições de estudar para o Enem. Crédito: Wilson Dias / Agência Brasil

    Em meio às incertezas do coronavírus, escolas e universidades tentam manter o cronograma do período letivo com o ensino à distância (EAD). Alunos e professores tiveram que se adaptar rapidamente ao ambiente virtual para conduzir as aulas, realizar apresentações e exames. Estando na era digital (ou era da informação), este cenário é visto como um futuro inevitável,  em que muitas tarefas serão realizadas virtualmente. Entretanto, a grande diferença sócio-econômica entre os estudantes e a realidade domiciliar são variáveis pouco consideradas no momento atual. 

    Será justo manter as metas para a Educação no Brasil em meio a uma pandemia, em que alunos já antes prejudicados pela desigualdade social e outras questões, hoje enfrentam barreiras ainda maiores? É isso o que pensa o ministro da Educação (nota 01/07/2020: agora ex-ministro), Abraham Weintraub, após anunciar que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2020 será mantido em  novembro [1]. 

    Expectativa x Realidade

    Além do desequilíbrio de oportunidades já oferecidas aos alunos de escolas públicas e particulares, outra questão preocupante é em relação às estudantes mulheres em particular. Infelizmente, não surpreende o fato de que as meninas são responsáveis por mais tarefas domésticas do que os meninos [2], o que prejudica ainda mais o desempenho exigido pelas escolas neste período.

    Também é preciso considerar todas as questões de minorias. Um estudo do IBGE de 2017 mostrou que cerca de ¼ da população brasileira ainda não tem acesso à internet, estando o seu uso concentrado na região sul. O norte e o nordeste do Brasil possuem ao menos 50% da população sem acesso à internet [3]:

    Esse mesmo estudo do IBGE aponta que, de todos os que possuem o acesso à internet, 98,7% utilizam o celular para esse fim. Tal percentual pode ser preocupante ao inseri-lo no contexto da educação à distância, visto que celulares não são o equipamento mais adequado para o aprendizado via ensino à distância. 

    Um estudo mais recente (2019), do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, revelou que, apesar de ter crescido o número de pessoas com acesso à internet, a desigualdade ainda permanece alta. O levantamento demonstrou que, graças à popularização dos smartphones, 76% da classe C e 40% das classes D e E possuem acesso à internet. Entretanto, apenas 67% dos domicílios brasileiros estão conectados à rede e 97% das pessoas que utilizam a internet o fazem por meio de celulares. Quanto ao uso de computadores, 88% da classe A utilizam esse equipamento para acessar a internet, enquanto apenas 15% das classes D e E fazem o mesmo. [4]

    Ao ouvir alguns estudantes sobre o assunto da manutenção da prova do Enem, a deputada federal Tabata Amaral compartilhou o depoimento do aluno da rede pública de ensino, Gabriel Hanry, da Cidade de Acopiara, no Estado do Ceará. Com um telhado de pau-a-pique e canto de passarinhos ao fundo, Gabriel diz que recebe as aulas por WhatsApp e sente que será prejudicado na prova do Enem deste ano [5].

    Ouvir o depoimento do estudante no cenário em que ele se encontra e depois assistir à propaganda do governo para promover a manutenção do Enem, com falas de jovens atores conectados em múltiplos dispositivos digitais, atrás de uma mesa de estudo repleta de livros, materiais e conforto  [6], demonstra  que a expectativa está bem longe da realidade vivida por milhões de adolescentes brasileiros. 

    Está escrito na Constituição

    A democracia pressupõe a participação de todos. Não de alguns ou da maioria. Ao lado da democracia, há a república, cuja característica essencial pressupõe a igualdade. Daí decorre a justiça distributiva que exige o estabelecimento de critérios ao acesso igualitário ao que é público. Já a igualdade, segundo Aristóteles, consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. 

    O Brasil é uma República Federativa e um Estado Democrático de Direito, de acordo com o artigo 1º da Constituição Federal. Um dos seus objetivos é a redução das desigualdades sociais e regionais, conforme o artigo 3º da Constituição Federal. Ou seja, está escrito e reconhecido que há desigualdades no Brasil. Assim, qualquer ação que uma autoridade toma dentro do governo deve necessariamente visar à preservação da democracia, assegurando a máxima participação popular e a preservação da república, garantindo o tratamento igualitário. 

    O artigo 205 da Constituição Federal prevê que a educação é direito de todos e dever do Estado. Em seguida, no artigo 206, a Constituição Federal diz que o ensino será ministrado com base na igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, com a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. No artigo 208, o texto constitucional disciplina que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. 

    Com base na igualdade de condições, a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) dispõe no artigo 44 que o acesso à graduação é aberto aos candidatos que tenham concluído o ensino médio e tenham sido classificados em processo seletivo. Ou seja, o critério estabelecido para o acesso ao ensino superior público foi a aprovação em processo seletivo. E o tratamento desigual, na medida de desigualdade, está previsto em outros critérios, como a nota do Enem que é utilizada justamente para tratar os candidatos desiguais, na medida de sua desigualdade, possibilitando uma pontuação mínima para se inscrever no Programa Universidade para Todos (ProUni). 

    Assim, ao se aplicar qualquer exame nacional, é preciso considerar se haverá a observação da participação de todos os interessados, em igualdade de condições. Se não houver, o ensino não será devidamente prestado, com violação de direito fundamental de cada estudante. 

    #AdiaEnem

    Atualmente está havendo  um movimento nas redes sociais com a hashtag #AdiaEnem, que tem como finalidade convencer o governo a rever as datas da aplicação da prova que está prevista para iniciar em 1 de novembro de 2020. Lembrando que este ano também existe  a possibilidade de realizar o Enem digital, que tem data de início para aplicação nos lugares estabelecidos no dia 22 de novembro de 2020. 

    As inscrições começaram dia 11 de maio e vão até 22 de maio, podendo ser feitas no site do Inep. Está rolando também um mutirão de inscrições para ajudar os alunos a realizarem a inscrição pela internet, basta preencher este formulário. Se vocês têm dúvidas, nos enviem uma mensagem que ficaremos muito felizes em ajudá-los. Recomendamos este livro didático digital gratuito para vocês estudar.

    Para finalizar, recomendamos o vídeo da estudante de história e youtuber Débora Aladim sobre os problemas com a realização do Enem este ano: https://youtu.be/eYmSSuaLtaQ 

    Fiquem ligados no blog, pois continuaremos trazendo as novidades sobre a aplicação da prova!

    #AdiaEnem #NenhumAlunoParaTrás

    Autoras: Paula Penedo Pontes de Carvalho, Gabriela Filipini Ferreira, Carolina Filipini Ferreira, Luisa Fernanda Rios Pinto

    Texto Original: https://www.blogs.unicamp.br/incentivandoelasnaciencia/?p=516

    Referências

    [1] https://oglobo.globo.com/sociedade/weintraub-defende-senadores-manutencao-de-provas-do-enem-em-novembro-1-24411467

    [2] https://oglobo.globo.com/economia/meninas-fazem-mais-tarefas-domesticas-tem-mesada-menor-que-meninos-22962910

    [3] https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/20787-uso-de-internet-televisao-e-celular-no-brasil.html

    [4] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/08/29/O-perfil-dos-brasileiros-que-nunca-acessaram-a-internet?fbclid=IwAR1xqDPc1PWfscDuGri6OnoKa_6vOfXd58dgB1VLnZ5TMK77VvLzj7RojnM

    [5] https://www.facebook.com/tabataamaralSP/

    [6] https://www.youtube.com/watch?v=apufjiGlIY0[6] https://enem.inep.gov.br/


    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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