Tag: vacina

  • Estratégias de vacinação: o que se leva em conta?

    Nunca se debateu tanto vacinas e vacinação: o que é eficácia, segurança, testes, grupos de risco, planos nacional, estadual, etc.

    Por muito tempo no Brasil, o Programa Nacional de Imunização ocorria anualmente, com campanhas, grupos prioritários e estratégias de imunização para diminuir a incidência de doenças evitáveis sem que houvesse qualquer polêmica atrelada a isto. 

    Talvez uma das perguntas que agora fundamentais de responder: existem critérios para a escolha dos grupos prioritários para a vacinação? A ciência possui metodologias e estudos que apontem como isto deveria organizar-se?

    Estas perguntas são importantes. Por um lado, já temos indicação de quais grupos podem se vacinar – pelos testes tanto de segurança, quanto de eficácia. Por outro lado, por toda a estrutura de vacinas ser muito recente, não teremos vacinas imediatamente para todo o mundo. Sendo assim, é preciso priorizar, montando listas de acordo com algum critério.

    Considerando que estamos vivendo uma pandemia, de uma doença altamente contagiosa, os profissionais de saúde ocupam um dos postos prioritários para a vacinação. Por quê? Ora! É fundamental que estes profissionais mantenham-se saudáveis e bem, para seguir trabalhando na urgência que temos precisado.

    A discussão ronda o “segundo lugar” das prioridades – e todos os lugares que se sucedem ao segundo… Montar uma lista de prioridades, neste caso que vivemos, é basear-se em modelos epidemiológicos e matemáticos de como a doença avança e como podemos interromper este avanço, com a vacina.

    Nós sabemos que a função prioritária da vacina é fazer com que os indivíduos vacinados consigam gerar uma proteção contra as doenças. Mas também já conversamos aqui no Blogs sobre como isto não é sobre um indivíduo protegido, mas sobre bloquear o avanço da doença na população.

    Pois bem: é sobre isto que estes modelos tratam.

    Um estudo publicado em preprint em dezembro de 2020 (1), mostra que para a COVID-19, vacinas com acima de 50% de eficácia já reduziriam muito o avanço da doença. Além disso, evitaria-se 50% de mortes com pelo menos 35% da população vacinada (fenômeno conhecido como Cobertura Vacinal) – comparando-se com o cenário de não termos tratamentos para a doença. Vacinas com esta eficácia e ampla cobertura vacinal, já atingiriam a meta (nos Estados Unidos) de ocupação dos leitos de UTI dentro das demandas passíveis de serem atendidas.

    Assim, no modelo proposto pelos autores, uma cobertura vacinal de 70% da população, com uma vacina que apresentasse 60% ou mais de eficácia, conteria a pandemia de Covid-19. (Este dado leva em conta uma baixa transmissão na população!). *Atualização: este texto foi elaborado antes do debate sobre as novas variantes. Tal dado tem sido revisto em novas análises e deve ser levado em consideração para um debate mais preciso [nota da autora].

    Tudo isto parece bem interessante e já temos visto bastantes notícias sobre a importância da cobertura vacinal… Todavia, como priorizar quem será vacinado primeiro?

    Depende…

    Ué! Como assim?

    Temos dito aqui no Blogs: a vacinação é uma estratégia de governo, uma política do país, para minimizar efeitos de uma doença na população. Por ser estratégica, ela deve possuir metas específicas a serem atingidas – e estas metas são organizadas a partir de estudos técnicos pelas instâncias de gestão de saúde pública. No nosso caso: Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

    Como não teremos vacinas para toda a população desde o início, existe a necessidade de estabelecimento destas metas e objetivos. Por exemplo, neste modelo indicado anteriormente, os autores dizem que dependendo da eficácia das vacinas (e outros fatores): 

    • Se a meta consiste em diminuir infecções sintomáticas e hospitalizações fora da UTI, deveria-se priorizar os grupos jovens, pois interrompe-se a transmissão em um dos grupos que mais circula;
    • Entretanto, se a meta é diminuir infecções em UTIs, com possibilidade de agravamento e morte, idosos devem ser prioridade de vacinação;

    Sugere-se estes modelos de modo generalista e os próprios autores propõem que novos parâmetros devem adicionarem-se adicionados, dependendo da realidade do sistema de saúde pública de cada país e, além disso, as questões de desigualdade social.

    Em outra pesquisa, também em preprint(2), os cientistas reforçam a ideia dos critérios de vacinação por idade, devido à alta mortalidade vista neste grupo.

    Mas então os critérios se restringem à idade?

    Também não. Para compreender como controlar a doença, as pesquisas usam esses modelos matemáticos elaborados a partir de modelos anteriores. Por exemplo, usamos modelos de gripe, mas vamos inserindo características da Covid-19 – até que esse novo modelo seja funcional para a nova doença e a represente com mais fidedignidade. Da mesma forma,  a Covid-19 servirá de modelo para alguma outra doença respiratória viral que  iremos enfrentar no futuro.

    As modelagens para controle da doença, via vacinação, levam em conta as taxas de infecção por idade e grupo de risco. Todavia, também buscam compreender e calcular a partir do desenvolvimento da doença em cada país ou região. Além disso, é preciso considerar a eficácia das vacinas, a cobertura vacinal para cada faixa etária e grupo de risco analisado.

    Por exemplo, países com populações que vivem abaixo da linha da pobreza ou em situação de vulnerabilidade, precisam ter incluídas na conta  como a transmissão e o risco de infecção atingem estas populações. Com isto, elaboramos as estratégias de vacinação a partir de riscos específicos. O mesmo pode ser dito e pensado acerca das prioridades de trabalhos e demandas sociais – escolas, transportes, setores alimentícios, populações urbanizadas ou rurais, etc.

    Cada um destes itens pode (e na medida do possível, deve) ser adicionado aos modelos que calculam o avanço da doença – ou sua contenção – junto com instrumentos como a vacina.

    A vacinação e as políticas públicas

    É sempre bom retomar a ideia de que sendo a vacinação da Covid-19 um acontecimento recente (por motivos óbvios), é imprescindível que ela seja planejada e estruturada para atingir não apenas uma grande cobertura vacinal, mas também grupos prioritários que vão diminuir a pressão em leitos hospitalares.

    Isto é, os grupos prioritários também são pensados em função de ocupação de leitos hospitalares e, portanto, diminuição de mortes de Covid-19, de outras doenças que atualmente estão sem leitos hospitalares e custos elevadíssimos para a saúde pública.

    Vacinar se torna, assim, uma ferramenta crucial para diminuir contágios e mortes, mas também gastos com a saúde de toda a população. Vou falar novamente, pois acho fundamental lembrar e bater nesta tecla:

    Para saber mais

    1. Matrajt, L; Eaton, J; Leung, T; Brown, E. (2020) Vaccine optimization for COVID-19: who to vaccinate first? 
    2. Bubar, K; Reinholt, K; Kissler, SM; Lipsitch, M; Cobey, S; Grad, YH; Larremore, DB (2020) Model-informed COVID-19 vaccine prioritization strategies by age and serostatus

    Outras Referências

    Brasil (2020) Programa Nacional de Imunização

    Brasil (2020) PLANO NACIONAL DE OPERACIONALIZAÇÃO DA VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19

    Kornfield, M (2020) When will children get a coronavirus vaccine? Not in time for the new school year, experts fear. The Washington Post

    Outros textos do Especial sobre vacinas:

    Vacinas: se eu quiser eu tomo!                           

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vacinas: se eu quiser eu tomo!

    Quando lemos sobre vacinas, temos visto um acirrado debate acerca de sua obrigatoriedade e as ações do governo para garantir a vacinação a todos. Além disso, há toda uma polêmica sobre o rápido desenvolvimento das vacinas.

    Todavia, hoje gostaríamos de falar de outra questão. Pois, talvez seja pouco compreendido (ou falado?) sobre como vacinas se transformaram, no mundo, em grandes ferramentas e estratégias por aliarem um conjunto enorme de áreas científicas: estatística, epidemiologia, virologia, biologia molecular, genética, demografia, geografia, ciências sociais, educação… 

    Vamos falar sobre Saúde Pública e vacinas?

    Situar a importância do advento das vacinas e a sua relação com a saúde pública, coletiva e individual torna-se fundamental.

    A saúde é um conceito complexo, que não se resume a ter uma doença ou à ausência de sintomas. Para a Organização Mundial da Saúde, Saúde é uma condição de “bem estar físico e mental”. E esta noção engloba uma série de fatores que falam mais do que termos sintomas específicos de alguma patologia. Este conceito aponta para, além de não termos sintomas, nos sentirmos bem (em aspectos amplos) conosco mesmos.

    Esta visão, no entanto, aponta para uma questão que é individual – ela conceitua a partir de um indivíduo consigo mesmo. A ideia de Saúde Pública, no entanto, precisa de outros indicadores. Quando falamos de saúde aqui no blogs, não estamos nos limitando à ideia de “ausência de doenças”, seja no nível individual, seja populacional.

    Assim, a saúde representa bem mais do que um ato médico – e não se limita ao saber deste profissional. Temos visto nestes tempos de Covid-19 profissionais biomédicos, farmacêuticos, químicos, biólogos, economistas, cientistas políticos e sociais, educadores, enfermeiros, historiadores falando sobre o tema a partir de diferentes pontos de vista e – cada um dentro de sua área – nos ajudando a entender tudo o que temos vivido sobre esta doença. 

    Além disso, também temos que compreender que a saúde, não apenas pensando sobre o “bem estar físico e mental”, como preconiza a OMS, mas de como uma população está vivenciando seu cotidiano – e como podemos observar estas vivências a fim de aumentar sua qualidade.

    Ah tá, quer dizer agora que eu tenho que pensar em todo o mundo da população…

    Calma! Não é que tenhamos que pensar em todo o mundo. Mas ao falar de saúde pública estamos tratando de população – que é o conjunto de indivíduos que vivem em um determinado território (cidade, estado, país, por exemplo…).

    Dessa forma, a questão é bem mais abrangente do que pode parecer! A ideia de população é recente em nossa história ocidental. “População” é um conceito que se relaciona, conceitualmente, à noção de estatística. 

    Como assim?

    É isso mesmo que tu leste! População não é uma ideia “natural” e que sempre existiu em nossa civilização. Esse conceito tornou-se presente vinculado a cálculos que mensuram indivíduos a partir de características específicas. Isto é, quando começamos a calcular unidades, a partir de similaridades que buscávamos entender. Por exemplo: quantidades de nascimentos em uma determinada região (uma cidade, por exemplo). Quantidade de mortes, nesta mesma região. Sobre as mortes, além de quantas mortes, do que será que estas pessoas morreram? Adoecimentos por patologias definidas, acidentes, assassinatos? 

    A partir do século XVII, embora mais presente no século XVIII, a estatística começa a tornar-se uma ferramenta central para governar populações, compreender a vida em sociedade e planejar em curto, médio e longo prazo como a vida dessa população, em um determinado espaço, deve acontecer.

    Nós conhecemos a ferramenta do CENSO, por exemplo, pesquisa feita pelo IBGE no Brasil, para levantar dados de como nossa população está naquele momento. Pois bem, como o CENSO é feito de maneira regular, temos ao longo do tempo indicadores que nos permitem avaliar como a nossa população está no momento em que o censo foi feito, mas também como foi se modificando ao longo das décadas e séculos. 

    Tudo bem. Mas o que isso tem a ver com a vacinação?

    Tu podes estar te perguntando “aonde mesmo esse post vai parar”. Pois bem… Quando falamos de saúde, censo, estatística, população estamos falando de aspectos da saúde pública e de conhecimentos técnicos que servem para governar uma população. 

    Algumas pessoas têm falado sobre a vacinação ser um ato individual e que cabe a cada um decidir por si se vai ou não se vacinar. Também andamos escutando que a vacina não deve ser obrigatória e tudo mais… Falas como:

    eu vou me vacinar e aí está tudo bem no mundo, azar de quem não quer ou não pode
    ou
    eu já peguei Covid-19 e não preciso mais me preocupar com medidas sanitárias, nem com a vacina no país
    ou ainda
    eu não quero me vacinar, é um direito individual meu!

    Quando temos uma situação como a que estamos vivendo – de uma pandemia – ou de doenças que acometem uma parcela GRANDE de pessoas, temos alguns debates éticos fundamentais. A vacinação é um destes pontos de embates

    Embora os atos individuais sejam importantes e fundamentais para terem seus direitos resguardados, a segurança da população não é algo que pode ser negligenciado por governos. Desta forma, um governo precisa, simultaneamente, respeitar sim as individualidades, mas fundamentalmente ter a maior quantidade de ferramentas possíveis para proporcionar saúde e segurança a todos os indivíduos de uma população.

    hm, sei…

    Já comentamos anteriormente que a estatística é uma ferramenta para compreender e gerenciar a população. A partir dos cálculos estatísticos, nós conseguimos saber, por exemplo, quantas pessoas precisam ser vacinadas para que determinadas doenças não se espalhem em uma determinada região. Isto quer dizer que existem cálculos que nos permitem avaliar a quantidade de vacinas que aplicaremos, quais grupos mais emergenciais para serem vacinados primeiro para que a menor quantidade de pessoas possível seja contaminada e a doença pare de circular em nossa cidade, estado ou país

    Claro que tomar vacina, como indivíduo, diminui drasticamente as chances deste indivíduo adoecer. E isso é importante para este indivíduo.

    Entretanto, a vacinação é um ato de saúde pública. Ela funciona não apenas para que UMA pessoa não adoeça. Vacinas são conhecimento científico, desenvolvido para conter doenças simultaneamente em indivíduos e em populações.

    É contenção populacional pois quando muitos indivíduos são vacinados, cada vez menos os vírus têm pessoas para contaminar. Quando alguém se contamina, o vírus fica limitado àquela pessoa e não consegue contaminar mais gente ao redor.

    Cobertura vacinal

    É isto que temos chamado de cobertura vacinal: a porcentagem de pessoas, em uma população, que estão cobertas pela vacina (tomaram vacina, portanto).

    Temos visto uma queda na cobertura vacinal em várias vacinas. Se olharmos o Data SUS, veremos que, por exemplo, Hepatite B em crianças de até 30 dias, tinha uma cobertura vacinal de 90,93% em 2015. Em 2019 tivemos uma cobertura vacinal de 78,57%. No ano de 2020 tivemos uma queda ainda maior, chegando à 59,30%. 

    A Poliomelite (também conhecida como paralisia infantil) foi uma das grandes conquistas de erradicação via vacinas. No ano 2000, tínhamos uma cobertura vacinal de 101,44%, em 2010 tínhamos a cobertura em 99,35%. Entretanto, o ano de 2020 esta cobertura vacinal caiu para 72,74%!

    Dessa forma, doenças que eram consideradas erradicadas podem sim retornar e circular em nossa população! A hesitação em tomar vacina é característica e têm ganhado força no Brasil e no mundo. Sato aponta que:

    “As consequências são as frequentes epidemias de doenças imunopreveníveis, como sarampo e coqueluche que ocorrem atualmente em todo o mundo, e a ameaça da reintrodução da poliomielite em regiões nas quais já foi eliminada. Na Europa, nos primeiros oito meses de 2018 ocorreram mais de 41.000 casos de sarampo. Nos Estados Unidos, proporção substancial dos casos de sarampo ocorreu em indivíduos intencionalmente não vacinados. Da mesma forma, a hesitação vacinal também desempenhou um papel importante no ressurgimento da coqueluche, apesar de ser atribuído à perda de imunidade”.

    E a Covid-19?

    Estamos falando de um protocolo de vacinação que esta recém iniciando. As pesquisas realizadas para o coronavírus, claro, são recentes (uma vez que a doença é nova). Mas as tecnologias desenvolvidas para estas vacinas são antigas conhecidas das ciências. Assim, as etapas de testes de segurança e eficácia foram cumpridas e, reforçamos, a vacina não é um ato para quem toma ficar protegido.

    Ao tomarmos a decisão de não nos vacinarmos, não é apenas nós como indivíduos que corremos o risco. Ou seja, é abrirmos corredores dentro da população para o vírus circular e permanecer adoecendo mais e mais pessoas. Não é adoecermos amanhã: é um ato de deixar o vírus sobreviver por anos, circulando e adoecendo a população. Mais do que isso: matando e ocupando leitos hospitalares, trazendo custos sociais elevadíssimos, para algo que é fundamentalmente evitável.

    É demasiadamente importante incorporar-se à luta pela vacinação. Cobrar para que ela seja aplicada na população, com campanhas de massa, respeitando os grupos de riscos – no próximo post falaremos mais sobre isto e por que motivo defendemos que ela seja pública, gratuita, via SUS e feita de modo ágil e coordenado pelo governo federal, estadual e municipal, com apoio de todos os setores públicos.

    Para saber mais: 

    Ministério da Saúde (BR), Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Informações de saúde (TABNET)

    Moran-Gilad J, Kaliner E, Gdalevich M, Grotto I (2016) Public health response to the silent reintroduction of wild poliovirus to Israel, 2013-2014. Clin Microbiol Infect, 22 Suppl 5:S140-5

    Phadke VK, Bednarczyk RA, Salmon DA, Omer SB (2016) Association between vaccine refusal and vaccine-preventable diseases in the United States: a review of measles and pertussis. JAMA. 2016;315(11):1149-58.

    Sato, Ana Paula Sayuri (2018) What is the importance of vaccine hesitancy in the drop of vaccination coverage in Brazil? Revista de Saúde Pública, v52, 96

    Senra, Nelson de Castro. (1999). Informação estatística: política, regulação, coordenação. Ciência da Informação, 28(2), 124-135. 

    SENRA, Nelson (2008) Pesquisa histórica das estatísticas: temas e fontes, História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v15, n2,p.411-425. 

    Senra, Nelson (2018) Da DGE até hoje, com o IBGE, uma sucessão em linha reta Estadística y Sociedad, México, p.56-81, n.5 Noviembre. 2018

    Outras postagens do blogs sobre vacinas

    Especial Covid-19: vacinas

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vocês sabem o que é “Clickbait”?

    Este termo é usado em manchetes e títulos para atrair a atenção (e cliques!) a partir do sensacionalismo. Sensacionalismo este que pode, inclusive, ser aversivo a nós, na primeira leitura.

    Pode parecer bobo! Mas na verdade o clickbait é super eficiente – e aí reside o perigo! A divulgação científica e o jornalismo tem debatido este tema, sua necessidade (na verdade a falta de necessidade) e a ética desta prática.

    Afinal, mais do que só clicar, a ideia é compartilharem nosso conteúdo!

    Nós sabemos, também, que muitas vezes não há leitura do material completo. Assim, um título ou manchete impactante – mas não necessariamente vinculado à verdades ou fatos – pode gerar exatamente o efeito contrário do que gostaríamos!

    Além disso, também é importante mantermos manchetes e títulos que angariem mais e mais pessoas possibilitando aprofundamento e argumentação com nosso material – e não engajamento por raiva, choque e por termos ficados estupefatos…

    Lidar com divulgação científica e jornalismo científico é lidar com ética e direito às pessoas terem acesso à informação confiável. Ou seja, rebatendo atos de raiva e cliques com compartilhamentos sem leitura e compreensão dos conteúdos. E isto é um pressuposto básico e ético de uma comunicação empática e ética. Dessa forma, mais do que cliques e seguidores, debates sobre fatos, argumentação sobre pressupostos, compreensão social da ciência e seus princípios!

    Ser sensacionalista – por exemplo com manchetes de “efeitos colaterais da vacina”, “mutação do nosso DNA com as vacinas” ou (pior) o “uso de fetos abortados e vacinas” – mexe com o imaginário de pessoas. Assim, assustamos, mais do que conversamos. Geramos raiva e desafeto, mais do que informamos. Produzimos pânico, mais do que propomos compreensão.

    Assim, seguimos uma pergunta crucial sobre nosso papel na produção de conteúdos diários para todos vocês!

    Isso inclui uma postagem sobre o clickbait, em plena pandemia da covid-19 – que já gera medo o suficiente em nossa população! Não precisamos alardear mais e mais receio, sem qualquer fundamento.

    Há estudos científicos sobre clickbait e estes estudos indicam perda de credibilidade dos veículos. Lá no twitter vocês podem ver nos “assuntos do momento” o quanto veículos se aproveitam para gerar aversividade e raiva para o engajamento.

    Com base na ciência, apontamos que precisamos de mais cautela e ética, especialmente em tempos de crise!

    Por fim, vamos inserir uma série de referências sobre isto – exatamente para reforçar que não é “só uma clicada”, não é “só um compartilhamento”, não é “apenas uma piada que gera engajamento”.

    Compromisso com notícias, com ciência, com divulgação científica não é apenas falar de fatos – e usar ironia ou buscar engajamento não pode ser feito à revelia de ética e empatia!

    Há estudos que indicam, sim, que isso pode ter um impacto social e estimulem produção de fake news.

    Em tempos de crise sanitária, qualquer clickbait que gere medo em relação às vacinas é triste, pois em nome do engajamento e compartilhamento do conteúdo, estimulamos raiva, descrença e fake news!

    Vamos apoiar boas práticas na ciência e na divulgação científica? 

    Divulgadora queridíssima do nosso coração que falou sobre o clickbait e fake news do momento (brilhantemente):
    @mellziland

    Para saber mais:

    Clickbait na wiki

    Pedro, M (2019) O clickbait no ciberjornalismo português e brasileiro: o caso brasileiro

    Bolton, DM (2017) Fake news and clickbait–natural enemies ofevidence-based medicine.

    Bourgonie, P (2017) From Clickbait to Fake News Detection:An Approach based on Detecting the Stance of Headlines to Articles.

    Potthast M., (…) (2016_ Lecture Notes in Computer Science, vol 9626. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-319-30671-1_72

    Hurst, N (2016) To clickbait or not to clickbait? : an examination of clickbait headline effects on source credibility.

    P.S.: Esse post veio de leituras aterrorizadoras pela manhã? Sim! Mas também veio de uma conversa com o @Dslmoura. obrigada por instigar 🙂

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vacina em camelô? Será fake news?

    BREAKING ~FAKE~ NEWS*

    O Brasil, ao que parece, não brinca em serviço…

    Recebemos em vários de nossos canais a notícia de que a vacina contra o coronavírus já está sendo vendida em camelôs na terrabrasilis!

    Será que funciona mesmo? Será que é real?

    Nós queremos muito dar uma boa notícia a todos vocês. Por exemplo, que o Plano Nacional de Imunização para a vacina contra a Covid-19 já está sendo implementado aqui no nosso país, com uma política EFICIENTE e campanha em massa para todos os brasileiros!

    No entanto, ainda não é a realidade!

    Dessa forma, a vacina que está sendo vendida nas ruas (e aplicada na hora) NÃO É VERDADEIRA e não sabemos ao certo que tipo de produto está sendo comercializado e TODO CUIDADO É POUCO!

    Isto é, temos sim a imensa tentação de se ver livre do coronavírus! Entretanto, com este produto não teremos imunização ainda!

    Assim, seguimos alertando: cuidado com as fake news e mensagens que chegam pelas redes sociais, sem confirmação de veículos oficiaIs ou canais confiáveis! O Blogs da Unicamp tem material específico sobre isso.

    No entanto, sim, há novidades sobre as vacinas no Brasil!

    Ontem, dia 21/12/2020, por exemplo, a Anvisa concedeu à Sinovac – empresa que produz a CoronaVac o certificado de “Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos”, publicado no Diário Oficial da União! Esta é uma ótima notícia, tendo em vista que isto adianta os processos para assim que os resultados forem divulgados, o andamento dos planos de vacinação possam ser implementados! Mas ainda há etapas a serem executadas – isso inclui recebermos os resultados da CoronaVac que está prevista para amanhã!

    E agora?

    Seguimos em casa, organizando materiais a vocês. Entretanto, como está chegando o final do ano e é fundamental lembrarmos que as recomendações ainda seguem as mesmas:

    • Mantenha distanciamento social e, se possível, NÃO SAIA DE CASA (isso inclui compras natalinas em shoppings lotados ou compras de vacina em camelôs);
    • Uso correto de máscaras – sim, precisa incluir o nariz dentro da máscara, não coloque a mão sem higienização na máscara para arrumá-la, não tire a máscara para tossir/espirrar, use SEMPRE a máscara em locais públicos
    • Se estiver em casa, com suspeitas de ter se contaminado, a regra da máscara também vale! Familiares também se contaminam com familiares! Cuide de quem mora com você!
    • Higienização das mãos e rosto. Água e sabão sempre que possível. Nas mãos use álcool em gel.
    • Não aglomerar (vale para happy hour, shopping lotado, praias, baladas e a sala de casa recebendo visitas)
    • Lembrar SEMPRE de conferir a veracidade de notícias que chegam para nós nas redes sociais! Especialmente aquelas soluções milagrosas e mágicas

    Relembrando 

    Só retomando que sobre “políticas públicas baseadas em ciência” nós e a Rede Análise Covid-19 produzimos uma carta e estamos pedindo ajuda e empenho de todos vocês para juntar um número maior e mais significativo para enviar a representantes políticos!

    Por fim, se cuidem, planejem este final do ano para ficarem o mais resguardados possível, combatam fake news e voltem sempre, a casa é sua!

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • E aqueles resultados das vacinas? (Parte 3)

    Hoje vamos continuar a nossa série de textos sobre os resultados que estão saindo das vacinas candidatas para COVID-19. Nós já falamos sobre como funcionam as fases de testes delas, o que é a sua eficácia e a relação disso com a memória imunológica. Nesse post, nós vamos falar (finalmente!) sobre os resultados em si. Isto é, o que eles significam para nós, os prós e contras e os possíveis problemas relacionados com cada uma delas.

    E então, o que são realmente esses resultados que estão saindo?

    Vamos detalhar um pouco sobre 3 vacinas: a Pfizer/Biontech, Moderna e Astrazeneca/Oxford e seus resultados. Depois compará-las para, por fim, dos acordos brasileiros com cada uma delas. Lembrando que esta última parte muda diariamente, em função dos resultados que vêm saindo e prioridades do Governo Federal.

    Pfizer/Biontech

    Para começar, vamos falar da vacina da Pfizer/Biontech 1. Tanto aqui quanto nas outras, vamos ter de falar de números, mas prometo que será rápido. Ela foi testada em cerca de 43 mil pessoas. Sua eficácia ficou em 95%. Isto é, de todos os 43 mil participantes do teste que tiveram Covid-19 (170 pessoas), somente 5% estavam no grupo que tinha recebido a vacina (8 pessoas). Além disso, 10 pessoas desenvolveram a forma grave da doença, mas somente 1 havia recebido a vacina (9 eram do grupo placebo). Isto demonstra uma eficácia de 90% em reduzir a gravidade da forma de Covid-19 desenvolvida.

    Se você não lembra da explicação da eficácia, confere o nosso primeiro texto aqui.

    Em relação às reações, a vacina foi bem tolerada. Em uma análise prévia feita pelos pesquisadores, os únicos efeitos adversos graves que as pessoas disseram ter sentido foram cansaço e dor de cabeça. E isto em uma pequena porcentagem dos casos. Alguns idosos reportaram febre e efeitos colaterais leves. Mas isso já era um resultado esperado e não compromete a segurança da vacina.

    Moderna

    A candidata da vacina da Moderna 2,3 foi testada em 30 mil pessoas nos Estados Unidos. Ela possui uma eficácia muito parecido com a da Pfizer/Biontech, de aproximadamente 94,1%. Ou seja, de todos as pessoas testadas 196 tiveram Covid-19, dessas somente 11 estavam no grupo que tinha recebido a vacina (5,9%).

    Houve também 30 pessoas que desenvolveram a forma severa da Covid-19, mas todos estavam no grupo placebo. Este dado demonstra uma eficácia de 100% em proteger os pacientes imunizados de desenvolver a forma severa da doença.

    Essa vacina também foi bem tolerada e teve poucas reações. Sendo que a grande maioria dos efeitos colaterais que foram reportados terem sido leves e moderados. Durante a aplicação da primeira dose, o único efeito adverso grave que foi dito pelos pacientes foi a dor local da aplicação. Já após a segunda dose, uma pequena quantidade de pacientes disseram ter tido cansaço, dor muscular, dor nas juntas, dor de cabeça, e vermelhidão no local da injeção.

    Astrazeneca/Oxford

    Por fim, a vacina da Astrazeneca/Oxford 4,5 veio com resultados um pouco diferentes. A princípio eles testaram duas dosagens diferentes para aplicação e cada uma delas teve uma eficácia.

    Os pacientes que receberam uma meia-dose na primeira aplicação e uma dose inteira na segunda tiveram uma eficácia de 90%. Enquanto os pacientes que receberam doses inteiras nas duas aplicações tiveram uma eficácia de 62%. No total, a média da eficácia foi de 70%. Isto é, de todos os pacientes que foram testados 131 tiveram Covid-19. Mas destes somente 39 haviam recebido a vacina. Confuso? Sim! Todavia vamos explicar melhor isso daqui a pouco. Esses testes já foram feitos em 23 mil pessoas no Reino Unido, Brasil e África do Sul. No entanto, os pesquisadores esperam testar 60 mil pessoas até o fim do ano. Isso com testes que já estão sendo conduzidos em outros países da América Latina, Europa, Ásia e África.

    Também de acordo com os pesquisadores, a vacina foi bem tolerada por todos os grupos, mas eles não entraram em detalhes sobre os efeitos colaterais.

    OK, muito bonito! Mas traduz pra mim: o tudo isso significa? Tem algum problema ou diferencial com alguma delas?

    As diferenças entre as vacinas

    Bem, a princípio a primeira grande diferença entre as vacinas é o tipo delas. Principalmente entre a da Pfizer/Biontech e Moderna com a da Astrazeneca/Oxford 6.

    No caso das duas primeiras, o que é injetado é uma “receita” de como produzir a proteína Spike. Esta proteína está envolta por uma bolha de gordura. Já no segundo caso, na vacina Astrazeneca/Oxford, o que é injetado é um vírus que causa resfriado (adenovírus) em chimpanzés. Mas é importante ressaltar que o material genético dele foi modificado. Com isso, este vírus modificado não consegue se multiplicar ou causar o resfriado. Além disso, ainda carrega as ordens de como produzir essa mesma proteína Spike. Em termos mais simples, esse vírus funciona como um “cavalo de tróia” para a receita da Spike. É necessário dizer que nesse caso, não há necessidade de se preocupar com esse vírus, visto que não consegue se replicar dentro das nossas células.

    Além dessa óbvio diferença, um grande ponto que vem sendo discutido é em que temperatura essas vacinas precisam ser armazenadas. A candidata da Pfizer/Biontech necessita de temperaturas próximas do -70oC. Enquanto que a candidata da Moderna necessita de -20oC. Já a Astrazeneca/Oxford pode ficar armazenada em temperaturas entre 2-8oC. O grande motivo disso é o tipo de tecnologia usada nas vacinas.

    A receita para produzir a proteína Spike

    A “receita”, que comentamos mais cedo para produzir a Spike, é o chamado RNA mensageiro (RNAm). Esta é uma molécula facilmente degradada no ambiente. Um exemplo disso é que na nossa lágrima, suor, saliva e outras secreções temos enzimas capazes de destruí-las. Como se não bastasse, ainda há a camada de gordura que recobre e protege esse RNA mensageiro que também não é muito estável. Por causa disso são necessárias temperaturas tão baixas. Pois assim essas enzimas são inativadas, e toda a estrutura do RNAm – além da capa de gordura – é preservada 7

    Já na vacina da Astrazeneca/Oxford, o que recobre o material genético entregue para a célula é a cobertura de um vírus comum (basicamente proteínas). E isto é muito mais tolerante à temperaturas mais altas. No fim, o impacto real disso será na logística de distribuição das vacinas (que será comentado mais à frente).

    Sobre os números de pacientes

    Um outro ponto problemático vem sendo comentado entre cientistas 8. A falta de clareza em relação aos números de pacientes nos resultados comentados pela Astrazeneca/Oxford foi ponto de debate. Em especial comparado a Pfizer/Biontech e Moderna. Principalmente referente aos pacientes que desenvolveram a forma severa da Covid-19 e a porcentagem de pacientes que tiveram sintomas colaterais.

    Por fim, a principal questão que se discutiu há alguns dias foi referente ao problema de produção das doses. Em relação à duração da fase 3 de testes da Astrazeneca/Oxford 9,10, fez com que uma porcentagem dos participantes recebesse uma primeira dose com meia dosagem. Isso ao invés de inteira, o que no fim das contas, se mostrou bem mais efetivo do que uma primeira dose completa. O motivo da resposta imune ter sido melhor é desconhecido para a comunidade científica. Todavia, algumas hipóteses já estão sendo pensadas. Por exemplo: um número menor de vírus poderia estimular melhor um subgrupo de linfócitos T que auxiliam na geração de anticorpos. Uma outra hipótese em potencial debate sobre o desenvolvimento de uma resposta imune também contra o vírus “Cavalo de Tróia”. Assim, essa resposta a ele pode ter camuflado a resposta contra a Spike em si 11

    Tá, e quanto elas vão custar pra mim? O Brasil tem acordo com alguma dessas empresas? 

    A princípio tem se falado que a vacina mais barata será a da Astrazeneca/Oxford. Inclusive, o Brasil tem acordos – ficando em torno de 3-4 dólares por dose. Já para a vacina da Moderna e da Pfizer/Biontech tem se falado em aproximadamente 20 dólares por dose. No entanto, pode chegar até a 32 ou 35 dólares 12,13. Para essas duas últimas, nós não temos qualquer acordo, até o momento. 

    A da Pfizer/Biontech precisará equipamentos muito mais caros para conseguirem ser armazenadas dos que as suas duas concorrentes. O que pode ser um problema para países subdesenvolvidos, visto que isso encarece o preço da dose (que comentaremos mais à frente também)

    O grande motivo das candidatas da Moderna e Pfizer/Biontech serem mais caras é toda a logística necessária para o transporte. No caso da PfizerBiontech, também há a questão da necessidade de baixíssimas temperaturas. Dessa forma, há um encarecimento do processo visto que é preciso equipamentos bem mais caros para conseguir se armazenar as doses da vacina. Além disso, há todo um esforço da Universidade de Oxford para que a sua candidata seja vendida a custo de produção. Especialmente durante essa fase mais difícil da pandemia. Assim, países que não possuem condições financeiras tão favoráveis para a compra de vacinas mais caras, teriam acesso14.

    Referências:

    1. Pfizer and Biontech conclude phase 3 study of covid-19 vaccine candidate, meeting all primary efficacy endpoints.
    2. Moderna’s COVID-19 Vaccine Candidate Meets its Primary Efficacy Endpoint in the First Interim Analysis of the Phase 3 COVE Study.
    3. Moderna Announces Primary Efficacy Analysis in Phase 3 COVE Study for Its COVID-19 Vaccine Candidate and Filing Today with U.S. FDA for Emergency Use Authorization
    4. AZD1222 vaccine met primary efficacy endpoint in preventing COVID-19
    5. Oxford University breakthrough on global COVID-19 vaccine
    6. Lowe, D (2020) Coronavirus Vaccine Update, July 7.
    7. Kaiser, J (2020) Temperature concerns could slow the rollout of new coronavirus vaccines.
    8. Booth, W, Johnson, CY (2020) AstraZeneca coronavirus vaccine up to 90% effective and easily transportable, company says.
    9. Cohen, J (2020) After dosing mix-up, latest COVID-19 vaccine success comes with big question mark.
    10. The Guardian (2020) Oxford Covid vaccine hit 90% success rate thanks to dosing error.
    11. Callaway, E (2020) Why Oxford’s positive COVID vaccine results are puzzling scientists, Nature.
    12. New York Times (2020) Early Data Show Moderna’s Coronavirus Vaccine Is 94.5% Effective
    13. The Guardian (2020) Oxford AstraZeneca Covid vaccine: everything we know so far.
    14. The Guardian (2020) Oxford AstraZeneca vaccine to be sold to developing countries at cost price.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Nosso pedido para 2020

    Este texto foi elaborado conjuntamente pelas Equipes
    Blogs de Ciência da Unicamp e Rede Análise Covid-19

    Nem nas festas de fim de ano o vírus da Covid-19 dá trégua!

    Todos sabemos que as festas de final de ano são importantes eventos familiares e sociais em nosso país. Talvez em um ano tão difícil como foi 2020, as pessoas estejam se perguntando se terão que abrir mão também destes momentos e se não podem fazer uma exceção só desta vez.

    Nós, aqui da Divulgação Científica, temos um compromisso assumido desde o início com vocês, que é de não mentir ou omitir informações e buscar sempre o melhor modo de apresentar o conhecimento científico, debater as informações de modo mais respaldado na literatura científica possível.

    Não será diferente neste momento. Então, vamos lá…

    Não é uma questão de ignorarmos nossa cultura e tradições. Todavia, também precisamos ressaltar alguns pontos que podem, sim, ser a diferença entre a vida e a morte:

    • O vírus não vai entrar em recesso só porque este é um costume praticado por parte da população;
    • Parentes e amigos infectados também contagiam pessoas. Inclusive exatamente pela proximidade de contatos que temos com as pessoas é que nos infectamos;
    • Festividades são momentos em que podemos nos descuidar mais e, por este motivo, precisam sim de atenção redobrada.
    • Uso de máscaras, distanciamento físico e higienização adequada de utensílios e de nossas mãos não deixam de fazer sentido nesse momento, muito pelo contrário. É necessário atentar-se para isso, especialmente se o momento da festividade for inegociável.

    Pensando nisso, o Blogs de Ciência da Unicamp e a Rede Análise Covid-19 têm se preocupado em como agir, para além de divulgar conhecimento. Gostaríamos de apresentar parte dos dados que indicam que os casos no Brasil estão aumentando, as internações voltaram a subir e precisamos não só de ações individuais, mas de um empenho público e coletivo. Ao final desta postagem, vocês vão encontrar uma série de links em que temos apresentado os dados mais atuais, dicas de cuidados com materiais para enviar aos amigos e familiares nas redes sociais e informações que temos produzido nestas últimas semanas!

    No entanto, queríamos fazer mais e temos sentido essa necessidade de compartilhar com vocês, que acompanham nosso trabalho, nossa intenção de nos engajarmos por cobranças mais efetivas de quem pode nos ajudar de modo prático pelo bem de todos. Neste sentido, montamos uma carta e a disponibilizamos aqui em anexo para quem quiser copiar e enviar aos seus representantes políticos, pedindo um empenho maior do poder público em políticas baseadas em evidências científicas e dados técnicos para proteger mais e melhor a população e cada um de nós.

    Algumas dicas para esta carta!

    Update:
    Fizemos uma assinatura no Avaaz e vamos enviá-la às assessorias de Governadores, Senadores e Deputados Federais. A carta consta neste link.

    Além de assinar, vocês podem contribuir compartilhando ao máximo com os contatos de vocês!

    Use e compartilhe esta ideia!

    Envie o link para teus amigos, familiares, compartilhe nas redes sociais, nos ajude a espalhar esta iniciativa!

    Blogs de Ciência da Unicamp
    Rede Análise Covid-19

    Para saber mais:

    Sobre as festividades de fim de ano – cuidados e desafios (live no Youtube)

    Sobre a ocupação dos leitos: início da pandemia e neste momento

    Uma análise das internações hospitalares em Porto Alegre

    E aqueles resultados das vacinas?

    Estamos vivendo uma segunda onda? (live no instagram)

    Materiais para Download e compartilhamento:

    Hábitos para combater a Covid-19

    Como nos infectamos e transmitimos os coronavírus?

    Como evitar que o corona entre na minha casa?

    Quando sair, use máscara

    Vamos falar sobre a noite de véspera do Natal?

  • E aqueles resultados das vacinas? – Parte 2: Memória Imunológica

    No texto anterior, nós explicamos rapidamente como eram e o que se verificava em cada uma das fases de testes do desenvolvimento de uma vacina. Além disso, falamos sobre o que era a “eficácia” delas que tanto se fala na mídia nesses dias. Mais recentemente, entretanto, também se tem falado muito que as vacinas precisam ter “eventos” nos testes de eficácia…

    Tá, mas o que são esses tais eventos?

    Esse termo “eventos”, quanto aos resultados prévios das vacinas, é utilizado para se referir àquelas pessoas que se infectaram com o SARS-CoV-2 (e possivelmente desenvolveram alguma forma da Covid-19) após receber a candidata à vacina ou o placebo.

    Como assim? A pessoa é vacinada e se contagia?

    Calma… Na verdade, são esses eventos que servem para – entre outras coisas – descobrir a eficácia que comentamos na postagem anterior. Confuso? Vamos lembrar o exemplo que usamos anteriormente para entender o que era a eficácia:

    “Suponha que 50.000 pessoas serão testadas, 25.000 com a vacina e 25.000 com o placebo. Desses 50.000, 100 se contaminaram com o patógeno em um período de 3 anos. Analisando essas 100 pessoas que se infectaram, descobriu-se que 97 delas estava no grupo que recebeu o placebo e somente 3 no grupo vacinado. Fazendo uma divisão simples, descobre-se então que a vacina tem uma eficácia de 97%.”

    Nesse exemplo em específico, essas 100 pessoas que se infectaram são os chamados “Eventos”. Isto é, simplesmente uma forma mais impessoal e técnica de se referir aos pacientes nesses tipos de estudo, algo muito comum dentro da linguagem científica. Mas um pouco difícil de entender para não especialistas.

    Com as notícias dos testes sendo veiculados mais rapidamente, alguns termos técnicos acabam entrando nos noticiários, sem que a gente detalhe muito o significado!

    Ok, entendi isso, mas e a pergunta de ouro: quanto tempo a imunidade gerada por essas vacinas dura?

    Bom, já essa pergunta, junto com “A pessoa vacinada é capaz de não transmitir o vírus?” são perguntas bem mais complicadas de se responder, uma vez que demandam muito mais tempo e testes. 

    A princípio não sabemos quanto tempo a imunidade dessas vacinas dura. Assim, mesmo dentro da comunidade científica ainda há muitas dúvidas e todo dia vemos notícias de pesquisadores falando que a imunidade pode durar desde poucos meses até alguns anos 1-5. Toda essa confusão acontece pois a pandemia começou há poucos meses (apesar de não parecer visto o tempo que muitos de nós estamos em casa). Isto é, só agora estão começando a aparecer estudos que avaliam como o sistema imune humano tem respondido ao SARS-CoV-2 em um segundo contato 6-8

    Além disso, muitos dos primeiros estudos que saíram avaliando a duração da imunidade focaram nos anticorpos, mostrando que após poucos meses os níveis deles estavam bem baixo, o que é algo que pode assustar quando falamos. No entanto, é comum dentro da resposta imune, que estudamos usualmente 9-12. Contudo, é necessário lembrar que os anticorpos são somente “um braço” da resposta imune adaptativa. De poucos meses para cá já começaram a sair estudos que trazem mais informações sobre como os linfócitos T e B, o “braço celular” da resposta imune adaptativa, se comportam durante e após a infecção de Covid-19 13-17

    Memória Imunológica

    Vamos relembrar que os linfócitos são os responsáveis por gerar a Memória Imunológica (já comentada nestes textos aqui, aqui e aqui). Isto é o fenômeno que permite que nosso corpo responda mais forte, mais rápido e de forma mais eficiente em um segundo contato com um patógeno (no nosso caso, o vírus SARS-CoV-2). Toda a ideia por trás das vacinas é simular exatamente o primeiro contato com esse patógeno. Assim, quando nós entrarmos em contato de verdade com o vírus, já teremos células de memória e responderemos melhor contra ele. Mais do que isso, entramos em contato com o vírus sem sentir todos os sintomas da doença causada por ele. 

    Sobre a duração da imunidade

    Para responder a pergunta sobre a duração da imunidade, os pesquisadores que estão trabalhando com as novas candidatas a vacinas precisarão olhar para essas células: os linfócitos B e T. Entretanto, que os níveis de anticorpos caem após algum tempo nós já sabemos. Mas como disse anteriormente, isso é normal.

    Veja, após resolver a infecção, o corpo não vai querer continuar gastando energia e recursos preciosos para produzir milhões de cópias de anticorpos. O nosso corpo vai diminuir então a quantidade de anticorpos produzidos pelos linfócitos B de memória – agora chamados de Plasmócitos – para níveis bem baixos. Assim, os Plasmócitos ficam guardados na Medula Óssea. No entanto, eles não ficam completamente ausentes do corpo não!

    Esses plasmócitos ficam “dormindo” na medula óssea, enquanto liberam pequenas quantidades de anticorpos durante todo o tempo. Uma vez que o corpo entre em contato novamente com o patógeno, esses plasmócitos são reativados e começam a liberar grandes quantidades de anticorpos no sangue, para combater o patógeno mais uma vez.

    Linfócitos T

    Quanto aos Linfócitos T, primeiro é preciso lembrar que há dois deles: o Auxiliar e o Citotóxico. O primeiro deles é responsável por coordenar toda a resposta imune inata e adaptativa, ajudando as outras células a realizarem suas funções a partir da liberação de moléculas chamadas Citocinas. Já o segundo tem uma função muito mais direta: matar células modificadas (cancerígenas ou infectadas por um patógeno, como um vírus).

    Após um primeiro contato, assim como acontece para os linfócitos B, também são formados linfócitos T auxiliares e citotóxicos de memórias. Estes ficam guardados – em sua grande maioria – no baço e linfonodos (pequenos órgãos anexos à circulação linfática e distribuídos por todo o nosso corpo).

    Contudo, algumas dessas células ficam viajando entre os linfonodos e tecidos corporais de forma que dizemos que eles estão patrulhando o corpo. Por exemplo, em tecidos de órgãos como os pulmões, cérebro, intestino, fígado, rins, bexiga, etc. A partir do momento que as células patrulheiras encontram o mesmo patógeno de novo, elas liberam uma série de moléculas no sangue. Estas moléculas viajam até onde as células de memória estão guardadas. Assim, as células de memória são ativadas (“acordadas”) por essas moléculas e se juntam ao novo combate ao patógeno. 

    Análise por grupos de pessoas

    Dito tudo isso, é somente analisando as respostas por parte dessas células que os cientistas vão conseguir determinar qual a duração da imunidade contra o SARS-CoV-2. Para isso eles terão que analisar e comparar a atividade dessas células periodicamente durante os próximos meses em pessoas dos grupos:

    • Vacinado que não se infectou,
    • Vacinado que se infectou,
    • Controle que não se infectou,
    • Controle que se infectou.

    Para complicar ainda mais toda a situação e colocar mais uma variável, precisamos ficar de olho ainda para possíveis mutações que o vírus sofra nesse tempo, pois caso o nível de mutações dele seja muito alto (por exemplo como o vírus Influenza, causador da gripe comum), a vacina pode parar de ser efetiva em sua prevenção.

    Mas, e essas ressalvas?

    Essas ressalvas sobre as pesquisas seguem sendo feitas, mas não fazem com que as vacinas não sejam seguras!

    As vacinas que estão na fase 3 de testes já têm sua segurança testada (nosso texto anterior fala isso com mais detalhes!). Dessa forma, estas análises que serão continuadas após liberarmos a vacina é para conseguirmos averiguar por quanto tempo elas manterão sua eficácia. Ou seja, se uma dose será suficiente para toda a vida, se precisaremos nos vacinar anualmente ou a cada 10 anos, por exemplo! 

    Nós sabemos que já falamos aqui, mas não custa ressaltar: as vacinas que estão nestas fases de teste são seguras sim!

    Por fim, agora que entendemos tudo isso, fica ligado que no próximo texto. Vamos começar a discutir os resultados preliminares das vacinas que saíram recentemente, suas diferenças e algumas questões levantadas por pensadores ao redor do mundo.

    Para Saber mais

    1. BBC (2020) Coronavírus: o que a Ciência já sabe sobre imunidade pós-covid
    2. SCIENCE NEWS (2020) We still don’t know what COVID-19 immunity means or how long it lasts.
    3. Immunity to SARS-CoV-2 Lasts at Least Six Months, Data Show
    4. Immunity to the Coronavirus May Last Years, New Data Hint.
    5. Coronavirus immunity can last more than six months, study suggests
    6. To, KKW, Hung, IFN, Ip, JD, Chu, AWH, Chan, WM, Tam, AR, … & Lee, LLY (2020) COVID-19 re-infection by a phylogenetically distinct SARS-coronavirus-2 strain confirmed by whole genome sequencing. Clinical infectious diseases. Disponível:
    7. Tillett, R. L., Sevinsky, J. R., Hartley, P. D., Kerwin, H., Crawford, N., Gorzalski, A., … & Farrell, M. J. (2020). Genomic evidence for reinfection with SARS-CoV-2: a case study, The Lancet Infectious Diseases.
    8. Mulder, M., van der Vegt, D. S., Munnink, B. B. O., GeurtsvanKessel, C. H., van de Bovenkamp, J., Sikkema, R. S., … & Wegdam-Blans, M. C. (2020). Reinfection of Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 in an Immunocompromised Patient: A Case Report. Clinical Infectious Diseases: An Official Publication of the Infectious Diseases Society of America
    9. Why You Shouldn’t Worry About Studies Showing Waning Coronavirus Antibodies. Acessado em: 30/11/2020. Disponível em:
    10. Iyer, AS, Jones, FK, Nodoushani, A, Kelly, M, Becker, M, Slater, D, … & Astudillo, M (2020) Persistence and decay of human antibody responses to the receptor binding domain of SARS-CoV-2 spike protein in COVID-19 patients, Science immunology, 5(52).
    1. Wajnberg, A, Amanat, F, Firpo, A, Altman, DR, Bailey, MJ, Mansour, M, … & Stadlbauer, D (2020) Robust neutralizing antibodies to SARS-CoV-2 infection persist for months, Science.
    2. Wu, J, Liang, B, Chen, C, Wang, H, Fang, Y, Shen, S, … & Wu, Y (2020). SARS-CoV-2 infection induces sustained humoral immune responses in convalescent patients following symptomatic COVID-19, MedRxiv.
    3. Rodda, LB, Netland, J, Shehata, L, Pruner, KB, Morawski, PA, Thouvenel, CD, … & Fahning, ML (2020) Functional SARS-CoV-2-specific immune memory persists after mild COVID-19, Cell.
    4. Sekine, T, Perez-Potti, A, Rivera-Ballesteros, O, Strålin, K, Gorin, JB, Olsson, A, … & Wullimann, DJ (2020) Robust T cell immunity in convalescent individuals with asymptomatic or mild COVID-19, Cell, 183(1), 158-168.
    5. Dan, JM, Mateus, J, Kato, Y, Hastie, KM, Faliti, C, Ramirez, SI, … & Peters, B (2020) Immunological memory to SARS-CoV-2 assessed for greater than six months after infection, bioRxiv.
    6. Schulien, I, Kemming, J, Oberhardt, V, Wild, K, Seidel, LM, Killmer, S, … & Binder, B (2020) Characterization of pre-existing and induced SARS-CoV-2-specific CD8+ T cells, Nature medicine, 1-8.
    7. Le Bert, N, Tan, AT, Kunasegaran, K, Tham, CY, Hafezi, M, Chia, A, … & Chia, WN(2020) SARS-CoV-2-specific T cell immunity in cases of COVID-19 and SARS, and uninfected controls, Nature, 584(7821), 457-462.

    Para mais informações sobre a resposta imune humoral contra COVID-19:

    Ripperger, TJ, Uhrlaub, JL, Watanabe, M, Wong, R, Castaneda, Y, Pizzato, H A, … & Erickson, HL (2020) Orthogonal SARS-CoV-2 serological assays enable surveillance of low-prevalence communities and reveal durable humoral immunity, Immunity.

    Gudbjartsson, DF, Norddahl, GL, Melsted, P, Gunnarsdottir, K, Holm, H, Eythorsson, E, … & Thorsteinsdottir, B (2020) Humoral immune response to SARS-CoV-2 in Iceland, New England Journal of Medicine, 383(18), 1724-1734.

    Seow, J, Graham, C, Merrick, B, Acors, S, Pickering, S, Steel, KJ, … & Betancor, G (2020) Longitudinal observation and decline of neutralizing antibody responses in the three months following SARS-CoV-2 infection in humans, Nature Microbiology, 1-10.

    Gaebler, C, Wang, Z, Lorenzi, JC, Muecksch, F, Finkin, S, Tokuyama, M, … & Oliveira, TY (2020) Evolution of Antibody Immunity to SARS-CoV-2, Biorxiv.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Por que você não deveria argumentar com radicais – o efeito “Backfire”

    Sabe aquela vez que você topou, nas redes sociais ou fora delas, com uma pessoa muito convicta defendendo algo que você tinha certeza de que estava errado?

    Pode ter sido um antivacina, um terraplanista, um negacionista da pandemia ou um apoiador ferrenho de algum político, daqueles dispostos a defender qualquer bobagem ou mentira que seu ídolo tenha dito.

    Identificou o diálogo aí nas lembranças, né?

    Então, você têm os fatos e a ciência a seu favor. Você argumentou contra o que essa pessoa convictamente defendia e ela obviamente mudou de opinião diante das evidências que você apontou, não foi? Pois é, comigo também nunca aconteceu. A verdade é que, diante de pessoas inflexíveis sobre algo, muitas vezes não as convencemos nem mesmo de fatos elementares.

    Efeito backfire: quando a tentativa de argumentar sai pela culatra.
    (fonte: https://web.northeastern.edu/nulab/backfire-effects-misinformation)

    Seria essa tentativa de argumentar com os muito convictos, então, puro desperdício de tempo e energia? A realidade dura nos mostra que pode ser ainda pior do que isso. Sua tentativa de convencer o fanático pode ter um efeito totalmente negativo e torná-lo ainda mais convicto de sua crença. Esse é o chamado “efeito backfire” e é bem provável que você já o tenha produzido em alguém ou nele incorrido em discussões por aí.

    Entendendo o conceito

    “Nenhuma opinião deve ser defendida com fervor (…) O fervor apenas se faz necessário quando se trata de manter uma opinião que é duvidosa ou demonstravelmente falsa.” — Bertrand Russell

    O efeito backfire foi verificado pela primeira vez em um estudo publicado em 2010 [1], conduzido pelos cientistas políticos Brendan Nyhan e Jason Reifler das universidades de Michigan e da Georgia, EUA. Nesse estudo, eles criaram artigos fictícios de jornal que reproduziam informações falsas amplamente difundidas nos EUA à época. Por exemplo, como a ideia de que as forças armadas estadunidenses teriam encontrado armas de destruição em massa no Iraque do ditador Sadam Husseim. Os voluntários da pesquisa liam esses artigos e, na sequência, recebiam outro texto com a informação correta. Isto é as supostas armas de destruição em massa jamais foram encontradas.

    Um curioso resultado encontrado pela pesquisa foi o de que os voluntários mais conservadores e favoráveis à guerra contra o Iraque relataram, após a leitura do artigo com a informação verdadeira, que tinham ainda mais certeza de que as tais armas de destruição em massa realmente existiam. Em outras palavras, a tentativa de correção da crença incorreta desses voluntários “saiu pela culatra” (o efeito backfire) e eles ficaram ainda mais convictos sobre algo que nunca aconteceu de fato. Por acaso isso te soa familiar e te faz lembrar de alguma discussão que já teve com alguém?

    Mas, podemos chamar de ignorância?

    Não! Esse efeito não é fruto de ignorância ou burrice, como se poderia imaginar a princípio. Ele ocorre, na verdade, como um desdobramento do raciocínio motivado. Ou seja, é uma forma de pensar na qual selecionamos somente as evidências que nos agradam para embasar uma conclusão à qual já tínhamos chegado de antemão. Assim, ao receber uma informação que se choca com sua crença, a pessoa tende a revisar mentalmente as “evidências” (não importa muito que possam ser falsas) que a induziram a ter essa concepção equivocada e, nesse processo de revisão de suas memórias, pode acabar reforçando sua crença inicial.

    Efeito backfire e política em contexto de pandemia

    Até o uso das máscaras tem sido objeto de disputa na polarização política (fonte: Pixabay)

    No âmbito da política, que tem como motor as ideologias e paixões humanas, não faltam exemplos de racionalização de “evidências” que levam ao efeito backfire de forma coletiva. Em um cenário de intensa polarização política, quase tudo é politizado e não seria diferente com os aspectos que envolvem a pandemia de coronavírus. Nesse contexto, um exemplo do efeito backfire coletivo pôde ser observado nos que passaram a minimizar a pandemia, buscando equivaler a Covid-19 a uma gripe comum.

    As políticas negacionistas

    Nos EUA e no Brasil, foram os presidentes os principais líderes políticos a sistematicamente minimizar a gravidade do coronavírus [2, 3]. Tanto lá como cá, os seguidores de ambos, ao receberem o sinal de seus ídolos, passaram a reproduzir sua concepção. Diante do crescente número de casos comprovados e das complicações, sequelas e mortes causadas pelo vírus, parte expressiva dos defensores da ideia de que se tratava de uma “gripezinha”, ao invés de mudarem de posição perante evidências contrárias, passaram a intensificar seu negacionismo por meio de teorias conspiratórias, ou seja, acionaram o raciocínio motivado resultando no efeito backfire.

    Da afirmação — jamais comprovada — de que governadores estariam inflando os números de óbitos [4], passando pelo questionamento sobre a lotação de hospitais (com sugestão do presidente para que populares os invadissem e filmassem os leitos) [5], até o enfoque no número de casos recuperados [6], foram muitos os esforços dos negacionistas convictos para minimizar o terrível impacto da pandemia no segundo país em número de óbitos causados pela Covid-19 no mundo.

    Minimizando a pandemia

    Quanto àquele esforço de se minimizar a pandemia por meio do enfoque nos milhões de recuperados, é quase cômico observar que, na verdade, isso pesa contra o negacionismo dos fanáticos: a constatação de que há milhões de recuperados pressupõe a existência de um número ainda maior de infectados, o que por si só já expõe a extensão e a gravidade da pandemia.

    Animados pelo mesmo impulso negacionista, surgiram também inúmeros apoiadores do presidente cujos parentes ou conhecidos supostamente tiveram diagnóstico positivo para Covid-19, mas que morreram, juram eles, de câncer ou outra doença grave. Por suposto, trata-se aqui do que chamamos, em ciência, de evidência anedótica; é razoável a probabilidade, porém, de que a leitora tenha visto alguma história do tipo em suas redes sociais durante a pandemia.

    A “vacina chinesa” e o efeito backfire

    Nem mesmo a vacina contra o coronavírus escapou à lógica da polarização política. Bastou o Ministério da Saúde anunciar a intenção de adquirir a CoronaVac [7]– vacina que está sendo produzida em associação entre o Butantã e a Sinovac, uma empresa chinesa — que o presidente, pressionado por apoiadores contrários à vacina [8], cancelou o acordo de compra [9]. Após esse imbróglio, várias fake news sobre a CoronaVac inundaram as redes sociais [10], como a de que a vacina usaria células de bebês abortados [11]. Isso tudo nos faz levantar a questão: existe a possibilidade de ocorrer o efeito backfire ao argumentarmos com um antivacina? Considerando-se a ciência sobre o tema, a resposta infelizmente é “sim”.

    [Fonte: Renato Machado — cartunista]

    Os mesmos pesquisadores citados, Reifler e Nyhan, conduziram, em 2015, um estudo sobre mitos relativos a vacinas [12]. À época, 43% dos estadunidenses acreditavam que a vacina da gripe poderia fazê-los ter gripe. Assim, nesse estudo, eles buscaram verificar a eficácia de se oferecer as informações corretivas dessa crença infundada. Como resultado, o estudo apontou que informações corretas — que a vacina não causava a gripe — foram suficientes para reduzir bastante essa crença específica.

    Efeito colateral

    No entanto, os voluntários da pesquisa que demonstraram níveis mais altos de preocupação com supostos efeitos colaterais de vacinas (como acreditar que elas causam autismo) passaram a manifestar menor disposição a vacinarem seus filhos. Nesse estudo, o efeito backfire ocorreu não na crença específica, alvo da informação corretiva, mas na postura dos voluntários que já tinham uma perspectiva antivacina, os quais ficaram ainda mais convictos sobre isso.

    A esta altura, a leitora pode estar se perguntando se, por causa da possibilidade do efeito backfire, não devemos jamais argumentar com as pessoas muito convictas que estejam defendendo algum absurdo. Todavia, na realidade, há uma situação bastante frequente na qual convém, sim, debater com dogmáticos.

    Argumentar ou não argumentar, eis a questão

    Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar.” — Carl Sagan

    Em uma conversa privada, no tête-à-tête mesmo, com alguém defendendo radicalmente alguma inverdade, talvez seja melhor não insistir. O risco de você contribuir para que a pessoa fique ainda mais convicta é real. Por isso, vale muito mais a pena argumentar com as pessoas que podem ter caído em alguma desinformação, mas que têm maior abertura ao debate. E elas são muitas. Dessa forma, como sustenta o cientista político David Redlawsk, isolam-se os fanáticos de todo tipo, reduzindo sua influência.

    Estudos mais recentes, como o dos cientistas políticos Thomas Wood e Ethan Porter, da George Washington University, não encontraram o efeito backfire em relação a fatos específicos [13]. Os pesquisadores argumentam que é possível, sim, mudar a opinião equivocada das pessoas com a exposição de fatos.

    Mas…

    É preciso lembrar, no entanto, que existe sempre a possibilidade de que elas reforcem sua postura — como ocorreu no estudo mencionado sobre a vacina — apesar de se dobrarem a um fato específico. Como um exemplo, imagine que você vai argumentar com uma pessoa que defende um remédio comprovadamente ineficaz contra a Covid-19 porque o político que ela apoia insiste se tratar de um medicamento salvador. A depender de sua abordagem e do nível de convicção dessa pessoa, talvez até a convença do fato de que o remédio é ineficaz. Não espere, porém, que diminua o apoio dela ao político, pois o mais provável é que o contrário aconteça.

    No entanto, como parte significativa de nossas vidas atualmente acontece em rede, quando o debate for em público, como no Facebook ou em grupos de Whatsapp, convém demonstrar que os radicais estão equivocados. Nas redes, terceiros quase sempre estão observando as conversas alheias. Eis aí a situação na qual vale a pena travar o bom combate contra a desinformação, a mentira e as concepções falsas. Se seu interlocutor direto ficar ainda mais convicto na defesa de alguma desinformação qualquer, paciência. Quase sempre há vários outros que podem se beneficiar do seu esforço de argumentação em prol do restabelecimento da verdade.

    Por fim

    Vivemos em tempos nos quais vicejam posturas anticientíficas e esforços de relativização da verdade, quando não de sua negação completa. Como é bastante conhecido, isso é impulsionado por líderes políticos cujo comportamento é replicado por milhões de seguidores. Por isso, é importante que continuemos disputando, se não os corações, ao menos as mentes das pessoas e ter consciência da possibilidade de que o efeito backfire ocorra é um passo fundamental nessa jornada.

    Referências:

    [1] Nyhan, B, Reifler, J (2010) When Corrections Fail: The Persistence of Political Misperceptions; Political Behavior, Vol 32, No 2, pp 303-330.

    [2] (2020) Timeline: How Trump Has Downplayed The Coronavirus Pandemic. National Public Radio (NPR), 02 de outubro de 2020.

    [3] “Gripezinha” e “histeria”: cinco vezes em que Bolsonaro minimizou o coronavírus (2020)

    [4] Bolsonaro endossa notícia falsa para dizer que Estados inflam mortes por coronavírus, Valor Econômico, 31 de outubro de 2020.

    [5] Bolsonaro recomenda invadir hospitais, Correio Braziliense, 11 de junho de 2020.

    [6] Na data em que Brasil ultrapassa 100 mil mortos, Bolsonaro destaca pacientes recuperados, Agência Brasil (EBC), 20 de outubro de 2020.

    [7] Brasil anuncia que vai comprar 46 milhões de doses da CoronaVac, Agência Brasil, 20 de outubro de 2020.

    [8] Bolsonaro sabia da intenção de compra da CoronaVac, mas recuou, Estado de Minas, Edição de 21 de outubro de 2020.

    [9] Bolsonaro diz que Governo Federal não comprará vacina CoronaVac Agência Brasil (EBC), 21 de outubro de 2020.

    [10] Aos Fatos (agência de fact-checking) – resultados de busca do verbete “coronavac”

    [11] (2020) É falso que CoronaVac usa células de bebês abortados, Aos Fatos, 28 de julho de 2020.

    [12] Nyhan, B, Reifler, J (2015) Does correcting myths about the flu vaccine work? An experimental evaluation of the effects of corrective information. Vaccine 33 (3): 459–464.

    [13] Wood, T., Porter, E. (2018). The elusive backfire effect: Mass attitudes’ steadfast factual adherence. Political Behavior, Vol41, pp135-163.

    OBS:

    Esse texto contou com a revisão primorosa de Caroline Frere Martiniuc e Eduardo Jesus Veríssimo, aos quais agradeço enormemente.

    Este texto originalmente foi escrito e postado no blog Política na Cabeça

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional. Além disso, os textos são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Todavia, não necessariamente representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • E aqueles resultados das Vacinas? (Parte 1)

    8 meses de pandemia. Mais de 58 milhões de casos mundo a fora, e próximo de 1,4 milhão de mortes. A maior crise sanitária do século1. Ultrapassando o HIV na década de 80, a SARS em 2003, a H1N1 em 2009 e o Ebola entre 2013-2016.

    Tempos sombrios, sem dúvida. Mas também tempos de esperança. 

    Por um lado temos um vírus facilmente transmissível e que já atingiu todo o globo. Por outro lado, temos todo o aparato científico e tecnológico que desenvolvemos nas últimas décadas para combatê-lo. 

    Nossa principal arma?

    As vacinas!

    Vacina é um termo cunhado em 1798 por Edward Jenner, pai da imunologia. As vacinas são uma medida fácil, rápida e com poucos riscos para a saúde. Além disso, elas são capazes de proteger a população contra patógenos e limitar sua transmissão.

    Entretanto, (sempre há um entretanto) seu único problema: um desenvolvimento que leva em média 10 anos.

    A vacina mais rápida a ser desenvolvida até então demorou 4 anos. Ela foi feita por Maurice Hilleman, durante a década de 60, no combate à caxumba2

    – Ok, Maurílio, já entendi! Vacinas são ótimas! Mas tudo o que tem sido publicado parece confuso né?

    – Calma lá! No post de hoje vamos falar um pouco sobre as fases de teste e eficácia!

    Entretanto, o tempo urge!

    A segunda onda chegou. A cada dia mais pessoas contaminadas e mais vidas são perdidas para o SARS-CoV-2. Os hospitais se enchem de pacientes com casos severos e graves novamente. Cidades e países entram em novos lockdowns

    Mas a ciência não parou também. 

    Centenas de cientistas em universidades e empresas procuram entender melhor como esse vírus funciona. Bem como, que medicamentos usar para combatê-lo após a pessoa se infectar e, principalmente, desenvolver uma vacina para ele. O esforço que tem sido feito para esse último grande! E é tão grande que o recorde de 4 anos para uma vacina ser desenvolvida está próximo de ser quebrado. Assim, após oito meses, 3 candidatas a vacinas já liberaram resultados preliminares da terceira fase de teste para a mídia. Lembrando que a fase três é a final e com maior número de pessoas. As vacinas são da Pfizer/Biontech, Moderna e AstraZeneca/Oxford – 3,4,5. Apesar da comunidade científica e os órgãos regulamentadores ainda precisarem avaliar e aprovar tais resultados para o uso ser liberado à população. 

    O que é essa eficácia das vacinas que tanto falam?

    Uma coisa que tem se falado muito nas notícias sobre esses resultados é a eficácia de X% e número de eventos. Mas será que todos sabem o que é isso?. Para entender melhor, vamos precisar relembrar brevemente para que servem as 3 fases de testes de uma vacina. Queres saber mais sobre o assunto? Então dá uma olhada na seleção de textos sobre vacinas já publicados no blog.

    Fase 1

    Os testes realizam-se em algumas poucas dezenas de pessoas para se verificar principalmente a dosagem. Isto é, a quantidade aplicada e quantas aplicações são necessárias. Além disso, a segurança da vacina também é testada. Isto é, sua toxicidade.

    Fase 2

    Na Fase 2, o teste acontece em algumas centenas de pessoas. Dessa forma, neste caso, um grupo um pouco mais diverso do que na fase anterior e com algumas características (como idade e sexo) do grupo de risco. Além disso, nesta fase também se analisa a imunogenicidade da vacina, junto com os efeitos colaterais. Imunogenicidade é uma palavra difícil né? Mas em termos mais simples, quer dizer que verificam a capacidade dela gerar uma resposta imune no organismo. Ou seja, número de células, quantidade de anticorpos, perfil de linfócitos, entre outras características.

    A fase 2 também é quando aplicamos a candidata à vacina propriamente dita em um grupo e o placebo (água com sais minerais) em um outro. Este grupo placebo funciona como controle para a pesquisa. Isto é, um comparativo para se ter certeza que a aplicação da vacina está realmente criando uma resposta imune maior do que o normal.

    Fase 3

    Por fim, há a Fase 3 – a maior e mais demorada. Milhares de pessoas passam pela pesquisa e são testadas nesta fase. A seleção destas pessoas é feita a partir da diversidade, pois é necessário diferentes características em dois grupos. Novamente, um grupo vai receber a candidata a vacina, enquanto o outro recebe um placebo. As características analisadas, nestes grupos, são por exemplo, etnias, idade, sexo, com doenças cronicas, etc.

    Além disso, as pesquisas verificam novamente a segurança e possíveis efeitos colaterais. Desta vez, levando em conta as muitas condições já comentadas. Assim, o principal intuito dessa fase é avaliar a efetividade da resposta imune criada pela vacina, respondendo perguntas como “Qual a eficácia da vacina? Qual a duração da imunidade gerada? A vacina é capaz de parar a transmissão do patógeno?”. 

    Pausa para ver o material que a gente preparou prá mandar nos grupos do whats da família 😉
    Mas, a eficácia?

    No caso da eficácia, as pesquisas analisam quantas pessoas que receberam a vacina ficaram doentes e quantas pessoas que receberam o placebo ficaram doentes. Isto após a aplicação e durante o período de acompanhamento. Confuso? Nada melhor do que um exemplo para entender:

    “Suponha que 50.000 pessoas serão testadas, 25.000 com a vacina e 25.000 com o placebo. Desses 50.000, 100 se contaminaram com o patógeno em um período de 3 anos. Analisando essas 100 pessoas que se infectaram, descobriu-se que 97 delas estava no grupo que recebeu o placebo e somente 3 no grupo vacinado. Fazendo uma divisão simples, descobre-se então que a vacina tem uma eficácia de 97%.”

    Esse assunto é muito amplo e por causa disso vamos dividir esse texto em duas partes. Fica ligado que nos próximos dias já vai sair a parte 2 desta postagem! Vamos explicar o que são os “eventos” que tem saído nas notícias da mídia. Além disso, a relação entre células de memória e a proteção gerada por elas e os resultados preliminares liberados pelas empresas.

    Para saber mais

    1. WHO Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 – 16 March 2020, Acessado em: 24/11/2020.
    2. Maurice Hilleman, o médico que criou a vacina mais rápida da história por causa da filha de 5 anos. Acessado em: 24/11/2020.
    3. PFIZER AND BIONTECH CONCLUDE PHASE 3 STUDY OF COVID-19 VACCINE CANDIDATE, MEETING ALL PRIMARY EFFICACY ENDPOINTS, Acessado em: 18/11/2020.
    4. Early Data Show Moderna’s Coronavirus Vaccine Is 94.5% Effective, Acessado em: 19/11/2020.
    5. AZD1222 vaccine met primary efficacy endpoint in preventing COVID-19, Acessado em: 23/11/2020.
    6. Vaccines and immunization: What is vaccination? Acessado em: 24/11/2020

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Vacina, Estado e Liberdade: a manipulação do debate – Parte 1

    Figura 1: Caricatura do século XIX retrata um homem da classe trabalhadora sendo vacinado à força por um oficial de saúde, enquanto é detido por um policial. Fonte: Hathitrust Digital Library. 

    Pesquisas de opinião têm demonstrado uma queda no número de pessoas dispostas a aderir a uma vacinar contra a Covid-19, quando esta for aprovada. Assim, questionamos, haveria uma deliberada intenção de agendar o debate em torno da obrigatoriedade da vacina? Isto feito utilizando o Padrão da Fragmentação e da Inversão e também fabricando um consenso, induzindo à hesitação vacinal?

    O Agendamento, o Consenso e a Inversão

    A Hipótese do Agendamento foi elaborada nos anos 1970 por Maxwell McCombs e Donald Shaw (1). Esta hipótese sustenta que os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são veiculados com maior destaque na cobertura jornalística. Dessa forma, como consequência disso, ela propõe a ideia de que a mídia (as empresas de comunicação) pautam o debate pública. Ou seja, selecionam quais os temas mais relevantes a serem discutidos pela sociedade, relegando os demais a um segundo plano ou até ao esquecimento.

    Posteriormente, McCombs vai admitir a possibilidade da existência de um agendamento reverso (2). Isto é, que o público seja capaz de influenciar a mídia. Assim como acontece atualmente nos casos em que os assuntos mais comentados nas redes sociais tornam-se pauta nas redações. Entretanto, por sua vez, a mídia, por dever de ofício, também pode ser pautada pelos políticos na medida em que precisa cobrir o trabalho deles. Qual seja, propor mecanismos (por meio de leis) que criam um modelo de sociedade de acordo com sua ideologia político-partidária. 

    Assim, na busca de estabelecer qual tema será debate pela sociedade e qual será esquecido, há um embate de imposições de agendas entre a mídia, o público e os políticos.

    Noam  Chomsky e Edward Herman, em 1988, elaboram uma crítica aos meios de comunicação de massa, apontando que eles realizam escolhas, ênfases e omissões. No entanto, isto ocorre não por meio de técnicas jornalísticas. Mas de propaganda. Isto ocorreria com o objetivo de produzir na população a aceitação de algo inicialmente indesejado por ela. Todavia, privilegia determinados interesses, sejam do Estado ou de setores da atividade privada. Denominam a esse procedimento de Consenso Fabricado (3).

    Perseu Abramo, também no final dos anos 1980, descreve cinco padrões de manipulação da “grande” imprensa:
    1. Ocultação: é o deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade;
    2. Fragmentação: implica em duas operações básicas: a seleção de aspectos, ou particularidades, do fato e sua descontextualização;
    3. Inversão: é o reordenamento das partes, a troca de lugares e de importância dessas partes (é aplicado depois da fragmentação);
    4. Indução: o leitor é induzido a ver o mundo, não como ele é, mas sim como querem que ele o veja; 
    5. Global ou o padrão específico do jornalismo de televisão e rádio: divide-se em três momentos: o fato é apresentado sob ângulos mais emocionais; há a necessidade de personagens (testemunhas); a autoridade anuncia as providências.

    Naquela época, a internet comercial ainda nem existia – ela foi criada no Brasil em 1995. Além disso, os sites de redes sociais ainda não tinham sido inventados. No entanto, no mundo contemporâneo, escreve a jornalista Patrícia Cornils,

    “parte da disputa pela opinião pública se dá nesta esfera conectada e em publicações online independentes da grande mídia” (4).

    Nesse sentido, penso que, guardadas as devidas proporções, os padrões podem ser aplicados para a análise da produção da informação que se faz nas mídias sociais. Isto tendo em vista que, parte dela, já é profissional.

    Estratégias de ação (Modus operandi)

    Figura 2: Capa do livro Merchants of Doubt (Mercadores da Dúvida). Fonte: Bloomsbury Publishing

    Erik Conway e Naomi Oreskes (5), no livro Merchants of Doubt (Mercadores da Dúvida, 2011) falam sobre grupos empresariais. Neste livro, eles falam sobre como, desde os anos 1950, estes grupos financiam cientistas para questionar evidências científicas. Por exemplo, a relação cigarro x câncer de pulmão. Isto teria a finalidade de passar à sociedade a impressão de que há incertezas em relação às conclusões de inúmeras pesquisas. Ou seja, fazem parecer que há um debate aberto sobre o tema. Este livro foi adaptado como  documentário em 2014 pelo diretor Robert Kenner (6).

    Além disso, outra estratégia desses grupos é transformar o consenso científico em debate político. Quem fez isso foi o físico Fred Singer. O cientista relacionou a destruição da camada de ozônio da atmosfera pelos gases chamados CFCs (clorofluorcarbonos) – descoberta premiada com o Nobel de química em 1995 – a uma suposta defesa de posições políticas:  

    Singer escreveu que se tratava de uma “declaração política”. A opinião pública sueca até mesmo apoiaria uma “hipotética taxa sobre o carbono para reverter um aquecimento do clima global que ainda não foi detectado (…). Sinteticamente, o país está tomado de uma histeria ambiental coletiva” (7)

    Todos sabemos que uma das características da ciência é estar aberta a mudanças, diante de novas evidências. No entanto, nem sempre sabemos como funcionam as estratégias dos mercadores da dúvida…

    Mas quais são elas?

    • Primeiro é distorcer exatamente o natural grau de incerteza presente em todo estudo científico. Com isso, transforma-se a incerteza em uma grande dúvida que coloque em xeque a credibilidade do próprio estudo;
    • Em seguida, trazer para o debate questões de natureza política. Isto faz com que as pessoas passem a aceitar ou a negar verdades científicas com base em suas crenças político-ideológicas. Com isso, incute-se nelas a ideia de que a ciência é uma questão de opinião ou de lado.

    E por que é importante entender isso?

    O mundo segue em busca de uma vacina segura e eficaz para combater a Covid-19. Até 21 de outubro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia registrado cerca de 179 pesquisas em desenvolvimento. 44 delas sendo testadas em humanos. Das quais, 10 na terceira e última fase antes da aprovação (entre as quais a CoronaVac e a vacina de Oxford). No Brasil, as vacinas precisam ainda ser aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) antes de serem disponibilizadas à população.

    Neste momento, a doença já ceifou mais de 169 mil vidas brasileiras. O debate que realmente importa à sociedade é como sobreviver a essa pandemia, não apenas do ponto de vista da saúde e da economia. Mas também sob o aspecto emocional. Dessa forma, custa a crer que alguém cogite em recusar uma vacina que pode significar a volta a uma vida quase normal. Todavia, apesar disso, o instituto Datafolha lançou duas pesquisas realizadas em quatro capitais do país (o Gráfico 1 mostra apenas os resultados de São Paulo). Estas pesquisas indicam que vem caindo o número de pessoas que pretendem aderir a uma vacina quando esta for aprovada:

    Gráfico 1: Adesão à vacina contra a Covid-19 na Cidade de S. Paulo. Fonte: Instituto Datafolha em 10 out. 2020 e 07 nov. 2020

    Mas…

    Coincidentemente, há pelo menos dois meses o país passou a debater intensamente a prevalência do direito individual de não se vacinar sobre o direito coletivo à saúde. Este é um discurso que o movimento antivacina se utiliza desde o século XIX. O debate foi insuflada por falas do presidente Jair Bolsonaro a apoiadores e em cerimônias oficiais do governo, além de uma peça publicitária da (Secom). 

    Quer saber mais?

    Calma, tem a 2ª parte deste texto! Lá vamos demonstrar como a ciência vem mapeando a atuação de grupos políticos na internet, suas estratégias e esclarecer por que o debate em torno da obrigatoriedade da vacina não está aberto.

    Para saber mais / Referências: 

    1. McCOMBS, Maxwell; SHAW, Donald (1972) The agenda setting function of mass media, In Public Opinion Quarterly, Vol36, N2, Summer 1972, P176-187.

    2. McCOMBS, Maxwell (2009) A teoria da agenda: a mídia e opinião pública, Petrópolis: Vozes.

    3. CHOMSKY, Noam; HERMAN, Edward S; (2010) Manufacturing consent: The political economy of the mass media Random House, 2010.

    4. ABRAMO, Perseu (2016) Padrões de manipulação na grande imprensa, Com colaborações de Laura Capriglione [et al] – 2ed, São Paulo: Editora Fundac̦ão Perseu Abramo.

    5. ORESKES, Naomi; CONWAY, Erik M (2011) Merchants of doubt: How a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming, Bloomsbury Publishing USA, 2011. 

    6. KENNER, Robert (2014) Merchants of Doubt, Participant Media, EUA, 30 ago, 96 min.

    7. LEITE, José Corrêa (2014) Controvérsias científicas ou negação da ciência? A agnotologia e a ciência do clima; Scientiae Studia, v12, n1, p179-189.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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