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  • A Covid-19 tornou-se uma endemia?

    Texto escrito por Ana Arnt e Lívia Okuda

    Cada dia temos visto de maneira mais frequente a palavra endemia sendo falada ao se referir à Covid-19, como se ela tivesse se tornado uma endemia. Mais do que isso, esta endemização da Covid têm sido um dos pontos que justificam quaisquer ações como aceitáveis e não problemáticas no espaço público.

    Mas será mesmo que tá tudo tranquilo? Antes disso, vamos entender um pouco sobre:

    O que seria uma endemia?

    Seria uma infecção em que a quantidade de pessoas que adoece e eventualmente morre nem aumentam, nem diminuem. Ou seja, o número de pessoas que pode se infectar, a partir de um indivíduo infectado, está equilibrado dentro de uma população em que qualquer pessoa pode se infectar. Veja que isto não quer dizer que a doença diminuiu sua gravidade, nem que a mortalidade não causa prejuízos a uma população.

    Apenas quer dizer – e somente isto – que há um equilíbrio.

    Spoiler: endemia não significa um cenário tranquilo.

    A ideia da endemia vem sendo cada vez mais utilizada para justificar retomadas do que ainda estava em modo de home office, ou com rodízios ou modalidades que previam trabalhos híbridos. A grande questão, nos parece, é sobre o quanto a ideia de endemia leva a uma compreensão não apenas errada do atual cenário, mas também a uma banalização de cuidados e condições de combatermos as doenças.

    Neste sentido, Isaac Schrarstzhaupt comentou sobre as doenças negligenciadas, comparando com Covid-19. A noção de doença negligenciada aqui, apontada pelo Isaac, é exatamente pelo acesso às vacinas e às condições de manter-se saudável não estar acontecendo com equidade. Ou seja, as pessoas que não têm acesso às informações, condições de cuidados, e vacinas são pessoas em situação de vulnerabilidade – seja por estarem em regiões menos favorecidas economicamente, seja por serem regiões distantes de grandes centros urbanos. E essa preocupação é realmente importante, especialmente por estarmos há tempos também batendo na tecla sobre as políticas públicas de saúde e sua relevância no combate à pandemia, ao se basear em dados técnicos e científicos! Todavia, e sobretudo, também tendo responsabilidade social ao se olhar estes números – pois são pessoas, vidas em vulnerabilidade…

    Ah, Mas estamos realmente exaustos!

    Temos percebido, em nossos canais (e discutido isso nos grupos que falam da pandemia), cada vez menos gente falando sobre Covid e, também, cada vez menos gente procurando conteúdos sobre isso. 

    Nós sabemos – até porque estamos vivendo a pandemia também – que estamos todos cansados de ouvir, falar, pensar, ler sobre a Covid. No entanto, também sabemos que ela não sumirá dos nossos dias só por nós estarmos cansados de distanciamentos e usos de máscaras.

    As notificações de óbitos ao redor do mundo passaram de 70 mil na última semana. É como se as pessoas que residem em Viçosa (MG), ou Pato Branco (PR), ou Vilhena (RO) desaparecessem em uma semana.

    Aqui no Brasil, foram quase 6 mil óbitos na última semana! É muita gente morrendo para levantarmos todos os dias de manhã e fingirmos que nada está acontecendo. E isto não quer dizer passar os dias sofrendo, chorando e seguirmos trancados em casa.

    Mas é fundamental compreendermos que não, não está tudo bem. E, também, que é fundamental termos ações públicas efetivas para conter esta transmissão.

    Políticas públicas e ações individuais

    Individualmente seguimos batendo em teclas antigas: use máscaras (preferencialmente máscaras filtrantes, como as PFF2, bem ajustadas no rosto, sem escape de ar), mantenha-se o menor tempo possível em espaços fechados e mal ventilados, dê preferência para circular em espaços abertos e ventilados, ao apresentar sintomas ISOLE-SE e comunique as pessoas que tu entraste em contato nos últimos 5 dias.

    No entanto, é importante que os espaços públicos e privados, especialmente vinculados aos espaços de trabalho, tenham condições de abarcar não apenas estas medidas, mas cobrem posturas condizentes com o momento atual. Isso inclui – como temos defendido aqui – vacinação em esquema completo. Isto mantém o ambiente de trabalho mais seguro para todos e não, não é descabido pedir isto às pessoas. Aliás, o PL 1674/2021 que cria o Passaporte Vacinal está sendo debatido hoje no plenário.

    Transmissão, Variantes e cenário atual

    Estamos vivendo um tempo de alta transmissão do SARS-CoV-2, especialmente após a entrada da variante Ômicron no país. Ao contrário do que muitas desinformações circulando nas redes, estamos em uma situação melhor do que poderíamos imaginar, exatamente por causa das vacinas!

    É por termos uma parcela da população vacinada com duas ou três doses, que a gravidade dos casos têm sido menor e, mais do que isto, temos tido menos óbitos do que o esperado sem as vacinas, levando-se em conta a quantidade de casos que têm sido registrados.

    As variantes, como já discutimos aqui no Blogs, são decorrentes de mutações naturais no vírus. E estas mutações – mudanças no código genético do vírus – consegue se fixar nas populações exatamente pela grande quantidade de transmissões que temos visto. As vacinas estão segurando o agravamento das infecções nas pessoas, mas é fundamental diminuirmos a quantidade de infecções e isto se faz com medidas de cuidados pessoais e políticas públicas que garantam que estes cuidados sejam implementados.

    Não é fazendo shows lotados em grandes centros urbanos que conseguiremos barrar as infecções.

    Tampouco é fingindo que a doença está acabando, ou normalizando espaços fechados sem ventilação como tranquilos pois vivemos uma endemia que daremos conta…

    Negligenciar a Covid, “endemizando” a doença por decreto só normaliza mortes, sem resolver o problema na sociedade

    Aris Katzourakis, epidemiologista que publicou uma coluna na Nature final de Janeiro, aponta que o otimismo preguiçoso, a falta de realismo ao analisarmos os dados de morte e adoecimentos, tanto quanto a falta de ferramentas efetivas, como vacinas, tratamentos, testes diagnósticos, cuidados básicos (máscara, espaços ventilados e distanciamento) são exatamente os pontos fundamentais para mudarmos nossa postura e conseguirmos “jogar à favor da humanidade”. Além desses pontos, claro que o pesquisador indicou a necessidade de investimentos para vacinas que consigam combater as variantes também.

    Basicamente, tudo isto seria dizer “escutem o que cientistas têm dito sobre combate à Covid, coloquem em prática em forma de políticas públicas em seus países e no mundo, invistam em ciência”.

    Enquanto estivermos brincando de mergulhar mãos em álcool gel e medição de temperatura no pulso, lotando espaços públicos com máscaras inadequadas e com elásticos frouxos, não apenas estamos ignorando o que cientistas têm dito sistematicamente, como temos jogado a favor do vírus, em um momento crucial de retomada. Claro, tudo isso sendo feito mais uma vez, já que não é recente estes comunicados – nem o quanto seguem sendo ignorados em campanhas de massa…

    Tornar a Covid-19 em endemia por cansaço e vontade de retomar a vida é tão certeiro quanto cuspir para cima e se espantar com onde cairá o projétil.

    Por fim, da mesma maneira que temos falado que a ciência não opera por milagres e têm seu tempo para desenvolver conhecimentos técnicos para compreender os fenômenos, as políticas públicas que negligenciam dados também não vai ter condições em acabar com uma mazela social gravíssima como um sopro de vento de esperança, em uma plantação de alecrins dourados.

    É preciso ações urgentes, análises precisas e, acima de tudo, responsabilidade frente ao atual cenário – para evitar cenários ainda piores.

    Para saber mais:

    Este texto foi inspirado em ideias debatidas por Mellanie Fontes-Dutra e Isaac Schrarstzaupt, elencados aqui:

    Qual é o preço de uma endemia no futuro?

    Estamos entrando/entraremos em uma endemia de COVID-19?

    A desigualdade na distribuição de vacinas

    Sabiam que a dengue, a malária e outras doenças se chamam “Doenças NEGLIGENCIADAS”

    Por que demorou tanto para ter uma vacina contra a malária? 

    Artigos em inglês

    KATZOURAKIS, Aris. COVID-19: endemic doesn’t mean harmless. Nature, v. 601, n. 7894, p. 485–485, 2022. 

    NDTV. COVID-19 Has Not Yet Become Endemic, WHO Warns. NDTV.com.

    Textos do Blogs:

    Variantes

    Diversidade viral e surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2

    Sobre a vacinação e abertura prematura: um celeiro para novos casos e variantes

    Sobre aberturas, cautelas e políticas públicas

    Como o SARS-CoV-2 infecta nossas células?

    As autoras

    Ana Arnt é licenciada em biologia, doutora em educação, professora do Instituto de Biologia da Unicamp, coordena os projetos Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial COVID-19.

    Livia Okuda é estudante de Farmácia na Unicamp e divulgadora científica do Especial Covid-19 do Blogs Unicamp.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Reações adversas, vacinação e desinformação

    Texto Escrito por Julio C Ponce e Ana Arnt

    Há muita informação e desinformação sobre vacinação e reações após as pessoas se vacinarem. Elas causam mais do que apenas ruído para selecionarmos conhecimentos que nos ajudem a compreender a situação das relações entre a vacinação e a saúde humana. Temos visto que este conjunto de informações massificado têm se ampliado nas redes e ajudam a compor o que temos chamado de “hesitação vacinal”.

    Longe de julgar quem têm receio, é preciso entender que as notícias de reações adversas não são leves. Elas têm se intensificado não só em quantidade de mensagens, mas na gravidade dos efeitos após a vacinação. Mas será que as vacinas causam mesmo esta quantidade de reações adversas? Como podemos entender melhor isto?

    Vamos olhar mais de perto alguns exemplos sobre vacinação e reações adversas?

    Um dos exemplos que vamos analisar é sobre as mortes após vacinação em Singapura, supostamente 33 óbitos nos primeiros seis meses do ano passado.

    O estudo recém publicado na Forensic Science International avaliou se houve correlação entre a vacinação recente e mortes. O artigo tem como autores pesquisadores da Divisão de Medicina da Autoridade de Ciências de Saúde do país.

    Aliás, antes de falar do estudo, lembremos que Singapura está vacinando a população com Pfizer (desde 12/20) e Moderna (desde 03/21). Além disso, também importante ressaltar que até o fim do levantamento de dados do artigo (em Julho de 2021), mais de 5.5 milhões de doses haviam sido aplicadas: 3.4 como primeira, 2.1 como segunda. Atualmente, 84% da população está com duas doses e 55% com a dose de reforço.

    Neste artigo, incluiu-se todas as pessoas que morreram, tiveram problemas cardíacos ou neurológicos que ensejassem manobras de ressuscitação, em até 72 hs depois da aplicação. Isto entre as datas de 01/02/2021 e 30/06/2021, sendo que nenhum caso foi reportado antes disso.

    Ao todo reportaram-se 33 casos com dados completos. No mesmo período, Singapura, com sua política bastante restritiva, chegou a 36 mortes por COVID-19. Mas voltemos às mortes pós-vacina: foram 26 homens e 7 mulheres, com idade média de 69 anos (o mais novo tinha 23, o mais velho 96). Por fim, em 5 dos 33 casos, não houve autópsia.

    “O quê? Mas… como determinaram a causa mortis?”

    Assim, nestes casos, a causa da morte era visivelmente por outras ocorrências, por histórico de saúde prévia e pelas circunstâncias da morte. Já dos casos em que houve autópsia, solicitou-se uma série de exames (histopatologia, IgE, níveis de triptase, e de proteína C-reativa), para identificar possíveis reações à vacina.

    Ao avaliarem os dados, o estudo apontou que das 33 mortes, um total de ZERO (0), nenhuma, nadica de nada, tinha relação causal com a vacina. Ou seja, não havia aumento dos marcadores imunológicos/inflamatórios ou, quando presentes, eram devidos a outras condições, como sepse.

    Isto é, quando vamos analisar uma reação adversa após a vacina (leia-se até 72h após a vacinação acontecer), devemos analisar inúmeros indicadores, através de exames minuciosos destes pacientes com suspeita de reação adversa.

    Após esta análise, teremos condição de estabelecer (ou não) uma relação causal. Assim, o que queremos dizer: nem todo acontecimento após uma vacina tem como causa esta vacina. E nós sabemos que notícias podem assustar. Mas assusta mais ainda notícias sensacionalistas sendo usadas para causar medo em pessoas se vacinarem – ou vacinarem crianças!

    Seguindo o estudo…

    É interessante contextualizar que, sendo Singapura uma cidade-estado, todos os casos de óbitos passam por esse setor central. Ou seja, todas as mortes com potencial relação à vacina foram ao menos avaliadas. Novamente, nenhuma apresentou qualquer relação causal com as vacinas.

    Dessa forma, no período do estudo, o sistema de alerta de efeitos adversos do país (similar ao VAERS) registrou 6.606 casos suspeitos de efeitos adversos pelas vacinas, dos quais 252 foram classificados como sérios.

    E aqui, novamente reforçamos que esses sistemas de registros tratam-se de suspeitas de reação, sem a análise final tendo sido realizada. Após as análises dos 252 casos sérios, 42 casos de reação anafilática, todos reversíveis, com tratamento ambulatorial. A reação anafilática, quando aparece, é em questão de minutos, ou até 4 horas depois da vacinação em sua forma precoce (tipo I), e 72 horas na forma mais tarde (tipo IV).

    Foram ainda relatados 12 casos de miocardite e periocardite. 12 casos em 5.5 milhões de doses aplicadas.

    Ah, mas 12 casos, gente!

    Aqui cabe o alerta acerca do quanto estas notícias enfatizam a exceção e não a regra. Foram mais de 5.5 milhões de doses aplicadas, com 12 casos de miocardite e periocardite. Isto é um total de 0,00022% de chances de acontecer. Difícil mensurar ainda assim?

    Por exemplo, há mais risco de morrer de acidente aéreo nos EUA do que de ter esse efeito com vacina. Sim! Anualmente contabiliza-se cerca de 740 mortes anuais por 291 milhões de habitantes (dados retirados deste link).

    Na verdade, fazendo uma regrinha bem básica de 3, dá para dizer que é mais risco morrer de Covid-19 (0,075%, ou 5.8 milhões de óbitos em 7.8 bilhões de pessoas). Ou seja, vacinas são seguras e à revelia do que sensacionalistas têm propagado nas redes, salvam vidas todos os dias!

    As mortes que ocorreram após a vacina, como demonstrado neste trabalho, são, na grande maioria, pessoas que pelo próprio desenrolar da vida potencialmente morreriam com ou sem a proteção (e de causas não relacionadas a ela)!

    Mas e a reação do caso de Lençóis Paulistas após a vacinação?

    Pois é, mais um caso em que matérias jornalísticas correram para alardear e negacionistas de plantão tem usado arduamente para causar pânico e hesitação vacinal. Vamos lá! Para não caírem em matérias com potencial viés sensacionalista, é sempre bom pensar no que temos de dados.

    Para quem não lembra, este caso aconteceu logo no início da vacinação infantil, e pode ser acompanhado melhor nesta matéria da CNN. A criança em questão teve alterações nos batimentos cardíacos e desmaiou, horas após vacinar-se.

    Com a investigação em andamento, acabou sendo diagnosticada com uma doença congênita rara, a síndrome de Wolff-Parkinson-White. Quando falamos que é uma doença congênita, significa que ela nasceu com isto e apenas não tinha manifestado sintomas ainda. E para doenças congênitas isso pode acontecer sim!

    A incidência dessa síndrome, em crianças, aparece em torno de 0,07%, nos Estados Unidos (algo como 1 caso a cada 1.428 crianças).

    A vacinação está lenta, porém…

    Mesmo assim, até fecharmos este texto foram 590 mil doses na capital paulista. Meio milhão de crianças. Dessa quantidade de crianças, poderíamos estimar que cerca de 413 tenham esta síndrome, por exemplo.

    Dessa forma, por que então não vemos 413 notícias de crianças colapsando?

    A resposta é simples:

    Porque não há associação entre a vacina e eventos de taquicardia em pacientes com Síndrome de Wolff-Parkinson-White, aparentemente.

    Ou seja, a vacina não tem relação com eventos cardíacos nesses pacientes.

    A vacinação infantil

    O que mais nos preocupa, neste momento, é a lentidão que a vacinação infantil avança no país. Temos um cenário de retorno às escolas, muitas crianças nem na idade vacinal estão e a retomada tem sido prevista para todas as crianças. Veja, não estamos questionando a necessidade das escolas para este público, neste momento.

    É demarcar que temos uma situação grave e precisamos de um empenho maior, da sociedade, da classe política, das sociedades científicas, para a vacinação infantil acontecer. É preciso pressão social para termos maior cobertura vacinal e segurança para esta população específica!

    Dose de reforço e esquema vacinal completo

    Por outro lado, temos também outro dado importante e muito difícil neste momento, que é o fato de muitas pessoas não estarem aderindo à dose de reforço. Aliás, temos inúmeras pessoas que não tomaram a segunda dose da vacina.
    A partir da variante Ômicron, temos considerado a dose de reforço fundamental para termos uma resposta imunológica do nosso corpo, contra uma possível infecção. Assim, torna-se necessário, e urgente, prestarmos atenção nestes dados, ampliar a vacinação da população com o esquema vacinal completo, incluindo a chamada dose de reforço!

    Até o último levantamento feito, ao escrevermos este texto, tínhamos 70,99% da população com 2 doses (ou dose única)

    Precisamos intensificar a terceira dose não como reforço, mas como dose adicional, tal como o próprio Ministério da Saúde preconizou em nota técnica recentemente, inclusive para adolescentes.

    Por fim

    Sempre que se deparar com notícias sobre reações adversas de vacina e notícias sensacionalistas, antes de compartilhar, nossa recomendação segue: procure fontes oficiais e cientistas ou divulgadores científicos que têm atuado na área, para entender melhor o caso.

    Sempre confira as informações, veja as fontes, rastreie os dados. Na dúvida, pergunte aos grupos que têm atuado nesta frente de combate à desinformação! Seja parte desta luta!

    E lembre-se, sempre: vacinas salvam vidas! Vacine-se e espalhe essa ideia!

    Para Saber Mais

    Florida Museum (2022) Risk of Death, 18 Things More Likely to Kill You Than Sharks

    Jung HJ, Ju HY, Hyun MC, Lee SB, Kim YH (2011) Wolff-Parkinson-White syndrome in young people, from childhood to young adulthood: relationships between age and clinical and electrophysiological findings, Korean J Pediatr 2011, 54(12):507-511. 

    G1 (2022) Mapa da Vacinação no Brasil

    Ministério da Saúde (2022) Ministério da Saúde recomenda dose de reforço contra a Covid-19 para adolescentes imunocomprometidos

    Resende, I (2022) Menos de 50% do público infantil recebeu a primeira dose da vacina contra a Covid, CNN Brasil

    VAERS, Vaccine Adverse Event Report System

    YEO, A, KUEK, B, LAU, M, TAN, SR, CHAN, S (2022) Post COVID-19 vaccine deaths – Singapore’s early experience, Forensic Science International.

    Textos do Blogs e outras fontes:

    Julio Ponce escreveu dois fios no Twitter sobre o tema, aqui e aqui, que inspiraram a organização deste texto.

    Mais sobre Reações Adversas, Vacinação Infantil; Desinformação sobre vacinação infantil, e outros textos sobre vacina no Especial COVID-19 do Blogs Unicamp.

    Mais informações também podem ser vistas no site do Todos Pelas Vacinas

    Os Autores

    Julio C Ponce é Bacharel em Ciências Moleculares e Farmácia-Bioquímica, Mestre em Fisiopatologia Experimental e Doutor em Epidemiologia. Julio é autor convidado do Blogs Unicamp, para o Especial Covid-19.

    Ana Arnt é licenciada em Ciências Biológicas, Mestre e Doutora em Educação, Livre Docente pelo Instituto de Biologia da Unicamp e Coordena o Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial COVID-19.

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Políticas Públicas em Saúde e vacinação de COVID-19

    Temos falado muito da vacinação como pacto coletivo e como medida de políticas públicas em saúde. Mas vocês sabem o que isto significa? O texto de hoje vai falar um pouco sobre o significado de Política Pública e como isto se aplica ao contexto da saúde e, especialmente, da pandemia de COVID-19 e as vacinas.

    Pode parecer banal, mas Políticas Públicas é uma área de conhecimento que está situada nas Ciências Políticas. Ou seja, isto quer dizer que existe um campo de especialistas dedicados a estudar como as políticas públicas funcionam e se implementa, ao que se relacionam e quais efeitos se estabelecem em uma sociedade, ao se idealizar, desenvolver e estabelecer uma política pública.

    Mas o que significa Política Pública?

    Política pública, em um sentido prático ou concreto, pode ser vista como uma interferência direta do Estado na vida (e na manutenção da vida) de uma população. Esta interferência ocorre a partir do momento em que o Estado assume uma forma complexa, na modernidade. Dessa forma, as políticas públicas têm como principal função regulamentar a vida e os espaços públicos, analisando, organizando, legislando  e possibilitando espaços de liberdade, atuação e estrutura social, em uma sociedade e territórios também complexos.

    Pareceu difícil? Em termos gerais, as políticas públicas, como conhecemos hoje, têm como base a centralização de alguns poderes para organizar a vida de uma população, dentro de um território.

    Essa centralização pode acontecer em maior ou menor grau, dependendo do país e de sua política social e econômica. De qualquer modo, ao termos um estado centralizado, em um território determinado, em que uma população reside, teremos políticas públicas com maior ou menor interferência na vida desta população.

    Outro ponto que pode ser importante também de compreender é que políticas públicas não são leis apenas. Isto é, Políticas públicas dizem respeito a uma estrutura e organização que, sim, passam por leis. Todavia também dizem respeito aos programas de governo, às instituições governamentais, aos planejamentos públicos, ao levantamento de dados para análises públicas e estabelecimento de leis, programas, aos financiamentos públicos, dentre outras questões.

    Como vocês podem perceber, políticas públicas dizem respeito a um conjunto de ações em um estado centralizado, para uma população.

    Políticas públicas como estratégia e instrumento democrático

    É fundamental compreendermos que as políticas públicas são estratégias para organização e manutenção de uma vida em sociedade, dentro de um estado. Todavia, torna-se atualmente também fundamental entendermos que as políticas públicas são instrumentos de promoção e defesa de um estado democrático, a partir de estratégias específicas. Mais do que isto, são instrumentos que visam interferir na população por sua ação ou falta de ação. Ou seja, quando um governo decide não agir em algum acontecimento ou setor específico isto também é interferir, uma vez que produz efeitos específicos em uma população definida, dentro de um território nacional.

    Tendo em vista que as políticas públicas são uma área das Ciências Políticas, mas podem relacionar-se com qualquer aspecto da vida pública, elas têm algumas características específicas. São obrigatoriamente multidisciplinares, isto é, precisam de profissionais de diversas áreas para compreender um determinado aspecto ou acontecimento social, para definir ações para solucionar problemas. Além disso, nestas ações estratégicas também são predominantemente fundamentais os princípios éticos que vão reger as ações, visando prioritariamente a manutenção da dignidade humana, dentro de um estado democrático de direito.

    Assim, estes são princípios que regem as políticas públicas. Ou seja, quando pensamos em um problema específico relacionado a uma população, parte das perguntas que iniciam e atravessam toda a busca por soluções, por todos os profissionais envolvidos, é (ou deveria ser): como salvar a maior quantidade possível de pessoas e mantê-las sadias, salvas e com bem estar social mínimo.

    Dito isto, vamos ao próximo ponto…

    Qual a importância de se compreender o que é política pública, em um momento de pandemia?

    Talvez essa seja uma pergunta extremamente relevante para o contexto atual. Quando pensamos em uma política pública de saúde, por exemplo, existem muitos fatores a serem levados em conta. Não é apenas alguém de um governo dizendo:

    • Ah, eu quero que vacinem pessoas;
    • Eu acho que tem que tomar este medicamento e vou espalhar por aí.

    As políticas públicas de saúde são (ou deveriam ser) feitas a partir de dados de uma população. Que tipo de dados?

    • Quantas pessoas estão nascendo?
    • Quantas pessoas estão morrendo?
    • Do quê as pessoas estão morrendo?
    • Em que região se nasce e se morre mais?
    • Em que região as pessoas estão morrendo mais? De que causas?

    Em relação à COVID-19, por exemplo, não basta ter testes diagnósticos (o que temos muito pouco), é preciso analisar quem está falecendo em relação à idade, características de saúde e doenças prévias, condições sanitárias, habitacionais, classe social, etc.

    No cruzamento destes dados, teremos alguns perfis que adoecem mais. A partir disso, poderemos estabelecer estratégias específicas para cada grupo social e parcela da população (desde campanhas de conscientização, até cuidados básicos e protocolos de atendimento). Isto é, não adianta eu criar uma campanha sobre cuidados básicos com personagens infantis (por exemplo) e usar para atingir pessoas da terceira idade. Também é sem sentido eu criar protocolos de pronto atendimento para idosos em postos em que só atendem crianças até 10 anos.

    Assim, políticas públicas de saúde dizem respeito a um conhecimento técnico da população, com levantamento de longa data, e organização deste conhecimento para aplicar estratégias de manutenção da saúde e combate à doenças. Isto vai desde legislações, passando por instituições (postos de saúde, hospitais, formação profissional, alocamento de materiais e recursos, logística), até comunicação em campanhas.

    E as vacinas?

    Uma das questões polêmicas contemporâneas é a obrigatoriedade da vacina, o passaporte vacinal e a vacinação de crianças. Isso têm relação com política pública? Como?

    Nós sabemos que a vacinação infantil têm gerado polêmica e há muitos pais, mães e responsáveis com muito medo de vacinar. Esse receio vem sendo promovido pelo discurso de que a vacina é experimental e as crianças seriam cobaias de um experimento em massa.

    Bom, já vamos logo dizendo que não! A vacina que vai ser disponibilizada para as crianças em nosso país não é experimental. Ela passou por todas as etapas de testes, foi analisada por pares, registrada em instituições internacionais de pesquisa, que acompanham passo a passo os resultados. Ao final de todas as etapas, as fábricas que produzirão as vacinas também são vistoriadas para a aprovação final de uma vacina em países como o nosso.

    Dito isso, voltemos à questão das políticas públicas de vacinação. A pergunta relacionada às políticas públicas em saúde e vacinação normalmente têm sido:

    • Se a vacina é obrigatória, como pode ser escolha dos pais?
    • Se eu quiser não vacinar meus filhos, por qual motivo eu deveria estar batalhando tanto para que a campanha de vacinação ande logo no Brasil?

    A vacinação obrigatória e a vacinação compulsória

    Primeira questão: a vacinação ser obrigatória não a torna compulsória. Ou seja, nossas políticas públicas em saúde são cruzadas, quando se trata de vacinação. Isto quer dizer que não se vacinar pode te restringir acesso a serviços públicos e privados em nosso país – ou mesmo internacionalmente. Por exemplo, um país e/ou estado pode restringir, legalmente, matrícula em escolas, prestar serviço público, circular em determinados espaços públicos ou estabelecimentos. Tratamos desta questão no texto sobre Passaporte Vacinal.

    A vacina, todavia, segue sendo uma escolha pessoal e individual e não é compulsória. Com isto, queremos dizer que não há nenhum agente do governo federal, estadual ou municipal que entrará na tua casa à força e te vacinando (ou vacinando teus filhos) contra a tua vontade. 

    Não quero vacinar, tanto faz o governo comprar ou não vacina!

    Considerando que a vacinação é um pacto social e que precisamos de uma ampla cobertura vacinal para diminuir casos de infecção, riscos de agravamentos e, também, transmissão do vírus SARS-CoV-2, faz muito sentido batalharmos por ações de vacinação em massa sim!

    Se a vacinação é uma ação pública em nosso país, nós deveríamos ter um plano para torná-la disponível à população brasileira. E como podemos fazer isto?

    Assim, vou considerar neste texto que a vacina foi aprovada pela ANVISA e esta etapa não precisa mais entrar na nossa conta, ok? Também vou considerar apenas as crianças de 5-11 anos, que é o foco atual da vacinação de COVID-19. Dessa forma, vou traçar aqui alguns pontos que podem ser importantes sabermos para estabelecer uma política pública de vacinação:

    • Número de crianças de 5 a 11 anos e número de crianças que farão 5 anos em 2022 no Brasil;
    • Distribuição destas crianças no território nacional (quantas crianças por estado e município brasileiro);
    • Quantidade de doses suficientes para vacinar 100% das crianças nesta faixa etária;
    • Numero de seringas e agulhas necessárias para aplicar as vacinas;
    • Quantidade de profissionais para aplicar estas vacinas;
    • Organização de um calendário de vacinação;
    • Organização de critérios de prioridades para vacinar – diminuindo aglomeração de pessoas em postos de vacinação;
    • Compra de vacinas;
    • Distribuição de vacinas;
    • Armazenamento de vacinas;
    • Treinamento de profissionais, caso necessário;
    • Impressão de carteirinhas de vacinação específica;
    • Campanha de vacinação (oi, Zé Gotinha!);

    Esta lista não se pretende completa, de modo algum. Entretanto, é um bom exercício para percebermos que políticas públicas de saúde não dizem respeito necessariamente ao exercício da medicina, por exemplo. A vacinação de crianças envolve dados que vão desde censos populacionais, até compras, licitações, logística, espaços de armazenamento, formação profissional, etc.

    Só isso?

    Também é preciso de algo que vou chamar aqui de ação coordenada. Ou seja, é um diálogo e estabelecimento de protocolos que são estruturados por um órgão máximo de um país – como o Ministério da Saúde – e repassados para órgãos equivalentes regionais – como as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

    Quando estabelecidos os protocolos e este diálogo, também se sabe quais as condições que estados e municípios têm de efetivar esta política pública. Portanto, é neste diálogo que se consegue desenvolver estratégias de execução destas políticas, caso precise de algum suporte federal aos estados e municípios.

    Políticos (seja do poder executivo, seja do poder legislativo) e instituições políticas governamentais (ministérios, secretarias, por exemplo) e instituições jurídicas (como o STF) sabem destes trâmites todos com mais detalhes. E é por isso que são considerados GOVERNO representados por 3 poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

    É possível compreender a complexidade de ações envolvidas em algo que parece tão simples, como o ato de vacinar pessoas?

    Pois é! O Programa Nacional de Imunização, o famoso PNI, foi pensado e estruturado em pleno período de governo militar brasileiro, em 1973! 

    Já tivemos vários êxitos maravilhosos desde a criação do programa. Por exemplo, podemos destacar a erradicação da Varíola, em 1977 e da poliomielite, em 1989, no território nacional! Assim as vacinações entram no que chamamos de Políticas Públicas de Saúde Preventivas. Isto é, uma política pública que visa, através de suas ações, prevenir doenças (ou evitar ao máximo que a população chegue a adoecer e, caso adoeça, evitar ao máximo que faleça).

    A vacinação de crianças não é só um tema banal a ser debatido em dias comuns por pessoas comuns – como nós. Independente de querermos ou não vacinar crianças (embora nossa recomendação seja fortemente de que vocês vacinem as crianças assim que possível), precisamos que as vacinas estejam disponíveis para nossas crianças o mais rápido possível! Mas, para isto, precisamos de planejamento, organização, estrutura, compras, viabilização de transporte, espaço físico para armazenamento, treinamento técnico, estabelecimento de protocolos, definição de diretrizes.

    Em suma, políticas públicas de saúde são sobre tudo isso (e mais um pouco). E é por isso que temos perguntado todos os dias (e seguiremos perguntando):

    Em que pé estão os planejamentos para a vacinação das crianças?

    Para Saber Mais

    Documentos Oficiais Brasileiros:

    Programa Nacional de Imunizações – Vacinação

    CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

    Lei Orgânica de Saúde – LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990.

    Outras Bibliografias

    Azevedo, JML (2004) A educação como política pública, Campinas: Autores associados.

    Derani, C (2004) Política pública e a norma política, Revista da Faculdade de Direito UFPR

    Marques, E, Faria, CAP (2018) A política pública como campo multidisciplinar, São Paulo: Editora UNESP, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.

    Paulus Junior, A, Cordoni Junior, Luiz (2006) Políticas públicas de saúde no Brasil Revista Espaço para a Saúde, Londrina, v8, n1, p13-19.

    Reis, DO, Araújo, EC, Cecílio, LCO (s/d) Políticas Públicas de Saúde no Brasil: SUS e pactos pela Saúde, Unifesp.

    Santos, Nelson Rodrigues dos (2007) Desenvolvimento do SUS, rumos estratégicos e estratégias para visualização dos rumos Ciência & Saúde Coletiva, v12, n2, pp 429-435 (Acessado 30 Dezembro 2021).

    Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Ana é coordenadora do Especial COVID-19. 

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Vacina de Pólio e a segurança dos protocolos de vacinação atuais

    Texto escrito por Flávia Ferrari

    O primeiro texto sobre vacinas, da equipe do Todos Pelas Vacinas, falou sobre Reações Adversas, com a Mellanie Fontes-Dutra! Hoje nós vamos falar sobre uma vacina especial, que é o coração do Programa Nacional de Imunização e a grande vedete dos fãs de vacina: a vacina de pólio (poliomielite ou a gotinha!).

    O que é pólio?

    Temos relatos de poliomielite (popularmente conhecida como paralisia infantil) desde a antiguidade. Não é, portanto, uma doença recente em nossa história, como humanidade. Porém, o vírus só foi descoberto no começo do século XX. A trajetória foi, portanto, longa até entendermos o que causa esta doença!

    A principal forma de transmissão é por contato com as fezes. Isto é, fecal-oral. Mas também pode ser transmitida de forma oral-oral. A paralisia infantil é assintomática em 95% dos casos. Todavia, em 1% dos casos podem se desenvolver sintomas graves, menos de 0,05% morrem.

    Se olharmos estes números, de alguma forma (curiosa até) eles colocam em xeque as discussões que temos hoje sobre a COVID. Isto porque muitos afirmam sobre os supostos “baixo riscos” que crianças têm ao contraírem a doença a COVID-19. Entretanto, nós sabemos que devemos tentar preservar o máximo de vidas possível, especialmente quando se trata de doenças e mortes evitáveis! Aliás, isso ainda intensifica-se ao refletirmos nas sequelas para toda uma vida e no impacto disso para a saúde pública. 

    Jonas Salk e a poliomielite

    Mas o assunto hoje é a pólio e a vacina! Então, quero contar um pouco sobre a história da pesquisa de Jonas Salk. Salk trabalhava desde 1941 com o vírus Influenza (gripe) e em 1947 começou seus estudos sobre a poliomielite. Em 1949, outros pesquisadores desenvolveram um método in vitro de propagação do poliovírus. Salk usou a técnica para produzir grandes quantidades de vírus e iniciar testes de inativação do vírus. Salk acreditava que a vacina poderia ser feita de vírus morto, produzindo assim anticorpos através da presença no sangue. 

    Os primeiros testes de segurança foram feitos em cerca de 5000 indivíduos. Salk chegou até mesmo a inocular a vacina experimental nele mesmo, na esposa e nos seus três filhos. 

    Após esses testes de segurança em pequena escala, realizou-se o maior estudo clínico já feito, recrutando 1,8 milhões de crianças só nos Estados Unidos, para realizar os testes de fase 3. 

    No caso da COVID, por se tratar de um vírus com transmissão muito mais comum, precisamos de grupos menores para tanto. Os testes de fase 3 não passaram de dezenas de milhares. 

    A aplicação da vacina de pólio

    Voltando ao teste de Salk, já em 1955, a vacina começou a ser aplicada em massa. Com um controle muito menos rígido que os atuais houve uma grande falha em um laboratório que não utilizou o procedimento correto para inativar o vírus. Com isso, de 380 mil doses lançadas pelo laboratório, 164 crianças ficaram paralisadas (0,043%) e 10 morreram (0,003%), uma porcentagem muito baixa, em relação ao total de vacinas aplicadas. No entanto, mesmo com uma porcentagem baixa assim, este foi considerado o maior desastre biológico da história dos Estados Unidos da América. 

    Aliás, tão desastroso que culminou na mudança de todo o padrão de checagem de segurança das vacinas, até os dias atuais no mundo inteiro. A cepa utilizada era a mais virulenta também, algo inimaginável nos dias atuais.

    Cabe ressaltar que após esse incidente, nenhum evento desse tipo ocorreu mais.  Devido às novas técnicas de segurança e ao controle de qualidade para as vacinas, que inclusive ajudaram a melhorar os procedimentos atuais.

    Hoje no Brasil, usamos a CoronaVac como vacina contra COVID-19 tendo a tecnologia de vírus inativado que possui mais de um método de inativação. Isto é, o utilizado pela vacina Salk e também métodos de radiação de alta frequência. Além disso, usamos atualmente métodos de controle muito mais efetivos.

    Como assim? Quer dizer que usam o mesmo método catastrófico do Salk? Não. Quer dizer que aprimoramos a tecnologia de inativação do vírus, construímos conhecimento sobre nossos erros

    Hoje, o método de vacinas de vírus inativado é considerado muito seguro.

    Em 1961, com a continuidade da vacinação e revisão dos protocolos, os casos reduziram 90% só nos Estados Unidos. No Brasil, a vacina começou a ser utilizada a partir de 1960.  Porém não temos dados seguros da redução, pois não havia notificação compulsória até 1968. 

    Na década de 80 surgiram os Dias Nacionais de Vacinação (e o Zé Gotinha – A gente tem um vídeo fofo disso). Em 1991 houve o último caso de pólio nas Américas! Um marco histórico de vitória de uma política pública de saúde tão importante!

    Em 1994 fomos certificados como área livre de circulação de pólio selvagem. Segundo projeções, se a queda continuar no mundo todo (hoje apenas Nigéria, Afeganistão e Paquistão e outros casos relatados em outros países), em 2024 poderemos ter erradicado o vírus no mundo, 70 anos após o desenvolvimento da vacina.

    Segundo a Organização Mundial da Saúde, erradicar a poliomielite significaria uma economia mundial de cerca de 40 bilhões de dólares, pelo menos. Este número torna-se ainda mais significativo quando levamos em conta que são países de baixa renda os afetados por esta doença. Mas mais importante do que isto, a OMS aponta que:

    Quando a pólio for erradicada, o mundo poderá celebrar a entrega de um grande bem público global que beneficiará todas as pessoas da mesma forma, não importando onde elas vivam (…) o sucesso significará que nenhuma criança voltará a sofrer os terríveis efeitos da paralisia provocados pela poliomielite ao longo da vida

    E o que isto tem a ver com a vacinação de COVID-19, o Todos Pelas Vacinas e nossa campanha de vacinação infantil?

    É importante termos noção de que a ciência não funciona em saltos com soluções inéditas. Sabemos que vivemos atualmente um momento difícil, que parece se arrastar por nossas vidas e esperamos diariamente notícias de que a pandemia acabou. Mas compreender estes processos científicos também torna-se parte da possibilidade de confiar mais ainda nos processos científicos. Isto é, compreender que a ciência funciona a partir de análises anteriores, técnicas já desenvolvidas, aprimoradas, para problemas contemporâneos e novos. A vacina para Covid, como não poderia deixar de ser, utilizou-se de plataformas, técnicas e conhecimentos prévios para ser desenvolvida com segurança para nós e para as crianças.

    Assim, reforçamos alguns pontos: Vacinas salvam vidas, mas não extinguem o vírus em um passe de mágica. A pesquisa em vacinas pode ser rápida, ainda mais se houver interesse público, financiamento e uso de plataformas já desenvolvidas. As vacinas não foram desenvolvidas rapidamente como passe de mágica, nós utilizamos saberes prévios, como são as outras usadas atualmente. Por exemplo, a vacina de RNA que já vinha sido desenvolvida para outros vírus.

    Além disso, a aplicação de vacinas em massa ocorrem após testes em grupos para verificar a segurança. Erros que aconteceram no passado balizaram métodos que asseguram formas muito mais confiáveis de produção. Ou seja: Aprendemos e evoluímos muito em segurança e qualidade para que erros do passado não aconteçam mais

    Em suma, as vacinas…

    As vacinas usadas para a COVID-19, tanto em adultos, quanto as vacinas pediátricas são seguras, seguiram protocolos rígidos, aprimorados em dezenas de anos. Assim, não precisamos ter receio em relação à vacinação atual e teremos um mundo mais sadio e com menos adoecimentos, quanto mais pessoas estiverem vacinadas!

    Para Saber Mais:

    Neto Tavares Fernando. O início do fim da poliomielite: 60 anos do desenvolvimento da vacina. Rev Pan-Amaz Saude [Internet]. 2015.

    Organização Panamericana de Saúde. Poliomielite

    Paul JR. A history of poliomyelitis. New Haven: Yale University Press; 1971.

    Polio Global Erradication Iniciative

    Fiocruz. Salk versus Sabin: dois personagens e suas estratégias contra a pólio

    BBC News. ‘Incidente Cutter’: a tragédia nos EUA dos anos 1950 que resultou em vacinas mais seguras

    A autora

    Flávia Ferrari continua a série maravilhosamente bem iniciada pela Mellanie Fontes-Dutra, que falou sobre reações adversas das vacinas, contando um pouco de histórias de pesquisas em vacina, em especial de uma que todos tomaram: A pólio (ou a gotinha). Flávia é bióloga e atua como professora de ciências e autora de materiais didáticos, integra os grupos Observatório da COVID-19 Brasil e Todos Pelas Vacinas.

    Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Flávia é autora convidada do Especial COVID-19. 

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Reações Adversas e Vacinas: o que são e onde habitam?

    Texto escrito por Mellanie Fontes-Dutra

    Há muita informação e desinformação rolando por aí acerca do que é uma Reação Adversa ou eventos adversos e vacinas. Hoje resolvemos abrir a Caixa de Pandora com as informações confusas e falar sobre isto!

    O nome que usamos, técnico, é Evento Adverso Pós-Vacinação (EAPV) e significa qualquer ocorrência médica indesejada após a vacinação. Todavia, não necessariamente a EAPV possui uma relação causal com o uso de uma vacina ou outro imunobiológico (imunoglobulinas e soros heterólogos). Isto quer dizer que eventos que acontecem em nosso corpo não necessariamente são consequência da vacina.

    Vamos entender melhor?

    Existem reações mais frequentes, como a dor no local da injeção, febre e dores no corpo. Esses eventos frequentes são chamados assim porque são experienciados por muitas pessoas, com certa frequência. Mas temos os eventos raros e muito raros, que vamos defini-los abaixo:

    • Eventos adversos raros podem ser registrados de uma vez a cada 1.000-10.000 doses aplicadas.
    • Eventos muito raros podem ser registrados menos de uma vez a cada 10.000 doses aplicadas. Portanto, a ocorrência deles é muito, muito rara, e muitas vezes de difícil relação com a vacina.

    Existem razões para EAPVs acontecerem, por isso analisa-se tudo!

    A principal delas é em decorrência da falha na aplicação da vacina. Por ser a principal causa, em investigações, este deve tornar-se primeiramente descartado – portanto o primeiro analisado. É considerado um evento evitável, por isso a instrução é importante.

    Outro motivo de termos EAPVs são falhas no controle de qualidade/produção e até mesmo práticas inadequadas para a imunização. Por isso a Anvisa (aqui no Brasil) faz um controle imenso e super detalhado desses processos ao avaliar um imunizante. Quem quiser entender melhor sobre isso, pode assistir a Live que fizemos pelo Todos Pelas Vacinas e a Rede Análise, com Gustavo Mendes, que é gerente geral de medicamentos e produtos vivos da Anvisa.

    Aliás, também é por isso que todo o processo, desde as fases de segurança até a de efetividade, é examinado pela comunidade científica internacional. Além disso, todo evento torna-se alvo de analises minuciosas por órgãos fiscalizadores de cada país. Sempre que necessário – seja por que motivo for! – interrompe-se a produção e analisa-se a causa.

    Como reportar um EAPV?

    Há duas formas principais aqui no Brasil:

    Uma vez notificado, investiga-se o evento para saber se a vacina teve relação com o evento. Após a notificação, há uma sequência na avaliação. Inclusive, há uma troca internacional diária entre as farmacovigilâncias dos países. Isto tudo para alertar sobre o eventual aparecimento de um evento adverso mais grave ou inesperado.

    Todos os eventos esperados são computados e não precisam de investigação (pois são esperados). Os eventos esperados, como o próprio nome já diz, são esperados. Isto quer dizer que são comuns e não apresentam gravidade. Febre é um exemplo deles.

    Mas aqueles eventos inesperados são separados para uma maior e detalhada investigação. Assim, é super importante ressaltar a seriedade com que são estudados e analisados eventos adversos pós-vacinação. Não é uma análise banal ou trivial. Tampouco é algo que passa batido por instituições internacionais. Todo e qualquer evento reportado inicia uma análise e toma-se muito a sério cada uma das análises!

    O que é feito para os dados e análises?

    As equipes responsáveis por analisar EAPVs vão atrás de prontuários médicos, histórico de saúde das pessoas, dos familiares, novos exames e outras informações. O objetivo é entender se houve relação entre a aplicação da vacina e o aparecimento desse evento adverso de saúde.

    Por isso é de suma importância que só se estabeleça a relação se for comprovada. E aqui ressaltamos isso várias vezes exatamente para deixar clara a necessidade de tomarmos muito cuidado com desinformações propositais que nos causam receio (ou como temos chamado hesitação vacinal) ou qualquer veiculação de eventos, sem que tenham sido cumpridos os protocolos internacionais de análise. Infelizmente, vemos muitas situações até mesmo trágicas acontecerem. Mas podemos não ter evidências de que as vacinas foram as desencadeadoras. Além disso, podemos causar receio e hesitação acerca da vacinação, sem que faça sentido a relação entre eventos adversos e a vacina em si. 

    Com isso, sempre alertamos: antes de espalhar algum material que tu recebas, veja se existe algum dado científico atrelado a isto!

    Existe um fenômeno chamado associação temporal, que é quando dois eventos acontecem em tempos muito próximos. Mas podem não ter relação de causa e consequência estabelecida entre eles

    Querendo saber mais sobre isso, já escrevi um fio no Twitter sobre o tema! Olha aqui

    Caso identifiquem-se reações inesperadas graves, que se mostrem um risco à população em geral, a Anvisa pode interromper a autorização da vacina. Para isso, também se leva em conta se o eventual risco de um EAPV pode superar o benefício da vacina.

    E aqui já deixamos bem claro:

    NÃO HOUVE ISSO EM NENHUM MOMENTO NO BRASIL

    Até o dia 06 de Dezembro de 2021, nós tivemos 131.685 EAPVs. Neste mesmo período, tivemos 194 milhões de aplicações da vacina. Isto é, 0,07% das aplicações tiveram alguma notificação. Vamos lembrar que eventos raros acontecem uma vez entre 1.000 e 10.000 aplicações. Já Eventos muito raros acontecem uma vez entre 10.000 aplicações. Isto considerando um evento específico (e não qualquer evento aleatório).

    Estes dados indicam que tivemos 0,7 eventos a cada 1.000 aplicações.

    Além disso, e mais importante, não significa que a vacina é a causa. Significa que observamos os eventos observados depois da aplicação. Além disso, este dado é público e pode ser visto no Boletim Epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde.

    Contudo, parece-nos fundamental apontar ainda que a grande maioria (92%) dos eventos adversos são reações sem gravidade. Por exemplo: dores de cabeça, dores no local de aplicação, febre e tosse.

    Calma, ainda tem mais sobre EAPVs

    No Brasil tivemos 9.896 reações consideradas graves. Isto significa cerca de 5 eventos a cada 100 mil doses aplicadas. Dessa forma, é algo menor que 0,005%. E tudo isto, destrinchando apenas os eventos em si, sem analisar especificamente se a reação grave teve como causa a vacina! Em suma, ao fim das análises, na verdade, a maioria das reações nada tem a ver com a vacina (ver o link do Boletim Epidemiológico).

    Ainda não está convencido? 

    Existem mais dados a respeito da vacina, os EAPVs e o coronavírus. Todos eles têm apontado que os riscos da infecção viral mostram-se MUITO mais elevados do que os riscos causados pela vacina. Por exemplo, o risco de alguém que tenha sido internado por COVID-19 desenvolver trombose é 41.000x maior que o da vacina.

    Se estiver difícil de entender estes números, podemos explicar com fatores do dia-a-dia. Assim, é muitíssimo mais fácil ter trombose por tomar anticoncepcional (0,05%) ou fumar (0,18%) do que por tomar a vacina contra a COVID-19 (0,0001% – Janssen a 0,0004% – AstraZeneca). Colocando assim, fica claro que quaisquer riscos de EAPVs mais sérios não são nem próximos de serem superiores aos riscos que corremos no nosso cotidiano, e principalmente pensando na infecção pelo coronavírus (COVID-19).

    Segundo o boletim do Ministério da Saúde, o risco de pegar a COVID-19 e morrer é 56,6 vezes maior que o de ter algum efeito adverso após tomar a vacina (seja leve ou grave). Se olharmos estes números, parece bem estranho ter qualquer hesitação vacinal. Mais ainda causar algum debate enfatizando o cuidado tão exacerbado sobre tomar vacina – incentivando que não se tome a vacina como têm sido feito em nosso país!

    Mas e as crianças? E a Miocardite???

    Ah, sim. O tema do momento: e a miocardite em crianças? O risco de uma criança de 5-11 anos ter miocardite ao pegar COVID-19 é 40 vezes maior do que o risco de essa criança ter miocardite ao ser vacinada. Em suma: os riscos são muito maiores para quem não toma a vacina. 

    Portanto, tome sua vacina! Aliás, se estiver sentindo algum efeito, notifique nos links citados. Mas, ressaltando ainda, se tiver dúvidas, não deixe de enviar para nós! Tanto eu, Mellanie Fontes-Dutra, quanto os parceiros Todos Pelas Vacinas, Rede Análise, Observatório COVID-19 e nós, do Blogs Unicamp); estamos sempre disponíveis para ajudar. Vacine-se e se (nos) proteja! 

    Saiba Mais

    Documentos Oficiais:

    Manual de Vigilância Epidemiológica de Eventos Adversos Pós-Vacinação

    Boletim Epidemiológico Nº 90 – Boletim COE Coronavírus

    Reportagens

    Mali, Thiago (2021) Poder Explica: reações adversas às vacinas contra a covid

    A autora

    Mellanie Fontes-Dutra é biomédica, doutora em neurociência e pesquisadora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Divulgadora Científica na Rede Análise COVID-19. Autora convidada no Especial COVID-19 e parte do projeto Todos Pelas Vacinas.

    Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Mellanie é autora convidada do Especial COVID-19. 

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Campanha #VouVacinar

    A campanha #VouVacinar, do Movimento Todos Pelas Vacinas, tem como proposta o combate à desinformação sobre a COVID-19 e os efeitos e riscos da vacina infantil, a partir da divulgação científica, articulada com a cultura, a arte e a sociedade! Contamos com seu apoio, colaboração e participação na campanha #VouVacinar, que acontecerá ao longo de Janeiro de 2022.

    O movimento #TodosPelasVacinas é organizado pela ABRASCO, Blogs de Ciência da Unicamp, COSEMS/SP, Equipe Halo/Nações Unidas (ONU), Núcleo de Pesquisas em Vacinas da USP (NPV-USP), Observatório COVID-19 BR, Rede Análise COVID-19, Núcleo de Pesquisas em Vacinas da USP, ScienceVlogs Brasil e a União Pró-Vacina.

    E lá vamos nós falar de vacinas!

    Sim! Cá estamos novamente para falar de vacinas contra Covid-19, dessa vez para crianças de 5 a 11 anos!

    No Brasil e em vários países do mundo tivemos uma diminuição drástica de óbitos desde que o esquema vacinal completo foi sendo alcançado por uma grande parcela da população. Sabemos que ainda são necessários cuidados, mesmo vacinados, mas nossa vida definitivamente tem o mesmo pesar do primeiro semestre de 2021.

    Agora é chegado o momento de as crianças adquirirem a imunização, através da vacina! Sabemos que a vacinação sempre foi, historicamente, exemplar em nosso país, com a erradicação da Poliomielite (desde 1989) e da Varíola (desde 1977!!!). Sabemos também que a vacinação é um projeto coletivo de proteção.

    As vacinas destinadas às crianças não são experimentais, elas já passaram pela etapa de análise e são seguras e eficazes para esta faixa etária indicada. Além disso, são fundamentais para o enfrentamento da COVID-19, para o retorno mais seguro das aulas e do convívio social, tão esperado por todas as crianças, que sofreram tanto com os distanciamentos impostos ao longo de 2020 e 2021.

    O tempo de vacinar, agora, é com a leveza que só a infância é capaz de nos proporcionar. A esperança renovada para as crianças, com ciência, conhecimento e políticas públicas de saúde que, historicamente, nosso país tem tradição mundial, tem sua vez na luta contra a COVID-19.

    Nossos materiais estão disponíveis (e serão atualizados com a nova campanha) no Portal: www.todospelasvacinas.info, também vamos lançar textos aqui e vocês podem nesse link aqui

    Mais informações podem ser obtidas nos contatos:

    Ana Arnt (Blogs Unicamp): blogs@unicamp.br; (19) 98364-0054

    Flávia Ferrari (Observatório COVID-19 BR): obscovid19br@gmail.com; (11) 99111-6455

    Todos Pelas Vacinas: todospelasvacinas@gmail.com

  • Vacinômetros: quais dados estão sendo informados?

    Texto de Ana de Medeiros Arnt e Leonardo Augusto Medeiros

    Vocês já perceberam como as informações sobre o andamento da vacinação estão confusos e podem atrapalhar nossa compreensão sobre os dados? Hoje nós resolvemos olhar os famosos “vacinômetros”!

    Quando vamos analisar, há vários dados que parecem conflitantes e, até para tomarmos decisões baseados na sensação de estarmos mais ou menos seguros – individual ou populacionalmente. Verdade seja dita, não sei vocês, mas do lado de cá, cada um de nós vibra com as postagens de fotos de vacinas e com os números de vacinados crescentes!

    Mas como deveríamos olhar estes dados e que tipos de cuidados precisamos ter?

    Temos usado um termo de forma recorrente para falar de vacinação em massa que é cobertura vacinal. A cobertura vacinal nada mais é do que a quantidade de pessoas, dentro de uma população, que está com o esquema vacinal completo. Já o esquema vacinal completo, para COVID-19 seriam as duas doses e o tempo de imunização, ou a dose única e o tempo de imunização.

    Ao longo de toda a comunicação sobre vacinação também falamos sobre como seria importante ter uma alta cobertura vacinal para termos segurança no que tange à diminuição de casos e de circulação de vírus. Claro que tudo isso atrelado à manutenção de medidas não-farmacológicas tanto quanto fosse possível. Isto é: uso de máscaras (preferência para as filtrantes tipo PFF2), distanciamento físico / social, evitar ao máximo espaços fechados e não ventilados.

    Mas e quanto é uma boa cobertura vacinal? No início de 2021 apontamos que seria importante termos acima de 70% de vacinados na população para começarmos uma abertura segura. Neste meio tempo, tivemos o início da vacinação em nosso país e, também, a chegada da variante Gamma (p.1) e todo o caos de saúde pública vivenciado em Março e Abril deste ano – como se fosse pouco tudo o que tínhamos vivenciado até então.

    Em suma, temos apontado mais recentemente que seria fundamental termos 75% de cobertura vacinal – ou mais do que isto, perto de 90% frente à variante Delta. 

    Cobertura vacinal de 75% representa o quê exatamente?

    Em nosso país, considerando a totalidade da população 75% representa todos os adultos acima de 18 anos estarem vacinados com duas doses ou dose única. Todavia, antes, alguns lembretes:

    1. Se tomarmos as vacinas que têm regime de duas doses precisamos de duas doses para nos protegermos

    2. Nos protegermos significa também proteger quem está em nossa volta.

    3. Estarmos vacinados significa seguir usando medidas não farmacológicas tanto quanto for possível.

    Dados públicos de vacinação nas redes sociais e sites oficiais

    Como buscamos informações

    Sobre os dados de vacinação nos estados e municípios brasileiros, nós pedimos ajuda de quem segue nosso trabalho na rede social Twitter para ver como algumas prefeituras e estados estão divulgando os dados! Vimos vários modos de divulgação e vamos apresentar aqui alguns deles.

    Para explicar como vamos apresentar estes dados

    É importante dizer que tentamos agrupar por “como os dados estão organizados”: há quem só diga quantas doses foram aplicadas, há quem apresente porcentagens de populações ou parcelas de população vacinadas; há quem coloque vacinação junto com outros dados da COVID. Tudo isso modifica bastante a informação que está nos sendo fornecida e, também a facilidade ou não de lermos estes dados.

    De modo algum nosso intuito é desmerecer o trabalho das prefeituras que têm feito um esforço grande em deixar as populações de seus municípios informadas, já ressaltamos aqui! No entanto, conforme vamos recebendo perguntas, também percebemos que existe dificuldade de compreensão das informações que existem não só nas comunicações em si, mas em um montante de informações que a população procura em outros espaços para conseguir tomar decisões para melhor se prevenir. E, muitas vezes, é nessa quantidade de informações e dificuldade de entender números específicos, que também vamos nos confundindo… 

    Assim, organizamos tudo a partir de como consideramos que alguns dados poderiam ser apresentados os dados de vacinômetros, a partir da ideia de cobertura vacinal, já que este é um dado que nos dá uma ideia geral de como a nossa população está neste momento.

    Por fim, também ressaltamos que usamos as informações que nos foram fornecidas, isto é: não fomos atrás para ver “como mesmo” estes dados estão nas plataformas das prefeituras. Dessa maneira, compreendemos que essa decisão se faz necessária deixar clara, em função de termos apresentado nossas ideias aqui a partir de como o público coleta informações sobre a vacinação – e muitas vezes como este público vem até nós perguntar. É a partir destes dados divulgados em redes sociais e sites oficiais de seus municípios.

    Nós dividimos as informações que recebemos em três categorias para apresentar a vocês:

    1) Vacinômetros com aplicações de doses: Cidades que apresentam números totais de vacinados;

    2) Vacinômetros com porcentagens de vacinados: Cidades ou estados que apresentam porcentagem de “público vacinado”, esta categoria apresentou variações que dividimos em

    • População com primeira dose completa: considera apenas a porcentagem que tomou a primeira dose, para apresentar os dados ao público;
    • Público vacinável vacinado: Isto é, quantas pessoas entre aquelas que podem ser vacinadas foram vacinadas;
    • População Vacinada: faltando dados sobre informações de doses, população vacinável e população geral.
    • População Adulta Vacinada e População Geral Vacinada: detalhando as informações em categorias

    3) Vacinômetros com porcentagens de vacinação: porcentagens aleatórias e sem informações detalhadas: porcentagens que não informam exatamente sobre o que se trata o dado apresentado.

    Ressaltamos que recebemos uma quantidade enorme de exemplos e não foi possível usar todos, infelizmente. Foram mais de 70 mensagens recebidas, as quais agradecemos imensamente. Dessa forma, buscamos agrupar e utilizar o máximo de exemplos para diversificar a informação e mostrar informações palpáveis para compreender melhor como ler estes vacinômetros.

    Vamos aos exemplos de vocês?

    Vacinômetros com aplicações de doses

    1/3 Vacinômetros de municípios que colocam aplicações de doses como informação
    2/3 Vacinômetros de municípios que colocam aplicações de doses como informação
    3/3 Vacinômetros de municípios que colocam aplicações de doses como informação

    Vacinômetros com porcentagens de vacinados

    1/5 Vacinômetros de municípios que colocam porcentagem da população como informação
    2/5 Vacinômetros de municípios que colocam porcentagem da população como informação
    3/5 Vacinômetros de municípios que colocam porcentagem da população como informação
    4/5 Vacinômetros de municípios que colocam porcentagem da população como informação
    5/5 Vacinômetros de municípios que colocam porcentagem da população como informação

    Vacinômetros com porcentagens de vacinação

    Vacinômetros com porcentagens de vacinação

    O que podemos falar sobre estes exemplos que trouxemos aqui?

    É de suma importância que as prefeituras apresentem os dados de maneira clara e objetiva, dando ênfase sempre às informações com maior impacto sobre o combate à pandemia. Dessa forma, é bom lembrar que, em casos como os que estamos vivendo, as comunicações oficiais também têm um papel de informar as populações para melhor conduzir suas ações e decisões acerca das proteções individuais.

    Assim, nós consideramos que a porcentagem da população total que já foi vacinada, com uma dose é importante sim. Mas especialmente a parcela que já está com seu esquema vacinal completo é fundamental como dado técnico para compreendermos em que etapa estamos neste momento, de cobertura vacinal e, portanto, proteção coletiva.
    Ao fazer recortes específicos, como, por exemplo, considerar apenas o percentual de adultos vacinados, ou até mesmo divulgar apenas o percentual entre as vacinas recebidas e aplicadas, pode-se gerar confusão na população, que vê números mais altos e pode ser levada à compreensão de que a cidade já está em um patamar mais alto de imunização, portanto, em um nível maior de segurança. 

    Não priorizar esses dados, divulgando outros com menor relevância prática no combate ao vírus pode ser mais um ruído – dentre tantos que temos.

    Por outro lado, não é nosso intuito (novamente) desmerecer o trabalho que todos têm feito para informar a população. Mas também apresentar a quem tem acompanhado nosso trabalho, um pouco sobre como estes dados podem ser lidos e quais limites de informações podemos extrair dali, neste momento.

    Por fim

    Este texto, feito de forma colaborativa, só tem a agradecer a todos que ajudaram enviando imagens para que conseguíssemos ver a diversidade de formas de comunicar sobre as vacinas. É importante, dentro do nosso trabalho, afim de que nós tenhamos mais condições de entender quais são as dúvidas comuns que surgem. Além disso, compreender como as informações têm sido percebidas por todos. Por fim, novamente ressaltamos que de forma alguma este levantamento teve intenção de ser “completo”, nem uma crítica direta às prefeituras, que tem feito um esforço enorme para deixar sua população informada sobre o andamento da vacinação.

    Para Saber Mais

    Cobertura vacinal, retomadas, indivíduos e população

    Sobre aberturas, cautelas e políticas públicas

    Estratégias de vacinação: o que se leva em conta?

    Coronavírus Brasil: Site oficial | Twitter 

    Vacinômetros, via Rede Análise COVID-19

    Langdon Data Monitor da Covid: Vacinação

    Os autores

    Ana de Medeiros Arnt é bióloga, Doutora em Educação, Professora do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenadora do Blogs de Ciência da Unicamp e do Especial COVID-19

    Leonardo Augusto Medeiros é graduado em cinema e audiovisual, é um dos administradores no grupo Coronavírus Brasil e realiza o levantamento dos dados sobre a pandemia, e divulgação dos dados da vacinação.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os produziram-se textos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, os textos passaram por revisão revisado por pares da mesma área técnica-científica na Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sobre a vacinação e abertura prematura: um celeiro para novos casos e variantes

    É tempo de esperança. A esperança da chegada de um dia melhor, sem a Covid-19 em nosso mundo, está quase na porta. Grande parte desta crescente esperança deposita-se na vacinação da população mundial.

    Cada vez mais estamos vendo manchetes em São Paulo, no Brasil e em vários outros lugares do mundo sobre a reabertura de locais, visto o número cada vez maior de pessoas se vacinando contra a Covid-19. As pessoas anseiam em se vacinar para estarem protegidas, poderem sair de casa, rever parentes, amigos, colegas, viajar, ir a bares, cinemas e museus. 

    Mas toda essa ansiedade para a volta ao “normal” também gera problemas. O principal deles é a ideia da rápida retomada das atividades presenciais, colocando de lado as medidas de distanciamento social, uso de máscara e quarentena.  

    Não é de hoje que os cientistas, autoridades sanitárias e divulgadores científicos vêm falando que a vacinação, única e exclusivamente, não irá resolver a pandemia. No melhor dos cenários, com pelo menos 75% da população vacinada e aliada a outras medidas de contenção, as vacinas podem diminuir muitos os casos de Covid-19 e permitir uma retomada lenta à “normalidade”. No pior dos cenários, uma vacinação com rápida abertura pode funcionar como um impulso para o surgimento de novas variantes, colocando em risco as pesquisas dos últimos 17 meses para o desenvolvimento de uma vacina eficaz.

    “MAS ENTÃO, SE MESMO VACINADO DEVO FICAR EM CASA, QUANDO VOU PODER SAIR?”

    Essa é a pergunta de ouro que todos estão se fazendo. Teoricamente, o ideal é estar com pelo menos 75% da população de um país vacinada. Tomando o Brasil como exemplo, temos uma população de aproximadamente 212 milhões de habitantes. Assim, poderia haver uma reabertura segura do país quando no mínimo 159 milhões de brasileiros estivessem completamente vacinados (que é o equivalente a população maior de 18 anos).

    E completamente vacinado significa duas semanas após a segunda dose (ou um mês depois da dose única, no caso da Janssen) no braço.

    Não é só com uma dose. Assim como não é no intervalo de doses. Ademais, não é com ambas as doses. 

    Novamente, o esquema completo é: duas semanas após ter recebido a segunda dose. 

    Contudo, não é isso que temos visto em alguns lugares. Tomando São Paulo como exemplo, tem se visto vários anúncios falando sobre a reabertura total do comércio e outros estabelecimentos, divulgando uma retomada à “normalidade” após o término da vacinação da população adulta do estado em 16/08 (última segunda-feira). Mas como comentado à exaustão em um outro texto recente aqui do Especial, falar em “população vacinada” quando boa parte dessa recebeu só a primeira dose não é realmente verdade. E nem correto. 

    É nessa falsa sensação de segurança que os problemas começam a surgir.

    VAMOS COMEÇAR OLHANDO OUTROS PAÍSES

    Reino Unido:

    com 68% da população tendo recebido pelo menos a primeira dose da vacina, e 52% terem recebido as duas, e com um relaxamento de quase todas as medidas de restrição, os britânicos voltam a ver uma subida rápida dos casos de infecção da Covid-19 após a chegada da variante Delta.

    Holanda:

    em 26 de junho promoveu a reabertura total do comércio, e tirou a obrigatoriedade do uso de máscaras. Duas semanas depois, revogou ambas as medidas e voltou a restringir as atividades quando os casos de Covid-19 explodiram com a variante Delta.

    Estados Unidos:

    com quase 50% da população vacinadas com as duas doses, o CDC (Centro de Controle de Doenças) suspendeu a necessidade do uso de máscaras e permitiu a reabertura de bares e restaurantes em todo o país, mesmo com estados em que a taxa de vacinação completa ficava por volta dos 35%. Dito e feito: os casos voltaram a aumentar, variante delta tomou o país, e no final de julho o CDC recorreu a decisão tomada.

    Vários outros países, com altos índices de vacinação completa (+50%), estão vendo os casos voltarem a subir, mesmo com boa parte da população vacinada: Canadá, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Itália e mesmo Israel, que foi modelo de vacinação há alguns meses atrás.

    Em grande parte deles, a história foi parecida: com um grande número de pessoas se vacinando, as autoridades começaram a diminuir e enfraquecer as medidas de restrição, permitindo que as pessoas circulassem mais, estabelecimentos ficassem abertos sem restrição de tempo ou lotação e retirando a obrigatoriedade do uso de máscaras. E os resultados também são bem parecidos: uma explosão de novos número de casos, principalmente, entre os não vacinados. E isto  resultou em novos fechamentos e retomada das restrições. 

    Contudo, agora há uma questão nova que tem dificultado o controle da pandemia, mesmo nesses países com altos índices de vacinação: a variante Delta. 

    “O QUE QUE TEM DE TÃO ESPECIAL NESSA VARIANTE DELTA QUE OS JORNAIS NÃO PARAM DE FALAR? ANTIGAMENTE NÃO ERA A GAMA (OU P1) A PROBLEMÁTICA?”

    Pois é, a variante Gama AINDA é problemática. Contudo, há poucos meses surgiu a variante Delta na Índia, que vem tomando conta do cenário viral em todo o globo, já sendo a mais prevalente em boa parte do mundo. No Brasil, a variante Gama ainda é a mais prevalente e os pesquisadores têm tentado entender o motivo do avanço da variante Delta estar sendo mais lento aqui. 

    Veja nas duas figuras abaixo como a Delta está presente em vários países nas últimas duas semanas (Figura 1) e em São Paulo como a predominância das variantes foi mudando ao longo do tempo (Figura 2)

    Figura 1: Variantes predominantes em cada país, analisada a partir de sequenciamento genético nas últimas duas semanas. Isto pode não representar completamente a situação do país, em função de apenas uma fração dos casos serem sequenciados. Fonte da Imagem: CoVariants.org e GISAID.
    Figura 2: variantes relevantes em São Paulo ao longo dos meses. Fonte da imagem: Fiocruz (disponível em: http://www.genomahcov.fiocruz.br/dashboard/)

    Entretanto, esse não é o ponto deste texto.

    Todo o problema ao redor da variante Delta é a sua alta capacidade de transmissão. Além disso, soma-se a várias mutações que podem levar a um escape da imunidade. Mas para tranquilizar os corações: a proteção gerada pelas vacinas ainda permanece contra essa variante, assim como foi observado para outras. No entanto, há sim uma redução na quantidade de anticorpos neutralizantes.

    De acordo com alguns artigos recentes, o que se sabe até agora é que pessoas que tiveram uma infecção natural de Covid-19 com a variante Gama (de Manaus) ou a variante Beta (da África do Sul) têm uma fraca proteção contra a variante Delta. Em outras palavras, os anticorpos gerados pela infecção natural dessas variantes pouco protegem. Ademais, não garantem que, se essas pessoas não se vacinarem e pegarem a variante Delta, elas terão uma doença menos severa ou leve caso se reinfectem. 

    Claro que aqui precisamos fazer uma pequena ressalva: os pesquisadores olharam somente para uma parte da resposta imune, que são os anticorpos. Nosso sistema imune tem diversas outras ferramentas capazes de nos proteger, como a resposta imune celular. Pouco se sabe se esse escape do vírus também afeta os linfócitos, principais atores da resposta celular.

    Mas aqui também fica nosso apelo: NÃO caia nessa de “tive Covid-19 então não preciso me vacinar”.

    TODOS precisam ser vacinados.

    Muito provavelmente se você teve a Covid-19 no passado, foi com alguma das antigas variantes que não protegem (ou protegem fracamente) contra essa nova variante Delta. Você PODE sim ter Covid-19 novamente, tanto a forma leve com grave e transmitir para parentes, conhecidos e amigos.

    Voltando aos estudos, os pesquisadores também viram uma redução da efetividade das vacinas (isso é, a eficiência em reduzir os casos de Covid-19 com sintomas) e da eficiência dos anticorpos neutralizantes gerados em pessoas vacinadas. Entretanto, essa redução é parecida com a que foi vista em outras variantes (Alfa, Beta e Gama). 

    Trocando em miúdos

    Colocando em termos numéricos para exemplificar: a efetividade da vacina da Pfizer (com 2 doses) contra a variante Alfa foi de 93%, enquanto  contra a Variante Delta foi de 88%. Isso é, a cada 100 pessoas que tomaram ambas as doses da vacina da Pfizer, somente 7 (=100-93) tiveram sintomas de Covid-19 após a infecção pela variante Alfa, e somente 12 (=100-88) tiveram sintomas de Covid-19 pela variante Delta. 

    Já para a vacina da AstraZeneca, a efetividade das duas doses contra a variante Alfa foi de 74% e contra a variante Delta foi de 67%. Sim, um pouco menor do que a Pfizer. Mas isso não quer dizer que quem tomou a vacina da AstraZeneca tem mais riscos de ter Covid-19 e morrer. Esses números são só relativos aos casos sintomáticos, aqueles que a pessoa desenvolve um sintoma da doença. Ambas as vacinas continuam com uma efetividade bem alta contra casos graves. 

    Sim, são boas notícias, mas…

    Apesar dessas boas notícias das vacinas continuarem nos protegendo, nem tudo é um mar de rosas. Esses valores que dissemos são referentes a efetividade de AMBAS as doses de vacinas em uma pessoa. Os pesquisadores viram que em pessoas que só tomaram a primeira dose (seja de Pfizer ou AstraZeneca) a eficiência das vacinas era muitíssimo baixa. Em outras palavras: somente a primeira dose NÃO PROTEGE uma pessoa. Esse indivíduo NÃO TÊM uma chance menor de contrair a forma leve da Covid-19 e assim, pode morrer, além é claro de poder transmitir para outras pessoas. 

    Essa redução da efetividade das vacinas indicou aos cientistas que mesmo com a variante Delta não escapando totalmente da proteção garantida pelos anticorpos após a vacinação, é bem preocupante esse cenário em que surgem novas variantes que conseguem escapar, por exemplo, de uma imunidade “natural”, como foi visto no caso das pessoas que tiveram Covid-19 naturalmente com a variante Beta e Gama, e que produzem anticorpos pouco eficiente contra a variante Delta.

    Em suma…

    Sabemos que a variante Delta é muito mais transmissível, escapa da imunidade natural causada por outras variantes, e reduz a eficácia das vacinas (mesmo que essas ainda nos protejam). 

    Sabemos também que muitos países com vacinações MUITO mais avançadas do que as nossas reabriram. Isto é, voltaram à “normalidade” e tiveram que fechar os estabelecimentos novamente. Mas porquê? Ora, tudo porque a variante Delta chegou nesses países e NENHUM deles havia atingido ainda uma imunidade coletiva. 

    Vimos o número de casos e internações aumentando nesses países, com a grande maioria das pessoas não vacinadas sendo os infectados da vez. 

    E mesmo assim, com todos esses exemplos do que não funcionou, ouvimos pessoas em nosso país, estado e/ou cidade falando sobre a retomada à normalidade e abertura dos estabelecimentos. Isso com somente 20% da população inteiramente vacinada (isto é, com duas doses). Dessa forma, a mensagem final que queremos passar é: continuem se cuidando. Tomem as vacinas (ambas as doses!!!) se na sua cidade já é possível. E principalmente, continuem usando máscaras e evitando aglomerações. Pois no caminho que estamos, o futuro que nos aguarda não é nada bom. 

    Para Saber Mais

    Reportagens

    Europa aprova plano de abertura de fronteiras para vacinados, mas lista de países habilitados só será definida depois

    O que acontecerá no Brasil quando a variante delta se espalhar pelo país inteiro?

    Países com vacinação acelerada veem aumento de casos de Covid e queda de mortes.

    Se reabertura em SP virar vale-tudo, pode haver repique de Covid, dizem especialistas

    Entenda a alta de casos de Covid-19 em países com vacinação avançada.

    Israel restringe viagens e indica novo lockdown para conter casos de  covid-19. Covid: os primeiros resultados da reabertura em seis países.

    Artigos

    Liu, C, Ginn, HM, Dejnirattisai, W, Supasa, P, Wang, B, Tuekprakhon, A, … & Screaton, GR (2021) Reduced neutralization of SARS-CoV-2 B. 1.617 by vaccine and convalescent serum Cell

    Planas, D, Veyer, D, Baidaliuk, A, Staropoli, I, Guivel-Benhassine, F, Rajah, M M, … & Schwartz, O (2021) Reduced sensitivity of SARS-CoV-2 variant Delta to antibody neutralization Nature, 1-7. 

    Lopez Bernal, J, Andrews, N, Gower, C, Gallagher, E, Simmons, R, Thelwall, S, … & Ramsay, M (2021) Effectiveness of Covid-19 vaccines against the B. 1.617. 2 (delta) variant New England Journal of Medicine.

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

    Editorial

  • O TikTok e a educação pró-vacinas

    Foi-se o tempo em que fazer “dancinha” no TikTok (1) era exclusividade da Geração Z. Para além do entretenimento, o aplicativo tem sido usado por sites noticiosos, pela divulgação científica, por políticos e até pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

    Figura 1: OMS entra no TikTok para oferecer conselhos confiáveis e oportunos sobre saúde pública. Fonte: Captura de tela do perfil no TikTok da Organização Mundial de Saúde (OMS, “World Health Organization” em inglês). 29 jul. 2021

    Popular entre os jovens, ele pode ser mais uma ferramenta para levar informações confiáveis sobre vacinas, em especial sobre as da Covid-19, diminuindo assim a hesitação vacinal de parte da população, fator que põe em risco a imunidade de grupo, preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que também entrou na plataforma desde 2020 para combater a desinformação. Mas, como tem sido essa comunicação até hoje?

    A comunicação em saúde e o TikTok

    Não é nova a adoção das mídias sociais na comunicação em saúde. Isto foi demonstrado por um estudo (2) desenvolvido por pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos (EUA). Ele aborda essa utilização por organizações de saúde pública e profissionais de saúde. Assim, esse estudo tem como finalidade disseminar informação em massa para a promoção da saúde. Além disso, tinha como objetivo a construção de relacionamento médico-paciente, vigilância da saúde pública e melhoria de qualidade.

    Em 2020, pesquisadores da Universidade Huazhong de Ciência e Tecnologia (China) e da Universidade de Brunel (Inglaterra) realizaram uma pesquisa (3) em que analisaram o conteúdo de 962 microvídeos enviados por 31 perfis de TikTok administrados pelos Comitês Provinciais de Saúde (PHC, na sigla em inglês para Provincial Health Committees) chineses durante o mês de agosto de 2019.

    Assim, nesta pesquisa verificou-se 100 microvídeos mais curtidos entre todos os PHCs. Dentre os temas mais produzidos, 38% foram sobre os profissionais de saúde. Posteriormente seguidos de conhecimento sobre doenças, alimentação diária e reforma sanitária (para os quais não foram colocados percentuais exatos). Dessa maneira, o estudo concluiu (entre outras coisas) que esses usuários do TikTok se engajam mais quando os microvídeos estão correlacionados ao seu entendimento de difíceis termos médicos ou jargões.

    A Comunicação sobre a COVID-19 no TikTok

    Figura 2: Continue lavando essas mãos: captura de tela de postagem com foco em precaução pessoal contra a Covid-19. 
    Fonte: Perfil no TikTok da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha (IFRC na sigla em inglês). 04 mai. 2020

    Todos concordam que uma comunicação eficaz em saúde pública é fundamental. Mas será que a rápida expansão do TikTok foi aproveitada pelos agentes de saúde pública para informar e educar as pessoas sobre a Covid-19? 

    Dessa maneira, foi o que buscaram compreender os pesquisadores das universidades americanas de New Jersey e do Arkansas (4) ao analisar 331 vídeos com alguma hashtag relacionada à Covid-19 postados por perfis oficiais de oito agências de saúde pública (como o da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha) e pelas Nações Unidas (como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) até maio de 2020. Eles identificaram sete categorias de temas de vídeo: 

    1. vídeos com foco em precauções pessoais; 
    2. vídeos de incentivo;
    3. conhecimento da doença; 
    4. antiestigma / antirrumor;
    5. gestão de crise social;
    6. reconhecimento e;
    7. relatório de trabalho

    Os vídeos com foco nas precauções pessoais tenham sido os mais prevalentes. Todavia, o estudo não encontrou diferenças substanciais nas visualizações. Tampouco nas curtidas, comentários e compartilhamentos de vídeos nos sete temas elencados, sendo mais populares aqueles que apresentam dança, devido às características da plataforma. Assim, uma das conclusões é que, apesar do potencial de envolver e informar que tem essa mídia social, as agências e organismos de saúde pública ainda estão num estágio bastante inicial de criação e entrega de conteúdo. 

    Para falar com os jovens

    Um levantamento foi realizado entre janeiro e fevereiro de 2021 pelo think tank estadunidense Pew Research Center (5). Neste estudo, apresentou-se que 48% dos usuários norte-americanos do TikTok têm entre 18 e 29 anos e que 22%, têm entre 30 e 49 anos. Embora as evidências anteriores tenham sugerido que a doença poderia ser menos grave entre os jovens (6), essas faixas etárias são importantes na comunicação de saúde da Covid-19. Isto porque estudos recentes indicam que ela pode se prolongar mesmo entre adultos jovens sem condições médicas crônicas subjacentes (7). Além disso, um em cada três jovens pode apresentar sintomas graves (8). 

    Assim, por ser tão popular entre os jovens, o TikTok pode ter uma utilidade imensa na comunicação de saúde e consequente educação desse público. Conforme se observa em recentes reportagens informando que os jovens estão usando o TikTok para aliviar seus medos do coronavírus. Assim, a empresa, atenta à questão, criou um centro de informações para oferecer aos seus usuários conteúdo confiável sobre a doença. Além disso, no Brasil, firmou parcerias com instituições de pesquisa em saúde, como é o caso da realizada com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em maio de 2021.

    Health Literacy

    Os pesquisadores de Huazhong e Brunel (3) informam que o Conselho de Estado da China mantém desde 2016 um Comitê de Promoção da China Saudável. Este conselho realiza um trabalho sob a perspectiva holística da mídia na educação e comunicação em saúde pública. Dessa forma, possui o objetivo de levar à sua população a alfabetização em saúde (ou health literacy, no termo em inglês). Assim, esse movimento demonstra que a comunicação e a educação em saúde por meio de mídias integradas é uma preocupação nacional, naquele país.

    Figura 3: Conhecimento e bom humor. Fonte: capturas de tela de vídeos dos perfis do virologista Rômulo Neris (@oromulismo), à esquerda (19 jan. 2021), e do ator Emerson Espíndola (@mister.emerson), à direita (27 jul. 2021).

    No Brasil, há iniciativas pontuais, como o excelente trabalho realizado pelo ator Emerson Espíndola, que após o início da pandemia criou um perfil no TikTok com o codinome Mister Emerson e tem produzido microvídeos muito interessantes sobre as vacinas contra a Covid-19, além de outros temas relacionados à saúde. Há também cientistas, como o virologista e biofísico  Rômulo Neris (9) que também divulga informações sobre as vacinas contra a Covid-19, além de conteúdo relacionado ao Coronavírus, visto que pesquisa o assunto. Além disso, em nível governamental, podemos destacar para a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, em cujo perfil institucional são postadas informações educativas para o público em geral.

    Finalizando

    Em um governo que trocou o ministro da saúde 4 vezes em plena pandemia da Covid-19, como no âmbito federal, tivemos campanha oficial contra o isolamento social e contra a obrigatoriedade das vacinas. Dessa forma, chega a ser devaneio supor que se faça uso de formas inovadoras de comunicação em saúde pública. Nessa seara, o país está à mercê de uma maioria de criadores comuns de conteúdo. Ainda que bem intencionados, por não terem formação para tal, eventualmente, podem cometer equívocos e desinformar. 

    Portanto, Health Literacy por meio do Tiktok já é uma realidade em canais oficiais de países e agências de saúde em diversas partes do mundo. Embora ainda esteja em um estágio inicial. Em suma, Brasil, dependente dos esforços dos divulgadores de ciência (profissionais ou não), infortunadamente, segue sem um direcionamento coordenado, o que pode estar custando centenas de milhares de vidas.

    P.S. [nota do editorial]: Em breve um texto específico sobre o Todos Pelas Vacinas e ações de divulgação no TikTok também!

    Update em 18/08/2021 – Entrevista a CBN 

    Saiba mais:

    (1) Desenvolvido na China, o TikTok é uma plataforma de mídia social que permite aos seus usuários a criação de vídeos curtos (microvídeos) de 15 a 60 segundos (noticiário recente informa esse tempo aumentou para até 03 minutos), possui funções de edição, permite a inserção de músicas, efeitos especiais e o compartilhamento com a comunidade. Assim, dados de 2019, mostram que o aplicativo já tinha, à época, mais de 500 milhões de usuários ativos e um bilhão de downloads no mundo.

    (2) HELDMAN, AB, SCHINDELAR, J & WEAVER, JB (2013) Social Media Engagement and Public Health Communication: Implications for Public Health Organizations Being Truly “Social” Public Health Reviews, Vol 35, Nº 1.

    (3) ZHU, Chengyan et al (2020) How health communication via Tik Tok makes a difference: a content analysis of Tik Tok accounts run by Chinese Provincial Health Committees International journal of environmental research and public health, v. 17, n1, p 192.

    .

    (4) LI, Yachao; GUAN, Mengfei; HAMMOND, Paige; BERREY, Lane E (2021) Communicating COVID-19 information on TikTok: a content analysis of TikTok videos from official accounts featured in the COVID-19 information hub Health Education Research, 261-271. 

    (5) AUXIER, Brooke;  ANDERSON, Mônica (2021) Social Media Use in 2021 Pew Research Center, Washington (EUA) 7/Abr/2021 

    (6) CASTAGNOLI, Riccardo et al (2020) Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) infection in children and adolescents: a systematic review JAMA pediatrics, v174, n 9, p 882-889.

    (7) TENFORDE, Mark W. et al (2020) Symptom duration and risk factors for delayed return to usual health among outpatients with COVID-19 in a multistate health care systems network, Morbidity and Mortality Weekly Report, v 69, n 30, p 993.

    (8) ADAMS, Sally H et al (2020) Medical vulnerability of young adults to severe COVID-19 illness—data from the national health interview survey Journal of Adolescent Health, v 67, n 3, p 362-368.

    (9) Néris em 2020 era doutorando em Imunologia e Inflamação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi um dos sete pesquisadores brasileiros selecionados para estudar a covid-19 com uma bolsa da Dimensions Sciences para estudar a genética do vírus e suas mutações, além de alterações observadas no indivíduo durante a infecção, como metabólicas e pulmonares. (Mariana Alvim, da BBC News Brasil. 08 jun. 2020).

    Este texto foi escrito originalmente para o Mindflow

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Vacinação e Pandemia de Covid-19: desencontros narrativos

    Texto escrito por Marina Fontolan e Dayane Machado

    No texto anterior, falamos sobre a história da vacinação e a criação do Zé Gotinha, hoje nós vamos falar sobre a vacinação no Brasil no cenário da pandemia de COVID-19 especificamente.

    Como a vacinação no país, embora avançando, ainda está mais lenta do que gostaríamos e ainda não possuímos doses suficientes para toda a população, fizemos um recorte histórico.

    Assim, no texto de hoje, começaremos abordando o anúncio dos testes da Coronavac em território nacional e até o final do ano de 2020. Ainda que seja um recorte histórico muito breve, ele deixa claro como o governo federal reagiu à vacina e como foi mudando seu discurso ao longo do tempo, estratégia essa que continua sendo empregada ainda hoje.

    Vacinação no Brasil

    No Brasil, a vacinação para a Covid-19 já possui um histórico ”longo”. Ele começa em 2020, quando o governador do estado de São Paulo, João Dória, anunciou em meados de junho que o instituto Butantan produziria a vacina. Um mês depois, afirmou que a vacina poderia estar disponível à população em Janeiro de 2021. Um discurso problemático que já estava sendo adotado por outros países: Estados Unidos e Rússia, por exemplo, já estavam anunciando o lançamento de possíveis vacinas para agosto daquele ano.

    No entanto, o final de Agosto de 2020 marcou o início de uma grande discussão acerca da vacinação de Covid-19 no país. O Ministério da Saúde tentava negociar a compra de vacinas da Oxford (hoje conhecidas como AstraZeneca).

    Alguns poréns

    Enquanto isso, o presidente da república, Jair Bolsonaro, dizia a apoiadores que “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. Ao mesmo tempo, João Dória começou a defender a vacinação obrigatória. A partir deste momento, tivemos um embate de narrativas, que politizou o debate em torno da vacinação e de possíveis tratamentos para a Covid-19.

    Em Outubro de 2020, Dória declarou que a vacinação seria obrigatória no estado de São Paulo, sendo rebatido por Bolsonaro no mesmo dia. Este afirmou que o governo federal não obrigaria a vacinação, mesmo tendo assinado uma lei que permitia aos estados tornar a vacinação compulsória.

    Ainda no mês de Outubro, o Ministério da Saúde anunciou a compra da vacina chinesa da Sinovac, a Coronavac, por meio de um acordo com o governo do estado de São Paulo. O presidente reagiu no dia seguinte, falando em traição do Ministério da Saúde e disse que seu governo não compraria a “vacina chinesa”. Esta fala foi contrariada pelo então vice-presidente da república, o general Hamilton Mourão, que afirmou que o governo federal compraria a vacina chinesa sim. Fala esta que veio acompanhada da estimativa do presidente da Anvisa de que o Brasil teria vacinas disponíveis no 1º semestre de 2021, momento em que o país já tinha mais de 150 mil mortes pela Covid-19.

    Protestos e intenções de se vacinar: as contradições brasileiras

    As falas do presidente da república em relação à vacina geraram reação da população brasileira, sobretudo aquela que apóia o presidente. Um grupo a favor dele chegou a realizar um protesto na Avenida Paulista no início de novembro de 2020, criticando Doria e a obrigatoriedade da vacina de Covid-19 em SP.

    Nessa época, uma pesquisa do Datafolha mostrou que 72% da população tomaria a vacina da Covid-19, 57% aceitariam o imunizante de origem chinesa e 58% aceitavam a obrigatoriedade. Em outras palavras, as falas do presidente já estavam possivelmente contribuindo para a confusão da população em relação às vacinas e em relação às políticas públicas em torno da vacinação. Por exemplo, a obrigatoriedade que o presidente dava a entender que seria implementada, era aquela da Revolta da Vacina, algo muito distante da realidade.

    Da suspensão temporária de testes às mudanças de narrativas

        Ao constatar a morte de um participante dos testes da Coronavac no estado de São Paulo em meados de novembro de 2020, a Anvisa pediu a suspensão dos testes. Isto acontece para que as circunstâncias da morte fossem melhor analisadas, e os testes foram retomados dois dias depois. A notícia fez com que Bolsonaro comemorasse “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

    Esse ponto marcou uma certa mudança de discurso vindo do governo federal em relação às vacinas. Isto é, Dória anunciou que a vacina poderia ser aplicada no Brasil sem a autorização da Anvisa, a Anvisa rebateu a fala. Além disso, Bolsonaro afirmou que o Brasil iria fornecer a vacina, desde que a Anvisa a aprovasse. Este mês terminou com o Ministério da Saúde descartando a possibilidade de acesso à vacina para toda a população em 2021 e com a Anvisa fazendo inspeções na China relacionadas à produção da Coronavac. 

    Já o mês de Dezembro de 2020 iniciou com o Ministério da Saúde afirmando que a vacina da PFizer não atendia ao perfil desejado pelo Brasil e a Anvisa definindo requisitos para uso emergencial de vacinas. Além disso, o então presidente da câmara, Rodrigo Maia, tentou definir um plano de vacinação e uma discussão acerca de quanto tempo a Anvisa teria para avaliar os pedidos de uso emergencial das vacinas.

    Termo de responsabilidade e movimento antivacina

    Em meados de dezembro, Bolsonaro pediu a divulgação de dados sobre periculosidade das vacinas contra Covid-19. Neste momento, ele afirmava que exigiria das pessoas que tomassem vacina a assinatura de um termo de responsabilidade e, também, afirmou que ele próprio não tomaria.

    Neste discurso, Bolsonaro juntou algumas táticas usadas pelos movimentos antivacina. Quais? Ora, o questionamento gratuito dos processos de desenvolvimento das vacinas. Como a suposição de que elas não são seguras, independente do volume de evidências indicando o contrário. Além disso, também apontou a suposta relação de  liberdade de escolha. Para tanto, ele (e todos adeptos a este discurso) ignoram o fato de que as vacinas são uma política de saúde pública coletiva e que a perspectiva individualizada não faz o menor sentido nessa discussão.

    O Superior Tribunal Federal reagiu a esta fala, autorizando medidas restritivas às pessoas que não tomassem vacina e rejeitando o recurso que desobrigava os pais a vacinarem os filhos. Bolsonaro respondeu, dizendo que não haveria vacina para todos. Outra fala é que não havia razão para ter pressa pra comprar vacinas (discurso que mudou no dia 28/12). Por fim, que não ligava para o fato do Brasil estar atrasado na vacinação e nas negociações de compras de vacinas e que era responsabilidade dos laboratórios negociar as doses com o Brasil. Fundamental lembrar que tal fato chegou a ser feito pela Pfizer insistentemente, mas ela continuou sendo ignorada).

    Análise de dados: qual o resultado disso?

        Há uma clara confusão gerada acerca das vacinas, direcionando a circulação de desinformação à população. Quais?

    Por exemplo, a falta de uma campanha em defesa da vacinação por parte do governo federal (uma marco negativo na história da vacinação no Brasil, considerando a trajetória do PNI). Além disso, temos as suspeitas sobre as vacinas, desde a segurança até a eficácia, levantadas constantemente pelo presidente. Por fim, podemos citar também as informações desencontradas divulgadas por diferentes instituições (imprensa, instituições de pesquisa e diferentes setores do governo).

    Reforçamos estes exemplos com a popularidade de boatos de que as vacinas não seriam seguras, de que poderiam causar doenças e de que não protegeriam contra a Covid-19. Em entrevista ao Jornal Valor Econômico, Aurélio Tenharim, um líder indígena no Amazonas, afirmou o seguinte: “Muitos parentes não querem tomar a vacina (…) Os parentes dizem: ‘Se o presidente diz que não vai tomar a vacina porque diz que não precisa, porque eu vou tomar?”. Parentes se referem às pessoas que se identificam como indígenas – independente da etnia. 

    Mas isto não se deu de forma isolada

    Os discursos nada consistentes vindos do governo federal, sobretudo a partir da figura do presidente da república, não alimentaram a hesitação vacinal só entre os povos tradicionais no Brasil. Como visto, a pesquisa do Datafolha do ano passado já indicava a possibilidade de hesitação e, de acordo com os pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária, a falta de vacinas também contribuiu para a população hesitar em se vacinar. Essa hesitação vacinal está chegando a ponto de sobrarem vacinas em algumas unidades básicas de saúde e de pessoas morrerem de Covid-19 por não terem tomado a vacina, como este caso reportado pelo Youtuber Felipe Neto.

        Essa hesitação vacinal se torna um problema cada vez maior no país. Afinal, a falta de vacinas de um lado e a hesitação de outro, fazem com que a pandemia não consiga ser controlada. Isso resulta no país permitindo que mais pessoas morram e levando mais tempo para conseguir retomar suas atividades econômicas – alerta dado inclusive pela OCDE

    Como lidar com essa situação?

        Quando estamos diante de uma pessoa espalhando desinformação, sendo essa relacionada à vacinas ou não, podemos seguir alguns passos. Primeiro: identificar o público: quem é essa pessoa? De onde ela tirou esta desinformação? A maior parte das pessoas acaba espalhando desinformação sem saber que se trata de desinformação. É importante lembrar que todos estão suscetíveis a desinformação e podem cair nelas.

    O segundo passo é conversar com a pessoa no privado e evitar ataques, sem fazer um estardalhaço em grupo, pois isso pode travar o diálogo.

    O terceiro passo é ouvir a pessoa de verdade e fazer muitas perguntas: de onde ela recebeu aquele dado? Quem enviou? Por que isso faz sentido pra ela?, faça isso reconhecendo os sentimentos das pessoas. Lembrem-se: estamos numa pandemia e é normal as pessoas sentirem medo. Isso faz com que as pessoas acreditem nas maiores bobagens sem pensar.

    O quarto passo é encontrar pontos em comum entre o que a pessoa fala e o dado que você tem, mas cuidado! Evite usar jargões e inundar a pessoa com dados e muitas informações, isso tende a fazê-la se fechar e passar a te ignorar. Por fim, repita os fatos sempre que possível

        Você percebeu que a pessoa está com muito contato com redes de desinformação? Além dos passos que já dissemos, é legal você mostrar para ela redes sérias de divulgação científica. Abaixo indicamos alguns destes locais:

    InfoVid – Twitter; Instagram e Facebook

    Especial COVID-19 

    Todos Pelas Vacinas

    Observatório COVID-19

    Rede Análise COVID-19

    Agência Lupa

    Organização Mundial da Saúde

    Associação Brasileira de Saúde Coletiva

    Central of Disease Control and Prevention

    Para Saber Mais

    Eve Dubé, Maryline Vivion & Noni E MacDonald (2015) Vaccine hesitancy, vaccine refusal and the anti-vaccine movement: influence, impact and implications, Expert Review of Vaccines, 14:1, 99-117.


    Lazarus, J.V., Ratzan, S.C., Palayew, A. et al. A global survey of potential acceptance of a COVID-19 vaccine. Nat Med 27, 225–228 (2021).

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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