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  • Políticas Públicas em Saúde e vacinação de COVID-19

    Temos falado muito da vacinação como pacto coletivo e como medida de políticas públicas em saúde. Mas vocês sabem o que isto significa? O texto de hoje vai falar um pouco sobre o significado de Política Pública e como isto se aplica ao contexto da saúde e, especialmente, da pandemia de COVID-19 e as vacinas.

    Pode parecer banal, mas Políticas Públicas é uma área de conhecimento que está situada nas Ciências Políticas. Ou seja, isto quer dizer que existe um campo de especialistas dedicados a estudar como as políticas públicas funcionam e se implementa, ao que se relacionam e quais efeitos se estabelecem em uma sociedade, ao se idealizar, desenvolver e estabelecer uma política pública.

    Mas o que significa Política Pública?

    Política pública, em um sentido prático ou concreto, pode ser vista como uma interferência direta do Estado na vida (e na manutenção da vida) de uma população. Esta interferência ocorre a partir do momento em que o Estado assume uma forma complexa, na modernidade. Dessa forma, as políticas públicas têm como principal função regulamentar a vida e os espaços públicos, analisando, organizando, legislando  e possibilitando espaços de liberdade, atuação e estrutura social, em uma sociedade e territórios também complexos.

    Pareceu difícil? Em termos gerais, as políticas públicas, como conhecemos hoje, têm como base a centralização de alguns poderes para organizar a vida de uma população, dentro de um território.

    Essa centralização pode acontecer em maior ou menor grau, dependendo do país e de sua política social e econômica. De qualquer modo, ao termos um estado centralizado, em um território determinado, em que uma população reside, teremos políticas públicas com maior ou menor interferência na vida desta população.

    Outro ponto que pode ser importante também de compreender é que políticas públicas não são leis apenas. Isto é, Políticas públicas dizem respeito a uma estrutura e organização que, sim, passam por leis. Todavia também dizem respeito aos programas de governo, às instituições governamentais, aos planejamentos públicos, ao levantamento de dados para análises públicas e estabelecimento de leis, programas, aos financiamentos públicos, dentre outras questões.

    Como vocês podem perceber, políticas públicas dizem respeito a um conjunto de ações em um estado centralizado, para uma população.

    Políticas públicas como estratégia e instrumento democrático

    É fundamental compreendermos que as políticas públicas são estratégias para organização e manutenção de uma vida em sociedade, dentro de um estado. Todavia, torna-se atualmente também fundamental entendermos que as políticas públicas são instrumentos de promoção e defesa de um estado democrático, a partir de estratégias específicas. Mais do que isto, são instrumentos que visam interferir na população por sua ação ou falta de ação. Ou seja, quando um governo decide não agir em algum acontecimento ou setor específico isto também é interferir, uma vez que produz efeitos específicos em uma população definida, dentro de um território nacional.

    Tendo em vista que as políticas públicas são uma área das Ciências Políticas, mas podem relacionar-se com qualquer aspecto da vida pública, elas têm algumas características específicas. São obrigatoriamente multidisciplinares, isto é, precisam de profissionais de diversas áreas para compreender um determinado aspecto ou acontecimento social, para definir ações para solucionar problemas. Além disso, nestas ações estratégicas também são predominantemente fundamentais os princípios éticos que vão reger as ações, visando prioritariamente a manutenção da dignidade humana, dentro de um estado democrático de direito.

    Assim, estes são princípios que regem as políticas públicas. Ou seja, quando pensamos em um problema específico relacionado a uma população, parte das perguntas que iniciam e atravessam toda a busca por soluções, por todos os profissionais envolvidos, é (ou deveria ser): como salvar a maior quantidade possível de pessoas e mantê-las sadias, salvas e com bem estar social mínimo.

    Dito isto, vamos ao próximo ponto…

    Qual a importância de se compreender o que é política pública, em um momento de pandemia?

    Talvez essa seja uma pergunta extremamente relevante para o contexto atual. Quando pensamos em uma política pública de saúde, por exemplo, existem muitos fatores a serem levados em conta. Não é apenas alguém de um governo dizendo:

    • Ah, eu quero que vacinem pessoas;
    • Eu acho que tem que tomar este medicamento e vou espalhar por aí.

    As políticas públicas de saúde são (ou deveriam ser) feitas a partir de dados de uma população. Que tipo de dados?

    • Quantas pessoas estão nascendo?
    • Quantas pessoas estão morrendo?
    • Do quê as pessoas estão morrendo?
    • Em que região se nasce e se morre mais?
    • Em que região as pessoas estão morrendo mais? De que causas?

    Em relação à COVID-19, por exemplo, não basta ter testes diagnósticos (o que temos muito pouco), é preciso analisar quem está falecendo em relação à idade, características de saúde e doenças prévias, condições sanitárias, habitacionais, classe social, etc.

    No cruzamento destes dados, teremos alguns perfis que adoecem mais. A partir disso, poderemos estabelecer estratégias específicas para cada grupo social e parcela da população (desde campanhas de conscientização, até cuidados básicos e protocolos de atendimento). Isto é, não adianta eu criar uma campanha sobre cuidados básicos com personagens infantis (por exemplo) e usar para atingir pessoas da terceira idade. Também é sem sentido eu criar protocolos de pronto atendimento para idosos em postos em que só atendem crianças até 10 anos.

    Assim, políticas públicas de saúde dizem respeito a um conhecimento técnico da população, com levantamento de longa data, e organização deste conhecimento para aplicar estratégias de manutenção da saúde e combate à doenças. Isto vai desde legislações, passando por instituições (postos de saúde, hospitais, formação profissional, alocamento de materiais e recursos, logística), até comunicação em campanhas.

    E as vacinas?

    Uma das questões polêmicas contemporâneas é a obrigatoriedade da vacina, o passaporte vacinal e a vacinação de crianças. Isso têm relação com política pública? Como?

    Nós sabemos que a vacinação infantil têm gerado polêmica e há muitos pais, mães e responsáveis com muito medo de vacinar. Esse receio vem sendo promovido pelo discurso de que a vacina é experimental e as crianças seriam cobaias de um experimento em massa.

    Bom, já vamos logo dizendo que não! A vacina que vai ser disponibilizada para as crianças em nosso país não é experimental. Ela passou por todas as etapas de testes, foi analisada por pares, registrada em instituições internacionais de pesquisa, que acompanham passo a passo os resultados. Ao final de todas as etapas, as fábricas que produzirão as vacinas também são vistoriadas para a aprovação final de uma vacina em países como o nosso.

    Dito isso, voltemos à questão das políticas públicas de vacinação. A pergunta relacionada às políticas públicas em saúde e vacinação normalmente têm sido:

    • Se a vacina é obrigatória, como pode ser escolha dos pais?
    • Se eu quiser não vacinar meus filhos, por qual motivo eu deveria estar batalhando tanto para que a campanha de vacinação ande logo no Brasil?

    A vacinação obrigatória e a vacinação compulsória

    Primeira questão: a vacinação ser obrigatória não a torna compulsória. Ou seja, nossas políticas públicas em saúde são cruzadas, quando se trata de vacinação. Isto quer dizer que não se vacinar pode te restringir acesso a serviços públicos e privados em nosso país – ou mesmo internacionalmente. Por exemplo, um país e/ou estado pode restringir, legalmente, matrícula em escolas, prestar serviço público, circular em determinados espaços públicos ou estabelecimentos. Tratamos desta questão no texto sobre Passaporte Vacinal.

    A vacina, todavia, segue sendo uma escolha pessoal e individual e não é compulsória. Com isto, queremos dizer que não há nenhum agente do governo federal, estadual ou municipal que entrará na tua casa à força e te vacinando (ou vacinando teus filhos) contra a tua vontade. 

    Não quero vacinar, tanto faz o governo comprar ou não vacina!

    Considerando que a vacinação é um pacto social e que precisamos de uma ampla cobertura vacinal para diminuir casos de infecção, riscos de agravamentos e, também, transmissão do vírus SARS-CoV-2, faz muito sentido batalharmos por ações de vacinação em massa sim!

    Se a vacinação é uma ação pública em nosso país, nós deveríamos ter um plano para torná-la disponível à população brasileira. E como podemos fazer isto?

    Assim, vou considerar neste texto que a vacina foi aprovada pela ANVISA e esta etapa não precisa mais entrar na nossa conta, ok? Também vou considerar apenas as crianças de 5-11 anos, que é o foco atual da vacinação de COVID-19. Dessa forma, vou traçar aqui alguns pontos que podem ser importantes sabermos para estabelecer uma política pública de vacinação:

    • Número de crianças de 5 a 11 anos e número de crianças que farão 5 anos em 2022 no Brasil;
    • Distribuição destas crianças no território nacional (quantas crianças por estado e município brasileiro);
    • Quantidade de doses suficientes para vacinar 100% das crianças nesta faixa etária;
    • Numero de seringas e agulhas necessárias para aplicar as vacinas;
    • Quantidade de profissionais para aplicar estas vacinas;
    • Organização de um calendário de vacinação;
    • Organização de critérios de prioridades para vacinar – diminuindo aglomeração de pessoas em postos de vacinação;
    • Compra de vacinas;
    • Distribuição de vacinas;
    • Armazenamento de vacinas;
    • Treinamento de profissionais, caso necessário;
    • Impressão de carteirinhas de vacinação específica;
    • Campanha de vacinação (oi, Zé Gotinha!);

    Esta lista não se pretende completa, de modo algum. Entretanto, é um bom exercício para percebermos que políticas públicas de saúde não dizem respeito necessariamente ao exercício da medicina, por exemplo. A vacinação de crianças envolve dados que vão desde censos populacionais, até compras, licitações, logística, espaços de armazenamento, formação profissional, etc.

    Só isso?

    Também é preciso de algo que vou chamar aqui de ação coordenada. Ou seja, é um diálogo e estabelecimento de protocolos que são estruturados por um órgão máximo de um país – como o Ministério da Saúde – e repassados para órgãos equivalentes regionais – como as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

    Quando estabelecidos os protocolos e este diálogo, também se sabe quais as condições que estados e municípios têm de efetivar esta política pública. Portanto, é neste diálogo que se consegue desenvolver estratégias de execução destas políticas, caso precise de algum suporte federal aos estados e municípios.

    Políticos (seja do poder executivo, seja do poder legislativo) e instituições políticas governamentais (ministérios, secretarias, por exemplo) e instituições jurídicas (como o STF) sabem destes trâmites todos com mais detalhes. E é por isso que são considerados GOVERNO representados por 3 poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

    É possível compreender a complexidade de ações envolvidas em algo que parece tão simples, como o ato de vacinar pessoas?

    Pois é! O Programa Nacional de Imunização, o famoso PNI, foi pensado e estruturado em pleno período de governo militar brasileiro, em 1973! 

    Já tivemos vários êxitos maravilhosos desde a criação do programa. Por exemplo, podemos destacar a erradicação da Varíola, em 1977 e da poliomielite, em 1989, no território nacional! Assim as vacinações entram no que chamamos de Políticas Públicas de Saúde Preventivas. Isto é, uma política pública que visa, através de suas ações, prevenir doenças (ou evitar ao máximo que a população chegue a adoecer e, caso adoeça, evitar ao máximo que faleça).

    A vacinação de crianças não é só um tema banal a ser debatido em dias comuns por pessoas comuns – como nós. Independente de querermos ou não vacinar crianças (embora nossa recomendação seja fortemente de que vocês vacinem as crianças assim que possível), precisamos que as vacinas estejam disponíveis para nossas crianças o mais rápido possível! Mas, para isto, precisamos de planejamento, organização, estrutura, compras, viabilização de transporte, espaço físico para armazenamento, treinamento técnico, estabelecimento de protocolos, definição de diretrizes.

    Em suma, políticas públicas de saúde são sobre tudo isso (e mais um pouco). E é por isso que temos perguntado todos os dias (e seguiremos perguntando):

    Em que pé estão os planejamentos para a vacinação das crianças?

    Para Saber Mais

    Documentos Oficiais Brasileiros:

    Programa Nacional de Imunizações – Vacinação

    CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

    Lei Orgânica de Saúde – LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990.

    Outras Bibliografias

    Azevedo, JML (2004) A educação como política pública, Campinas: Autores associados.

    Derani, C (2004) Política pública e a norma política, Revista da Faculdade de Direito UFPR

    Marques, E, Faria, CAP (2018) A política pública como campo multidisciplinar, São Paulo: Editora UNESP, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.

    Paulus Junior, A, Cordoni Junior, Luiz (2006) Políticas públicas de saúde no Brasil Revista Espaço para a Saúde, Londrina, v8, n1, p13-19.

    Reis, DO, Araújo, EC, Cecílio, LCO (s/d) Políticas Públicas de Saúde no Brasil: SUS e pactos pela Saúde, Unifesp.

    Santos, Nelson Rodrigues dos (2007) Desenvolvimento do SUS, rumos estratégicos e estratégias para visualização dos rumos Ciência & Saúde Coletiva, v12, n2, pp 429-435 (Acessado 30 Dezembro 2021).

    Este texto compõe uma série para a campanha Vou Vacinar, do Todos Pelas Vacinas, Ana é coordenadora do Especial COVID-19. 

    Este texto foi escrito originalmente para o Especial COVID-19.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, produziu-se textos produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, a revisão por pares aconteceu por pesquisadores da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • As informações e a responsabilidade dos dados em nossas mãos: o caso das vacinas vencidas

    Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt, Beatriz Ramos, Erica Mariosa Carneiro, Flávia Ferrari, Marina Fontolan, Mellanie Fontes-Dutra

    A cada notificação viralizam informações e tudo acontece em uma velocidade maior do que conseguimos processar. São tempos delicados e, além da sobrecarga de trabalho que muitos de nós temos enfrentado, acompanhamos os calendários de vacinação, avisamos amigos, familiares e conhecidos. Organizamos documentos, textos, vídeos, postagens e – no meio de tudo isto – respondemos às notificações que pipocam em nossas redes sociais.

    A cada dia que se passa, em nossos coletivos de divulgação científica, temos debatido estas informações. Assim, antes de publicar qualquer coisa, buscamos alguma consulta – mesmo que seja mais um “calma lá, vamos pensar juntos” do que a precisão da informação ou conhecimento técnico em si. O tempo da informação que sobrecarrega nossos espaços é maior do que o tempo que temos para averiguar tudo. É sempre preciso parar, ponderar e analisar como aferir estas notícias que nos chegam. Isto para conseguir responder as perguntas que começam a aparecer direcionadas em nossas redes.

    Hoje foi um destes dias: logo no início da tarde começaram a chegar mensagens sobre vacinas vencidas sendo aplicadas. Começamos a debater sobre como isto seria possível (vencer vacinas em um cenário em que faltam doses nos pareceu assustador). Dessa forma, resolvemos que era uma boa hora para conversarmos sobre responsabilidade com os dados que recebemos e como agir frente às avalanches de mensagens.

    Vale a pressa da notícia?

        Entre a pressa por termos algo não apenas importante – mas que sobressalta nos tempos que estamos vivendo – e os impactos que isto pode gerar (previstos ou não), há um limbo em que residem as ponderações. Algumas das perguntas que sempre são boas de serem feitas:

    • Eu preciso publicar AGORA este material?
    • Têm como aferir mais uma vez estes dados?
    • Existe outro modo de eu chegar a esta informação, para uma segunda, terceira ou quarta conferência das fontes?
    • Vale a pena esperar ou isto requer uma urgência em que estas questões não devem nem ser cogitadas?

    Bom, supondo que nós conferimos tudo e realmente consideramos que é importante publicar a informação: como fazê-la? Click-baits, ou seja, manchetes criadas de forma sensacionalista, podem criar pânico, medo e confusão desnecessários numa população.

    Não estou entendendo onde vocês querem chegar…

    A notícia de pessoas sendo vacinadas com vacinas vencidas foi exatamente este caso: um dado publicado às pressas e com uma manchete estilo click-bait. O resultado? Uma parcela da população com acesso já restrito à vacinação e à informação de qualidade entra em pânico. Outra parcela que já tomou a vacina e não sabe acessar dados com precisão, mais pânico ainda.

    Assim, o cuidado com a forma como a notícia é escrita e veiculada é de grande relevância para que a população possa tomar decisões racionais com quais atitudes tomar. É claro que um jornal precisa chamar a atenção para suas matérias. É óbvio que se há desencontro entre as informações de registro de vacina e datas de validade, é fundamental que isto seja averiguado (e com urgência!). Mas qual o limiar entre a notícia e a geração de pânico? 

    Tendo em vista os comunicados publicados logo após a reportagem, há vários indícios de que pode, sim, ter havido desencontro de registros de vacinações e datas de vencimento – o que, sim, precisa ser averiguado e investigado. Mas definitivamente é passível de ser solucionado e conferido.

    Mas teve mesmo pânico?

    Só ontem, entre nossos grupos de divulgação científica, grupos de amigos/familiares/colegas e mensagens particulares nossas e das redes sociais, foram mais de 10 horas buscando informações e respondendo perguntas. Alguns colegas que trabalham tanto em bancos de dados, quanto em centros e postos de saúde também nos ajudaram a entender melhor o que podia estar acontecendo.

    Isso tudo para elaborar respostas que, simultaneamente, atendessem ao que estava sendo perguntado e acalmassem os ânimos antivacina ou de dúvida sobre como tudo vem acontecendo. Sim, reportagens como estas causam insegurança em todo o processo vacinal e não apenas na vacina aplicada individualmente. Vamos explicar como procedemos quando este tipo de notícia chega nestas nossas redes sociais (particulares ou dos coletivos).

    Um breve relato

    Um de nossos colegas que atua diretamente com estes procedimentos, inclusive, foi verificar os bancos de dados e conferir as doses de seu município. O que encontrou? Incongruências entre o dia de aplicação das vacinas e o registro dos dados. Ao entrar em contato com as pessoas vacinadas, solicitando as datas de vacinação percebeu-se que não a aplicação das vacinas aconteceram antes da data de validade vencer. A data de registro que foi ao sistema era a que aparecia no banco de dados – e não a data de aplicação da vacina. 

    Algumas destas vacinas foram aplicadas dias após chegarem ao nosso país, em fevereiro. Mas os registros no sistema aconteceram algumas semanas depois. Isto é, alguns postos repassam os dados de vacinação com atraso. Mas calma, coletam-se todos os dados no dia de vacinação, mas não necessariamente em planilhas já unificadas. É preciso que manualmente sejam inseridos no sistema final que alimenta o banco de dados do Ministério da Saúde. E é neste ponto que alguns erros acontecem.

    É importante averiguar isto? Sim! É preciso que melhoremos o sistema inteiro de registro de dados? Também. É nosso papel invalidar o trabalho de quem está lá na ponta atendendo mil demandas simultâneas e tentando fazer tudo da maneira mais ágil possível? Não, definitivamente não.  

    Nosso papel hoje ao longo do dia

    Após a publicação, sobre a aplicação de quase 26 mil doses de vacinas vencidas, muitos de nós, que trabalham com divulgação científica sobre COVID-19, começamos a receber a reportagem perguntando como proceder. Neste caso, antes de mais nada, nossa postura sempre foi de acalmar as pessoas, tentar entender o que estava sendo noticiado e buscar dar um passo a passo básico.

    Parece bobeira, mas as pessoas, antes de averiguar seus próprios dados, saem enviando as notícias e perguntando o que vai acontecer – como se 26 mil doses, em um universo de milhões de doses – fosse o maior fim do mundo desta história recente. Não, não é. Precisa ser averiguado SIM, mas há passos fundamentais para compreendermos melhor como proceder, sem se exasperar. Então fizemos o quê? 

    Além disso, sempre a informação que vai junto nestas ocasiões segue sendo:

    • É importante lembrar que a vacinação é um ato que não apenas ajuda a te proteger, mas ajuda a proteger outros à sua volta. Assim, além de tomar a vacina quando chegar a sua vez e voltar para tomar a segunda dose confira as informações do teu cartão, peça ajuda dos funcionários que estão te atendendo, se tiver dúvida: pergunta.
    • Não tenha receio de pedir as informações, seja respeitoso com quem está te atendendo nos postos de saúde e ajude sempre quem tem mais dificuldade de acessar informações sobre calendários, cronogramas e agendamentos de doses!

    Nosso posicionamento

    Respeitamos as pessoas que organizaram os dados e publicaram a reportagem, consideramos que sua postura ao longo deste ano no combate à pandemia, buscando informações técnicas e oficiais seja fundamental. Nosso posicionamento aqui não invalida, em nada, seu trabalho. Dessa maneira, nosso texto hoje, dentre tantos temas abordados, aponta que nosso posicionamento ao comunicar ciência inicia-se no levantamento de dados, aferição de conteúdo e organização das informações. Mas também se faz desde a escolha do título, até cada palavra escolhida para organizar nossas frases e parágrafos. Como apontamos anteriormente.

    Entretanto, ressaltamos que esta não é a primeira vez que esta discussão vem à tona, embora não tenha acontecido uma repercussão grande na primeira publicação de outro veículo de notícias. Apontamos que tudo o que mencionamos no texto hoje, sobre os cuidados e responsabilidades com a comunicação, valem para os dois casos.

    Inclusive, relembramos que em casos assim, existe uma responsabilidade em cascata de aferição de lotes, dados de sistema, registro no sistema e conferências de vacinas e datas de validades desde a base (quem está aplicando nos postos) até o Ministério da Saúde, passando por secretarias municipais e estaduais.

    Sobre os cuidados em cada etapa

    Devemos cuidar, também, sempre em quem recaem as culpabilizações nestes casos e como isto fragiliza, muitas vezes, os trabalhadores da saúde que estão na ponta atendendo à população, sobrecarregados e executando muitas tarefas simultâneas sem que, muitas vezes, tenham o suporte necessário para isto. E essa questão, ressaltamos enfaticamente, não costuma ser pauta. Mas precisa ser levada em consideração. Os tons acusatórios podem ajudar a termos cliques na reportagem, mas não ajudam a encaminhar soluções para as situações denunciadas. 

    Assim, dito isto, consideramos também é fundamental sempre olhar para os dados e se perguntar: existe outra explicação para isto que eu possa ter deixado passar? Este é um tema sensível e é fundamental termos esse cuidado.

    Sobre a Comunicação e a agressividade em rede

    Por fim, rechaçamos todo e qualquer ato de desrespeito às pessoas que escreveram a matéria e compreendemos que um veículo de comunicação não tem uma notícia produzida por uma ou duas pessoas apenas. Além disso, atos de cancelamento e falas agressivas e de ataques pessoais nunca fazem parte de um debate democrático e que busca compreender os dados científicos e acontecimentos cotidianos, especialmente quando envolvem COVID-19 e vacinação.

    *Atualização em 04/07/2021: Após a publicação deste texto a reportagem “Registros indicam que milhares no Brasil tomaram vacina vencida contra Covid; veja se você é um deles” abriu para leitura sem restrições.

    * Atualização em 07/07/2021: A Folha publicou o seguinte texto aberto: ” Folha errou ao não afirmar que dados sobre vacinas vencidas poderiam decorrer de falhas do sistema; texto foi alterado – Reportagem apontou problemas no processo de vacinação e registro de informações; quem recebeu AstraZeneca deve conferir lote e validade no cartão”

    Para saber mais

    CONASS, CONASEMS (2021) Nota Conjunta Conass e Conasems sobre a aplicação de doses vencidas da vacina Astrazeneca/Fiocruz

    GAMBA, E, RIGHETTI, S (2021) Registros indicam que milhares no Brasil tomaram vacina vencida contra Covid; veja se você é um deles Folha de São Paulo, 2 de julho de 2021

    MARQUESINI, L, VELEDA, R (2021) Dados da Saúde mostram aplicação de 1,2 mil doses vencidas da AstraZeneca em 23 estados Metrópoles 24 de abril de 2021

    PARANÁ (2021) NOTA – Estado do Paraná não recebeu e não distribuiu vacinas contra a Covid-19 fora do prazo de validade

    VIVA BEM, UOL (2021) Municípios negam ter aplicado vacina vencida e culpam sistema de dados

    G1 SÃO PAULO (2021) Prefeitura de São Paulo nega aplicação de vacinas com validade vencida G1 SÃO PAULO, 02 de julho de 2021

    As Autoras

    As autoras são pesquisadoras e divulgadoras científicas da rede Todos Pelas Vacinas e organizaram em conjunto este texto posicionando-se em seus nomes e pelo Todos Pelas Vacinas também.

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19 junto com o movimento Todos Pelas Vacinas

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • 500 mil mortos, corrida das vacinas e os esquecidos da segunda dose

    Apenas 49 dos 5.570 municípios brasileiros possuem mais de 500 mil habitantes. Na outra ponta, teríamos que juntar os 257 municípios com menos habitantes para representar a quantidade de vidas perdidas pela COVID-19 no Brasil até o dia 19 de junho de 2021 (dados extraídos da projeção populacional IBGE 2020). O que a segunda dose tem a ver com isso?

    Estamos com essa quantidade enorme de vidas perdidas. Este “dado” – pessoas que partiram – nos coloca em segundo lugar no ranking de mortes por COVID-19 no mundo e após 15 meses de pandemia declarada. Todavia, ainda não temos políticas públicas efetivas para o controle da pandemia no Brasil. 

    “Mas agora temos vacinas”, eles dizem. Sim, entretanto apenas 24 milhões de pessoas, dos mais de 211 milhões de brasileiros, tomaram a segunda dose da vacina. Isto é, 11% de cobertura vacinal. Lembrando que só as duas doses garantem a imunização completa.

    Não estamos seguros.

    Em meio a arraiás de vacinação, memes de corrida e organização de eventos testes, a terceira onda já começa a aparecer. Isto é, aquela onda que mais parece um tsunami que não acaba nunca. Cidades do interior de São Paulo como Campinas e São José do Rio Preto já voltaram às medidas mais restritivas. Por exemplo, medidas como fechamento de comércio e toque de recolher noturno.

    A corrida das vacinas serviu para alimentar a esperança da população de que finalmente enxergamos uma luz no fim do túnel da pandemia no Brasil. Apesar disso, em reunião da OMS já fomos alertados de que apenas a vacinação não será suficiente para conter o avanço das diversas variantes do SARS-CoV-2 no país. 

    Ainda que prefeitos e governadores estejam adiantando a aplicação da primeira dose em adultos, e a cidade do Rio de Janeiro tenha incluído adolescentes em seu calendário de vacinação, o Brasil encontra alguns problemas. 

    Gráfico 01. Porcentagem estimada da população idosa com mais de 70 anos vacinada no Brasil com qualquer uma das vacinas contra COVID-19 aprovadas no país. Em laranja estão representadas a primeira dose. Em azul estão representados aqueles que tomaram duas doses da vacina. 

    Dados disponíveis no dataSUS (que você pode consultar aqui)  mostram que a população de idosos, que começou a ser vacinada em fevereiro, ainda carece de segunda  dose. Assim, aproximadamente 92% dos idosos com mais de 70 anos tomaram uma dose da vacina, e somente 74% tomaram a segunda dose. Além disso, é interessante notar que a partir dos 80 anos, a taxa de retorno para a segunda dose cai em relação a faixa entre 70 e 79 anos. 

    Mas tem mais questões aí…

    Quando observamos os dados por estado também vemos algumas discrepâncias. Enquanto alguns já estão próximos a 90% da imunização dos idosos, outros ainda estão na faixa de 50%. Em 18 estados há uma imunização maior em suas capitais, o que mostra que ainda precisamos investir muito em campanhas no interior dos estados. 

    Gráfico 02. Porcentagem de idosos com mais de 70 anos vacinados contra COVID-19 separados por Unidade Federativa e respectiva capital. Em roxo está representado por estado a porcentagem de pessoas que tomaram as duas doses da vacina. Em verde, a porcentagem dos idosos residentes da capital de cada estado que tomaram duas doses da vacina. 

    Assim como já discutimos no texto sobre a importância da segunda dose das vacinas, que você pode ler aqui, reforçamos que é necessário melhorar a divulgação do calendário de vacinação para a população.

    Sobre comunicação científica e campanhas de vacinação

    Quando falamos em reforçar a divulgação, não estamos falando da divulgação científica não. É campanha PESADA EM MÍDIAS ACESSÍVEIS A TODOS: televisão, jornais, rádio, panfletos em postos de vacina. É fundamental que pessoas sem acesso à internet, por exemplo, tenham uma informação precisa acerca de datas de vacinação, processos de agendamento e retorno. Este procedimento é obrigação dos governos, pois faz parte de uma política pública de massa que PRECISA SER EFETIVADA O QUANTO ANTES.

    Possuímos vacinas com intervalos de imunização diferentes, que podem gerar confusão na hora do retorno, principalmente em pessoas mais velhas. Estas pessoas precisam, sim, de informações precisas acerca dos calendários. Além disso, de nada adianta correr com o calendário e divulgar novas datas mais cedo no cronograma anterior se as vacinas previstas não estão chegando – ou a população não está indo se vacinar. Vacinação é política pública, precisa de previsão, organização e estrutura da maquinaria do estado. Já fizemos isto antes com maestria, já fomos referência mundial de vacinação. Sabemos fazer isto, mas saber não é o suficiente: precisamos deliberadamente atingir a todos e conseguir que as pessoas compareçam nos postos de vacinação!

    E quanto a nós?

    Nós, formiguinhas em meio à turbulência seguimos trabalhando e buscando tornar a informação acessível. Todos nós, cidadãos, podemos contribuir ajudando àquelas pessoas que têm dificuldade de acesso (seja por falta de acesso confiável e segura pela internet, seja por falta de condições de acessar à internet, dificuldade de leitura, dentre outras questões).

    Não esqueça de informar seus familiares e conhecidos sobre quando chegar a hora deles se vacinarem, pergunte se já se inscreveram e se estão acompanhando os calendários.

    E, lembre-se, mesmo depois de vacinados, continuem usando máscara e praticando o distanciamento!

    Agradecimentos

    Neste texto, agradecemos imensamente à Sabine Righetti (Labjor/UNICAMP e Agência Bori) que nos forneceu os dados brutos do levantamento sobre a segunda dose no país para elaborarmos a postagem. Abaixo indicamos as matérias da Sabine.

    Quer saber mais ? Separamos aqui mais notícias que utilizamos de referência:

    Um quinto dos brasileiros de mais de 70 anos não completou vacinação contra Covid-19

    Quase 2 milhões tomaram segunda dose de vacina contra Covid-19 fora do prazo no país

    Mais de 16 mil pessoas tomaram doses trocadas de vacina contra Covid, mostra registro

    Este texto é original e foi produzido com exclusividade para o Especial COVID-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Personalidades da vacina: os altruístas, os fiscais e os sommeliers!

    [Sugestão é vocês lerem este texto ouvindo este som]

    Estamos em uma etapa de vacinação que inclui, além de idade (seguimos com a vacina para pessoas acima de 60 anos), comorbidades, gestantes e lactantes, além de profissões específicas.

    A vacinação, que era para trazer uma parca esperança em meio a tudo o que temos vivido em nosso país, tem sido questionada em muitos aspectos que tornam tudo ainda mais difícil.

    Sommeliers de vacina

    Por um lado, temos visto pessoas percorrendo postos de saúde atrás ‘da vacina que eu quero tomar’, seja por receio de reações adversas, seja por ter vontade de tomar “aquela que tem maior eficácia”, ou qualquer outro motivo que apareça pela frente.

    Temos chamado estas pessoas de sommelier de vacina. Sommelier são aqueles profissionais dedicados a “provar” e “degustar” produtos específicos – vinhos, queijos, cervejas, por exemplo. Parece chique, né? Na verdade é chique. 

    Mas não quando diz respeito à vacina! Entretanto, cabe a pergunta: qual vacina é boa? Há quem diga que várias vacinas são só “água com açúcar e só a fulaninha que presta”.

    Olha, quando se trata de 465.000 mortos em nosso país, a vacina boa é a que chega em nosso braço. Isto é, cobiçar a vacina de um dado fabricante e adiar sua imunização até poder acessar a queridinha do momento não é apenas descabido. É desrespeitoso. É um ato atroz com os milhares de brasileiros que aguardam sua vez no Plano Nacional de Imunização.

    Precisamos vacinar muito e precisamos vacinar rápido.

    Estas ações atrasam ainda mais nosso calendário e fazem permanecer aberto o cronograma de vacinação para uma faixa específica que poderia estar mais avançada.

    Esta confusão toda pode, sim, ser fruto de uma comunicação truncada que dá a entender que a vacina X em relação à Y é melhor.

    Neste sentido, os resultados recentes da CORONAVAC no município de Serrana enchem de esperança o que mais acreditamos: vacina boa é vacina no braço dos brasileiros e vacinação em massa funciona E MUITO! Ademais, lembramos que ela também acabou de ser aprovada em caráter emergencial na OMS, o que indica que ela é segura, eficaz e de qualidade.

    Com 75% da população do município coberta pela Coronavac (95,7% da população vacinável), Serrana viu suas internações, óbitos e registros de doentes despencar nas últimas semanas. Todavia, sim, precisamos dos dados abertos e verificáveis e precisamos dos dados e sua distribuição por faixa etária discriminados o quanto antes para nos debruçarmos e compreendermos todo o processo. Entretanto, os dados que nos foram apresentados até o momento nos mostram que cobertura vacinal é fundamental para enfrentarmos a pandemia!

    Mas há quem não queira tomar vacina pelas reações…

    [pausa dramática, respira fundo]

    como se nunca tivesse acompanhado crianças na família e visto os choros de dor, febre ou outras reações nos pequenos. Vacina pode dar reação, febre, dor no corpo, sonolência, enjoo por exemplo. Ou seja, ninguém nega isto.

    Todavia nenhuma destas reações se compara há semanas entubado, sem contato familiar, em uma situação de quase morte. Assim como, também não se compara ao risco de contaminarmos inúmeras pessoas e, mesmo estando com sintomas leves, levarmos pessoas a serem entubadas por COVID-19 pelos contatos que seguem vigentes na nossa vida.

    E antes que me achem exagerada, é bom lembrar que família contamina família, que temos filas de espera em UTIs e que seguimos com números altíssimos de contaminações e mortes. Nenhum medo de enxaqueca e febre deveria se sobrepor à possibilidade de nos contaminarmos e contaminarmos a quem está próximo de nós.

    Em suma, é só uma febre, vai passar.

    Os altruístas

    O outro lado da moeda tem sido as pessoas que começam a despontar no PNI como as próximas a serem vacinadas. Elas podem, suas documentações pessoais a fazem legalmente vacináveis, mas elas não se vacinam. Por quê? Por terem pessoas “que merecem mais do que eu”, costuma ser a resposta. Outra bem recorrente é “não acho justo quando há outros que não se vacinaram ainda”, e, por último “eu me encaixo, mas prefiro deixar para a próxima vez quando chegar”.

    O caso comum dos altruístas são as profissões. Várias profissões dão direito à vacina. Neste caso, o PNI deixa claro que os municípios e estados devem observar os critérios que considerarem pertinentes para estabelecer a vacinação de várias destas profissões.

    Eu posso, mas não devo: altruísmos às avessas

    Assim, os altruístas são as pessoas que mesmo tendo o direito, acham que é justo pular a vez e deixar para a próxima.

    Os fiscais (que falarei mais adiante) são os que acham que estes profissionais só podem se vacinar quando eles (os fiscais) acharem que devem ser vacinar.

    Nenhum dos dois está lá muito correto. Embora vacinar-se seja uma escolha (teu corpo, tuas regras, etc.), é um ato coletivo de proteção. Dessa forma, neste momento, temos mais de um milhão de casos de COVID-19 em acompanhamento. Ontem, dia 1º de junho de 2021, tivemos 78.926 confirmações de COVID-19 em nosso país e mais do que 2 mil mortes.

    135 dias depois de começar a vacinação em nosso país, tivemos 265 mil mortes. Nestes 4 meses e alguns dias tivemos mais mortes pela doença do que o ano passado inteiro. Aceleramos as mortes e os contágios quando vários países começam a abrir comércio e vivenciar a experiência de controle da doença em seus territórios.

    Nós não estamos nem próximo disto. Não é, portanto, altruísta abrir mão de vacinas que foram contabilizadas e estão à disposição. Tua vacina está lá, te esperando. Tu achares que o PNI não é justo, não modifica o PNI, não “adianta” as datas de categorias que começam a aparecer à revelia do que pode parecer justo, bom, emergencial ou interessante. Tu não te vacinares só faz com que menos uma pessoa, agora, esteja vacinada e com condições de diminuir a circulação do vírus.

    E isto é emergencial.

    Em suma, o altruísmo, neste momento, é se vacinar quando chegar a tua vez. A vacina é um processo que funciona em uma massa de pessoas – e para isto precisamos de uma massa vacinada. Abrir mão do teu direito não faz com que a vacinação ande mais depressa, não faz uma massa ser vacinada. Este é um altruísmo às avessas por estarmos em um momento delicado, triste e que apenas denota nossa fragilidade em vencer esta doença.

    Não era para, neste momento, estarmos debatendo quais categorias deveriam ou não estar vacinadas, por um motivo muito simples: nosso país sempre foi exemplo de estrutura e organização de vacinação no mundo, com doses para todos, calendário preciso, com campanhas eficazes, bem feitas, sólidas e robustas em todas as suas etapas.

    Fiscais de fila

    É um desserviço julgarmos quem está com lugar na fila, desencorajando as pessoas a tomarem vacinas e as tomando como fura-filas SE ELAS NÃO SÃO FURA FILA.

    Concomitante ao fenômeno altruísta, há as pessoas que viraram fiscais de comorbidades e profissões e julgam qualquer pessoa que apareça com a vacina no braço – o que fortalece ainda mais quem se sente culpado por estar se vacinando.

    Primeiramente, é fundamental apontar o quanto fiscal de comorbidade e de profissão é um cargo cruel em um país que, desde que a Campanha de Vacinação por COVID-19 começou em nosso país, matou 265 mil pessoas confirmadas por COVID-19 (fora casos não confirmados para a doença).

    Há, também, aqueles fiscais de obesidade, perguntando se o IMC da pessoa ultrapassou 40. Pior ainda são aqueles que acham que obesos não devem se vacinar pois são relaxados, relapsos, dentre outros xingamentos que não caberiam em um veículo como este.

    Ainda sobre comorbidades, não é que avisemos a todos o que nos acompanham ao longo da vida quais doenças e condições temos ou deixemos de ter. Acusar levianamente é cruel, insensível e não faz sentido. Ninguém é obrigado a apontar, cotidianamente para conhecidos, amigos próximos ou até familiares, que comorbidades nos acompanham.

    Ah! Ana, mas tem gente furando fila com atestado falso.
    – Sim… verdade. E isto é horrível Mas o Brasil também tem muitas pessoas com comorbidades e não és tu, alecrim dourado, a pessoa que sabe todas as que existem e todas as pessoas afetadas por elas, é?

    A rede social virou palco de guerra com pessoas indo perguntar “qual comorbidade”? Não há muitas palavras para narrar o constrangimento que tem sido imputado às pessoas que estão celebrando a vida e celebrando um DIREITO a permanecerem vivas.

    Nós compreendemos que o PNI poderia organizado-se de forma a não ocorrerem incoerências entre municípios e estados, com datas confusas e regras divergentes.

    O que não é justo é esta confusão que já está presente nos documentos oficiais gerar culpabilização de pessoas e inadimplência no comparecimento à vacina!

    Precisamos que vocês se vacinem: quando integramos o grupo #TodosPelasVacinas não foi para que as pessoas se sentissem culpadas de terem esta oportunidade, para termos fiscais de plantão e para questionarmos os atos de vacinação. 

    Foi para que todos conseguissem acesso à vacina e, quando chegasse seu dia: SE VACINASSEM.

    Seguiremos neste propósito, firmemente. A vacinação é uma política pública, deve ser organizada pelos setores públicos – como sempre foi – e é um absurdo ser cobrado de indivíduos que estão legalmente cotados para vacina que não se vacinem por julgamentos estapafúrdios (de “diplomas velhos” à “ideias de minha cabeça” ou “não concordo pois esta comorbidade não me interessa que exista”).

    Se chegou tua vez, é teu direito, é nossa defesa, é proteção a todos: VACINE-SE

    Para saber mais

    BRASIL, Ministério da Saúde (2021a) Plano Nacional de Vacinação COVID-19 5ª Versão

    ____ (2021b) Plano Nacional de Vacinação COVID-19, 6ª Versão

    ____ (2021c) Saúde antecipa vacinação de trabalhadores de educação e autoriza imunização da população geral por idade

    ____ (2021d) NOTA TÉCNICA Nº 717/2021-CGPNI/DEIDT/SVS/MS

    CONASEMS (2021) Nota Técnica PNI 06-05-2021

    WORLDMETERS COVID-19, acessado em 1 de Junho de 2021. 

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores. Além disso, pares da mesma área técnica-científica da Unicamp revisaram o texto. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Vacina, Estado e Liberdade: a manipulação do debate – Parte 2

    Figura 1: A vacina. Fonte: Dalcio Machado no Facebook. 21 out. 2020.

    O discurso antivacina, segundo o Dicionário Online de Português, é aquele que se declara contrário ao processo de vacinação. Isto é feito ignorando que é pela vacinação que é possível atribuir uma imunidade específica a determinada doença. Todavia, esse discurso – ao contrário do que circula em veículos na internet – não nasce em 1998 com a pesquisa fraudulenta do médico britânico Andrew Wakefield. Pois, para quem não se recorda: este estudo relacionou vacina ao autismo. Mas, o movimento antivacina se inicia ainda no século XIX, no Reino Unido e nos Estados Unidos, numa reação à vacinação contra a varíola (1). Atualmente, esses grupos, formados especialmente por pais que não querem que seus filhos sejam vacinados, são conhecidos como antivaxxer.

    Embora, no Brasil historicamente esse discurso nunca tenha conseguido se estabelecer de maneira consistente, hoje temos outra situação. Isto é, com a pandemia da Covid-19 pesquisadores vêm constatando um aumento expressivo nas publicações que espalham desinformação sobre as vacinas. 

    A ciência e o mapa do discurso antivacina

    União Pró-Vacina (UPVacina)

    Um levantamento produzido pela União Pró-Vacina (UPVacina – USP/Ribeirão Preto) busca esclarecer informações falsas sobre vacinas. Este estudo identificou um aumento de 383% em postagens com conteúdo falso ou distorcido envolvendo a vacina contra a Covid-19 (2). 

    A análise foi feita com base em postagens dos dois principais grupos antivacina brasileiros no Facebook. Assim, entre maio e julho de 2020 foram 155 publicações com 3.282 reações, 1.141 comentários e 1.505 compartilhamentos. Nesse cenário, chama a atenção a produção da desinformação. Pois, os dados apontaram que 50 usuários geraram 52,3% das publicações. Além disso, apenas 6 usuários geraram os 47,7% restantes. ou seja, há uma clara evidência de que essa produção é deliberada.

    A incidência dos assuntos encontrados na análise é variada (Gráfico 1). Assim, há um maior volume as postagens contendo teorias da conspiração (27,1%) e perigos e ineficácia das vacinas (24,5%). O estudo cita como exemplo um vídeo (já removido do YouTube) de 13 minutos. Dessa forma, neste vídeo, o autor, Claudio Lessa, funcionário da Câmara dos Deputados faz diversas afirmações falsas e alarmistas contra a vacina de mRNA contra covid-19. Ele faz isso baseado em argumentos comprovadamente mentirosos e que circulam há tempos pelos grupos antivacina. Para tanto, cita pelo menos três desses temas:

    • as vacinas alteram o DNA;
    • teoria da conspiração de controle social;
    • Bill Gates financia vacinas para reduzir a população.
    Gráfico 1: Incidência dos temas abordados pelos grupos antivacina no Facebook. Fonte: União Pró-vacina, 2020.
    Grupo de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (Midiars)

    Conforme mostra outro estudo do Grupo de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (Midiars – UFPEL), existe uma estrutura de distribuição da desinformação via redes sociais nas redes bolsonaristas. Os pesquisadores analisaram 800 mensagens desinformativas. Assim, estas mensagems circularam em grupos públicos do WhatsApp entre março e abril de 2020. Além disso, a pesquisa do Midiars descobriu que nesses grupos a desinformação enquadrou (ou agendou, nos termos de McCombs e Shaw) a pandemia como debate político. Dessa forma, foi utilizada para fortalecer uma narrativa pró-Bolsonaro em meio a crises que o governo enfrentava (3).

    Ainda segundo o estudo, a principal estratégia para isso foi o uso de teorias da conspiração. Estas teorias são o tipo de desinformação mais comum nas mensagens analisadas. Ou seja, isto que indica que as características da plataforma podem influenciar o conteúdo dessa desinformação. No caso do WhatsApp, o fechamento da mesma, o que torna mais difícil contrapor a desinformação.

    Figura 2: Exemplo de teoria da conspiração veiculada nos grupos de WhatsApp bolsonaristas. Fonte: Preprint: Desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp (3)

    O agendamento e os interesses

    O jornalista e professor doutor em Linguística, Fabiano Ormaneze observa que não é comum adjetivar as vacinas com a nacionalidade ao mencioná-las. Assim, de modo que não se diz “vacina inglesa”, “vacina alemã” ou “vacina americana”. No entanto, ao se referir à CoronaVac tanto as pessoas nas mídias sociais quanto parte da mídia tradicional adotaram a expressão “Vacina Chinesa”. Esta vacina é produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac Life Science em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.

    Para Ormaneze, é preciso pensar pode haver “um preconceito embutido nessa expressão, um preconceito que esbarra até na questão da xenofobia”. Dessa forma, lembrando que se atribui à China a origem da Covid-19. Assim, esta construção reforça o adjetivo pátrio tem um apelo negativo e preconceituoso. Isso é, caracterizando-a como uma vacina menos válida. É preciso lembrar que a base dessas afirmações é um artigo polêmico, ainda sem comprovação atribuindo à China a criação intencional do Sars-Cov-2 em laboratório.

    Para desvendar a intencionalidade de determinados discursos é sempre bom perguntar a quem interessam desacreditar os produtos chineses? Lembramos que estamos num momento em que os EUA estão numa aberta guerra comercial com o país asiático, sendo o Brasil alinhado aos americanos. Assim, questionamos também: a quem interessa desacreditar uma vacina produzida num laboratório estatal comandado por um potencial candidato nas próximas eleições?

    Obrigatoriedade da vacina não é um debate aberto

    Tanto do ponto de vista doutrinário quanto do legislativo, não há debate sobre a prevalência do direito coletivo à saúde. O promotor de justiça Samuel Fonteles (4) esclarece que há duas dimensões da dignidade humana.

    • Autonomia – que reconhece a liberdade que cada pessoa tem para efetuar suas escolhas existenciais);
    • Heteronomia – que limita essa liberdade individual em nome de valores substantivos compartilhados pela sociedade

    com o que concorda o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso:

    Escolhas individuais podem produzir impacto não apenas sobre as relações intersubjetivas, mas também, sobre o corpo social e, em certos casos, sobre a humanidade como um todo. Daí a necessidade de imposição de valores externos aos sujeitos. Da dignidade como heteronomia. (5)

    Do ponto de vista da legislação temos a diversas leis que determinam a obrigatoriedade da vacinação:  

    • Programa Nacional de Imunizações, Artigo 3º da Lei 6259/75;
    • Constituição Federal de 1988, Artigo 196º;
    • Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Artigo 14 §1º;
    • Lei de Enfrentamento da Covid-19 (Lei 13.979/2020), assinada pelo próprio presidente Bolsonaro, Artigo 3º;

    Evidentemente, não há unanimidade sobre o assunto. A vice-diretora geral da área de Medicamentos, Vacinas e Produtos Farmacêuticos da OMS, Mariângela Simão, afirmou no dia 21/10 que no caso dos adultos, a agência não recomenda medidas autoritárias em relação à vacinação de adultos. Isto ocorre, uma vez que eles “têm capacidade de discernimento, de fazer escolhas informadas” e que a obrigatoriedade dependeria do contexto de cada país. E aqui reside a questão crucial. Ou seja, a partir dos dados da UPVacina e do Midiars, é possível afirmar que parte dos cidadãos brasileiros estão fazendo “escolhas bem informadas”?

    Já vimos esse filme

    Conforme Naomi Oreskes e Erik Conway (6) constataram questões importantes sobre isso. Por exemplo, os questionamentos sobre a relação cigarro x câncer de pulmão e dos gases CFC x destruição da camada de ozônio não tinham como objetivo trazer evidências contraditórias aos achados científicos. Mas, conseguiram atrasar as ações governamentais para a resolução dos referidos problemas por décadas, o que atendeu a interesses corporativos. 

    No Brasil da pandemia, podemos retomar a postagem 1 analisando a partir dos Padrões de Manipulação de Perseu Abramo. Neste sentido, é possível identificar uma deliberada intenção de fragmentar aspectos do debate sobre a vacina contra a Covid-19. Além disso, inverter a relevância desses aspectos, apresentando o secundário como o principal. Dessa forma, discutir a liberdade individual ou o direito coletivo em relação à obrigatoriedade da vacina é uma forma de agendar politicamente esse debate. Bem como, serve para fabricar um consenso entre os seguidores e induzi-los a aderir à vacinação. Tudo isso apenas com base em suas crenças político-ideológicas ou nem aderir.

    Como se observa, as personagens e as ferramentas mudaram, mas, as estratégias permanecem as mesmas. Os mercadores da dúvida atenderam a interesses da indústria do tabaco e do petróleo. Num cenário em que a solução para a Covid-19 passa pela vacinação em massa da população, resta saber a quem interessa retardar esse processo. À sociedade, certamente, não interessa.

    Para Saber Mais / Referências

    (1) ROSS, Dale-L (1967) Leicester and the anti-vaccination movement, 1853-1889. Transactions-The Leicestershire Archaeological and Historical Society, Leicestershire Archaeological and Historical Society, v43, p35

    (2) CARDOSO, Thaís (2020) Campanha de desinformação sobre vacina contra covid avança com testes no Brasil. Jornal da USP, 26 ago

    (3) RECUERO, Raquel; SOARES, Felipe; VOLCAN, Taiane; FAGUNDES, Giane; SODRÉ, Giéle (2020) Preprint: Desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp: a pandemia enquadrada como debate político, Midiars/UFPEL, 15 out

    (4) FONTELES, Samuel Sales (2020) Vacinas compulsórias e dignidade humana, Migalhas UOL / Coluna Olhar Constitucional, 14 ago

    (5) BARROSO, Luís Roberto (2018) Um outro país: transformações no direito, na ética e na agenda do Brasil, Editora Fórum, 2018, Apud FONTELES, Samuel Sales. Vacinas compulsórias e dignidade humana

    (6) ORESKES, Naomi; CONWAY, Erik M (2011) Merchants of doubt: How a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming, Bloomsbury Publishing USA, 2011.

    Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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