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  • As não intermitências dos leitos de UTI

    Desde janeiro deste ano, estou participando de um clube de leitura com alguns amigos. Escolhido há meses, o livro da vez é As intermitências da morte”, de José Saramago.

    Nesse livro, num belo dia, a morte simplesmente resolve tirar um período sabático e ali, naquele país, ninguém mais morre. Maravilha né? Na verdade, nem tanto. Um caos é instalado naquele lugar, com direito a crise religiosa, crise funerária… E, claro, crise no sistema hospitalar…

    E era sobre isso que eu queria falar com vocês. Mas antes, leia abaixo um trecho que fala da crise que se instaura nos hospitais. Se você não conhece o livro, não se preocupe, não é spoiler e é um trecho pequeno e do início do livro – ah, e o texto é em português de Portugal!

    Também os directores e administradores dos hospitais, tanto do estado como privados, não tardaram muito a ir bater à porta do ministério da tutela, o da saúde, para expressar junto dos serviços competentes as suas inquietações e os seus anseios, os quais, por estranho que pareça, quase sempre relevavam mais de questões logísticas que propriamente sanitárias. Afirmavam eles que o corrente processo rotativo de enfermos entrados, enfermos curados e enfermos mortos havia sofrido, por assim dizer, um curto-circuito ou, se quisermos falar em termos menos técnicos, um engarrafamento como os dos automóveis, o qual tinha a sua causa na permanência indefinida de um número cada vez maior de internados que, pela gravidade das doenças ou dos acidentes de que haviam sido vítimas, já teriam, em situação normal, passado à outra vida. A situação é difícil, argumentavam, já começámos a pôr doentes nos corredores, isto é, mais do que era costume fazê-lo, e tudo indica que em menos de uma semana nos iremos encontrar a braços não só com a escassez das camas, mas também, estando repletos os corredores e as enfermarias, sem saber, por falta de espaço e dificuldade de manobra, onde colocar as que ainda estejam disponíveis. – As intermitências da morte. José Saramago, Companhia das Letras.

    Quando li esse trechinho não tive como não comparar com a situação que observamos em vários hospitais do país… Situação agravada pela COVID. Quando pensamos em leitos de enfermaria e UTI, pensamos em rotatividade: um fluxo contínuo de entrada e saída de pacientes. No caso dessa história contada por Saramago, as pessoas chegam doentes, às vezes em estado grave. Alguns provavelmente se curam e deixam os hospitais, mas outros com certeza chegam em estado muito grave, tão grave, que esses pacientes deveriam morrer – mas não morrem (afinal, a morte deu uma trégua). Assim, os leitos passam a ser ocupados por esses pacientes e acabam não são liberados… A consequência é que a ocupação, por esse motivo, atinge seu máximo em pouco tempo e pronto: está instaurado o caos descrito no trecho.

    Voltando a nossa realidade, o que observamos na Itália (em março) e estamos vendo agora em alguns estados do Brasil é que, além de um grande influxo de pacientes ao mesmo tempo (pacientes estes que não estavam sendo esperados, afinal pacientes com COVID não estavam no fluxo dos pacientes hospitalares até três meses atrás) nos hospitais, o período de internação, inclusive nas UTIs é bem maior. De acordo com a AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira) um paciente na UTI permanece internado, em média, por cerca de 6 dias, enquanto para um paciente com COVID a duração da internação na UTI é de aproximadamente 14-21 dias. Soma-se a isso os profissionais da saúde que acabam se contaminando e devem ser afastados e os leitos ocupados pelos pacientes do fluxo normal (afinal derrames, acidentes, câncer e outras emergências continuam acontecendo mesmo com a pandemia!).

    Em reportagem do dia 19/06/2020, a BBC Brasil apresentou a figura abaixo com as taxas de ocupação de leitos de UTI nos Estados Brasileiros, com dados das secretarias de saúde dos estados até o dia 17/06. Alguns estados (n=14) apresentaram sinais de queda devido às medidas de distanciamento social adotadas (AM, AP, CE, ES, MG, PA, PB, PE, PI, RJ, RN, SC, SP e TO), seis estados estão com as taxas de internação estabilizadas ou com sinais de estabilização (AC, AL, BA, GO, MA, RR) e 6 estados (MS, MG, PR, RS, RO, SE) + o Distrito Federal (DF) estão com taxas em ascensão ou com sinais de alta.

    Apenas como exemplo, de acordo com a reportagem, o principal hospital de Roraima (HGR) em uma semana teve um pulo de 71% para 110% da capacidade. Aqui, em Belo Horizonte (onde moro), estamos vendo um aumento relativamente rápido das ocupações de leitos após a abertura de quase todo o comércio; a Santa Casa BH, por exemplo, está se preparando para, nos próximos dias, dobrar de 50 para 100 os leitos de UTI. Isso nos leva a inferir que alguns locais ainda não entraram em colapso por estarem conseguindo abrir novos leitos em tempo de atender à população.

    Essas taxas de ocupação de leitos são um dos principais indicadores para os dirigentes tomarem as decisões sobre abrir ou não os comércios locais. Mas pela dinâmica da infecção, geralmente esses dados refletem as taxas de infecção com 2 semas de atraso. Assim, as decisões devem ser tomadas com cautela e previsão estimada da situação da contaminação em cada cidade individualmente. Comparar dados de cidades diferentes, em momentos diferentes da curva, e de países diferentes talvez não seja uma boa ideia. A Ana Arnt faz uma reflexão sobre isso nesse post: “Podemos comparar estas duas cidades? Exercícios complexos para uma pergunta simples” (parte 1) e (parte 2).

    DICA DE LIVRO!

    Para terminar, queria voltar na indicação do livro As intermitências da morte”, de José Saramago. Neste livro, Saramago, laureado com o prêmio Nobel de Literatura em 1998, parte de uma premissa simples para escrever um livro fantástico: e se as pessoas parassem de morrer?

    Uma pergunta que parece irrelevante, mas que quando analisada mais a fundo traz consigo grandes questões… Economia, saúde e até mesmo a religião são afetadas. O que parece ser um grande acontecimento feliz, a vida eterna se transforma, em pouco tempo, numa situação de difícil resolução.

    Apesar de estar esgotado na editora em sua versão física, o livro pode ser comprado em ebook. Clicando e comprando por este link você é direcionado para a Amazon e pode ajudar o blog: As intermitências da morte”, de José Saramago.

    REFERÊNCIAS:

    Reportagem da BBC Brasil: Coronavírus: 14 Estados têm queda de internações após isolamento social; DF e outros 6 Estados enfrentam alta.

    Comunicado da AMIB, disponibilizado no site da SOMITI: COMUNICADO DA AMIB SOBRE O AVANÇO DO COVID-19 E A NECESSIDADE DE LEITOS EM UTIS NO FUTURO

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Ciência para crianças! Distância da família

    O isolamento social é a forma mais eficiente para evitar a disseminação da pandemia de Covid-19. Com isso, muitas vezes precisamos ficar longe de familiares e amigos muito queridos, para o bem-estar e segurança de todos. 

    Neste quadrinho, Dragonino está enfrentando a saudade de sua mãe, que é médica e trabalha na linha de frente do combate à Covid-19, e de seus avós, que são velhinhos e podem ficar doentes facilmente. Hoje ele veio conversar um pouco com a gente sobre como está se sentindo e porque precisamos permanecer fortes!

    Dragonino sente muita falta do contato físico e da convivência com as pessoas, mas ele também está aprendendo que a internet e a tecnologia podem ajudar a manter o contato com quem amamos, o que pode aliviar um pouco a solidão e a saudade! E depois que tudo isso passar, ele não vê a hora de poder voltar a abraçar todo mundo!

    Quadrinho "Ciência para crianças!" com o tema distância da família.

    Fontes:

    https://coronavirus.saude.gov.br/

    https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019

    Equipe: 

    • Design: Giovanna S. Veiga
    • Pesquisas e roteiro: Edilaine C. Guimarães e Carla R. de Souza
    • Supervisão: Vinicius Saragiotto, Verônica Dos S. Sales, Bianca B. De M. Fonseca
    • Orientação e revisão: Carolina S. Mantovani e Lúcia E. Alvares.

    English version

    Translation: Allan Cavalcante and Giovanna S. Veiga

    Quadrinho "Ciência para crianças!" com o tema distância da família, traduzido para o inglês.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • A joia da coroa

    Texto escrito por Prianda Rios Laborda

    “SARS-CoV-2 é um vírus RNA fita simples com cerca de 29 kb que codifica 29 proteínas”. Estas são as credenciais genéticas do nosso atual inimigo número 1, o famigerado coronavírus da dinastia SARS, o segundo de seu nome, afinal, estamos falando de coroas. Em uma única frase, residem todas as informações que o vírus precisa para promover a infecção de seus hospedeiros e a sua própria replicação. Em uma única frase, reside também um arsenal de informações que nós, os hospedeiros, podemos usar para combater o vírus. Levantemos, portanto, nossas armas contra a coroa. E, se vamos nos rebelar contra um reinado, bem fazemos conhecer e, quem sabe, atacar a sua joia, o cerne que mantém coesas famílias reais (e reais): seu material genético.

    ONDE VIVEM OS GENES: DNA x RNA

    Material genético é uma expressão para designar o conjunto de moléculas onde estão codificadas informações que orientam a constituição e a conformação física dos organismos. Este material é organizado em cadeia, como um colar, em que se enfileiram contas de quatro diferentes cores. A essas contas damos o nome de nucleotídeos. Na maior parte das vezes, esse colar é o nosso antigo conhecido DNA. Porém, em alguns casos ele é o menos divulgado RNA. DNA e RNA têm muitas semelhanças e não por acaso dividem o N e o A de seus nomes. O N é de “nucléico”, uma vez que são sintetizados no núcleo das células. O A é de “ácido”, pois são moléculas que contêm átomos de fósforo arranjados em ácidos fosfóricos. DNA e RNA são, portanto, chamados “ácidos nucléicos”, onde vivem os genes.

    Uma das principais diferenças químicas entre os dois tipos de material genético está no contraste entre D, de “deoxi-ribo”, e R, de “ribo”. DNA – ácido desoxirribonucléico – é a versão deoxi do RNA – ácido ribonuclécio –, uma versão sem (= de) um oxigênio (= oxi).

    “Unidos na acidez e no núcleo, até que um oxigênio os separe”: estrutura dos nucleotídeos de DNA e RNA com indicação da diferença entre eles (seta verde). Quadradinhos pretos representam os átomos de carbono do açúcar.

    Este é um dos grandes contrapontos entre nossos ácidos nucléicos: a presença de um átomo de oxigênio na composição de uma das partes dos nucleotídeos, o açúcar, também conhecido como “ribose”. A localização deste átomo de oxigênio extra nos nucleotídeos de RNA e o fato de estar junto a um átomo de hidrogênio tornam as cadeias de RNA mais propensas à reação com outras moléculas, o que implica instabilidade química. RNA, ao contrário de DNA, é um polímero que degrada facilmente.

    Outra diferença entre DNA e RNA está no conjunto de bases nitrogenadas usado por cada ácido nucléico. A base nitrogenada é a parte variável da estrutura dos nucleotídeos. DNA usa as populares bases adenina (A), citosina (C), guanina (G) e timina (T). RNA também usa A, C e G, porém não usa T e, em seu lugar, existe a uracila (U).

    “A, C e G com T ou U”: as bases nitrogenadas de DNA (área salmão) e RNA (área verde). Quadradinhos coloridos representam os átomos que diferem entre as bases: vermelho – nitrogênio; amarelo – hidrogênio; preto – carbono; rosa – oxigênio.

    Na estrutura das duas moléculas, detectamos mais um ponto de distinção: DNA é um molécula maior e normalmente ocorre no formato dupla hélice, onde duas fitas torcidas formam uma espiral com as bases voltadas para dentro, respeitando o pareamento A com T e C com G; RNA pode ter extensões variáveis, mas, se comparada ao DNA, é muito menor e, na maior parte das vezes, tem estrutura de fita simples.

    “Colar simples ou duplo”: as conformações das cadeias de RNA (fita simples) e DNA (dupla hélice). Adaptado de https://www.diferenca.com/dna-e-rna/.

    Para termos referências de tamanho: o cromossomo I humano tem cerca de 249 milhões de bases (Mb) de DNA (249 milhões de nucleotídeos enfileirados!) enquanto o RNA do vírus da hepatite C tem aproximadamente 9600 bases (9,6 kb). Esta é a Natureza: um ambiente tão variável na sua diversidade macroscópica quanto nas suas dimensões microscópicas.

    As diferenças entre DNA e RNA também se estendem a suas funções intracelulares. O DNA é o cânone do armazenamento e da replicação das informações hereditárias, um material genético em sua essência. Contém os genes que codificam as proteínas de que o organismo precisa e tem a estrutura perfeita para replicar o conteúdo genético e garantir a sua transmissão ao longo das gerações. O RNA, entretanto, executa a função de material genético apenas em alguns vírus. Nos organismos vivos (as definições mais clássicas de “vida” não incluem os vírus, apesar do estrago que fazem…), ele está incumbido de várias outras tarefas biológicas: mensageiro entre DNA e proteínas; transportador de nucleotídeos, facilitador da síntese proteica, regulador das atividades de expressão do DNA, catalisador de reações, defensor contra invasores celulares, sensor de sinais ambientais etc. Para cada uma destas tarefas, ele assume diferentes conformações tridimensionais, tamanhos, composições em termos de sequência de nucleotídeos. A versatilidade funcional do RNA é digna de um texto próprio!

    GEMA PRECIOSA

    Voltemos à primeira frase de nossa conversa. “SARS-CoV-2 é um vírus RNA fita simples com cerca de 29 kb que codifica 29 proteínas”. Parece menos complexo agora que vimos um pequeno exposed do RNA no seu papel de material genético? A sentença descreve de maneira sucinta o genoma – conjunto total de genes, a sequência dos nucleotídeos – do novo coronavírus. Genoma é a gema preciosa onde está entalhado o livro das instruções biológicas, um diamante em seu valor.

    Menos de dois meses após o registro dos primeiros casos de COVID-19 na China, as primeiras sequências de nucleotídeos do RNA responsável pela pandemia já eram de domínio público. Agora sim, um grande exposed do RNA. Esta informação representou um salto de conhecimento, pois a partir dela pudemos começar a compreender a origem do SARS-CoV-2 e quais são as estruturas e artimanhas moleculares que lhe permitem ser um vírus tão bem sucedido na arte da infecção. Os primeiros genomas sequenciados foram apenas um pontapé inicial do jogo que hoje conta com outras dezenas de milhares de sequências de diferentes amostras virais coletadas no mundo todo. O escalonamento da aquisição de genomas revela quais são as rotas traçadas pelo vírus e o impacto da adoção de medidas não farmacológicas durante sua propagação e possibilita sabermos como ele está evoluindo, i.e., quais são as mutações que está sofrendo e se isso traz algum tipo de consequência para a dinâmica da pandemia.

    O sequenciamento de genomas expõe a ordem dos nucleotídeos de cada um dos genes. Com as sequências dos genes, temos as sequências das proteínas – as moléculas executoras da cartilha gravada no material genético – sem a necessidade de identificação e isolamento de cada uma delas. Isto é possível porque comparamos essas sequências com as existentes em grandes bancos de dados biológicos, onde estão disponíveis informações como, por exemplo, função. A partir da sequência de um gene, podemos inferir qual a função da proteína que ele codifica. Saber a função das proteínas é a chave para começarmos a desvendar onde e como elas agem.

    Os quase trinta mil nucleotídeos do genoma do novo coronavírus codificam proteínas de três tipos: estruturais, não estruturais e acessórias.

    “A coroa e sua joia”: SARS-CoV-2 e seu genoma, com indicação da localização e dos tamanhos relativos dos genes (caixas coloridas em laranja, vermelho e azul) e dos tipos de proteínas codificadas.

    As proteínas estruturais são responsáveis pelo reconhecimento das células do hospedeiro (“spike“), pela cobertura que envolve o material genético (“envelope” e “membrana”) e pela estabilidade do RNA (“nucleocapsídeo”). As proteínas não estruturais desempenham funções voltadas principalmente à replicação do RNA viral para confecção de novas partículas e à inibição das iniciativas da célula hospedeira de eliminar o invasor. As proteínas acessórias auxiliam o escape das partículas virais recém produzidas e impedem a célula de sinalizar sua infecção para o sistema imunológico. Não podemos negar uma reverência à sofisticação das estratégias naturais próprias de agentes etiológicos como esse vírus. Paralelamente, não podemos negar aplausos à capacidade do sistema imunológico de conseguir, muitas vezes, virar o jogo apesar de todas as boas cartadas do vírus. Sobretudo, guardemos aplausos, uma grande salva deles, para nossa habilidade de empregar esta cadeia de detalhes ao nosso favor.

    O PARAÍSO ESTÁ NOS DETALHES

    Detalhes aparentemente intangíveis, não? Por que a Ciência se dedica tanto a conhecer e entender minúcias tão pequenas que nem mesmo alguns microscópios podem mostrar? O motivo que mais nos convém agora é o fato de estes detalhes determinarem como devemos agir, da prevenção à cura. Pavimentam nosso êxodo rumo a um lugar melhor. Cada quina de informação pode determinar quais são as melhores ações profiláticas e é um ponto elegível para desenvolvimento de métodos diagnósticos, tratamentos e vacinas. O perfil das moléculas e suas características nos guiam na otimização de todas estas etapas. Alguns exemplos:

    1. Para nos defendermos de uma infecção viral, é impreterível conhecer a biologia do vírus (modo de transmissão, estrutura tridimensional, mecanismos usados para infectar as células do hospedeiro, formas de recrutamento do maquinário celular para sua replicação, estratégias de evasão do sistema imunológico etc); como vimos, grande parte destas informações está codificada no material genético do vírus;
    2. Ao precisarmos coletar amostras de um vírus RNA, conhecendo sua menor estabilidade, temos de tomar cuidados específicos para que o material coletado permaneça viável até a chegada ao laboratório;
    3. Para utilizarmos o material genético de um vírus RNA como alvo de um teste diagnóstico, precisamos incluir uma etapa extra, a síntese de moléculas de cDNA (DNA complementar à molécula de RNA, por meio da técnica de transcrição reversa), antes de podermos detectar sua presença na amostra;
    4. Ao identificarmos paralelos entre moléculas e modos de ação (e as consequentes manifestações clínicas) de um vírus emergente e de um outro já conhecido, para o qual temos um tratamento, podemos avaliar o uso de estratégias pré-existentes; isso representa um caminho muito menos longo do que a concepção de um novo fármaco a partir do zero;
    5. Ao verificarmos a existência de proteínas próprias do vírus, que não existem nas células do hospedeiro, podemos priorizá-las como alvos de ataque, diminuindo o risco de toxicidade do tratamento;
    6. Ao conhecermos as proteínas virais que são alvos do sistema imunológico, podemos produzi-las no laboratório, com base nas sequências dos genes, e usá-las como vacinas;
    7. Ao conhecermos as sequências dos genes virais, podemos usar, como estratégia vacinal alternativa, fragmentos de ácidos nucléicos sintéticos com as mesmas sequências dos genes do vírus; uma vez dentro das células, esses ácidos nucléicos levarão à produção das proteínas e à ativação do sistema imunológico.

    LANTERNAS E ARMAS DE GUERRA

    Não nos faltam motivos para investir constantemente na Ciência, a única capaz de incrementar nosso arsenal contra inimigos de sempre ou emergentes. Não é por acaso que, nas etapas iniciais de desafios causados por agentes desconhecidos, haja equívocos. São consequências diretas das lacunas no conhecimento. Na ausência do conhecimento, reverbera a conveniência das soluções mágicas, na maior parte das vezes, inúteis, quando não nocivas. Na ausência do conhecimento, ficamos reféns da passividade que deveria dar lugar à mobilização preventiva. Na sua presença, acendem-se as lanternas de emergência que apontam os caminhos de saída.

    A caminhada evolutiva das espécies não atende a demandas democráticas; é uma força que eventualmente testa nossa capacidade de reação. Nosso tempo será retratado como aquele em que a Evolução alçou ao trono uma nova coroa, monarca tão diminuta quanto impiedosa. Mostrará um governo de coação, uma fase de desconforto e de perdas dos mais diferentes tipos. No desfecho da narrativa, porém, estará a rebelião dos súditos. O ataque à casa imperial é inevitável, talvez até iminente. Ouço o barulho das indumentárias de guerra, ornadas com a sofisticação das armas científicas ora em construção à base do conhecimento de minúcias como essas que hoje vimos. Observo a disciplina no ensaio de táticas que já nos renderam vitórias em outros combates. Conhecemos cada faceta da joia que empodera a coroa. Derrubá-la é questão de tempo.

    Leia mais…

    …sobre ácidos nucléicos:

    https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK21514

    …sobre o genoma do SARS-CoV-2:

    https://www.nytimes.com/interactive/2020/04/03/science/coronavirus-genome-bad-news-wrapped-in-protein.html

    https://brasil.elpais.com/brasil/2020/05/13/ciencia/1589376940_836113.html

    Este texto foi escrito originalmente no blog DNA Explica

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Impactos psicossociais da pandemia são severos em profissionais da saúde

    Por João Pedro Broday

    Segundo o Ministério da Saúde já são mais de 32 mil profissionais da saúde contaminados pelo novo coronavírus. Além dos impactos diretos da doença, os trabalhadores da linha de frente ao combate à doença são também os mais vulneráveis aos impactos na saúde mental. 

    Estudo realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), liderado por Felipe Ornell e Silvia Chwartzmann Halpern, divulgado na última edição da revista Caderno de Saúde Pública, utilizou epidemias anteriores para desenvolver um cenário para a pandemia atual. O trabalho indicou que durante a epidemia de Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave), em 2003, 18 a 57% dos profissionais da saúde tiveram sérios problemas emocionais e psiquiátricos. Já em 2015, durante a epidemia de Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio), também causada pelo coronavírus, estresse e fadiga também foram observados. 

    “Estudos prévios mostram que eventos de contaminação podem ser seguidos por impactos drásticos na saúde psicossocial individual e coletiva, tornando-se, eventualmente, mais danosos que a própria pandemia”, alertam os pesquisadores. 

    Os autores verificaram que, com o alta demanda por serviços de saúde, há o aumento da jornada de trabalho que, aliada com a infraestrutura precária, a falta de equipamentos de proteção individual (EPI) e a preocupação com a auto inoculação, aumentam a sobrecarga emocional nesses profissionais, trazendo consequências psíquicas com sentimento de solidão, estresse, irritabilidade, fadiga mental e física, insônia, desespero e até mesmo estresse pós-traumático (TEPT). 

    “Estudo recente com profissionais da saúde no tratamento da Covid-19 encontraram altas incidências de estresse e ansiedade, com maiores índices em mulheres e enfermeiras, quando comparadas com homens e médicos, respectivamente. Isto pode ser explicado pelos longos turnos e contato intenso com pacientes por parte das enfermeiras”, enfatizam os autores.

    A imagem de super-herois

    “Uma tendência que é mais desencadeada na Covid-19 é dar aos profissionais de saúde um status de super-heróis e, se por um lado isto agrega valor, por outro há pressão adicional, porque os super-heróis não falham, não desistem ou ficam doentes”, afirmam Felipe e co-autores.  

    De posse dessas informações, o estudo indicou que o cuidado psicológico dos profissionais da saúde deve ser ampliado, especialmente para aqueles que apresentam doenças crônicas, ou vivem com crianças ou idosos. Os sintomas somáticos também devem ser avaliados, bem como ser fornecido tratamento psicológico a esses profissionais, como foi feitos em RenMin Hospital e no Centro de Saúde Mental, em Wuhan, na China, primeira cidade onde a Covid-19 foi diagnosticada. Nesses locais, foram criados guias e consultas online com equipes multiprofissionais, permitindo uma melhor psicoeducação e a identificação de sintomas nos próprios integrantes das equipes médicas.  

    “No Brasil, onde há uma escalada no número de casos, estratégias de saúde para profissionais de linha de frente precisam ser intensificadas. Se eles não forem priorizados, além do possível colapso do sistema de saúde, teremos o colapso emocional dos profissionais”, afirma o estudo. O trabalho também indica que tal colapso influenciará diretamente na disponibilidade humana e de recursos durante a pandemia e pode ser solucionado com a criação de centros médicos em áreas mais distantes e o desenvolvimento de programas governamentais de escala regional e municipal, visto que cada região apresenta peculiaridades no enfrentamento à doença.

    “Uma estratégia complementar é o estabelecimento de parcerias com instituições da sociedade civil e implementação de sistemas de assistência remota. Atualmente, diferentes iniciativas estão sendo desenvolvidas por universidades e centros privados de saúde mental com objetivo de prover suporte online e de telefonia a profissionais da saúde”, sugerem os autores do artigo.

    Acesse o artigo completo

    ORNELL, Felipe et al . The impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of healthcare professionals. Cad. Saúde Pública,  v. 36, n. 4,  2020.   Epub Apr 30, 2020. 

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  • O que são Anticorpos?

    A partir da expansão da COVID-19, temos visto muitos comentários sobre o sistema imune e seu funcionamento. A imunologia é uma das áreas das ciências da saúde e biológicas mais amplas e cheias de detalhes difíceis de compreender. Hoje eu vou falar um pouco sobre o tema, enfatizando os anticorpos. Você sabe o que são os anticorpos?

    Também chamados de Imunoglobulinas (ou simplesmente Igs), os anticorpos são proteínas do sistema imune, sendo os principais atores na chamada resposta imune humoral. A resposta imune humoral é o braço da resposta imunológica que está nos líquidos extracelulares, como por exemplo o plasma do sangue. A principal atuação da resposta imune humoral é contra patógenos extracelulares, como bactérias e protozoários.

    Todos os anticorpos são iguais?

    Os anticorpos não são todos iguais. Além de haver pequenas diferenças na sua estrutura física, cada tipo é especializado para uma função. Existem 5 tipos:

    • IgA: estão presentes no sangue, nos fluídos extracelulares, no leite materno e tem uma grande importância na proteção das mucosas;
    • IgD: é o primeiro tipo de anticorpo produzido pelas células. Não se entende muito bem qual é sua função até hoje;
    • IgE: muito importante na defesa contra vermes e nas alergias;
    • IgG: é o tipo de anticorpo mais presente no sangue e em fluidos extracelulares, é capaz de efetuar todas as funções dos anticorpos (que explicaremos melhor neste texto), e são capazes de atravessar a placenta;
    • IgM: é o segundo tipo de anticorpo produzido pelas células, muito presente no início das infecções, posteriormente é trocado para um tipo mais específico de Ig (dos tipos A, E ou G).

    Como são produzidos?

    Os anticorpos são produzidos por células chamadas linfócitos B, mais especificamente por um tipo muito especial dessa célula, os chamados Plasmócitos.

    Indo um pouco mais a fundo nesse tópico, nós temos distribuídos por todo o nosso corpo os chamados linfonodos, órgãos do sistema imune responsáveis por fazer a drenagem de líquido e antígenos dos nossos tecidos. Um antígeno nada mais é do que qualquer partícula capaz de se ligar a um anticorpo ou ao receptor específico do linfócito T. São nestes linfonodos que estão armazenados os nossos linfócitos T e B.

    De uma forma simplificada e focando especificamente nos linfócitos B, quando essas células encontram um antígeno de origem externa (ou seja, que não foi produzida pelo nosso corpo), ou mesmo de um patógeno como uma bactéria, elas internalizam esse antígeno (ou o patógeno inteiro) e o digerem. Internalizam? Como assim?!? Em outras palavras: elas literalmente comem esse patógeno ou antígeno.

    Depois disso, esses linfócitos B começam a sofrer algumas modificações que levam a diferenciação dessas células em plasmócitos, que nada mais são do que as fábricas de anticorpos dos organismos. Ao fim de uma infecção, a maioria desses plasmócitos irão morrer. Existe aí um porém bem importante! É que algumas poucas células vão se tornar células de memória, migrando para a medula óssea e morando lá por vários anos (alguns tipos podem chegar a durar a vida toda do organismo). Assim, constitui-se a chamada memória imunológica.

    Maior, mais rápida, mais forte, mais ágil: O que é memória imunológica?

    Para falar sobre memória imunológica, precisamos entender dois conceitos muito importantes: a resposta imune inata ou natural e a resposta imune adaptativa ou adquirida.

    Resposta imune inata

    A resposta imune inata é aquela que já nasce conosco, e que nos permite gerar uma resposta imune desde o momento em que chegamos a esse mundo. Essa resposta imune está sempre em atuação, não importando se a resposta imune adaptativa começa a ocorrer ou não. Dessa forma, podemos dizer que ela atua (temporalmente falando), antes da resposta imune adquirida. Além disso, há duas outras características muito importantes dela: ela não tem memória e é capaz de reconhecer somente algumas partes específicas de patógenos, os chamados Padrões Moleculares Específicos de Patógenos – ou PAMPs para os mais íntimos.

    Resposta Imune Adaptativa

    Já a resposta imune adaptativa, é aquela que desenvolvemos com o passar da vida, ao entrar em contato com diferentes tipos de patógenos e substâncias. Quem já ouviu da avó “deixa a criança brincar na terra que vai ficar mais saudável” sabe do que estamos falando! Pelo solo ter milhares de bactérias e outros microrganismos, ao entrarmos em contato com todos esses microrganismos acabamos por estimular nossa imunidade adquirida, que ainda não é muito desenvolvido quando somos muito jovens. É por isso que é tão comum bebês e crianças muito novas ficarem doentes tantas vezes, por exemplo, quando começam a ir para a creche.

    Falando sobre as características da resposta imune adaptativa, ela começa a ocorrer alguns dias após a exposição a um patógeno persistente, assim, temporalmente esse tipo de resposta acontece mais tarde, alguns dias após o início da resposta imune inata. Com isto queremos dizer que a resposta imune adaptativa precisa reconhecer que algo que é “de fora do nosso corpo” é um patógeno. Ao fazer isso, ele produzirá uma defesa específica para este patógeno (um vírus, uma bactéria, por exemplo), para combatê-lo.

    Além disso, esse tipo de resposta usa as famosas células imunes chamadas Linfócitos T e B, que têm a capacidade de reconhecer praticamente qualquer partícula de um patógeno de forma muito específica a partir de seus receptores. E isso é o que garante a característica mais importante da resposta imune adquirida: a memória imunológica. Ela é o que dá a capacidade do sistema imune de lembrar de um antígeno já encontrado e responder mais rápido, mais especificamente e com maior intensidade nas próximas exposições ao mesmo microrganismo. Ao lado dos linfócitos T de memória, os anticorpos e plasmócitos de memória são os principais componentes da memória imunológica.

    Quais são as funções de anticorpos?

    Como eles atuam no organismo? Mas o que os anticorpos fazem para serem tão especiais? Essas proteínas possuem 4 funções bem definidas:

    Neutralização:

    os anticorpos se ligam a antígenos dos patógenos bloqueando a ação dessas moléculas, por exemplo, impedindo que uma proteína essencial para a entrada de um vírus se ligue ao receptor das nossas células, impedindo assim a entrada desse vírus;

    Opsonização:

    apesar do nome complicado, uma metáfora que podemos usar para essa palavra seria “temperar”. Quando um anticorpo se liga no antígeno de um patógeno, isso facilita que outras células do sistema imune enxerguem esse microorganismo, facilitando para tal célula comer o patógeno (se esse for por exemplo uma bactéria). E daí que vem a metáfora! Pois com o anticorpo ligado nesse microrganismo, a célula “acha ele mais gostoso” facilitando que ele seja engolido e destruído;

    Citotoxicidade Dependente de Anticorpo:

    um outro nome muito complicado, mas que em poucas palavras pode ser explicado como um auxílio a alguns tipos celulares como células Natural Killers, um tipo específico de Linfócito T e Eosinófilos, ao combate de vermes, células infectadas e tumorais.

    Ativação do Complemento:

    por fim, os anticorpos também podem ajudar a iniciar o Sistema Complemento, um grupo de proteínas muito importantes do plasma que também atuam na resposta imune humoral e que ajudam a estourar e comer microrganismos, como as bactérias.

    Por fim…

    Como vimos, os anticorpos têm muitas funções, algumas delas bem poderosas como a Citotoxicidade Dependente de Anticorpos. Porém, como já foi dito, a resposta imune humoral é muito poderosa contra patógenos extracelulares (aqueles que ficam fora das células). Apesar da função dos anticorpos se resumir a uma só (a neutralização) contra patógenos intracelulares (aqueles que invadem nossas células, como o vírus), esse tipo de resposta imune continua sendo muito importante e eficiente.
    Nesse caso, a principal função dos anticorpos irá se resumir à

    Neutralização, da seguinte forma: quando os vírus infectarem uma célula, eles irão escravizá-la e forçá-la a produzir milhares de cópias de si mesmos. Depois de um tempo, as células ficam tão cheias que podem estourar e liberar esses vírus. De uma outra forma, as células podem começar a liberar os vírus calmamente, envolvendo-os com sua membrana. De uma forma ou de outra, esses vírus acabam no meio extracelular, prontos para invadir novas células e infectá-las. É nesse momento que os anticorpos atuam, se ligando as proteínas da membrana do vírus e muitas vezes impedindo que eles entrem em nossas células. Assim, dizemos que esses vírus foram neutralizados.

    No próximo post eu vou falar um pouco mais sobre o tratamento a partir de anticorpos, especialmente a partir dos conceitos de Imunidade Passiva e Plasma Covalescente. Ficou curioso! Aguarde e já publicaremos sobre o tema.

    Artigos Citados

    1. Casadevall A, Dadachova E, Pirofski LA (2004) Passive antibody therapy for infectious diseases. Nat Rev Microbiol; 2(9):695-703

    2. Brown, BL, & McCullough, J (2020) Treatment for emerging viruses: convalescent plasma and COVID-19, Transfusion and Apheresis Science, 102790.

    3. World Health Organization (2014) Use of convalescent whole blood or plasma collected from patients recovered from Ebola virus disease for transfusion, as an empirical treatment during outbreaks. Interim guidance for national health authorities and blood transfusion services; Geneva: World Health Organization

    4. Tanne JH (2020) Covid-19: FDA approves use of convalescent plasma to treat critically ill patients. BMJ 2020;368:m1256. 

    5. Bloch EM, Shoham S, Casadevall A, et al (2020) Deployment of convalescent plasma for the prevention and treatment of COVID-19 J Clin Invest; 130(6):2757-2765.

    6. Sullivan, HC, & Roback, JD (2020) Convalescent plasma: therapeutic hope or hopeless strategy in the SARS-CoV-2 pandemicTransfusion Medicine Reviews.

    Para saber mais:

    Marano, G, Vaglio, S, Pupella, S, Facco, G, Catalano, L, Liumbruno, G. M, & Grazzini, G (2016) Convalescent plasma: new evidence for an old therapeutic tool? Blood Transfusion, 14(2), 152.

    Center for Biologics Evaluation and Research, USF and DA (2020) Recommendations for investigational COVID-19 convalescent plasma

    Duan, K, Liu, B, Li, C, Zhang, H, Yu, T, Qu, J, … & Peng, C (2020) Effectiveness of convalescent plasma therapy in severe COVID-19 patients. Proceedings of the National Academy of Sciences, 117(17), 9490-9496.

    Rojas, M, Rodríguez, Y, Monsalve, DM, Acosta-Ampudia, Y, Camacho, B, Gallo, JE, … & Mantilla, R D (2020) Convalescent plasma in Covid-19: Possible mechanisms of action; Autoimmunity Reviews, 102554.

    Este texto foi escrito com exclusividade para o Blog Especial Covid-19

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Meu teste deu positivo. E agora? Entendendo a sensibilidade e a especificidade dos testes diagnósticos

    Os testes para diagnóstico de doenças são bons? São ruins? Funcionam? Vamos destrinchar um pouco sobre a teoria dos testes diagnósticos de uma forma mais intuitiva sem precisar de fórmulas. Vamos ver que os testes não são livres de erros. Vamos entender o que significa dizer que um teste tem 95% de sensibilidade… E, principalmente, por que isso não te conta a história toda!

    Esse post foi elaborado a partir da série de tweets escrita pelo Felipe Campelo*, com algumas pequenas alterações para se adequar melhor aqui no formato do blog!

    Antes de mais nada: o que explicamos aqui não tem nada a ver com a marca ou o tipo do teste (ao longo do texto você vai entender o porquê), mas sim com a matemática que está por trás do diagnóstico. Isso, porque os testes diagnósticos compreendem uma importante aplicação da teoria da probabilidade. Mas não precisa fugir – como falei antes, prometo que não vamos te pedir para decorar nenhuma fórmula! Vamos lá?

    Para começar a entender o que acontece quando você faz um teste para qualquer doença, vamos pensar que você só tem duas possibilidades: ou está doente, ou está saudável. O teste também só tem 2 possibilidades: ou é positivo, ou é negativo.

    Vamos desenhar para ficar mais fácil!

    Essas duas variáveis resultam em 4 possibilidades:

    – Você está doente e o teste é positivo: verdadeiro positivo (VP).

    – Você está saudável e o teste é negativo: verdadeiro negativo (VN).

    – Você está saudável e o teste é positivo: falso positivo (FP).

    – Você está doente e o teste é negativo: falso negativo (FN).

    Se olharmos para os totais de cada linha e cada coluna, vemos que:

    – as colunas nos dizem quanta gente está doente (ND) ou saudável (NS).

    – as linhas dizem quanta gente testa positivo (N+) ou testa negativo (N-).

    – o último quadro da diagonal nos indica o número total de pessoas na população (N).

    A sensibilidade e a especificidade de um teste dizem respeito às colunas:

    A Sensibilidade do teste é a proporção entre o número de doentes que o teste consegue detectar (VP) e o número total de doentes (ND). Em outras palavras, é a probabilidade de o teste ser positivo para uma pessoa doente: P(Teste+|doente).

    A Especificidade informa qual a proporção entre o número de pessoas saudáveis que o teste detecta como “negativas” (VN) e o número total de pessoas saudável (NS). Em outras palavras, é a probabilidade de o teste ser negativo para uma pessoa saudável: P(Teste-|saudável).

    Até aqui tudo bem, mas tem um probleminha: o que eu quero saber não é a chance do teste dar positivo caso eu esteja doente – o que eu quero saber de verdade é: Se o meu teste deu positivo (N+), qual a chance de eu estar realmente doente (VP)? [é inclusive o nome desse post!] E essas duas coisas normalmente são diferentes. Essa outra coisa que eu normalmente quero saber também tem um nome bonitinho: precisão, que a gente descobre olhando para as linhas do nosso quadro.

    A Precisão (ou valor preditivo positivo) é a relação entre a quantidade de pessoas doentes que testaram positivo (VP) e o número total de testes positivos (N+). Em outras palavras, é a probabilidade de você estar doente, dado que o teste deu positivo: P(Doente|Teste+)

    E é aqui que entra o probleminha que eu mencionei acima. O quadro faz parecer que é muito simples calcular a precisão. E até que é, desde que você tenha uma ideia do quão prevalente a doença é na população. A Prevalência nos indica qual é o porcentual de pessoas que realmente estão doentes (ND) na população (N).

    Vamos imaginar, por exemplo, que a tenhamos um teste de 95% de sensibilidade (95% de chance de dar positivo se você estiver doente) e 95% de especificidade (95% de chance de dar negativo se você estiver saudável). Como podemos fazer para calcular qual a precisão do teste?

    Como falamos ali em cima, precisamos saber da prevalência da doença. Aqui, neste exemplo, vamos estipular que a taxa-base doença seja de 1%, ou seja, a doença afeta 1% da população (100 em cada 10.000). Agora fica bem fácil usar a sensibilidade e especificidade do teste para calcular os testes positivos e negativos em cada coluna. Vamos lá!?

    Repara direitinho nos valores da tabela… É aí que vem a coisa curiosa!

    Embora esse teste de faz-de-conta tenha 95% de sensibilidade e de especificidade, a maioria das pessoas que testa positivo seria de falsos positivos (495), simplesmente porque teria muito mais gente saudável do que doente.

    Além disso, a precisão, nesse caso hipotético, seria de só 16,1% – em outras palavras: você teria chance de 16,1% de estar doente caso seu teste dê positivo!

    Assim, se o teste dá positivo, a sua chance de estar realmente doente ainda seria relativamente baixa, embora seja 16 vezes maior do que a taxa-base da população (que é de 1%).

    É um pouco, confuso… mas é assim mesmo quando vemos isso pela primeira vez. Se precisar, dê mais uma olhadinha antes de prosseguir para olhar a próxima tabelinha!

    Aqui, vamos usar dados mais realistas (ainda que antigos)! Vamos considerar um teste para COVID com especificidade de 99% (mais comum) e para a prevalência da doença, vamos utilizar 10,6% (a estimativa de COVID em Manaus no relatório do Imperial College do dia 08/05). Considerando esses dados, a fazendo as contas igual fizemos ali em cima, temos a precisão do teste seria de 91,8%.

    Agora, para efeitos de comparação, se considerássemos esse mesmo teste, mas com a prevalência estimativa para São Paulo na mesma data teríamos: Prevalência de 3,3%, Sensibilidade de 95% e Especificidade de 99%. Fazendo os cálculos, a Precisão seria de 76,6%.

    Bom… Isso quer dizer que se a prevalência for baixa e você testar positivo pode sair por aí felizão? NÃO!

    Quando fizemos esses cálculos, dessa forma, estamos considerando que uma pessoa aleatória fazendo o teste. Porém, geralmente quando você é testado, você provavelmente tem ou teve sintomas (ou morreu de causa suspeita), ou entrou em contato com alguém que teve COVID. Isso tudo impacta no cálculo e deve ser levado em consideração. Por exemplo, a prevalência entre pessoas com sintomas é MUITO maior do que na população em geral.

    OUTROS PONTOS RELEVANTES !
    – A interpretação do resultado de um teste diagnóstico depende de qual parcela da população está sendo avaliada (é um indivíduo qualquer ou de um grupo de risco?).
    – Situações prévias (sejam subjetivas ou objetivas) influenciam o cálculo. Esse tipo de estatística que fizemos aqui, recebe o nome de cálculos bayesianos ou lógica bayesiana.
    – Os cálculos apresentados aqui servem para qualquer tipo de teste. Usamos exemplo da COVID por ser o que estamos passando no momento. Mas pode ser um teste de gravidez, um teste para detecção de HIV, etc.
    – Em Estatística chamamos os falsos positivos de erro tipo I, e os falsos negativo de erro tipo II.

    *Felipe Campelo é professor da Escola de Engenharia da UFMG (Departamento de Engenharia Elétrica) e trabalha com a integração entre modelagem estatística e otimização, e com aplicações de aprendizado de máquina para (entre outras coisas) priorização de alvos na investigação de exames e vacinas. Além disso, faz divulgação científica no Twitter.

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    BIBLIOGRAFIA

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Podemos comparar estas duas cidades? Exercícios complexos para uma pergunta simples (parte 2)

    No dia 26 de maio me perguntaram sobre a relação entre os casos confirmados e quantidade de óbitos de duas cidades, Porto Alegre e Hong Kong. A ideia geral da pergunta era: estes números são semelhantes?

    Ao tentar responder a pessoa ao que parecia uma pergunta simples, me vi envolta a inúmeras questões importantes sobre todo o fenômeno da COVID-19 e o quanto, também, temos apresentado dados sem que necessariamente as pessoas saibam não apenas receber a informação, mas questioná-las e compreendê-las de maneira menos apressada. 

    A pergunta gerou uma pesquisa que foi se estendendo, se estendendo e cá estamos, no segundo texto da série!

    O primeiro texto pode ser lido aqui. Em resumo, no dia 26 de maio, Porto Alegre tinha 1049 casos confirmados e 32 óbitos. Hong Kong tinha 1066 casos confirmados e 4 óbitos. No primeiro texto, eu busquei analisar algumas questões relacionadas à população total das duas cidades e, também, densidade populacional.

    Neste segundo texto, eu vou apresentar um pouco de como estas cidades estavam 15 dias depois, no dia 09 de Junho e comparar com os dados anteriores…

    Vamos aos dados?

    Ao olhar os números do dia 09 de Junho, 15 dias depois, como estão os dados destas duas cidades?

    • Hong Kong tinha 1.108 casos confirmados da doença, segue com 4 óbitos, 55 casos ativos (3 destes em estado crítico) e 1049 recuperados. Isto representa um aumento de 3,8% de casos confirmados em relação aos números de 26 de maio.
    • Porto Alegre tem 1.712 casos confirmados de Covid-19, têm 45 óbitos, 619 casos recuperados e 4.753 casos suspeitos em análise (aguardando o resultado). Isto representa um aumento de 63,2% de casos confirmados e 40,62% de aumento de óbitos em relação aos números de 26 de maio.

    Quadro 1. Dados totais e percentuais nas datas 26 de Maio e 09 de Junho.

    Imagino que já seja possível compreender, nestes números, como olhá-los isoladamente não faz sentido e podemos cair em falsas impressões de que tudo está tranquilo.

    Vou propor um exercício que sempre é interessante, e que pode ser feito entre o pior e melhor cenário do dia. Não temos o cenário de Hong Kong, por isso pode ser pensado como injusta a comparação. Considerando o pior cenário, no dia 09 de Junho, teríamos 4.753 casos suspeitos que se confirmariam via testes. Neste caso, ao invés de 1.712 casos, teríamos 6.465 confirmações (um aumento de 616,3% de casos confirmados).

    Se metade destes casos em análise se confirmarem, já seriam 2.376 casos confirmados a mais, gerando um total de 4.088 casos confirmados (o que nos daria um aumento de 389,7% de casos confirmados). O melhor cenário seria todos estes casos em análise negativarem. No melhor cenário para o dia 09 de Junho, tivemos um aumento de 63,2% de casos confirmados e 40,62% de óbitos.

    Existem outros dados relevantes?

    Na primeira postagem desta série, eu apresentei os dados comparando o número de infectados a cada 100 mil habitantes e a densidade populacional. Então, abaixo, vou apresentar os mesmos dados nas duas datas já mencionadas.

    Para retomar os dados populacionais:
    – Porto Alegre tem cerca de 1.483.770 habitantes e uma densidade populacional de 2.837,52 habitantes por km2 (segundo dados da Prefeitura de Porto Alegre).

    – Hong Kong tem cerca de 7.493.240 habitantes e uma densidade populacional de 6.510,23 habitantes por km2 (Segundo o Index Mundi).

    Quadro 2. Comparação entre Números absolutos e comparativos à densidade populacional e número de habitantes em 26 de Maio e 09 de Junho

    Estes dados nos mostram que em Porto Alegre, tivemos um aumento de 81,92% de casos confirmados por 100 mil habitantes, enquanto Hong Kong teve um aumento de 2,07% de casos confirmados. 

    Em relação à densidade populacional dos casos confirmados, Porto Alegre teve um aumento de 62,68%, enquanto Hong Kong teve um aumento de 3,23%.

    Não apenas os dados das duas cidades eram diferentes na data do dia 26 de maio, como descrito no primeiro post desta série, como observar estes dados 15 dias depois aponta para uma diferença que, infelizmente, é gigantesca.

    Ao olhar os óbitos nas duas cidades, novamente a diferença se faz gritante. Hong Kong manteve a quantidade de óbitos, nestes últimos 15 dias. A relação de óbitos, no entanto, precisa de um olhar mais atento – que também será abordado em um próximo texto.

    Vamos observar as medidas das duas cidades…

    Hong Kong impôs um período de severo isolamento social na cidade. Quando o novo coronavírus foi anunciado, dia 31 de Dezembro de 2019, pela questão geográfica de proximidade, Hong Kong tomou medidas preventivas rapidamente. No dia 03 de Janeiro já havia controle dos desembarcados no aeroporto, com política de quarentena para quem tivesse qualquer sintoma. O primeiro caso foi registrado no dia 23 de Janeiro e a cidade foi impondo uma agenda de controle e registro de cada caso que aparecia. A partir do dia 13 de Fevereiro, fez um isolamento severo, sem lockdown, mas controlando a circulação de pessoas, proibição de viagens, fechamento de escolas e universidades e quarentena para pessoas que chegavam na cidade. O uso de máscaras na região, em casos de doenças infecciosas, já é um hábito. Hong Kong é uma das cidades com maior densidade populacional do mundo e, mesmo assim, a quantidade de mortos se mantém a mesma há mais de 2 meses, com um crescimento pequeno de casos confirmados.

    A flexibilização das práticas de isolamento social em Hong Kong, neste caso, se faz a partir não da análise dos números brutos de um dia ou uma semana, mas de meses de controle dos contatos sociais de modo disciplinado, aliado a uma testagem em massa da população (o que ainda vamos debater na próxima postagem da série). Lembrando que Hong Kong registrou seu primeiro caso em 23 de Janeiro, a flexibilização no dia 26 de maio seria 125 dias depois da primeira confirmação de casos da COVID-19 no país.

    Ainda é bom falar que esta flexibilização não se faz por uma ideia de que não existirá contaminação, mas a partir do controle de casos que forem aparecendo – via testes, fechando e abrindo a cidade de maneira disciplinada e estruturada, aumentando a capacidade hospitalar.

    Os dados de Porto Alegre – considerando que esta cidade que apresenta bons índices em relação ao Brasil – devem ser observados com cautela quando percebemos que existe, sim, um aumento da quantidade de contágio, internações e com uma enorme quantidade de casos em análise. Porto Alegre implementou um protocolo para aeroportos no dia 28 de Janeiro. O primeiro caso confirmado na cidade foi noticiado no dia 08 de Março, dia 16 de Março as aulas são suspensas. As medidas de flexibilização que vinham sendo debatidas no dia 26 de Maio, aconteciam 81 dias após o primeiro caso registrado na cidade, com 2.743 casos em análise (aguardando resultado).

    Reportagem da Gaúcha ZH de Tiago Boff no dia 26 de Maio, sobre o transporte público na capital gaúcha.

    Enquanto isso, tal como a reportagem acima afirma, o isolamento proposto em Porto Alegre – assim como em várias capitais brasileiras – não tinha uma adesão tão grande quanto deveria (por inúmeros motivos políticos, econômicos e sociais). 

    Nestes 15 dias – entre 26 de maio e 9 de junho – não apenas Hong Kong se manteve estável em relação às mortes, como permaneceu com uma média de testes populacional muito maior do que em nosso país. Mesmo assim, com uma quantidade de testes menor, aumentamos nossos casos confirmados e mortes de maneira expressiva. Vale lembrar que o Brasil, na data de 09 de Junho, estava fazendo 6 vezes menos testes do que Hong Kong, por milhão de habitantes. Com isso, temos uma quantidade de casos que são considerados leves e moderados que não têm sido testados em nosso país. Em toda a análise que apresentei aqui, desconsiderei completamente os casos de subnotificação por falta de testes.

    Finalizando

    Este post foi estruturada como resposta a uma pergunta feita no dia 26 de maio. É o segundo texto elaborado e minha ideia era não apenas apresentar os dados, mas tentar trabalhar um pouco sobre como, dentro da divulgação científica e dentro das áreas de pesquisa, vamos buscando compreender e estudar estes dados.

    Ainda há bastante temas para trabalhar em cima disso, vou falar um pouco sobre testes, subnotificações, modelagem epidemiológica e determinantes sociais da doença. Alguns destes itens já foram trabalhados aqui no blogs, outros ainda não… Este exercício se mostra interessante, mesmo alguns números ficando, aparentemente, desatualizados, pois nos impõe garimpar dados, olhar diferentes fontes, fazer perguntas aos números que nos são apresentados.

    Para escrever este texto, assim como o primeiro, eu contei com a leitura, revisão e boas conversas com uma galera da Divulgação Científica e da Unicamp, que eu faço questão de agradecer aqui:Marco Henrique, do blog zero (que além da revisão e das mil ideias, fez as imagens e corrigiu todos os cálculos! hehehe), o Samir Elian, do blog Meio de Cultura A Erica Mariosa, do blog Mindflow, o Roberto Takata, do blog Gene Reporter e o Professor Hyun Mo Yang, do Instituto de Matemática, Estatística e Ciências da Computação (IMECC) da UNICAMP.

    Para saber mais

    AAA INOVAÇÃO. Linha do Tempo do Coronavírus no Mundo [31/12/19 até 10/06/2020]. Acesso em 09/06/2020.

    BOFF, Thiago (2020) Passageiros e motoristas de linhas que podem ser suspensas afirmam que ônibus circulam lotados em Porto Alegre Gaúcha ZH, Porto Alegre, 26 de Maio de 2020. Acesso em 15/06/2020

    CRONOLOGIA DA PANDEMIA COVID-19. Wikipedia. Acesso em 09/06/2020.

    DIHL, Bibiana. Porto Alegre é a primeira cidade do país a ter decreto de emergência reconhecido pelo governo federal. Gaúcha ZH Porto Alegre, 02/04/2020. Acesso em 09/06/2020.

    GONZATO, Marcelo (2020). Porto Alegre tem a quarta menor incidência de coronavírus entre as capitais. Gaúcha ZH Saúde.

    HONG KONG. (2020a) Coronavirus  Acesso em 15/06/2020

    HONG KONG (2020b) Latest Situation of Novel Coronavirus infection in Hong Kong Acesso em 15/06/2020

    HONG KONG NÃO TÊM (2020) Hong Kong não tem novos casos de coronavírus pela 1ª vez em quase 2 meses. Valor Econômico. Acesso em 09/06/2020.

    LIMA, Lioman. (2020). Coronavírus: 5 estratégias de países que estão conseguindo conter o contágio. BBC Brasil, 18/03/2020. Acesso em 09/06/2020

    MINISTÉRIO DA SAÚDE (2020) Coronavírus Brasil. Acesso em 09/06/2020.

    MOTA, Renato. Países asiáticos voltam a ver seus números da Covid-19 crescerem. Olhar Digital, 07/04/2020. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE. Secretaria de Saúde (2020a). Boletim COVID-19 nº 65/2020. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE. Secretaria de Saúde (2020b). Boletim COVID-19 nº 78/2020. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE. (2020c) Prefeitura prorroga decreto de isolamento social e libera mais alguns setores. Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE (2020d). Vigilância do novo coronavírus mobiliza área de saúde da Capital. Acesso em 15/06/2020

    PORTO ALEGRE (2020e). Saúde Municipal se mobiliza para vigilância do coronavírus

    ROCHA, Camilo. (2020). Os estudos que mostram o impacto positivo do isolamento social.   Nexo Jornal, 21 de abr de 2020. Acesso em 09/06/2020.

    SORDI, Jaqueline (2020). Lupa na Ciência: Estudos mostram eficácia do isolamento social contra Covid-19 e projetam cenários. Agência Lupa, 20 de abril de 2020. Acesso em 09/06/2020.

    YUGE, Claudio. (2002). Países que já haviam controlado a COVID-19 confirmam a 2ª onda de infecções. Canal Tech, 06 de Abril de 2020. Acesso em 09/06/2020.

    WORLDOMETERS. Coronavírus. Acesso em 09/06/2020.

    ZUO, Mandy; CHENG, Lilian; YAN, Alice e YAU, Cannix. (2019). Hong Kong takes emergency measures as mystery ‘pneumonia’ infects dozens in China’s Wuhan city.South China Moorning Post,  31 dezembro de 2019. Acesso em 09/06/2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Flexibilizar ou não o isolamento, eis a questão.

    Nas primeiras semanas de junho, após quase dois meses de isolamento social, muitas cidades optaram por implementar planos de flexibilização do isolamento social com reabertura gradual do comércio e demais serviços ditos não essenciais. Em meio a um cenário ainda crescente do número de casos da COVID-19 e sem qualquer certeza de termos atingido o “pico da curva”, uma pergunta torna-se inquietante: qual a lógica por trás dessas ações? As medidas certamente têm por objetivo a retomada gradual da “normalidade” com foco no fortalecimento econômico. Mas, de fato, quais as consequências possíveis de tais ações? Com base nos dados expostos pelo plano São Paulo1 tentamos aqui costurar interpretações para entender a lógica que levou estados e municípios a adotarem medidas de flexibilização do isolamento social.

    Muitos devem lembrar do tal achatamento da curva, amplamente comentado no início da pandemia. A tentativa de “achatar a curva” dos casos da COVID-19 consistia em promover ações de isolamento social de modo que, ao ficarmos em casa, pudéssemos retardar a taxa de contaminação. Tínhamos que ter em mente que, enquanto não houvesse (e ainda não há) uma vacina, todos, hora ou outra, seríamos contaminados pelo corona vírus. A ideia é que isso ocorresse gradualmente de modo que o número de doentes não ultrapassasse o número de leitos disponíveis no sistema de saúde. Ou seja, imaginemos que uma determinada cidade dispõe de 100 leitos de UTI. Se tivermos 101 pacientes, 1 deles ficará sem atendimento adequado e correrá um risco maior de vir a óbito.

    Em diversas cidades, tais ações têm logrado êxito, considerando os números oficiais. 

    Mas o que mudou para que fosse possível nos libertarmos das amarras do isolamento social? Todos já se contaminaram, certo? ERRADO! Chegamos ao pico da curva? ERRADO! Descobrimos o tratamento ou a vacina? ERRADO. Então o que fez o governo flexibilizar o isolamento? Vamos tentar compreender a razão olhando os dados disponibilizados pelo governo do estado de São Paulo, que se assemelham a de outros estados da federação.

    O que é o plano SP?

    O Plano propõe que os municípios ou regiões sejam classificados em termos de “fases”. Cada fase implica um maior ou menor grau de liberação de atividades sociais e econômicas como mostrado na figura abaixo1.

    Fonte: Plano São Paulo.

    Para que uma região seja classificada em uma das fases, o governo propôs que cinco indicadores devem ser analisados: Taxa de ocupação dos leitos de UTI COVID, leitos de UTI para cada 100.000 habitantes, evolução no número de casos; evolução no número de internações e evolução no número de mortes. Desta forma, uma região que atinja a pontuação mínima para os indicadores pode adotar medidas de flexibilização do isolamento, conforme ilustra a figura abaixo1.

    Fonte: Plano São Paulo.

    Compreendido o sistema e os indicadores, a questão que nos fazemos é: o que mudou do início da quarentena até aqui?

    Dentre as ações propostas pelos governos, a construção de hospitais de campanha e a aquisição de respiradores foi, sem dúvida, a que demandou grandes esforços, culminando no aumento do número de leitos de UTI. Ou seja, não significa que o número de casos diários diminuiu ou que o número de casos tem estabilizado. Isso pode ser constatado pelos dados disponibilizados pelo próprio sistema de gerenciamento do governo2.

    A consequência do aumento do número de leitos é que com isso se consegue um menor índice de ocupação dos mesmos. Por exemplo, se temos 80 casos para 100 leitos a taxa de ocupação é de 80%. Se dobramos o número de leitos e mantermos o mesmo número de casos teremos 80 casos para 200 leitos, implicando uma taxa de ocupação de 40%. É exatamente aqui que reside o problema. Se o aumento semanal no número de casos durante o isolamento social já está sendo verificado, ao promover a reabertura obviamente este índice irá disparar, como aconteceu em todos os lugares que não implementaram o isolamento ou como tem ocorrido em regiões do BRASIL que já adotaram a flexibilização3,4.

    Então, qual a mensagem que o governo (neste caso o de São Paulo) está passando?

    Podemos dizer que, de certo modo, os gestores optaram nesse momento por contaminar mais rápido as pessoas mas tentando garantir que as mesmas tenham atendimento caso isso ocorra. Essa é a opção. Esse é o risco. Deixou-se um pouco de lado o achatamento da curva ou, como preferem alguns, foram acrescentados novos números ao estado.

    Vale ressaltar que, ocorrendo o óbvio (o aumento abrupto no número de casos), o governo pretende implementar um novo isolamento ou o retorno a fase 1. Apenas nos questionamos o quão viável seria, neste momento, aumentar a contaminação por meio da flexibilização do isolamento social? Conseguiremos retomar novamente o isolamento, caso o plano não de certo? O resultado parece poder ser visualizado desde já. Mas veremos, de fato, verificaremos as consequências nas próximas duas semanas. 

    Para saber mais

    1. Plano São Paulo. Disponível em https://www.saopaulo.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/PlanoSP-apresentacao.pdf

    2. Boletim CIVID-19 São Paulo. Disponível em: https://www.seade.gov.br/coronavirus/

    3. Folha de Pernambuco: Pernambuco freia avanço da retomada gradual em 85 cidades. Disponível em: https://www.folhape.com.br/noticias/coronavirus/pernambuco-freia-avanco-da-retomada-gradual-em-85-cidades-veja-lista/143619/

    4. Portal G1: Prefeitura de Campinas publica decreto com prorrogação da quarentena. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2020/06/12/ultimas-noticias-de-coronavirus-na-regiao-de-campinas-em-12-de-junho.ghtml

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • A ciência pelos olhos da Dra. Marjorie Cornejo Pontelli e da doutoranda Pierina Lorencini Parise, duas jovens cientistas

    À esquerda, equipe de pesquisadores do Centro de Pesquisa em Virologia da FMRP-USP a frente das pesquisas sobre Sars-Cov-2 e COVID-19. Dra. Marjorie está no centro da foto. À direita, Pierina segurando uma plca de cultura de células. Arquivo pessoal. 2020.

    Dando prosseguimento ao nosso Ciclo Temático Epidemias, junto de minha colega Bruna Bertol, hoje apresentamos a segunda entrevista do ciclo, dessa vez realizada com a Dra. Marjorie Cornejo Pontelli e a doutoranda Pierina Lorencini Parise, duas jovens cientistas que estão atuando diretamente na pesquisa do novo coronavírus SARS-CoV-2. Se você tem curiosidade em saber como é trabalhar com o agente causador da pandemia que aflige o mundo e como é ser uma jovem mulher cientista, não perca essa leitura!   

    A Dra. Marjorie Cornejo Pontelli é uma jovem virologista brasileira, bióloga pela Universidade Federal de Santa Maria (2012), mestra em Ciências – Área Bioquímica (2014) e doutora em Ciências – Área Biologia Celular e Molecular (2019) pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FMRP-USP). 

    Dra. Marjorie no dia da sua defesa de doutorado em Ciências – Área Biologia Celular e Molecular (2019) pela FMRP-USP. Arquivo pessoal

    Atualmente, realiza pós-doutorado no grupo de pesquisa do Prof. Dr. Eurico de Arruda Neto no centro de Pesquisa em Virologia da FMRP-USP e seu trabalho tem se focado na compreensão da biologia do vírus SARS CoV-2, responsável pela COVID-19, bem como na busca por opções terapêuticas para a doença.

     A Dra. Marjorie participa de um estudo conduzido pelo Hemocentro de Ribeirão Preto e o Hospital das Clínicas da FMRP-USP que busca tratar pacientes graves da COVID-19 com o uso de plasma (porção líquida) do sangue de pessoas que já se recuperaram da doença. 

    Com essa abordagem, espera-se que haja uma recuperação mais rápida, menor tempo de internação e de UTI e/ou um menor risco de mortalidade. Inclusive, qualquer pessoa recuperada de COVID-19 (sem sintomas há pelo menos 14 dias) pode ser um doador de plasma no Hemocentro de Ribeirão Preto. Se quiser doar plasma, ligue para o 0800 979 6049 ou para o WhatsApp: 16 98215-1937 ou 16 98215-1277 ou envie e-mail para doador@hemocentro.fmrp.usp.br

    Além disso, a equipe composta pelo prof. Dr. Eurico e a Dra. Marjorie demonstrou que o novo coronavírus pode permanecer no corpo de pacientes recuperados por tempo indeterminado, o que pode fazer com que a transmissão viral continue, e pode explicar os casos relatados na Coreia do Sul e na China de indivíduos recuperados que voltaram a testar positivo para a doença. 

    Pierina expondo seu trabalho durante congresso. Arquivo pessoal

    A doutoranda Pierina Lorencini Parise é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente, faz seu doutorado direto na área de microbiologia, com ênfase em virologia, no Laboratório de Vírus Emergentes (LEVE) sob orientação do Prof. Dr. José Luiz Proença Modena, na mesma universidade. A página do Instagram do grupo @leve_ibunicamp é um excelente fonte de informação sobre o estudo de vírus emergentes, com atualizações sobre seus mais recentes projetos e descobertas. 

    Embora o foco principal de seu projeto de doutorado seja uma outra família de vírus, o momento pediu uma mudança de seus esforços de pesquisa. Hoje Pierina integra a força tarefa – grupo multidisciplinar que envolve docentes da Unicamp, do LNBio e do CNPEM – para o estudo do SARS-CoV-2, ajudando no desenvolvimento de testes rápidos para a região de Campinas e no estudo de reposicionamento de fármacos para o tratamento da COVID-19.

    A seguir, reproduzimos na íntegra as respostas das duas cientistas:

    Cientista – era isso que você queria ser quando crescesse?

    Marjorie: Sim. A ciência sempre me despertou muito interesse, desde a infância. Meus programas preferidos eram Mundo de Beakman e Testemunha Ocular. Com certa frequência eu fazia experimentos em casa. 

    Pierina: Na verdade quando era criança meu sonho era ser astronauta, mas desisti quando descobri que não poderia levar minha cachorrinha nas missões comigo e imaginei que sentiria saudade dela e dos meus pais. Mas desde pequena sempre tive muita curiosidade por tudo que vinha da natureza. Meus avós são sitiantes e eu lembro de estar sempre brincando entre as árvores e fingindo que era cientista. 

    Um dos presentes mais marcantes que eu ganhei de um tio na infância foi um kit de brinquedo de química com alguns reagentes para fazer experiências e um mini microscópio que eu guardo até hoje. Além disso, meus pais sempre incentivaram muito minha curiosidade e gosto pela leitura, que são características essenciais para todo cientista. 

    Algum cientista ou descoberta científica a inspirou na escolha dessa carreira?

    Marjorie: Um assunto muito inspirador foi a Teoria da Evolução. Durante o ensino fundamental estudei em um colégio evangélico. Uma das matérias que tínhamos era o estudo da Religião Cristã. Em uma dessas aulas o tema foi a origem dos seres vivo e nosso professor falou sobre o criacionismo. 

    Eu que sempre gostei de programas de ciência e já havia visto sobre a evolução, perguntei sobre como isso se relacionava com a evolução. A resposta foi bem categórica: 1º isso era uma teoria e 2º se nós viemos dos macacos, por que eles não continuavam evoluindo? Quando cheguei em casa, abri a Barsa e li sobre teoria e evolução. Achei fantástico que havia várias áreas e evidências que se complementavam. Foi nesse momento que decidi seguir a carreira de cientista. 

    Pierina: Eu tive certeza de que queria ser cientista na primeira aula de genética que tive com a professora de biologia Carla, ainda no ensino fundamental. Eu lembro que estudar sobre as leis de Mendel foi uma das coisas mais incríveis que eu tinha aprendido na época. A partir disso, falei com meu primo Márcio, que também é pesquisador e biólogo formado pela Unicamp, e ele foi um dos meus maiores incentivadores na ciência e a pessoa que me guiou na escolha da carreira, e através dele tive meu primeiro contato com o mundo acadêmico.

    Sempre se interessou em estudar os vírus? Como sua trajetória acadêmica a levou à ênfase em virologia?

    Marjorie: Eu sempre me interessei por Microbiologia. No final do primeiro semestre do curso de Ciências Biológicas já havia buscado um laboratório de Microbiologia, mas foi no final do 3º semestre que entrei para o laboratório de Microbiologia Clínica onde fiz meu trabalho de conclusão de curso (TCC). 

    Quando decidi seguir a carreira acadêmica, fiz um curso de Bioquímica na USP de Ribeirão Preto e tive um relance do que seria trabalhar como pesquisadora. Ao final da graduação, passei no mestrado para trabalhar com uma archaebacteria extremofílica (organismo que vive em condições geoquímicas extremas). Aprendi muito sobre biologia molecular e bioquímica nesse período, bases fundamentais para estudar virologia. 

    E um dia, em um dos seminários do departamento, conheci a linha de pesquisa de virologia. Foi algo que me inspirou profundamente. Quando percebi, já estava fazendo a seleção de doutorado no departamento de Biologia Celular e Molecular, no laboratório de Virologia. 

    Pierina: Eu sempre tive em mente que queria uma profissão que me permitisse ajudar muitas pessoas com meu trabalho. No segundo ano da faculdade de biologia, tive meu primeiro contato com a virologia nas aulas do meu atual orientador, o professor Dr. José Luiz Modena, onde vi a oportunidade de estudar um tema que afeta diretamente a vida das pessoas, além de ser um assunto que me permitiria trabalhar e aprender mais sobre outras áreas que me interessavam como Imunologia, Biologia Celular e Genética. 

    No final do semestre eu fui conversar com o professor sobre a possibilidade de fazer iniciação científica em seu laboratório, onde estou até hoje fazendo meu doutorado direto. Na época, o professor era recém contratado e teve que se ausentar por alguns meses para finalizar seu pós doutorado nos EUA. Como eu seria sua primeira aluna, a professora Dra. Silvia Gatti me recebeu nesses primeiros meses em seu laboratório, que posteriormente seria compartilhado com o professor José Luiz, onde tive oportunidade de começar a aprender mais sobre o tema com a professora e ter meu primeiro contato com as técnicas de virologia. 

    Durante minha iniciação científica me dediquei a estudar a relevância da replicação em endotélio para a neuropatogênese dos vírus Zika e Oropouche, um vírus que circula na região amazônica e causa uma doença chamada de Febre do Oropouche, que já atingiu mais de 500 mil pessoas em diversos surtos que ocorreram na região. Apesar da sua importância, esse vírus ainda é pouco estudado. Atualmente no meu doutorado busco entender o papel do IRF5 (um importante fator da resposta imune) na patogênese e neurovirulência do vírus Oropouche, estudando principalmente modelos de barreira hematoencefálica para entender como acontece a entrada desse vírus no cérebro. 

    Como são desenvolvidas as pesquisas em virologia? Há alguma dificuldade específica que você gostaria de ressaltar?

    Marjorie: No laboratório que desenvolvi meu doutorado, eram duas as principais linhas de pesquisa: vírus respiratórios e arbovírus (transmitidos por artrópodes, como insetos, por exemplo). Dentro desses temas as abordagens eram bem diversificadas que iam desde a biologia básica do vírus (processos de replicação, entrada, montagem) até a persistência em tecidos do hospedeiro. 

    No meu caso, me dirigi à pesquisa dos arbovírus. Em relação às dificuldades, vale ressaltar duas que me atingiram em cheio: a falta de insumos comerciais e a falta de interesse das agências de fomento em vírus que não são de interesse “imediato”.

    Pierina: Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios e para estudá-los é preciso que eles se repliquem em culturas celulares ou modelos animais. No nosso laboratório, cultivamos diferentes tipos de células de acordo com as análises que serão realizadas, como por exemplo células isoladas do cérebro ou intestino. Além disso, os modelos animais são essenciais para situações que não podem ser reproduzidas in vitro, como estudos sobre o papel da resposta imune frente a infecção viral. 

    Outra ferramenta essencial para nossos estudos é a biologia molecular, utilizada para quantificar a replicação dos vírus nos nossos ensaios ou amostras de pacientes. Para mim, a maior dificuldade que temos hoje é com relação aos reagentes: a maior parte deles tem que ser importada, demorando de 3 a 6 meses para chegar, o que muitas vezes atrasa nosso trabalho, além do alto valor pelas importações serem feitas em dólar. 

    Qual é o objetivo e quais as possíveis contribuições da sua atual pesquisa sobre o SARS-Cov-2 e a COVID-19?

    Marjorie: Nenhum trabalho dessa magnitude é desenvolvido sozinho. A nossa equipe tem desenvolvido pesquisas de ponta em diversas frentes: triagem de medicamentos, patogênese, interação vírus-hospedeiro, biologia do vírus, etc. 

    De imediato, nossa maior contribuição tem sido participar da Cooperativa Paulista de Combate à COVID-19 que está usando o plasma (a porção do sangue que contém anticorpos) de pessoas já curadas da COVID-19 para tratar pacientes em estado grave. Neste projeto, nossa participação é de triar os plasmas que possuem anticorpos que consigam reconhecer o vírus SARS-CoV-2. Em Ribeirão Preto, nosso laboratório em conjunto com o Hemocentro da USP já obteve êxito usando este tipo de tratamento. 

    Pierina: Atualmente, nosso laboratório parou todas as pesquisas que estavam sendo realizadas para focar no estudo do SARS-Cov-2 em parceria com outros professores que também tinham interesse em estudar o vírus. Em resumo, buscamos entender os mecanismos pelos quais o vírus leva algumas pessoas a apresentarem a doença de forma mais grave do que outras, como fatores associados com a microbiota, envelhecimento e diabetes. Além disso, estamos estudando reposicionamento de fármacos que podem ter efeito contra o SARS-Cov-2 em parceria com pesquisadores do CNPEM.  

    Nesse sentido, como é a sua rotina como jovem pesquisadora no laboratório em que atua? Você tem acesso aos materiais e à infraestrutura necessárias para execução do seu trabalho?

    Marjorie: Nossa equipe de virologistas tem se dividido para podermos dar atenção a todos os projetos com SARS-CoV-2 que estão acontecendo na FMRP-USP. Eu estou participando mais ativamente em três principais projetos: triagem dos plasmas convalescentes, papel dos neutrófilos (um tipo de célula humana da imunidade) na COVID-19 e células circulantes infectadas pelo SARS-CoV-2 em pacientes. 

    Posso dizer que tenho um grande privilégio de fazer parte de uma equipe multidisciplinar que recruta os pacientes e fornece os insumos. Além disso, o Centro de Pesquisa em Virologia da FMRP-USP conta com um laboratório BSL-2, onde podemos processar as amostras dos pacientes e um laboratório BSL-3 amplamente equipado, no qual fazemos os experimentos com vírus isolado e modelos animais. Dessa forma, conseguimos trabalhar de forma segura tanto para nós quanto para a população.

    Pierina: Com a pandemia nossa rotina ficou ainda mais intensa, trabalhamos em período integral quase todos os dias da semana, incluindo feriados e finais de semana. Para trabalhar com vírus como o SARS-Cov-2 é necessário uma estrutura de biossegurança de nível 3 que existe em poucos laboratórios do país e o LEVE é um deles. Essa estrutura demanda treinamento especial das pessoas que irão trabalhar no local e o uso de equipamentos de proteção individual específicos, como macacão impermeável, máscara N95, faceshield (protetor facial), luvas e bota. 

    Além disso, o laboratório conta com sistema de pressão negativa e filtros para impedir que o vírus seja liberado no ambiente externo. A manutenção desses filtros e a compra dos equipamentos de proteção individual (EPIs) são muito caras, e com a pandemia alguns dos produtos ficaram ainda mais difíceis de comprar pela falta no mercado.

    Você acha que estamos perto de encontrar um remédio (antiviral) eficiente? E vacina? Quais os desafios em se criar um antiviral ou uma vacina?

    Marjorie: Um tratamento para um estágio específico da doença pode ser possível. Existem muitos grupos no mundo focando os esforços em readaptar medicamentos aprovados para outras doenças para tratar a COVID-19. Agora, uma vacina segura e eficiente leva anos para ser desenvolvida. No meu entendimento, o maior desafio é a falta de conhecimento básico em relação a esse vírus, que impede tanto o avanço na produção de um antiviral específico quanto na de uma vacina eficaz

    Para desenvolver uma vacina ou um medicamento, é necessária uma base muito sólida de conhecimento chamado de “ciência básica”. Quanto melhor compreendido a interação patógeno-hospedeiro, mais rapidamente será desenvolvido alguma forma de intervenção. Sem entender como ele funciona no hospedeiro e de onde veio, as abordagens ficam bem restritas ao que há de conhecimento para vírus semelhantes. 

    Esse é outro ponto interessante para se considerar. O SARS-1 – “parente” mais próximo do Sars-Cov-2 – foi erradicado após 2003. Portanto, novas pesquisas após o ápice da epidemia foram deixadas de lado, e os grupos que tentaram continuar se depararam com a falta de interesse em financiar o estudo de um vírus que já havia sido eliminado.

    Pierina: Atualmente temos vários antivirais que apresentaram efeito na inibição da replicação do SARS-Cov-2 in vitro que já estão sendo utilizados em testes clínicos em todo o mundo, incluindo alguns dos medicamentos selecionados nos nossos estudos de reposicionamento de fármacos em parceria com o CNPEM. Se algum desses medicamentos se mostrar comprovadamente eficaz no controle da doença, em breve veremos os resultados. 

    Com relação a vacinas, já temos várias pesquisas em fases avançadas de teste em humanos, como é o caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, que será testada em voluntários aqui no Brasil. Além disso, tratamentos com imunomoduladores, anti coagulantes e transferência de plasma de pacientes que se recuperaram da doença também estão sendo estudados como forma de impedir o desenvolvimento de casos graves.

    Eu acredito que o principal desafio agora é a corrida contra o tempo. O desenvolvimento de remédios e vacinas passa por diversas etapas para garantir sua segurança e eficácia, e pode demorar anos até que os estudos sejam concluídos e os produtos comercializados.

    Como você vê o cenário mundial de enfrentamento da pandemia nesse momento?

    Marjorie: Achei impressionante como a China, tendo uma população de mais de 2 bilhões de pessoas, conteve a epidemia com menos de 90.000 casos confirmados. É difícil para o ser humano, como um ser sociável, fazer o distanciamento social. Por isso, de certa forma entendo o porquê a adesão a essa medida é muito difícil. Sem sombra de dúvidas, governos que tomaram medidas mais enérgicas conseguiram retomar com mais rapidez a reabertura da circulação da população. E hoje no Brasil estamos sofrendo as consequências de escolhas ruins dos (e de) governantes.

    Pierina: Após alguns meses do início da pandemia, conseguimos ver um padrão de sucesso nos países que controlaram de forma eficaz a disseminação do vírus, e isso é devido a dois fatores principais: o isolamento social e a testagem em massa da população. Atualmente, grande parte desses países já iniciaram sua reabertura tomando os cuidados necessários para que não ocorra uma segunda onda de surtos. Infelizmente, no Brasil ainda é baixo o índice de adesão ao isolamento social e existe uma grave defasagem na testagem da população, o que pode fazer com que a gente ainda demore algum tempo para conseguir conter o avanço da doença.

    Corremos o risco de termos um outro vírus com o mesmo comportamento do coronavírus em breve?

    Marjorie: Acredito que agora teremos uma vigilância maior em diversos aspectos por parte de toda sociedade. Tanto da população, quanto do corpo científico. Mas, como virologista, sai que é possível a emergência de vírus pandêmicos a qualquer momento.

    Pierina: As mutações nos vírus acontecem de forma muita rápida e de tempos em tempos surgem novas cepas patogênicas que podem causar grandes estragos, como já visto diversas vezes na história. Porém, existem formas de minimizar os danos e controlar ocorrência de novos surtos. 

    Muitos desses vírus que causam doenças em humanos circulam na natureza entre animais e, a partir do momento em que os humanos passam a invadir o seu habitat natural, aumenta a chance de serem acometidos por novas doenças e gerar surtos como visto com o SARS-Cov-2. 

    Dessa forma, fatores como o desmatamento e mudanças climáticas, que fazem com que esses animais selvagens ou seus vetores estejam em contato cada vez mais próximo com os humanos, são de extrema importância para pensarmos em formas de impedir a ocorrências de novos surtos. Além disso, a pandemia atual provou que o investimento em ciência é essencial para que estejamos preparados para controlar com eficiência o surgimento de novas situações como esta.

    Ao longo da sua carreira, você já enfrentou alguma dificuldade enquanto cientista por ser mulher?

    Marjorie: Sim. Existem muitos obstáculos e preconceitos que encaro diariamente sendo uma cientista mulher. Eu quando era criança e pensava em ser cientista, imaginava que ser uma mulher cientista seria igual a ser um homem cientista. Hoje percebo que parecem carreiras distintas. Preferencialmente os homens são ouvidos em diversas ocasiões. 

    Além disso, diversas qualificações de um bom pesquisador homem não são bem vistas em pesquisadoras mulheres. Por exemplo, quando assume a liderança de algum projeto e precisa delegar e cobrar, você acaba sendo tachada de “mandona”. Um homem nessa posição seria um bom líder. Se você for muito assertiva, será chamada de agressiva. 

    Você precisa ter muito mais tato para falar nessas situações. Inclusive por parte de outras mulheres, infelizmente. Uma forma que os homens podem nos ajudar é, ao invés de se sentirem ameaçados, encorajarem e exaltarem as mulheres inteligentes, competentes e fortes que os rodeiam.

    Pierina: Tenho sorte de fazer parte de um laboratório composto majoritariamente por mulheres e termos um orientador que nos incentiva na carreira científica sem fazer esse tipo de distinção. Mas fica claro na maior parte dos eventos científicos que, por mais que a plateia seja homogênea e conte com muitas mulheres, nos cargos mais altos, bancadas e palestras de convidados a grande maioria é composta por homens. E isso com certeza não é por falta de mulheres qualificadas que realizam pesquisas brilhantes.  

    Descreva, em poucas palavras, a ciência pelos olhos da Doutoranda Pierina Lorencini Parise.

    Marjorie: A ciência é extremamente apaixonante, é um processo diário de questionamentos e de busca por respostas. É muito gratificante você saber que um determinado processo biológico só é compreendido hoje em dia porque você estudou e o descreveu. 

    Ciência significa a liberdade de pensamento e o poder do conhecimento. Fazer ciência me permite nunca parar de sonhar e o poder de criar ferramentas. Felizmente, vivo em uma época em que é possível para mim como mulher seguir os meus sonhos e explorar minhas curiosidades. 

    Tenho muita gratidão pelas mulheres que vieram antes e quebraram as barreiras do conhecimento para tantas outras. E hoje ser uma mulher cientista buscando meu espaço é minha contribuição para o empoderamento feminino e para uma sociedade mais igualitária.

    Pierina: Para mim, a ciência é a ferramenta essencial para o desenvolvimento da sociedade, servindo para criar um mundo melhor e mais justo através do conhecimento.

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    Nós, a equipe do Ciência pelos Olhos Delas, agradecemos as duas cientistas que, mesmo diante de uma rotina bastante atribulada, dedicaram seu tempo a responder essa entrevista.  

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    Você pode interessar-se também pela nossa primeira Entrevista do Ciclo temático Epidemias com a farmacêutica e microbiologista Drª Tania Ueda-Nakamura que aborda a pandemia causada pela COVID-19 ou ler mais sobre a mulher que descobriu o primeiro coronavírus humano

    Confira ainda os “Colírio Científico” do Ciclo temático Epidemias sobre divulgadoras científicas brasileiras que estão produzindo conteúdo de qualidade durante a pandemia do novo coronavírus e sobre a antropóloga brasileira Debora Diniz, referência na discussão sobre igualdade de gênero e saúde pública no país durante epidemias.

    Esse texto teve a co-autoria da colaboradora Bruna Bertol.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Como conter um apocalipse zumbi?

    Apocalipses zumbis são temas muito comuns em filmes, séries, animes e jogos. Vários podem ser os motivos que levam a um apocalipse zumbi, desde um macaco-rato-da-sumatra, exposição à radiação, materiais extraterrestres, misticismo/feitiçaria, nanorrobôs, até o favorito da mídia e dos fãs de Resident Evil, um fator biológico (como um vírus ou a cura de um vírus). Outras produções simplesmente não mencionam (ou não percebi se mencionam) uma origem, por exemplo, Madrugada dos Mortos 1, 2, 3, … nestes filmes os zumbis aparecem do nada e a história segue.

    Porém vamos estragar um pouco da “diversão” que seria viver em um apocalipse zumbi do tipo biológico. Sim, este é um tema divertido e esperançoso para várias pessoas que sonham sair por ai com armas em mãos, lutando contra hordas zumbis e vivendo as aventuras estilo “Walking Dead” (e é claro, sobreviver).

    Para facilitar nossa análise e dar uma chance pros nossos zumbis, vamos supor de forma super otimista, que a mesma energia do corpo seja aproveitada na forma de alimento por quem consome (sabemos que isso não é verdade, mas mostraremos que mesmo se fosse, a coisa não ficaria boa para os zumbis).

    Consideraremos também que eles comam apenas a carne de humanos… pois se eles comessem a carne de outros animais, seu “controle de natalidade” seria simplificado, e se eles comerem vegetais ou fungos, bom, ai já começaria a virar piada (por favor, sirva um prato de brócolis com alcaparras ao vinho para este zumbi).

    Sabemos que o recorde mundial de tempo sem comer, é do ilusionista carioca Ericson Leif, que ficou 51 dias a base de água. Assim, podemos dizer que uma pessoa em condições ideais e com metabolismo suficientemente lento, possa sobreviver este período com uma carga energética inicial de X calorias (sendo X o número de calorias que Ericson Leif tinha acumulado antes de ficar este período em jejum).

    De forma ultra otimista, diremos que todos os seres humanos antes de virarem zumbis, tenham a disposição estas X calorias. E que após virarem zumbis, seu metabolismo funcione de forma suficientemente lenta para manterem em atividade sem ingerirem nenhum alimento por até 51 dias (Ericson Leif ficou em repouso, mas estamos dando uma chance aos zumbis, por isso assumimos que eles podem se mover livremente neste mesmo período).

    Assim chegamos a nossos zumbis e dois comportamentos representativos.

    1. O zumbi apenas “mordisca” outro ser humano para que ele vire um zumbi com reserva energética muito próxima de X;
    2. O zumbi come a carne de outro ser humano até que sua reserva energética retorne a X.

    ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 1

    Neste contexto, um zumbi não come para repor seu estoque energético e sim para proliferar o fator biológico. Assim, cada zumbi começará sua jornada com X de energia, e o zumbi que mordeu a pessoa, manterá seu Y de energia restante, sem reposição.

    A vantagem para os sobreviventes diante este comportamento, é que podemos determinar quanto tempo resta para os zumbis conhecendo as datas e quantidades de vítimas em cada ataque. Por exemplo:

    Dia 0 – Existiam 10 zumbis;
    Dia 14 – 3 pessoas foram atacadas; (total 13 zumbis)
    Dia 26 – 1 pessoa foi atacada; (total 14 zumbis)
    Dia 38 – 2 pessoas foram atacadas; (total 16 zumbis)
    Dia 42 – 15 pessoas foram atacadas; (total 31 zumbis)
    Dia 51 – os 10 zumbis do dia 0 pararam de funcionar; (total 21 zumbis)
    Dia 53 – 4 pessoas foram atacadas; (total 25 zumbis)
    Dia 65 – os 3 zumbis do dia 14 pararam de funcionar; (total 22 zumbis)

    Nessa perspectiva, diante um volume intratável de zumbis localizado em uma mesma região, vamos supor que toda a população da cidade de São Paulo virou zumbi, ou seja aproximadamente 12.195.000 de zumbis, o que fazer?

    Uma pessoa em caminhada leve movimenta-se a 4 km/h. Um zumbi caminhando nesta velocidade por rodovias e sem interrupções, percorreria 96 km ao dia, dando-lhes um pouco mais de vantagem vamos arredondar esta distância para 100 km ao dia. Em seus 51 dias de energia, ele poderia percorrer até 5.100 km. Como zumbis não usam GPS, não se orientam com mapas e nem tem um propósito muito claro, estamos lidando com uma cadeia de Markov, ou seja, eles podem mover-se em qualquer direção (para simplificar, digamos norte, sul, leste e oeste apenas). Assim, digamos que a cada dia um zumbi tomaria uma decisão sobre para qual direção seguir.

    Simulando este comportamento para um número menor de zumbis, 243.900 (apenas 2% do total), chegamos que em seus 51 dias de caminhada, apenas 4.619 zumbis (1,8% dos 243.900 analisados) afastaram-se da origem a uma distância de pelo menos 1.500 km.

    Aplicando o resultado desta simulação para o contexto de São Paulo capital, podemos estimar que 219.510 zumbis percorrerão a uma distância de pelo menos 1.500 km.

    Distribuindo estes zumbis pelo perímetro de um círculo com 1.500 km de raio, temos 219.510 zumbis a serem distribuídos por 9.424 km. Isso nos dá cerca de 23 zumbis a cada 1 km.

    Assim, em cidades localizadas a 1.500 km de São Paulo, como por exemplo Cuiabá (MT), que tem aproximadamente 26 km na sua maior dimensão, poderíamos esperar a aparição de aproximadamente 600 zumbis (pode parecer muito, mas lembre-se que estamos falando de um surto inicial na faixa de 12 milhões).

    ANÁLISE DO COMPORTAMENTO 2

    Neste contexto, o zumbi ao encontrar um ser humano, repõe sua energia para X, fazendo com que o novo zumbi comece sua “jornada” com uma reserva energética inferior a 51 dias. Não há uma diferença entre este comportamento e o anterior, pois se considerarmos que os zumbis são fisicamente iguais, quando o zumbi com Y de energia restante, encontra uma pessoa, no momento seguinte passamos a ter um zumbi com X de energia e um zumbi com Y de energia. A situação é igual aquela apresentada no comportamento 1 a menos de uma comutação entre zumbis.

    CONCLUSÃO

    Assim, a melhor estratégia para sobreviver no caso de um conglomerado de zumbis de natureza biológica, é nos afastarmos do epicentro, mantermos uma vigilância rígida nas fronteiras e termos paciência até que a quantidade de zumbis seja mais fácil de controlar.

    PÓS-CONCLUSÃO

    A ideia de viver uma pandemia zumbi não é incomum em conversas banais entre amigos, bem como as estratégias de sobrevivência… mas será que seguiríamos mesmo as estratégias de sobrevivência em uma pandemia zumbi, em que contatos precisam ser evitados ao máximo e qualquer saída na rua para buscar suprimentos básicos já pode ser considerado um risco potencial?
    Ou será que faríamos como os filmes e não acreditaríamos no que está acontecendo e tentaríamos fingir normalidade promovendo saídas de casa para encontrar pessoas sem saber se elas foram infectadas ou não?

    Uma pandemia biológica requer afastamento dos epicentros, vigilância rígida de fronteiras, contenção e tratamento de doentes, no mínimo isolando-os e muita, muita paciência para nos mantermos bem e saudáveis até que a quantidade de infectados por Coronavírus, digo, zumbivírus seja possível de ser controlada (com vacinas, por exemplo!).

    Agradeço a meu amigo Mago do Código, por insistir veemente que um apocalipse zumbi do tipo biológico como acontecem em filmes/séries/jogos seria insustentável, tais discussões renderam a elaboração deste post 🙂

    Também agradeço à professora Ana Arnt, pela pós-conclusão, que conecta o cenário hipotético de um apocalipse zumbi às medidas de contenção para pandemias biológicas gerais, tais como aquela em que estamos vivendo pelo Coronavírus.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

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