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  • Podemos comparar estas duas cidades? Exercícios complexos para uma pergunta simples (parte 1)

    Algumas semanas atrás, interrogaram-me sobre os números de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que estavam muito bons e parecidos com Hong Kong (em quantidade de casos confirmados e óbitos).

    Tal questionamento foi feito no sentido das possibilidades de abertura do comércio com segurança e sem exposição das pessoas (com protocolos específicos, por exemplo), uma vez que os contágios estariam contidos. Esta ideia se dava ao comparar os dados das duas cidades naquele dia (26 de maio de 2020). Fui olhar com mais cuidado os dados. Além disso, conversar com a pessoa que me perguntou, para ver como ela entendia os números que me pedia para comparar…

    Uma das questões que vem acompanhando grande parte das dúvidas sobre a COVID-19, os contágios, o isolamento social é a dificuldade em compreender gráficos exponenciais, relacionar projeções populacionais, a partir de ações pontuais (como os isolamentos em situações específicas e de lugares específicos), entender as curvas que tanto falam (tu podes ler aqui e aqui sobre isso). Também têm sido difícil entender mudanças de posicionamentos a partir de dados científicos. Assim, o que é tão propagado como fonte de segurança e tomada de decisões acertadas, parece mudar ao longo do tempo (tu podes acessar este texto e este aqui sobre o tema).

    Meu intuito neste post não é acrescentar muitos dados difíceis de serem compreendidos. Pelo contrário! Quero tentar mostrar como olhar os dados de forma apressada pode nos passar uma falsa impressão de que é possível comparar números de modo isolado. Assim, podemos evitar cair em análises rápidas e descuidadas. A grande questão é que uma pergunta aparentemente simples me levou a muitos caminhos para organizar a resposta! Com isto eu, bióloga de profissão, fui convidando outros colegas especialistas para revisarem e me ajudarem na elaboração do texto/resposta. O resultado disso é: “senta que o texto é longo”! (E aguarda que este é só o primeiro de uma série!!!).

    Vamos refazer a pergunta: Olha Porto Alegre e Hong Kong, os números estão parecidos, qual o motivo das ações de flexibilização serem diferentes? (pergunta feita dia 26 de maio de 2020).

    Primeiros cuidados

    É fundamental compreendermos que a comparação entre Porto Alegre e Hong Kong não deveria ser feita “pela mesma data do calendário”. Por quê? Pois, o tempo em que a doença iniciou e se disseminou nas duas cidades é diferente. Se comparamos a mesma data, pegamos uma função exponencial em Hong Kong com 30 dias de diferença a mais do que Porto Alegre.

    Levando-se isto em consideração, o melhor a se fazer, nesse caso, seria uma comparação tomando por data inicial de ocorrência em uma cidade e comparando com o mesmo tempo decorrido na outra cidade.

    Além desta primeira precaução, ao observarmos os dados, existem outros pontos, que eu vou apresentar a vocês agora e levantar outras questões acerca dos números que achei. Seria fundamental também vermos como cada cidade encarou as medidas de isolamento. Pois tudo isto interfere na contagem dos casos. Isto é, analisar antes e depois das exposições, transmissão comunitária, quantidade de leitos com respiradores,  entre outros fatores. Só este parágrafo é pano para manga – ou texto para vários posts…

    Vamos aos dados?

    Resolvi encarar o desafio e olhar os dados das duas cidades no dia que me perguntaram, tentando mostrar como também não é simples compará-las, mesmo ignorando o que já apontei no item anterior.

    No dia 26 de Maio de 2020, Porto Alegre tinha um total de 32 mortes em 1049 casos confirmados da doença. Hong Kong, no mesmo dia tinha, um total de 4 mortes em 1.066 casos confirmados.

    A suposição inicial, na pergunta que foi feita para mim, era: se os números são próximos, qual o motivo de Hong Kong poder abrir o isolamento social e em Porto Alegre afirmarem que a flexibilização era precoce?

    Bom, ao ver os cenários aparentemente, numa primeira vista, os números eram próximos mesmo. Porém, será que estes números são suficientes para afirmar que as cidades estão parecidas em relação à COVID-19?

    Eu resolvi pesquisar um pouco mais… Vale lembrar que no dia 26 de maio Hong Kong tinha 1066 casos confirmados, desde o primeiro registro, que ocorreu 125 dias antes (23 de Janeiro). Já Porto Alegre estava com 1049 casos confirmados em 81 dias de controle e registro.

    Assim, as perguntas que achei pertinente fazer, num primeiro momento foi: quantos habitantes têm estas duas cidades? Qual a densidade populacional?
    – Porto Alegre tem cerca de 1.483.770 habitantes e uma densidade populacional de 2.837,52 habitantes por km2 (segundo dados da Prefeitura de Porto Alegre).

    – Hong Kong tem cerca de 7.493.240 habitantes e uma densidade populacional de 6.510,23 habitantes por km2 (Segundo o Index Mundi).

    Estes dois dados são interessantes pois não apenas indicam que Porto Alegre têm menos gente (número de habitantes), mas têm uma menor quantidade de pessoas “no mesmo espaço” (número de pessoas “em um quilômetro quadrado”). Ainda têm dúvida sobre estes conceitos? De repente uma imagem pode nos ajudar com isto…

    Densidade Populacional de Porto Alegre, cada rostinho feliz representa 100 pessoas. O espaço inteiro representa 1km2
    Densidade Populacional de Hong Kong, cada rostinho feliz representa 100 pessoas. O quadrado inteiro representa 1km2.

    Perceba que essa informação me pareceu importante de ser trabalhada para explicar essa questão, a partir da ideia de que: se o SARS-CoV-2 é transmitido através do contato com pessoas contaminadas (ou pelo contato com objetos contaminados por estas pessoas), quanto “mais pessoas” em um mesmo espaço, mais facilmente se daria o contato, caso não houvesse nenhuma medida eficaz de controle, correto?

    Assim, o motivo de eu buscar estes dados de quantidade de pessoas e densidade populacional se deu pois o número absoluto de casos confirmados e óbitos não diz muito sobre o que está acontecendo em determinado lugar. Precisamos comparar números que sejam “compatíveis” entre si… Neste caso, eu busquei não apenas olhar os casos confirmados e óbitos, mas analisar também:

    1. os casos confirmados e óbitos em relação à quantidade de pessoas existente em cada cidade (eu achei melhor analisar quantos casos para cada 100.000 habitantes para entender melhor os números) e
    2. os casos confirmados e óbitos em um mesmo espaço (1 quilômetro quadrado);

      Veja o quadro comparativo, para o dia 26 de maio:

    Estes dados, olhando para o dia 26 de maio apenas (sem analisar os dados e sua modificação ao longo do tempo), já demonstram que não são nem um pouco iguais. Vamos tentar entender?

    A primeira ideia que tive foi ver “quantas pessoas contaminadas existem a cada 100 mil habitantes?”. Com isto, eu conseguiria comparar números compatíveis entre si, pois faria uma proporção para quantidades equivalentes na população. Hong Kong têm uma população muito maior que Porto Alegre – para ser exata 5,05 vezes maior. Porto Alegre, no dia 26 de maio, estava com 71 casos confirmados a cada 100 mil habitantes, enquanto que Hong Kong estava com 14 casos confirmados a cada 100 mil habitantes, para ser exata, Porto Alegre têm 5,07 vezes mais pessoas contaminadas do que Hong Kong, a cada 100 mil pessoas. Esta relação já nos diz que não. As cidades não apresentavam dados semelhantes naquele momento.

    Outra pergunta que eu fiz ao olhar os números era a densidade populacional… Hong Kong tem uma quantidade de pessoas vivendo dentro de um mesmo espaço muito maior do que Porto Alegre, já mostrei isso com as carinhas felizes lá em cima. O fato de ter um número próximo de casos confirmados nos indica que há muito menos pessoas infectadas dentro de um mesmo território, comparativamente. A densidade de pessoas contaminadas confirmadas em Porto Alegre (2,01 pessoas) é mais que o dobro da densidade de pessoas contaminadas em Hong Kong (0,93 pessoas).

    Outro dado para pensarmos: temos um número próximo de casos confirmados, no entanto, Hong Kong têm 5 vezes a quantidade de pessoas. Isto é: comparativamente, a cidade de Hong Kong tem muito menos pessoas contaminadas do que Porto Alegre em um total de habitantes.

    Sobre a relação entre os óbitos, existem muitos fatores que podem influenciar estes dados e, embora Porto Alegre tenha 8 vezes mais óbitos do que Hong Kong, seriam necessárias informações mais minuciosas para se compreender completamente os óbitos e poder compará-los… Uma das questões poderia ser mais vinculada à quantidade de testes e à subnotificação no Brasil, o que gera uma ideia de maior letalidade aqui. Mas sobre os testes, falaremos em outro post… Aguarde 🙂

    Voltarei a ressaltar que o SARS-CoV-2, o novo Coronavírus, se transmite pelo contato entre pessoas, em espaços públicos e comerciais, de trabalho e, também em moradias com mais de uma pessoa, correto? É de se esperar, portanto, que uma cidade em que a densidade populacional é maior teria uma quantidade de pessoas infectadas maior também, pela própria forma como esta doença se espalha. Aqui temos um dado muito importante: Hong Kong, mesmo com uma densidade populacional 2,3 vezes maior que Porto Alegre, tem uma densidade menor de casos confirmados (menos da metade de casos, por quilômetro quadrado!!!).

    Em suma…

    Por hoje resolvi apresentar este primeiro exercício respondendo à questão, de tentar observar os dados e realizar perguntas para eles, buscando resposta nos sites oficiais, reportagens jornalísticas e artigos científicos.

    Esta pergunta se mostrou muito produtiva (para mim, ao menos) para pensar como existem dados que, sim, podem nos confundir e que existem diferentes maneiras de interpretarmos as informações. Além disso, compreender ciência não basta para sabermos explicar algo que é, numa primeira vista, uma pergunta simples. Com isso, já adianto que vem mais respostas por aí e que usarei estes dados para exemplificar e explicar como podemos analisar os números que nos vem sendo apresentados. Como podemos entender melhor os gráficos que têm sido mostrados, as relações entre estes gráficos e números, etc.

    Para isso, já adianto que chamei um conjuntinho de pessoas incríveis para me ajudar (inclusive intimei para escrever hehehe)! E esta primeira parte da resposta eu já tive colegas que me deram um grande apoio, lendo, comentando, dando pitaco. Vou agradecer formalmente ao Marco Henrique, do blog zero (que além da revisão e das mil ideias, fez as imagens e corrigiu todos os cálculos! hehehe), o Samir Elian, do blog Meio de Cultura A Erica Mariosa, do blog Mindflow, e o Roberto Takata, do blog Gene Reporter.

    Para saber mais

    AAA INOVAÇÃO (2020) Linha do Tempo do Coronavírus no Mundo [31/12/19 até 10/06/2020], Acesso em 09/06/2020.

    CRONOLOGIA DA PANDEMIA COVID-19 (2020) Wikipedia, Acesso em 09/06/2020.

    DIHL, Bibiana (2020) Porto Alegre é a primeira cidade do país a ter decreto de emergência reconhecido pelo governo federal Gaúcha ZH Porto Alegre, 02/04/2020. Acesso em 09/06/2020.

    GONZATO, Marcelo (2020) Porto Alegre tem a quarta menor incidência de coronavírus entre as capitais. Gaúcha ZH Saúde.

    HONG KONG NÃO TÊM (2020) Hong Kong não tem novos casos de coronavírus pela 1ª vez em quase 2 meses Valor Econômico, Acesso em 09/06/2020.

    LIMA, Lioman. (2020) Coronavírus: 5 estratégias de países que estão conseguindo conter o contágio BBC Brasil, 18/03/2020, Acesso em 09/06/2020

    MINISTÉRIO DA SAÚDE (2020) Coronavírus Brasil Acesso em 09/06/2020.

    MOTA, Renato (2020) Países asiáticos voltam a ver seus números da Covid-19 crescerem Olhar Digital, 07/04/2020, Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE Secretaria de Saúde (2020a) Boletim COVID-19 nº 65/2020 Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE. Secretaria de Saúde (2020b) Boletim COVID-19 nº 78/2020, Acesso em 09/06/2020.

    PORTO ALEGRE (2020c) Prefeitura prorroga decreto de isolamento social e libera mais alguns setores Acesso em 09/06/2020.

    ROCHA, Camilo (2020) Os estudos que mostram o impacto positivo do isolamento social Nexo Jornal, 21 de abr de 2020 Acesso em 09/06/2020.

    SORDI, Jaqueline (2020) Lupa na Ciência: Estudos mostram eficácia do isolamento social contra Covid-19 e projetam cenários Agência Lupa, 20 de abril de 2020 Acesso em 09/06/2020.

    YUGE, Claudio (2002) Países que já haviam controlado a COVID-19 confirmam a 2ª onda de infecções Canal Tech, 06 de Abril de 2020 Acesso em 09/06/2020.

    Worldometers (2020) Coronavírus Acesso em 09/06/2020.

    ZUO, Mandy; CHENG, Lilian; YAN, Alice e YAU, Cannix. (2019) Hong Kong takes emergency measures as mystery ‘pneumonia’ infects dozens in China’s Wuhan city. South China Moorning Post,  31 dezembro de 2019. Acesso em 09/06/2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • A estupidez dos “Especialistas” de internet em tempos de pandemia: o efeito Dunning-Kruger

    Por Daniel Nunes e Davi Carvalho

    A principal causa dos problemas no mundo de hoje é que os idiotas estão cheios de certeza enquanto as pessoas inteligentes estão cheias de dúvida.” (Bertrand Russell, em o Triunfo da estupidez)

    Você provavelmente já se deparou com comentaristas de redes sociais falando com convicção sobre um determinado tópico sem ter uma dose razoável de conhecimento necessário para isso, não? No contexto de uma pandemia, a coisa fica ainda pior: não faltam “especialistas” a versar sobre assuntos que pouco ou nada sabem, mas sempre cheios de certeza. “É só uma gripezinha”, alguns defendiam, convictos, sobre a doença causada pelo coronavírus, em que pesem várias evidência em contrário.  É muito estranho que, mesmo com bem pouco conhecimento,  tenham tanta certeza, não é mesmo? Na verdade, esse é um fenômeno bastante comum. Quando se depara com os “especialistas” de internet (e mesmo fora dela), você assiste à manifestação de um mecanismo psicológico humano dos mais recorrentes: o efeito Dunning-Kruger.

    Entendendo o conceito

    “A ignorância gera autoconfiança com mais frequência do que o conhecimento“. (Charles Darwin)

     O efeito Dunning-Kruger é um problema ligado à metacognição – a habilidade do indivíduo em monitorar seus processos cognitivos e identificar suas limitações de conhecimento e compreensão em diversas situações. Esse efeito se manifesta mais comumente nas pessoas como a incapacidade de reconhecer sua própria ignorância, alimentando, assim, uma ilusão de superioridade e conhecimento superestimados. De forma mais direta: quanto mais ignorante em determinado assunto, mais confiante a pessoa pode se sentir ao opinar sobre ele. Isso te soa familiar?

    O efeito leva o nome dos pesquisadores que primeiro o estudaram e a história de sua descoberta científica é das mais curiosas, quase cômica.

    O assalto à razão – a descoberta do efeito Dunning-Kruger

    Um caso pitoresco, ocorrido em 1996, chamou a atenção dos psicólogos David Dunning e Justin Kruger da Universidade de Cornell, EUA.  Um sujeito chamado McArthur Wheeler acreditou ter o poder de ficar invisível ao passar suco de limão no rosto e, certo dessa habilidade, assaltou dois bancos sem usar máscara alguma. Wheeler, que chegou a piscar para uma das câmeras de segurança em um dos assaltos, foi, claro, facilmente identificado pela polícia após analisarem as imagens. O mais intrigante na atitude de Wheeler é que ele não apresentava sintomas de transtornos psiquiátricos e nem estava sob efeito de entorpecentes; ele realmente acreditava em sua invisibilidade diante das câmeras ao cometer o crime. Tanto ele acreditava nisso que, relataram os policias, Wheeler ficou chocado que seu plano infalível (?) tivesse falhado e lhes teria dito, espantado: “Mas eu usei o suco de limão!”

    O que a princípio era um caso surpreendente e cômico, motivou um criterioso estudo publicado por Dunning e Kruger [1], em 1999. Nesse estudo, os pesquisadores investigaram o que leva um indivíduo a sentir-se tão confiante e a superestimar tanto suas habilidades sobre algo, ainda que não tivesse um conhecimento razoável para isso, o que, evidentemente, pode levar a pessoa a um comportamento absolutamente estúpido e ainda ter orgulho disso. A conclusão à que chegaram Dunning e Kruger foi a de que a ignorância gera realmente mais confiança e segurança do que o conhecimento.

    “Taxa de confiança x Conhecimento real” [Fonte: https://medium.com/altruísmo-eficaz-brasil/]

    No entanto, é também possível que pessoas competentes sofram de inferioridade ilusória, duvidando de suas próprias habilidades e subestimando suas capacidades, muitas vezes acreditando que são uma fraude. Quando isso ocorre, passam a acreditar que outros indivíduos menos capacitados estão no mesmo nível de conhecimento e desenvolvimento de tais habilidades do que elas. Essa distorção, que é o oposto do efeito Dunning-Kruger, é chamada síndrome do impostor e foi descrita, em 1978, pelas psicólogas Pauline Rose Clance e Suzzane Imes, da Universidade Estadual da Geórgia, EUA [2].

    A esta altura, ao entender o que é e como funciona o efeito Dunning-Kruger, é bem possível que a leitora já esteja se lembrando de situações do Brasil atual nas quais viu esse mecanismo psicológico ocorrendo, não? 

    Dunning-Kruger, estupidez e política em tempos de pandemia 
    “Especialista” de internet no ringue (Fonte: Renato Machado – cartunista)

    Tal como ocorre em época de Copa do Mundo, quando todo brasileiro se torna técnico de futebol, no Brasil atual, em função da pandemia de covid-19, muitos se tornaram epidemiologistas e microbiologistas. Até quando deve durar a quarentena? A cloroquina deve ser utilizada por quem contrair o vírus? Há milhares de cidadãos ávidos para responder a perguntas como essas país afora.

    Desnecessário seria dizer que, em um país formalmente democrático, todos são livres para ter uma opinião e para expressá-la nas redes sociais ou fora delas. Quando um cidadão comum exerce seu inalienável direito de expressão e emite uma opinião pouco ou nada embasada, distante da realidade, isso pode até ter algum impacto negativo em termos da influência de sua afirmação sobre a concepção de outras pessoas. Essa influência, porém, tende a ser bastante limitada no caso do cidadão comum. Em geral, se existente, ela é limitada a um círculo social restrito, como sua família e amigos.

    No entanto, algo bem mais problemático ocorre quando pessoas em posições-chave  no mundo da política reproduzem, com convicção, — exatamente por serem ignorantes — opiniões anticientíficas, enviesadas ou completamente equivocadas [3]. Do ministro das Relações Exteriores atribuindo o aquecimento global à posição de termostatos próximos a asfalto quente [4], passando pelo presidente criticando material didático por ter “muita coisa escrita” [5], até, mais recentemente, o ministro interino da Saúde afirmando que as regiões norte e nordeste estão ligadas ao inverno do hemisfério norte [6], tem sido muitos os exemplos de gente em posições-chave opinando, com curioso grau de segurança, sobre assuntos que nitidamente desconhecem.

    O efeito Dunning-Kruger não tem lado ideológico

    Dada a capacidade de lideranças políticas de influenciarem milhões de seguidores, em qualquer tempo isso já seria um problema; torna-se ainda mais grave, porém, podendo atentar contra a saúde pública, em um contexto de pandemia global. E na conjuntura atual, fica claro que o efeito Dunning-Kruger não poupa líderes de nenhum dos lados do espectro político-ideológico. Tanto Jair Bolsonaro, no Brasil, quanto Nicolás Maduro, na Venezuela, insistem, convictos, mesmo sem fundamentos científicos sólidos, no uso da cloroquina no combate ao coronavírus [7]. Maduro, líder latinoamericano de esquerda, chegou a postar uma receita caseira de ervas como antídoto ao coronavírus no Twitter [8]. Nos Estados Unidos, Donald Trump chegou a sugerir que injetar desinfetante poderia ajudar no combate ao coronavírus (sim, você leu certo), o que levou ao aumento de casos de intoxicação por desinfetante, em Nova York, horas após a fala do presidente estadunidense [9].

    Como é possível que, mesmo autoridades que deveriam se fiar pelos dados e pela ciência, ajam dessa maneira? Por mais trivial que a explicação possa parecer, aí vai: faltam a eles as habilidades necessárias para reconhecerem sua ignorância, ou seja, sua ignorância é tal que os impede de saberem o quão ignorantes são. Como bem resume o psicólogo social David Dunning: “Se você é incompetente, não tem como saber que é incompetente (…) As habilidades que você necessita para produzir uma resposta certa são exatamente as habilidades que você precisa ter para reconhecer o que é uma resposta certa.” [10]

    Uma conclusão pela humildade

    “Todo mundo é ignorante, mas em assuntos diferentes” Will Rogers (1879-1935)

    De agora em diante, toda vez que a leitora se deparar com palpiteiros de plantão pela internet (mas também autoridades políticas), cheios de confiança, apesar de pouquíssimo conhecimento sobre o que falam, já saberá que está diante de um viés cognitivo muito comum. É possível também que esteja se perguntando se há maneiras de evitar o efeito Dunning-Kruger no seu próprio comportamento. Você não quer contribuir para a desinformação já colossal na internet, não é mesmo? Saiba que o primeiro passo, nesse sentido, já foi dado: saber da existência do efeito. É fundamental termos a humildade de reconhecer que sabemos muito pouco sobre muitas coisas. “Só sei que nada sei”, diz a célebre frase atribuída ao filósofo grego Sócrates. Sejamos socráticos. E isso porque, arafraseando o historiador norteamericano Daniel Boorstin, o grande inimigo do conhecimento não é a ignorância. É a ilusão de conhecimento.

    E caso a leitora seja como nós, que vivemos nos envolvendo em debates na internet (quem nunca?), ao entrar na disussão de um tema qualquer, sugerimos, como “vacina” ao Dunning-Kruger, que se lembre sempre do seguinte provérbio popular, comum no mundo de língua inglesa: ao argumentar com um tolo, certifique-se que ele não está fazendo a mesma coisa.

    REFERÊNCIAS:

    1. Kruger, J., & Dunning, D. (1999). Unskilled and unaware of it: How difficulties in recognizing one’s own incompetence lead to inflated self-assessments. Journal of Personality and Social Psychology, 77(6), 1121-1134. doi:10.1037/0022-3514.77.6.1121. [Link];
    2. Clance, P.R., Imes, S. (1978). The Impostor Phenomenon in High Achieving Woman: Dynamics and Therapeutic Intervention. Georgia State University, University Plaza Atlanta, Georgia 30303 [Link];
    3. Hornsey, M.J., Finlayson, M.,Chatwood, G.,Begeny, C.T. (2020). Donald Trump and vaccination: The effect of political identity, conspiracist ideation and presidential tweets on vaccine hesitancy. Journal of Experimental Social Psychology. Volume 88, Masy 2020, 103947. [Link].
    4. Marin, D.C. (2019) Chanceler atribui aumento da temperatura da Terra a asfalto quente. Revista Veja, edição de 30 de maio de 2019 [Link];
    5. (2020). Bolsonaro diz que livros didáticos tem “muita coisa escrita” e pede estilo mais “suave”. Jornal Estadão, Edição de 3 de janeiro de 2020 [Link];
    6. (2020) Ministro interino da Saúde liga inverno europeu ao Norte e Nordeste e vira meme. Revista Istoé, Edição de 10 de junho de 2020. [Link];
    7. Barrucho, L. (2020). Cloroquina “une” Bolsonaro e Maduro em meio à pandemia de coronavírus. BBC News Brasil em Londres, Edição de 15 de maio de 2020 [Link];
    8. (2020) Post de Maduro com recomendação de mistura de ervas para combater coronavírus é deletado pelo Twitter. Estado de Minas – Internacional, Edição de 26 de março de 2020 [Link];
    9. (2020) NY registra aumento de intoxicação por desinfetante após sugestão de Trump. Revista Exame, Edição de 26 de abril de 2020 [Link];
    10. Dunning, D. (2018). The best option illusion in self and social assessment. Pages 349-362, Self and Identity – Received 17 Sep 2017, Accepted 11 Apr 2018, Published online: 24 Apr 2018 [Link].

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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  • Somos Todos um: A pandemia e a questão Indígena

    Lá no início dessa pandemia, em março de 2020, na postagem ‘Como divulgar informações de prevenção do Covid-19 se a língua de seu país não é a sua?’ conversamos um pouco sobre o trabalho da Profa. Dra. Taciana de Carvalho Coutinho da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) sobre os desafios de adaptar as informações de prevenção do Covid-19 para as comunidades indígenas próximas a UFAM em Benjamin Constant.

    Agora, em junho de 2020, conhecemos outra iniciativa, agora mais perto de casa, que também se propõe a contribuir com as comunidades indígenas na prevenção da Covid-19, a Organização Não-Governamental (ONG) Kamuri – Indígenismo, Ação Ambiental, Cultura e Educação

    Criada por indigenistas, em Campinas – SP, Kamuri realiza, desde 2006, diversas ações que promovem a divulgação da questão indígena e realiza trabalhos  em  comunidades indígenas, na formação de professores, inclusão digital das comunidades indígenas, registro das línguas e cultura indígena em mídias digitais,  e produção de material didático para a educação escolar indígena, além do apoio à produção de alimentos saudáveis e divulgação de técnicas de permacultura.

    No Estado de São Paulo a Kamuri desenvolve, desde 2013, um Programa de Revitalização das Línguas Indígenas no Estado – abrangendo as línguas Kaingang, Nhandewa/Tupi-Guarani, Krenak e Terena – em parceria com o Grupo de Pesquisa Indiomas (IEL/Unicamp) e com apoio da FUNAI, programa que já rendeu 7 publicações de materiais didáticos para as comunidades de São Paulo (beneficiando também comunidades do Norte do Paraná e de Minas Gerais).

    E durante essa quarentena tivemos a feliz oportunidade de conversar com a Prof. Dra. Juracilda Veiga – Co-Fundadora e atual Coordenadora da Kamuri sobre esse trabalhom sobre o trabalho que eles vem realizando, confira:

    Com quais comunidades indígenas vocês têm trabalhado?

    R:  A Kamuri é integrada por indigenistas, pesquisadores acadêmicos (especialmente da linguística, educação e antropologia), profissionais liberais e estudantes.

    Temos uma longa atuação em programas de educação escolar indígena (sobretudo no assessoramento direto a avaliações e planejamento de escolas indígenas e na formação de professores) e realizamos periodicamente os Encontros sobre Leitura e Escrita em Sociedades Indígenas – ELESI (um dos poucos – e um dos mais importantes – eventos de âmbito nacional, aberto, sobre educação indígena no Brasil).

    Desenvolvemos ações importantes de formação de professores e junto a escolas indígenas do Rio Grande do Sul (especialmente entre 2008 e 2014); participamos do projeto Web Indígena, conduzido pelo grupo InDIOMAS, e atuamos diretamente em educação junto aos professores de uma dúzia de escolas e áreas indígenas do Estado de São Paulo, especialmente com o programa de Revitalização Linguística, iniciado em 2013.

    Material de combate a disseminação do coronavírus realizado pela Kamuri

    No caso das comunidades do Alto Solimões, nossa atuação tem sido na forma de contribuição para combater a disseminação do Coronavírus nas comunidades indígenas, especialmente os Tikuna e Kokama. O Alto Solimões compreende 13 etnias (7 em território Brasileiro) e  concentra uma população indígena de cerca de 123 mil pessoas , (68 mil indígenas em território Brasileiro, desses 46 mil são Tikunas  ou 68 % do total da população indígena na região).

    As principais comunidades Tikuna são: Feijoal, com 577 famílias e cerca de 5000 mil pessoas.  Aldeia Belém do Solimões: 1.014 famílias,  5.800 pessoas.  Aldeia Umariaçu 1.  são 504 familias, 2.191 pessoas. Aldeia Umuriaçu 2.  São 1302 familias, e 5002 pessoas. Aldeia Filadelfia, 269 famílias. 1400 pessoas. E a campanha, à medida em que segue recebendo contribuições, buscará levar apoio a todas elas, além das famílias Kokama que já ajudamos, e famílias Tikuna da divisa, oficialmente moradores da Colômbia.

    Material de combate a disseminação do coronavírus realizado pela Kamuri

    Como tem sido o trabalho de divulgação científica sobre a prevenção da Covid-19 nessas comunidades assistidas por esse grupo de apoio voluntário?

    R: E diante dessa pandemia a Kamuri se propôs a colocar em prática uma Ação Solidária com as comunidades indígenas do Alto Rio Solimões (Tikuna e Kokama e outras etnias da tríplice fronteira Brasil, Colômbia e Peru).

    O pedido de socorro chegou ao IEL Unicamp  por Ozias Guedes Alberto, um mestrando indígena da etnia Tikuna, da Aldeia Feijoal (AM), que solicitava álcool em gel e mil máscaras para seu povo. Professores do IEL decidiram lançar uma Campanha para a arrecadação de recursos, solicitando apoio da Kamuri para organizar a arrecadação e a destinação final dos recursos, visto que estamos muito longe do local de realização das ações.

    Além de disponibilizar a conta da Kamuri para receber as contribuições em dinheiro, as coordenadoras da Kamuri articularam uma rede de apoio local, apoiando-se em grupos já organizados no Amazonas (em Manaus, Tabatinga e Benjamim Constant).

    As dificuldades de transportar álcool em gel de São Paulo para Tabatinga, fez optar por soluções locais mais ágeis e, nesse contexto, mais eficientes: montar nas cidades maiores próximas das aldeias, kits de higiene com água sanitária, sabão em pó, sabão em barra e sabonete.  E, também para contornar dificuldades logísticas e garantir rapidez no atendimento das urgências, em lugar de enviar máscaras de proteção prontas, decidiu-se por produzir localmente, gerando também, com isso, oportunidade de trabalho e renda para famílias locais.

    Informações atualizadas em 27/05/2020 sobre a situação da covid-19 nas comunidades indígenas, outras informações atualizadas podem ser conferidas aqui

    Local de Cobertura
    Casos Confirmados
    Casos que vieram a óbito

    Nos fale mais sobre o SOS TIKUNAS.

    R: A Campanha SOS TIKUNAS com o objetivo de apoiar as comunidades indígenas do Alto Rio Solimões contra a pandemia do o COVID 19 começou dia 7 de Maio de 2020 por iniciativa dos professores do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL-Unicamp).

    A propósito, imediatamente iniciada aqui, um docente do IEL atuando como Professor Visitante na Universidade de Pequim, divulgou a campanha também lá, entre docentes e estudantes, e enviaram um importante aporte em dinheiro para ajuda aos Tikuna.

    Junto desse trabalho, já realizado pela Kamuri, procuramos minimizar os efeitos da pandemia entre os indígenas daquela região, disponibilizando informações, materiais de divulgação cientifica em língua tikuna e português, apoio e tradução das comunidades interessadas.

    Também há ações de ajuda comunitária de promoção de kits de higiene, cestas básicas e a confecção de máscaras de pano para essas comunidade, que seguem junto com materiais de divulgação científica.

    A Kamuri também promove divulgação científica sobre a Covid-19 em libras, confira aqui

    Outros materiais de divulgação científica sobre a Covid-19 em Língua Tikuna podem ser encontrados aqui

    Quais os retornos que a Kamuri tem recebido sobre esse trabalho?

    R: Temos recebido mensagens carinhosas das comunidades que ajudamos, tanto Tikunas como Kokamas.

    Da China, além do apoio financeiro, vieram mensagens muito significativas de jovens estudantes da Universidade de Pequim, dirigidas aos próprios Tikuna.

    Mas o retorno mais importante são as fotografias e as informações que nos repassam, por mensagem, das aldeias, mostrando os equipamentos, kits e alimentos sendo entregues a cada família, contribuindo, seguramente, e muito, para diminuir os impactos da pandemia e conter sua propagação nas aldeias, em uma região onde os equipamentos de saúde são limitados e precários.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Sobre máscaras, testes e COVID-19

    Máscaras e testes são necessários para evitar a transmissão assintomática do SARS-CoV-2 liberado em aerossóis e gotículas.

    Esse é o resumo do artigo publicado na respeitada revista Science, do dia 27 de maio de 2020. Trata-se de um artigo que coloca em perspectiva as medidas para a redução da transmissão do SARS-Cov-2 por meio de testagem e do uso máscaras pela população. Uma análise necessária… principalmente aqui no Brasil, onde os dirigentes estão tirando a população da quarentena em pleno momento ascendente da curva de casos! (veja nossa série “O que é essa curva que a gente tem que achatar? – parte 1 e parte 2).

    Ao respirarmos, falarmos, tossirmos ou espirrarmos acabamos liberando gotículas e aerossóis. Se estamos com alguma infecção respiratória viral, vírus vão estar contidos ali. Aerossóis são partículas muito, muito pequenas, são menores que cinco micrômetros (≤ 5 μm) enquanto as gotículas possuem mais de cinco-dez micrômetros (> 5-10 μm).  

    Um conjunto combinado de fatores (tamanho da partícula, velocidade que a partícula é liberada, gravidade, evaporação) vai determinar a distância percorrida e o tempo que a partícula permanecerá no ar. De forma simplificada, gotículas caem no solo mais rápido do que evaporam, permitindo assim uma maior taxa de contaminação de superfícies. Os aerossóis, por sua vez, permanecem mais tempo no ar e podem ser transportados por longas distância, permitindo uma maior taxa de contaminação por inalação. Além disso, a inalação de partículas menores pode estar relacionada à gravidade da doença (aerossóis muito pequenos, poderiam chegar diretamente às regiões mais profundas dos pulmões, onde o sistema de defesa atua mais vagarosamente, causando uma doença mais grave).

    Para efeito de comparação, uma gotícula grande de 100 μm (em rosa na escala da figura), atingiria o chão em 4,6 segundos e uma distância de quase 2,5 metros, enquanto uma partícula de aerossol de 1μm poderia permanecer no ar por cerca de 12 horas. Além disso, tosses e espirros intensos podem lançar as gotículas por mais de 6 metros (os aerossóis podem ir ainda mais longe). Estima-se que uma pessoa com COVID-19 falando alto por 1 minuto pode gerar de mais 1.000 partículas de aerossóis, o que poderia levar a liberação de mais de 100.000 partículas virais de SARS-COV-2!

    Há, ainda, diferenças na densidade de partículas virais no ar em ambientes abertos e fechados. Apesar de ainda termos poucos estudos sobre taxa de transmissão de SARS-CoV-2 ao ar livre, as concentrações ali são mais rapidamente diluídas, além de que o SARS-CoV-2 pode ser inativado por radiação UV da luz do sol, provavelmente seja sensível à altas temperaturas ambiente, bem como à presença de aerossóis atmosféricos que ocorrem em áreas muito. Porém, ao mesmo tempo, os vírus podem se prender a outras partículas presentes no ar, como poeira e poluição e, assim, aumentar sua dispersão (distância e tempo no ar). Observou-se, por exemplo, que pessoas que vivem em áreas muito poluídas apresentam maior COVID-19 com sintomatologia mais grave.

    As máscaras surgem como uma importante barreira uma vez que o seu uso reduz a probabilidade e a gravidade da COVID-19 e reduz significativamente as concentrações de SARS-CoV-2 liberadas no ar. As máscaras também podem proteger os indivíduos não infectados das partículas liberadas e contaminadas com SARS-CoV-2 presentes no ar. Na figura abaixo vemos as 4 situações diferentes na qual pessoas saudáveis podem entrar em contato com o vírus liberado por uma pessoa infectada assintomática:

    • Pessoa infectada assintomática e pessoa saudável, AMBAS SEM máscara – situação em que a pessoa saudável se encontra mais exposta ao vírus
    • Pessoa infectada assintomática sem máscara e pessoa saudável com máscara
    • Pessoa infectada assintomática com máscara e pessoa saudável sem máscara
    • Pessoa infectada assintomática e pessoa saudável, AMBAS COM máscara – situação em que a pessoa saudável se encontra menos exposta ao vírus

    Alguns estudos identificaram a eficiência de filtragem de aerossóis por máscaras caseiras feitas com materiais adequados e bem ajustadas ao rosto foi encontrada como semelhante a de máscaras médicas (mas ainda precisamos de mais estudos para essa confirmação). Acontece, porém, que a universalização da proteção que o uso correto das máscaras caseiras deveria trazer não acontece como deveria. É só olhar pela janela de casa e ver que nas ruas as pessoas estão andando com máscara frouxa, ou sem máscara, ou com a máscara no queixo ou pescoço, ou com o nariz exposto… Ou seja: a proteção não está funcionando!

    Outro ponto importante a ser levantado é que nas infecções respiratórias mais comuns, as transmissões dos vírus ocorrem por meio das partículas liberadas em tosses ou espirros de indivíduos sintomáticos. Porém, para a COVID-19 o que está sendo observado é um pouquinho diferente: a transmissão parece ocorrer principalmente pela liberação de aerossóis durante a fala ou a respiração de indivíduos contaminados, mas que não apresentam sintomas (indivíduos assintomáticos) – ainda que estes venham a desenvolver os sintomas depois.

    O que expusemos neste post é muito importante pois é o que deve guiar a maneira que devemos agir para reduzir a transmissão do vírus. O que deveria ser muito simples, uma vez que são dois os principais pontos que devem ser observados, tudo é muito difícil pois depende da cooperação da população e bom senso e boa gestão dos nossos governantes:

    Precisamos: [1] de medidas que reduzam a liberação de aerossóis (uso CORRETO de máscaras com boa taxa de filtração); e [2] realizar testes para saber quem são os indivíduos contaminados assintomáticos e, assim, teremos dados reais para que os governos possam elaborar políticas públicas/estratégias pensadas com cuidado para essas pessoas e que visem evitar a disseminação da COVID .

    Em Wuhan, cidade que foi o epicentro inicial da COVID-19, por exemplo, ao iniciar o processo de saída da quarentena foram detectados novos casos da doença. O medo de que uma nova onda da doença surgisse levou as autoridades locais a realizarem um grande movimento para testarem toda a população. Foram mais de 9,9 milhões de testes realizados, com a identificação de 300 casos de portadores assintomáticos do vírus. O curto dessa ação foi de aproximadamente 126 milhões de dólares.

    Pelo jeito algo parecido aqui no Brasil vai ser muito difícil…

    ATUALIZAÇÃO: A Organização Mundial da Saúde (OMS) liberou novas orientações para a fabricação de máscaras caseiras! Veja abaixo o infográfico produzido pela equipe do COVID-19 DivulgAÇÃO Científica.


    Para saber mais, consulte:

    Prather KA, Wang CC, Schooley RT. Reducing transmission of SARS-CoV-2. Science (2020). doi: 10.1126/science.abc6197.  

    Reuters. Testes em massa em Wuhan registram 300 portadores assintomáticos de coronavírus, mas nenhum novo caso. Publicado on-line em 02/06/2020.
    COVID-19 DC. Nova orientação para máscaras caseiras. Publicado on-line em 06/06/2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Conheça Debora Diniz, antropóloga referência na discussão sobre igualdade de gênero e saúde pública no Brasil durante epidemias

    Debora Diniz. Arquivo pessoal. Todos os direitos reservados.

    Ao conversarmos sobre a possibilidade de fazer um ciclo temático no blog sobre as mulheres que atuaram e atuam em contextos de Epidemias, nós, da equipe do Ciência Pelos Olhos Delas, vimos como essencial visibilizar também as pesquisadoras que trabalham nas esferas do conhecimento ligadas às ciências sociais e humanas – algo que foi trazido à pauta com a entrevista que a Carolina Francelin fez com a pedagoga, professora e pesquisadora Telma Vinha.

    Por que Debora Diniz?

    Quase que de imediato, me veio em mente Debora Diniz, antropóloga, documentarista e professora licenciada da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – UnB. Tomei conhecimento do trabalho da professora Debora em 2015, quando participei como ouvinte do “Fórum Fale Sem Medo”, uma iniciativa do Instituto Avon que tem como objetivo discutir as violências sofridas por meninas e mulheres.

    Naquela edição do Fórum, Debora foi uma das participantes da mesa de debates sobre violência de gênero no contexto universitário. Confesso que fiquei admirada com sua eloquência, didática e clareza ao falar. Nos anos seguintes, a acompanhei esporadicamente por meio de notícias de grandes jornais.

    Nos últimos dois anos, venho seguindo mais de perto o trabalho de Debora, que passou a estar presente nas redes sociais – primeiro com uma conta no Twitter e, mais recentemente, com um perfil no Instagram

    Debora Diniz. Arquivo pessoal. Todos os direitos reservados.

    Antes de abordar como tem sido a atuação da pesquisadora durante a pandemia da COVID-19, vou falar um pouco mais sobre a trajetória de Debora e sobre suas importantes contribuições para o progresso da discussão acerca dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres no Brasil.

    A trajetória acadêmica

    Debora Diniz Rodrigues nasceu em 1970 em Maceió, Alagoas. Graduou-se em Ciências Sociais em 1993 pela UnB, mesma instituição onde obteve seu mestrado em 1995 e seu doutorado em 1999, ambos em Antropologia. A tese de doutorado de Debora – orientada pela reconhecida antropóloga argentina Rita Segato – foi intitulada “Da Impossibilidade do Trágico: Conflitos Morais e Bioética”.

    Desde então, Debora tem se debruçado sobre a Bioética¹ (“a ética da vida”) sob uma perspectiva de atenção à saúde de mulheres e meninas, num esforço interdisciplinar entre as Ciências da Saúde e as Ciências Humanas.

    A Anis – Instituto de Bioética

    Em 1999, o mesmo ano em que defendeu seu doutorado, Debora fundou a Anis – Instituto de Bioética, “a primeira organização não-governamental, sem fins lucrativos, voltada para a pesquisa, assessoramento e capacitação em bioética na América Latina.”² 

    Nas duas últimas décadas, a Anis – cuja sede é em Brasília – tem atuado em todas as esferas do poder político brasileiro visando assegurar o avanço, como já mencionado, dos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e meninas brasileiras.

    Aqui é importante conceituar direitos sexuais e reprodutivos como essenciais para a garantia dos direitos humanos. Em artigo publicado em 2014³, Adriana Lemos, doutora em Saúde Coletiva pela UERJ, explica que o deslocamento do uso da terminologia “saúde da mulher” para “direitos reprodutivos” visa englobar o exercício pleno da capacidade de reproduzir-se e da liberdade de como e quando reproduzir-se, e o acréscimo do conceito de “direitos sexuais” como uma forma de desestigmatizar sexualidades diversas.

    Nesse sentido, a Anis foi instrumental para garantir que mulheres grávidas de fetos anencéfalos tivessem o direito de interromper a gestação em procedimentos legais e seguros, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012. 

    Debora, como fundadora e diretora da Anis, encabeçou a realização de duas Pesquisas Nacionais sobre o Aborto (PNA), a primeira publicada em 2010 e a segunda em 2016.

    As pesquisas serviram de base para diversas outras produções acadêmicas em várias áreas e continuam a ser utilizadas como referências na discussão acerca da criação de políticas de saúde pública visando preservar a vida das mulheres.

    “Zika – do Sertão Nordestino à Ameaça Global”

    Em meio à luta de Debora e da equipe da Anis pelo avanço dos direitos reprodutivos das mulheres no país, o Brasil tornou-se epicentro da epidemia do Zika vírus em 2015. Transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o vírus Zika pode causar complicações como a microcefalia, uma malformação congênita que afeta o desenvolvimento do cérebro.

    Contudo, no começo de 2015 a correlação entre o vírus Zika e a microcefalia em recém-nascidos ainda não estava estabelecida; naquele ano, começaram a surgir, às centenas, casos de bebês nascidos com microcefalia, sobretudo nos estados da Paraíba e de Pernambuco. Debora, então, foi a campo.

    De sua etnografia – que é o trabalho de pesquisa e coleta de dados utilizado na antropologia e que tem como pressuposto o contato direto entre o pesquisador e o objeto da pesquisa – nasceu o livro “Zika – do Sertão Nordestino à Ameaça Global”, publicado em agosto de 2016.

    Caoa do livro "Zika: Do Sertão Nordestino à Ameaça Global"

    Capa do livro “Zika: Do Sertão Nordestino à Ameaça Global”. Editora Civilização Brasileira. Todos os direitos reservados.

    Resenhas da obra destacam o caráter jornalístico da pesquisa. A antropóloga documenta que houve uma “disputa” pela identificação do vírus entre médicos pesquisadores – o que, para Debora, evidenciou as tensões geopolíticas entre os chamados médicos de “jaleco branco” do Sul e do Sudeste, e aqueles profissionais nomeados de “beira de leito”, que estavam em contato direto com pacientes que primeiro manifestaram a doença no Nordeste e no Norte do país.

    Nesse contexto, Debora destaca a atuação da Dra. Adriana Melo, de Campina Grande. Proporcionando um atendimento humanizado às gestantes atingidas pelo Zika, Adriana “olhou para o líquido amniótico de duas grávidas e constatou que a microcefalia era causada por uma transmissão vertical.”⁴ 

    Muito além de acompanhar os profissionais de medicina, Debora voltou especial atenção para a história das gestantes atingidas pelo vírus Zika. Há uma divisão entre a “primeira geração” de gestantes – antes da correlação Zika/microcefalia ser comprovada – e a “segunda geração”.

    Ela percebeu que algumas das mulheres da segunda geração, cientes do drama vivido pela primeira geração de gestantes, chegavam até a não fazer exames e ultrassons, com receio do possível diagnóstico.⁵

    Débora produziu e dirigiu o documentário “Zika”, que tem cerca de 30 minutos de duração e retrata algumas das mulheres abordadas pelo livro. Esse esforço documental é riquíssimo e emocionante, e mostra a realidade vivenciada por mulheres atingidas pelo vírus Zika – que, em sua maioria, são nordestinas, trabalhadoras do campo e possuem baixa renda.

    É a partir desse recorte de perfil das gestantes que Debora posteriormente avalia que o Zika não se configurou como epidemia global justamente porque suas vítimas eram mulheres “invisíveis” na sociedade.

    Tal vírus não atingiu, em números significativos, mulheres das classes média e alta e não viajou além das fronteiras de países considerados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento – tanto que a OMS retirou o Zika como ameaça global poucos meses depois de sua inclusão em 2016.

    O exílio forçado

    Com a publicação do livro em 2016 – que ganhou o 1º lugar na categoria Ciências da Saúde no prêmio Jabuti em 2017 – Debora continuou seu trabalho na Anis, sempre discutindo em entrevistas o impacto do Zika na vida das mulheres nordestinas. 

    Então, no final de 2017, teve início a discussão de uma ação no STF sobre a descriminalização do aborto. Como reportou o jornal digital Nexo, a Anis foi consultora de uma proposta, protocolada pelo partido PSOL, que pedia a descriminalização do aborto voluntário até a 12ª semana de gestação.

    Até agosto de 2018, Debora acompanhou a proposta protocolada ao Superior Tribunal Federal e falou numa audiência pública do STF em 03/08/2018 em prol da descriminalização do aborto.

    Pelo seu ativismo, ela passou a receber ameaças contra sua integridade física, a de seus alunos e colegas da UnB, o que a levou a prestar queixa numa Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) e entrar no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, do governo federal.

    Debora Diniz em audiência pública no STF em 03/08/2018.

    Debora Diniz em audiência pública no STF em 03/08/2018. Carlos Moura/STF. Todos os direitos reservados.

    Com o aumento e o agravamento das ameaças, Debora teve que deixar o Brasil pouco depois de sua fala no STF. Desde então, ela tem recorrido às redes sociais como forma de exercer seu ativismo político, respaldado por mais de duas décadas de etnografias e de pesquisas teóricas. Atualmente, ela é pesquisadora visitante no Centro de Estudos Latino-americanos e Caribenhos da Universidade Brown, nos Estados Unidos.

    A pandemia da COVID-19

    Desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, Debora tem dado diversas entrevistas e participado de uma série de transmissões ao vivo e de debates. Exilada nos Estados Unidos, ela vê sua presença digital como um canal para se posicionar e para chamar a atenção para os impactos da pandemia em diversas camadas da população.

    No início da pandemia, havia uma narrativa de que a COVID-19 era uma doença “democrática”, estando todos os indivíduos suscetíveis à contaminação. Contudo, ao longo das semanas, foi identificado que as taxas de mortalidade pela COVID-19 são mais altas nos bairros periféricos e centrais com menor renda per capita de São Paulo se comparado aos bairros considerados de classe alta.

    A antropóloga, em suas falas, ressalta que aqueles que já se encontravam em situação de vulnerabilidade antes da pandemia hoje estão ainda mais vulneráveis – pessoas sem acesso a uma nutrição adequada e aos aparelhos de saúde pública são mais propensas a desenvolver e a tratar inadequadamente as comorbidades associadas à COVID-19.

    Assim, Debora salienta que o impacto da COVID-19 deve ser analisado considerando fatores como raça, classe social e idade. Além disso, outro ponto crucial na análise de Débora durante a pandemia é o trabalho de cuidado, majoritariamente exercido por mulheres. Com a imobilidade social imposta pela quarentena, crianças, idosos e pessoas com deficiência também ficam restritos à esfera doméstica e requerem atenção.

    Dessa forma, às mulheres cabe exercer essa função do cuidado – sobretudo às mulheres de classe baixa, negras e indígenas. A pandemia escancarou como esse trabalho é essencial para a manutenção da vida – conceito que, no campo das Ciências Sociais, é chamado de “trabalho reprodutivo”.⁶

    Em entrevistas ao UOL, à Folha de São Paulo e à rádio CBN, Debora apontou que está enxergando uma maior circulação de valores feministas nas discussões em âmbito digital e na mídia. Conceitos como trabalhos essenciais e cuidado são intrinsecamente ligados à vida das mulheres e estão em pauta no cenário atual. É sempre válido lembrar que, de acordo com a OMS, 70% dos profissionais que atuam na linha de frente da pandemia são mulheres.

    Nesse contexto, a pesquisadora faz uma provocação: para ela, a quarentena ressalta que a normalidade na qual vivíamos antes da pandemia era, na verdade, anormal, tendo em vista a naturalização gritante das desigualdades sociais.

    Portanto, Debora acredita que há um potencial criativo a ser desenvolvido para a construção de um novo normal, que levará em consideração as pessoas mais vulneráveis na elaboração de políticas públicas e de novas formas de viver.

    A atuação nas redes sociais

    Nas últimas semanas, Debora tem feito paralelos entre a epidemia do Zika e a pandemia da COVID-19. Ela destaca que o Brasil continua tendo casos de bebês com Zika em 2020 – até agora, foram 227 notificações e não há mais destaque na mídia para isso; indo além, a pesquisadora chama a atenção para a situação de extrema vulnerabilidade das nordestinas atingidas pelo Zika agora com a pandemia da COVID-19.

    Passando das mulheres invisíveis no sertão nordestino para as vítimas anônimas da COVID-19, Debora começou um projeto em parceria com o artista gráfico Ramon Navarro: o perfil de Instagram Reliquia.rum (palavra que lembra a grafia de “Relicário” em latim). 

    Relicários são pequenas lembranças do que se foi, e, assim, Debora e Ramon buscam homenagear e tornar visíveis algumas das mulheres vítimas da COVID-19 no Brasil para que elas deixem de ser apenas números numa estatística. Até o momento da publicação deste texto, o perfil contava com 89 relicários.

    https://www.instagram.com/p/B-GACxAB0EY/
    Primeiro post do Reliquia.rum. Arte por Ramon Navarro. Todos os direitos reservados.

    Debora também encabeça outra conta no Instagram chamada Women in Times of Pandemic. Uma parceria de Debora com a argentina Giselle Carino e a venezuelana Valentina Fraiz, o Women in Times conta histórias de mulheres latino-americanas e caribenhas afetadas pela pandemia, e cada post é publicado em português, espanhol e inglês.

    https://www.instagram.com/p/B_1_a_GhLiP/
    Post do Women in Times publicado em 6 de maio de 2020 retratando a história real de uma família do Rio de Janeiro afetada pela epidemia do Zika e pela pandemia do novo coronavírus. Todos os direitos reservados.

    O merecido reconhecimento e a importância do trabalho de Debora

    Debora Diniz foi reconhecida como uma das pensadoras globais (“global thinkers”) de 2016 pela revista Foreign Policy e recebeu no começo de 2020 o prêmio internacional Dan David na categoria “Igualdade de Gênero” pela sua destacada atuação em prol dos direitos de mulheres e meninas.

    Com seu trabalho, Debora nos lembra que as Ciências Sociais também são um campo de pesquisa essencial durante epidemias e pandemias, já que investigam e analisam os impactos desses contextos de emergência global nas mais diversas camadas das populações – o que é indispensável para a posterior formulação de políticas públicas visando a melhoria das condições de vida das pessoas.

    Ao ir a campo no sertão nordestino em meio à eclosão de casos de microcefalia em recém-nascidos, Debora registrou as vidas reais que foram afetadas pela epidemia do vírus Zika. O livro e o documentário, resultados desse trabalho de campo, são materiais fundamentais para profissionais de múltiplas áreas que realizam pesquisas com o objetivo de mitigar os efeitos de epidemias e pandemias. 

    Indo além, as iniciativas atuais de Debora – agora no campo digital – em meio à pandemia da COVID-19 nos lembram que pessoas de diferentes raças, gêneros, idades e camadas sociais são impactadas de forma desigual pelo novo coronavírus, o que requer estratégias e medidas de proteção que levem em conta essas particularidades. 

    Reforçando, ajudar a tornar visíveis quem por tanto tempo esteve à margem é uma das “tarefas” das pesquisas em Ciências Sociais, sobretudo em momentos como esse que estamos todos vivendo.

    Leia os textos que já publicamos sobre a atuação de mulheres cientistas durante epidemias:

    Celebrando a Dra. June Almeida – a mulher que descobriu o primeiro coronavírus humano

    A ciência pelos olhos da Profª Drª Tania Ueda-Nakamura

    Conheça algumas divulgadoras científicas brasileiras que estão produzindo conteúdo de qualidade durante a pandemia do novo coronavírus

    A Anis – Instituto de Bioética possui um canal no YouTube chamado Vozes da Igualdade. Vale muito a pena conferir o conteúdo do canal, em especial a série Quinquilharia, onde Debora aborda as principais inquietações e dúvidas dos alunos de graduação (e de pós-graduação) sobre como fazer pesquisa.

    Notas

    ¹ Para saber mais sobre bioética, veja a página 2 da cartilha “Bioética”, de autoria de Cilene Rennó Junqueira, publicada pela UNASUS – Universidade Aberta do SUS da UNIFESP.

    ² Citação obtida na seção “Quem Somos” do site institucional da Anis – Instituto de Bioética.

    ³ LEMOS, Adriana. Direitos sexuais e reprodutivos: percepção dos profissionais da atenção primária em saúde. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v38n101/0103-1104-sdeb-38-101-0244.pdf 

    ⁴ DA SILVA, Lucivânia Gosaves. Resenha do livro “Zika: do sertão Nordestino à Ameaça Global”. Revista Textos Graduados, p. 131. Julho de 2019. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/tg/article/view/26191/23011

    ⁵ DINIZ, Debora. Vírus Zika e mulheres. Caderno Saúde Pública, p. 3. Rio de Janeiro. Maio de 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/v32n5/1678-4464-csp-32-05-e00046316.pdf 

    ⁶ Para saber mais sobre trabalho reprodutivo, veja a aula “Divisão Sexual do Trabalho”, parte do curso online “Feminismo e democracia”, ministrado pela cientista política Flávia Biroli no canal de YouTube da Editora Boitempo: https://youtu.be/EWM3X-BMbQg 

    Referências 

    http://lattes.cnpq.br/3865117791041119

    http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/zika-virus

    https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/microcefalia

    http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT757558-1666-1,00.html

    https://www.scielo.br/pdf/icse/v22n66/1807-5762-icse-22-66-0967.pdf

    https://www.scielo.br/pdf/sess/n24/1984-6487-sess-24-00246.pdf

    https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2020/04/debora-diniz-stf-deve-responder-o-que-significa-o-zika-virus-pra-vida-das-mulheres.html

    https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/15/politica/1544829470_991854.html

    https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/07/25/Quem-é-a-pesquisadora-ameaçada-por-sua-atuação-no-debate-sobre-aborto

    https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/mundo-pos-pandemia-tera-valores-feministas-no-vocabulario-comum-diz-antropologa-debora-diniz.shtml

    https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/o-mundo-pos-covid-19-2—comportamento-por-debora-diniz

    https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/298913/pandemia-escancara-desigualdades-e-privilegios-de-.htm

    https://www.uol.com.br/universa/reportagens-especiais/ultimo-adeus/

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


    editorial

  • Ciência para crianças! Profissionais essenciais

    Durante a pandemia de Covid-19, muitos setores do comércio e indústria estão parados por conta do isolamento social. Contudo, existem alguns profissionais que são de áreas essenciais, ou seja, não podem parar de trabalhar, e por isso estão se arriscando todos os dias para manter tudo funcionando. 

    Junto com o Dragonino, confira quais são os profissionais que estão atuando na linha de frente do combate ao coronavírus e que estão salvando muitas vidas nos hospitais. Entenda também o papel de se manter em casa para diminuir os riscos de contaminação dos profissionais essenciais que estão nos supermercados, farmácias, entre outros que não podem parar.

    Por fim, a equipe do projeto Nas Asas do Dragão faz uma homenagem e um agradecimento especial para todos esses profissionais que estão fazendo sua parte nesse momento tão delicado!

    Quadrinho "Ciência para crianças!" com o tema "profissionais essenciais".

    Você pode conferir a lista completa dos profissionais essenciais na matéria abaixo:

    https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/12/senado-amplia-lista-de-profissionais-que-terao-prioridade-em-testes-de-coronavirus

    Fonte: Agência Senado

    Essa mesma matéria reforça a importância de trabalhadores essenciais terem prioridade nos testes para Covid-19, pois quando o resultado dá positivo, significa que eles precisam se afastar por um tempo do trabalho (ficar em isolamento social) para se tratar e para evitar contaminar outras pessoas. Depois que ficarem bem, eles devem fazer o teste novamente, e se o resultado der negativo para Covid-19, eles podem voltar ao trabalho para continuar ajudando a manter os serviços essenciais funcionando!

    Cuidem-se bem!

    Equipe: 

    • Design: Giovanna S. Veiga
    • Pesquisas e roteiro: Edilaine C. Guimarães e Carla R. de Souza
    • Supervisão: Vinicius Saragiotto, Verônica Dos S. Sales, Bianca B. De M. Fonseca
    • Orientação e Revisão: Carolina S. Mantovani e Lúcia E. Alvares

    English version

    Translation: Allan Cavalcante and Giovanna S. Veiga

    Quadrinho "Ciência para crianças!" com o tema "profissionais essenciais", traduzido para o inglês.
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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
  • Coronacrise: emissão de moeda e inflação

    Por: Ulisses Rubio e Victor Young

    Os jovens que hoje cursam o ensino superior nasceram, em sua maioria, num período em que a ideia de inflação – ou seja, o aumento generalizado de preços – aparece como se tivesse uma só origem e uma só solução. A chamada vertente ortodoxa da economia, que está por trás dessa concepção, sempre considera que a inflação é causada por gastos demasiados do governo e que este deve, portanto, contê-la, realizando cortes nas suas despesas[1]. A “Coronacrise” tem colocado alguns limites a este “samba de uma nota só”[2]. Diante das medidas de gasto adotadas pelo governo, ouvimos interrogações sobre de onde virá o dinheiro (quem vai pagar?). Diante da resposta de que isto possa ser financiado simplesmente pela emissão de moeda, vem em seguida a pergunta que expõe bem o alcance da ortodoxia:

    – Mas isto não vai gerar inflação?

    Respondemos:

    – Não. De acordo com o pensamento dos economistas ortodoxos, não.

    Vejamos. Conforme a ortodoxia econômica, um aumento na oferta de moeda à sociedade por meio de impressão de dinheiro que seja maior do que quantidade total de bens e serviços produzidos em um ano – que é o PIB (Produto Interno Bruto)[3] – produzirá inflação. O raciocínio pode ser explicado de maneira bastante simplificada da forma como segue. Suponhamos que toda a economia produzisse e consumisse apenas dez sacos de batata por ano. Dado o montante de dinheiro existente na mão das pessoas, o preço de cada saco poderia ser, por exemplo, dois reais. Suponhamos ainda que, no ano seguinte, a produção não tenha aumentado e o governo, por alguma razão, viesse a emitir mais dinheiro e o disponibilizasse na mão do povo. Como as pessoas não teriam mais nada para comprar (porque a produção não aumentou), cada pessoa buscaria comprar mais sacos de batata. O aumento na procura pelos mesmos dez sacos de batata faria com que o preço do saco se elevasse a mais de dois reais. Conclusão: a emissão de moeda pelo governo teria, portanto, gerado inflação.

    Os alunos mais inquietos poderão perguntar:

    – E por que não aumentou a produção de sacos de batata?

    Neste caso, o raciocínio ortodoxo pressupõe que todos os fatores de produção estão sendo utilizados, isto é, todas as fábricas estão com suas máquinas e equipamentos em plena operação, todas as terras para plantio e criação estão produzindo na sua capacidade máxima, e todos os trabalhadores estão empregados (os que não estão, é porque decidiram que o salário não compensa). Ora, neste caso, não há como aumentar a produção. Para aumentar a produção, a sociedade precisaria diminuir seu consumo e direcionar parte dos recursos que produzem bens de consumo e serviços para a produção de bens de capital[4]. Isso permitiria aumentar a capacidade produtiva, isto é, a sociedade precisaria diminuir o consumo para aumentar o investimento.

    Convenhamos. Na situação atual, o estudante já não precisa ser inquieto para constatar que os setores produtivos não estão operando com sua capacidade máxima[5]. Temos uma situação em que a indústria e o setor de serviços querem aumentar sua produção ao mesmo tempo em que muitos trabalhadores desejam escapar de uma situação de desemprego forçada que se traduz numa taxa de desocupação para lá de alarmante.

    E qual a implicação disto para o assunto aqui tratado?

    Ao verificarmos os dados de nossa produção recente, o PIB brasileiro já está abaixo de sua capacidade há um bom tempo. No ano de 2014, este praticamente não cresceu. Se utilizarmos o exemplo das batatas, considerando que produzíamos 10 sacos de batata naquele ano, em 2015, com a recessão e a queda da demanda promovida pelas medidas de redução de gastos dadas pelo governo, diminuímos nossa produção para 9,5 sacos de batata. Em 2016, no pior momento econômico dos últimos anos, produzimos 9 sacos de batatas. A lenta e dificultosa recuperação dada por um Estado ainda bastante rigoroso na contenção das despesas fez com que a produção chegasse em 2019 a apenas 9,2 sacos de batata[6]. Para o ano de 2020, em função das restrições ocasionadas pela crise sanitária do corona vírus, a projeção é a de que venhamos a produzir 8,7 sacos de batatas em uma economia que pode ultrapassar, com folga, aqueles 10 sacos de 2014 [7]. Não há, dessa maneira, por que temer a inflação numa situação tão extrema em que o potencial produtivo não realizado se encontra em níveis tão elevados. A solução mais adequada para um problema tão adverso é o Estado emitir, transferir e manter um sólido fluxo de dinheiro para a mão das pessoas para que o máximo de potencial produtivo possível se realize.

    Se é para seguir apenas um pensamento econômico, como vem fazendo grande parte da mídia nos últimos anos, devemos considerar que, existindo considerável capacidade ociosa na economia, um aumento da procura por bens e serviços ocasionado pela transferência de dinheiro para a população e pequenas empresas por parte do Estado será acompanhado por um aumento da produção e, portanto, não pressionará a economia para um aumento de preços expressivo, como prevê a própria ortodoxia econômica.

    [1] O economista norte-americano, Milton Friedman (1902-2006), é geralmente a referência mais utilizada pela corrente do pensamento econômico ortodoxo no período contemporâneo. Esta vertente econômica se contrapõe, na maioria das vezes, às ideias econômicas heterodoxas que, em grande medida, se referência no economista inglês, John Maynard Keynes (1883-1946).

    [2] O termo foi utilizado pelo economista, André Lara Resende. Disponível em: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/04/24/andre-lara-resende-quem-vai-pagar-essa-conta.ghtml. Acessado em 03 de maio de 2020.

    [3] O PIB é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos pela economia de um dado território em um determinado período.

    [4] Bens de Capital são bens que servem para a produção de outros bens, como, por exemplo, máquinas, equipamentos e infraestrutura produtiva.

    [5] Conforme dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em abril de 2020, a indústria de transformação operou com 57,5% da capacidade instalada, sem considerar o setor de serviços e de produção rural. Disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/impactos-pandemia-covid-19-sobre-nivel-utilizacao-capacidade-instalada-industria. Acessado em 30 de maio de 2020. Conforme dados do IBGE, a taxa de desocupação dos trabalhadores é de 12,6%. Taxa de desocupação é a porcentagem de pessoas na força de trabalho que estão desempregadas. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/busca.html?searchword=desemprego&searchphrase=all. Acessado em 30 de maio de 2020.

    [6] Estamos considerando aqui o crescimento do PIB conforme dados do IBGE. Disponível em: ibge.gov. br. Acessado em 3 de maio de 2020.

    [7] LAMUCCI, Sérgio. FMI projeta retração de 5,3% para economia brasileira em 2020. Valor, São Paulo, 14 de abril de 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/04/14/fmi-projeta-retracao-de-53percent-para-economia-brasileira-em-2020.ghtml. Acessado em: 03 de maio de 2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
  • Estudo de pesquisadores do Instituto de Economia da Unicamp compara experiências econômicas internacionais no combate à crise atual

    Por: Alex Palludeto, Newton Silva, Renan Araujo, Roberto Borghi e Vítor Alves

    Em estudo intitulado Política econômica em tempos de pandemia: experiências internacionais selecionadas, pesquisadores do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (CERI), do Instituto de Economia da Unicamp, abordam as medidas econômicas já tomadas por alguns países no intuito de mitigar os efeitos econômicos negativos provocados pela pandemia da covid-19.
    Os autores buscam ponderar a importância das medidas diante da mais grave crise sanitária do século XXI, e de uma crise econômica que indica não ter precedentes na história mundial recente. O enfrentamento destas crises, como se observa, requer, fundamentalmente a ação imediata dos Estados Nacionais, dada sua capacidade de promover e orientar políticas com a amplitude necessária para garantir a prevenção e combate a Covid-19 assim como a preservação do tecido social e produtivo.
    No que se refere em particular à atual crise econômica, argumenta-se que esta pode ser dividida em dois períodos: um primeiro momento, com duração estimada entre 3 e 6 meses, correspondendo à fase mais aguda de transmissão do novo coronavírus, o que requer a tomada de medidas de distanciamento social e, consequentemente, a paralisação de uma série de atividades econômicas; e um segundo momento, de 6 meses a 2 anos, no qual, uma vez tendo-se conseguido conter a disseminação do vírus, o distanciamento social poderá ser gradativamente suspenso, e as atividades econômicas poderão ser gradualmente retomadas.
    O estudo também aponta que em cada um desses prazos temporais um tipo específico de atuação econômica dos Estados faz-se necessário: no primeiro deles, os governos precisam adotar medidas emergenciais, visando, entre outras coisas, a garantir o poder aquisitivo das pessoas, a impedir a falência das empresas e a promover a estabilidade dos sistemas financeiros; já no segundo, os países precisarão contar com medidas para a recuperação econômica, a fim de que seus níveis de produção (PIB) e emprego retornem aos patamares desejáveis.
    Atualmente, embora os países do mundo estejam em fases distintas da pandemia, ainda se encontram predominantemente no primeiro desses momentos. Assim sendo, são as políticas já adotadas nesse contexto que o estudo aborda, apresentando os casos de nove diferentes países: China, Estados Unidos, Espanha, França, Reino Unido, Itália, Alemanha, Argentina e Brasil.
    Como conclusão possível, os autores indicam ser falsa a dicotomia “salvar a saúde ou salvar a economia”, a qual é bastante difundida no debate corrente. Ao contrário disso, ponderam que tanto a saúde como a economia podem e devem ser salvas e que os enfrentamentos à crise de saúde pública e à crise econômica não são objetivos excludentes, mas complementares. O distanciamento social adotado no início do processo de contágio e de maneira rigorosa, aliado a medidas econômicas de suporte a trabalhadores e empresas, pode assegurar que um menor número de pessoas venha a se infectar e morrer, ao passo que permite que as atividades econômicas sejam retomadas mais rapidamente.
    Por fim, os autores enfatizam a necessidade de reflexões sobre as políticas futuras, já que a ação dos Estados Nacionais continuará sendo necessária no processo posterior de retomada econômica e de fortalecimento dos sistemas de proteção social. Nesse sentido, condenam a defesa que alguns economistas têm feito da adoção futura de medidas de austeridade fiscal, entendendo que estas poderão ter o poder de agravar e aprofundar a crise econômica.
    O estudo completo encontra-se disponível para download no link: http://www.eco.unicamp.br/covid19/politica-economica-em-tempos-de-pandemia-experiencias-internacionais.

    Autores do Estudo:

    Alex Palludeto – Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp

    Roberto Borghi – Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp

    Newton Silva – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp

    Renan Araujo – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp

    Vítor Alves – Pesquisador do CERI e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
  • Como a desinformação tem atrapalhado nossa resposta à Covid-19

    A notícia de que o Brasil atingiu, nesta semana, o segundo lugar de país com maior número de contaminados de covid-19, tornando-se o novo epicentro da doença, mostra que estamos falhando miseravelmente no controle da pandemia. Uma avalanche de notícias e informações falsas tem nos distraído e dividido bem no momento crucial em que deveríamos focar todas as nossas energias no combate ao vírus. 

    Especialistas têm chamado essa onda de circulação de notícias e informações falsas nas redes sociais de infodemia. Seria uma espécie de pandemia de desinformação global que prejudica nossas formas de enfrentamento à pandemia. A Coronavirus Fact-Checking Alliance, comunidade de verificadores de fatos de 88 organizações em 74 países, desmascarou 4.823 boatos e notícias falsas (em 43 idiomas!) sobre a covid-19 em três meses de trabalho. Um grupo de cientistas do Instituto de Física e do Instituto de Geociências da Unicamp coletou mais de 50 mil mensagens de fake news circulando no Whatsapp. A OMS já alertou para a gravidade da situação e tem proposto parcerias com os gigantes Google, Facebook e Twitter para enfrentar essa onda.

    Todos nós estamos vulneráveis a cair no conto da desinformação e das fake news, independente de classe social ou nível de instrução. Nosso cérebro tenta se agarrar a certezas que nos tragam o controle da situação, diante do contexto incerto da pandemia da covid-19. A falta de dados sólidos, já que os cientistas recém estão descobrindo como age o novo coronavírus, e o pânico de contrair a doença são ingredientes eficientes para espalhar desinformação, segundo avalia Cristina Targuila, diretora da Rede Internacional de Verificadores de Fatos (IFCN). Muitas vezes, a informação falsa chega pelas mãos da tia avó que não faria mal a uma mosca, no grupo de Whatsapp da família, com intenção de proteger seus parentes contra o coronavírus.

    A comunidade internacional de verificadores de fatos tem observado diversas ondas de fake news e desinformação. Tem de tudo: de teorias conspiracionistas da origem forjada do vírus em laboratórios chineses, uso de informações para espalhar pensamentos religiosos, anti-vacina e supremacistas, até informações sobre curas e falsas medidas preventivas para enfrentar a pandemia

    Tudo fica mais confuso quando vemos autoridades e profissionais de saúde repercutindo esses discursos de cura. Uma das principais fontes de desinformação sobre covid-19 no Youtube são canais de médicos ou pessoas que se apresentam como médicos, segundo essa pesquisa aqui. Em 30% dos vídeos com mais de 100 mil visualizações, o conteúdo vem relacionado à venda de produtos, cursos e publicações para aumentar a imunidade das pessoas. Ou seja, médicos e nutricionistas transformaram a pandemia em oportunidade de negócio.

        Além de trazer riscos à saúde individual, a desinformação afeta o modo como estamos lidando com a pandemia. Muitas informações falsas têm sido usadas com fins políticos para enfraquecer as ações de isolamento e distanciamento social, única forma conhecida de conter o avanço do vírus. Em alguns casos, os mensageiros deste conteúdo são autoridades políticas e governos. O presidente Jair Bolsonaro segue batendo na tecla da cloroquina como medicamento que cura a covid-19, mesmo com a comprovação de diversos estudos científicos de que a droga não traz benefícios e pode agravar os casos da doença. O deputado federal e ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra, foi o congressista que mais publicou fake news sobre a covid-19 no Twitter, segundo o site Aos Fatos.

    Em quem confiar, então?

    Ao mesmo tempo em que agentes ativos tem disseminado desinformação, muita gente tem trabalhado incessantemente para minimizar as consequências da infodemia. Universidades e instituições de pesquisa criaram sites com informações confiáveis sobre a covid-19 (veja alguns exemplos aqui, aqui e aqui ). Na plataforma Covid Verificado, o usuário pode mandar suas próprias dúvidas sobre o coronavírus. Tem site especializado na checagem de fatos, como Aos Fatos e A Lupa. A Agência Aos Fatos chegou a criar uma robô checadora de dúvidas sobre a Covid-19. Aqui, no Blogs, também separamos uma lista com fontes confiáveis para ajudar o leitor a navegar nesse mar de informações. Entre elas está, claro, o site da Organização Mundial da Saúde (OMS)

    Devemos adotar uma postura de desconfiança em relação às informações compartilhadas em grupos de Whatsapp e outros aplicativos de mensagem. Afinal, a nossa confiança em informações verdadeiras – comprovadas cientificamente – pode salvar vidas.

    Referências

    FÁVERO, Bruno e CUBAS, Marina. “Cotado para saúde, Osmar Terra é o congressista que mais publicou desinformação sobre Covid-19 no Twitter”, Aos Fatos, 15 de abril de 2020, Disponível em: https://www.aosfatos.org/noticias/cotado-para-saude-osmar-terra-e-congressista-que-mais-difundiu-desinformacao-sobre-coronavirus-no-twitter/. Acesso em 22/05/2020.

    Knight Center Courses. Entrevista com Cristina Tardaguila. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IM7haZyQ9JM. Acesso em 22/05/2020.

    MACHADO, Caio et. al. Ciência contaminada: Analisando o contágio de desinformação sobre coronavírus via YouTube. Relatório 1 de estudo do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD)  e Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa), maio 2020, Disponível em: https://laut.org.br/ciencia-contaminada.pdf?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=cincia_contaminada. Acesso em 22/05/2020.

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.
  • MODERNizAndo a vacina contra a COVID-19

    No último dia 18 de maio fomos surpreendidos pela notícia de que a empresa Moderna tinha resultados promissores para uma vacina contra a COVID-19, o que acendeu uma pontinha de esperança no mundo para o enfrentamento da doença. Então vamos falar um pouco sobre essa vacina, os resultados até então encontrados e as expectativas para um futuro próximo (?).

    Vacinas de mRNA

    O título desse texto tem um trocadilho envolvendo o nome da empresa com a inovação e modernidade por trás da vacina testada. Além disso, no próprio nome da empresa está escrito a base da tecnologia que eles desenvolvem, o RNA (ModeRNA)

    Os RNAs são uma molécula parecida com o DNA. Nossas  células  guardam no DNA todas as informações necessárias para a vida e por isso essa molécula é bastante preservada e se localiza no núcleo das células. Para a célula conseguir utilizar as informações contidas no DNA, ela gera a partir dele um tipo de RNA, chamado de mensageiro (RNAm).  Quando há alguma necessidade da célula o RNAm é como uma cópia de alguns pedaços do DNA que carrega a informação necessária e célula passa a produzir uma proteína baseada nessa mensagem em um processo que se chama tradução. 

    As vacinas de RNAm são uma tecnologia nova baseada nessa capacidade do RNA de carregar uma mensagem, uma informação, que a célula ao recebê-la vai traduzir e utilizar. Todas as células do nosso corpo têm a capacidade de ler a informação que o RNA carrega e traduzir isso na forma de uma proteína, lembrando que essas informações são específicas e geram uma proteína específica. Mas como isso se torna importante no contexto de uma vacina? Há vários tipos de vacinas conhecidas e testadas, sendo que a principal finalidade delas é induzir uma imunidade protetora. Isso pode ser feito de diversas formas, como pela administração do vírus ou microrganismo atenuado ou de partes dele, por exemplo. Nesse último caso, as partes do vírus utilizadas na vacina são aquelas capazes de serem reconhecidas pelo sistema imunológico e gerar uma resposta protetora. As vacinas de RNAm, ao invés de utilizarem uma parte do vírus, elas têm o código, o RNAm,  para produzir uma proteína específica do vírus. Desse modo, são as nossas células que produzirão a proteína, que será então reconhecida pelo sistema imune. Assim, quando o vírus entrar no nosso corpo, o sistema imunológico reconhecerá a proteína que ele tem e agirá contra o vírus.

    mRNA-1273

    No caso do novo coronavírus (SARS-CoV-2), as principais tentativas de vacina têm sido desenvolvidas com base em uma proteína que está na superfície do vírus, que se chama SPIKE (S). É através dessa proteína  que o vírus se liga a receptores chamados de ACE2, que estão nas nossas células, e essa ligação (SPIKE+ ACE2) faz com que ele entre nas células. A vacina de mRNA da Moderna, denominada mRNA-1273, é um RNA mensageiro com a informação para as células produzirem a SPIKE. Mas como foi possível chegar nessa vacina? Em janeiro de 2020 os pesquisadores chineses compartilharam o sequenciamento do material genético do SARS-CoV-2, que permitiu à empresa, junto com os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH), selecionar a sequencia para a mRNA-1273. Logo em fevereiro o primeiro lote de vacinas foi analisado e enviado para início dos testes pré-clínicos em animais (camundongos) no NIH. Esse trabalho foi publicado e mostrou bons resultados nos animais, com diminuição do vírus e não evolução dos sintomas. A agência regulatória americana (FDA) aprovou em março o seguimento para testes clínicos de fase 1, que estão também sendo  conduzidos pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA (NIAID, que é parte do NIH). Agora em maio, os primeiros resultados dessa fase foram divulgados. 

    A fase 1 de um teste clínico consiste em analisar principalmente os efeitos colaterais de uma vacina ou medicamento para saber se ela é segura em humanos e geralmente é feita em um pequeno número de pessoas. Para essa nova vacina (mRNA-1273), foram testadas 3 doses: 25, 100 e 250μg, em 15 indivíduos em cada grupo. Segundo o relatório apresentado, a mRNA-1273 é em geral segura e bem tolerada; apenas 1 participante no grupo da dose de 100μg apresentou vermelhidão de grau 3 no local da injeção. Três outros participantes no grupo da maior dose (250μg) apresentaram reações de grau 3 que não foram especificadas no relatório, mas que foram passageiras e não precisaram de nenhuma intervenção. Não houve reações graves em nenhum dos participantes nesse período analisado. 

    Além da segurança, o relatório também reporta os dados de imunogenicidade, que são os relativos ao desenvolvimento da resposta imunológica. Segundo eles, todos os participantes se converteram após 15 dias da primeira injeção, ou seja, todos apresentaram níveis quantificáveis de anticorpos no sangue. Porém, ter anticorpos no sangue não significa que esses anticorpos são eficazes em neutralizar o vírus quando houver um próximo contato com ele no futuro. Essas informações sobre o tipo e qualidade dos anticorpos gerados são mais complexas e requerem testes funcionais. De um modo geral, parte dos anticorpos que nosso organismo gera têm capacidade de se ligar ao vírus (anticorpos de ligação), mas isso não significa que eles impedem o vírus de se ligar e infectar nossas células. Uma quantidade muito menor desses anticorpos é que realmente tem a capacidade de se ligar e neutralizar o vírus, impedindo a infecção, que são os anticorpos neutralizantes. E é esse o tipo de imunidade que se quer gerar com uma vacina. E segundo o relatório da Moderna, ainda não se tem essa informação para todos os indivíduos testados. Em relação aos anticorpos de ligação, para a dose de 25μg, após duas injeções (intervalo de 30 dias entre elas), todos participantes apresentaram níveis de anticorpos de ligação semelhantes aos níveis em pessoas que se recuperaram da COVID-19. Para a dose de 100μg, amostras de 10 indivíduos tiveram níveis de anticorpos de ligação significativamente maiores do que aqueles das pessoas recuperadas da doença. Em relação aos níveis de anticorpos neutralizantes, até o momento, há informações de apenas 4 indivíduos de cada grupo das doses de 25 e 100μg. E desses 8 participantes, todos apresentaram níveis de anticorpos neutralizantes iguais ou maiores do que os encontrados no soro de pessoas recuperadas da doença. Segundo os dados, em um modelo animal, níveis semelhantes a esses foram suficientes para proteger camundongos induzidos para a doença.

    O que esperar?

    A Moderna e o NIAID já têm autorização para a realização da Fase 2 de testes com um número maior de participantes (600) e esperam começar testes de Fase 3 já em julho, em pessoas de grupos de alto risco de contaminação, como os profissionais de saúde na linha de frente de combate nos hospitais.

    Vale ressaltar que os resultados referentes a Fase 1 da vacina mRNA-1273 foram apenas divulgados em um relatório e ainda não foram publicados em uma revista científica com revisão por pares, como se é esperado. Talvez quando os resultados de todos os participantes estiverem disponíveis, os dados sejam enviados para esse tipo de publicação.

    E como já foi dito inicialmente, as vacinas de mRNA são algo novo e promissor mas é bom notar que ainda não existem vacinas desse tipo no mundo que já tenham sido licenciadas e estejam em uso. Portanto, ainda é difícil dizer se elas terão sucesso em fases mais avançadas dos testes e na população em geral.

    Mas, com o avanço das tecnologias e aumento nos esforços direcionados para o desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus no mundo todo, esperamos que os resultados positivos cresçam cada vez mais e possamos ter uma ferramenta a mais no combate à COVID-19 o quanto antes.

    As perguntas ainda sem respostas

    Como essa doença é nova e ainda estamos descobrindo como o vírus age em nosso corpo, muitas questões ainda estão sem respostas. Aponto algumas aqui que talvez nos ajudem a questionar as informações que recebemos e o modo como lidamos com elas. 

    Em quanto tempo teremos uma vacina eficiente contra a COVID-19? Serão seguidos todos os critérios éticos durante o processo? Os anticorpos neutralizantes (imunidade) vão durar por quanto tempo? Se uma vacina for eficiente em todos os quesitos, a produção e distribuição/comercialização a nível mundial será feita de modo justo e com equidade? 

    Para saber mais

    Ewen Callaway. Coronavirus Vaccine Trials Have Delivered Their First Results – But Their Promise Is Still Unclear. Nature. 2020 May 19.  doi: 10.1038/d41586-020-01092-3.

    Feldman RA et al. mRNA vaccines against H10N8 and H7N9 influenza viruses of pandemic potential are immunogenic and well tolerated in healthy adults in phase 1 randomized clinical trials. Vaccine. 2019. doi: 10.1016/j.vaccine.2019.04.074.

    Moderna. 2020. Moderna Announces Positive Interim Phase 1 Data for its mRNA Vaccine (mRNA-1273) Against Novel Coronavirus

    Organização Mundial da Saúde (OMS), 2016, Guidelines on clinical evaluation of vaccines: regulatory expectations. WHO.

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