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  • Morte pela Covid-19 ou pela fome, será esta a questão?

    Ante a atual crise de saúde mundial provocada pela disseminação do vírus da gripe Covid-19, entidades políticas, mídia e setores da sociedade civil em diversos países, e inclusive no Brasil, têm considerado que, para enfrentar a crise sanitária e econômica provocada pela pandemia, haveria apenas uma entre duas possíveis opções. A primeira seria atender às recomendações dadas pela maioria dos órgãos de saúde pública nacional e internacional(1), realizando o chamado isolamento horizontal em que escolas, universidades, órgãos estatais, negócios e serviços não essenciais são fechados e eventos públicos são proibidos. Esta opção, dada a estrutura de economia de mercado em que vivemos, tem como consequência a ruptura de um grande número de relações econômicas entre fornecedores e consumidores de produtos e serviços. Simplificando, podemos afirmar que um número considerável de trocas comerciais e financeiras efetuadas entre indivíduos e empresas fica paralisada, limitando um fluxo de valores que, em grande medida, garante a renda da sociedade em termos de salários, lucros, juros e etc. Esta alternativa, como demonstra a experiência em outros países e conforme reiterados estudos estatísticos(2), tem a perspectiva de reduzir consideravelmente o número de mortes pelo vírus já que permitiria ao sistema público e privado de saúde manter condições mínimas de atendimento aos casos graves da doença. Em termos econômicos, sem considerar qualquer outro elemento, o isolamento horizontal levaria a uma queda acentuada do consumo e da atividade produtiva, podendo-se conjecturar um cenário de recessão profunda durante e depois do pico da epidemia(3).

    A segunda opção para o problema, que excluiria o isolamento amplo, seria a de isolar apenas pessoas consideradas mais vulneráveis. Neste caso, o contato social deveria ser restringido para os idosos, pessoas com outras doenças ou com defesas imunológicas deficientes. Situações de grande aglomeração também poderiam ser proibidas, mas o restante das atividades funcionaria normalmente. Neste caso, espera-se que o impacto na demanda e na oferta dos setores produtivo e de serviços seja muito menor, que as demissões se reduzam e que a recuperação da economia aconteça de maneira mais rápida após os efeitos da pandemia se atenuarem. Conforme um estudo estatístico do Imperial College do Reino Unido, o número de mortes para o Brasil para uma restrição precoce e intensa ao trânsito de pessoas seria por volta de 44 mil. Uma restrição moderada, porém intensa somente para os idosos, semelhante ao isolamento vertical, levaria a aproximadamente 472 mil óbitos em função da doença(4).

    Esta dicotomia, em que a sociedade haveria que escolher, de um lado, a depressão econômica e o empobrecimento das pessoas, sobrevivendo ao vírus e, de outro, o sacrifício de maior número vidas para que a renda das empresas e os empregos sejam mantidos é, no mínimo, desumana. A situação de pandemia mundial, com rápidos e elevados índices de mortalidade, não pode ser tratada de uma forma tão vulgar como esta. A solução deve estar acima dos dois problemas, tendo como foco um elemento que é fundamental, a manutenção da vida de todos em termos de saúde pública e de garantia de renda. A melhor maneira de tratar a saúde pública, conforme as experiências recentes e os estudos científicos realizados até o momento, seria mediante o isolamento horizontal, sendo esta a opção mais adequada para que o número de vidas salvas frente ao vírus seja o maior possível. A renda das famílias e das empresas, pequenas e médias principalmente, também é uma questão de sobrevivência para as pessoas, pois o organismo físico de todos cidadãos depende de produtos básicos a serem consumidos.

    O pior do problema econômico é que, além dos altos níveis de desemprego já existentes mesmo antes da crise, soma-se com esta um novo contingente de demitidos e um adicional de autônomos impedidos de trabalhar que estariam no limite de seu sustento e de suas famílias(5). Não possuem reservas para manterem-se minimamente nos meses de quarentena. As empresas, por sua vez, principalmente as de pequeno porte, não sobreviverão a esse período sem o retorno financeiro mensal de seus negócios. São elas também responsáveis por grande número de empregos que deixarão de existir. Portanto, um colapso no consumo das famílias pode levar a um colapso nos negócios mais frágeis financeiramente, afetando inclusive as grandes empresas que possuem maiores recursos para sua sobrevivência. Esta calamidade econômica também não será resolvida pelo automatismo das forças de mercado como pregam os economistas liberais. Em situações de crise, quase inexistem empresas que se proponham a assumir riscos e investimentos suficientemente capazes de impulsionar grande conjunto de setores produtivos.

    Pois bem, eis que o Estado, aquele que economistas da grande mídia costumam demonizar como entrave à economia de mercado, é o único ente institucional adequado para o tratamento da situação sanitária e econômica ao mesmo tempo. Além de já ser uma representação institucionalizada da sociedade é o único com capacidade de mobilização econômica, social e política para enfrentar a situação nas duas frentes. No Brasil, já existe uma proposta em termos de saúde em andamento, a de isolamento horizontal. Em função dos números verificados acima, não seria recomendável desmontá-la, mas sim partir para o enfrentamento do problema econômico no sentido de minimizar todos os efeitos negativos da pandemia sobre a economia ao máximo.

    Assim, se o problema agravado pela pandemia é o que interfere na cadeia de fornecimento e consumo, o governo deve imediatamente trabalhar para a recuperação dos laços transacionais de compra e venda, planejando e criando iniciativas para a manutenção da renda dos assalariados no sentido de manterem o consumo, por um lado, e para o reequilíbrio das finanças das empresas para que sobrevivam a redução de suas vendas e mantenham o fornecimento necessário no período de dificuldade, por outro. É nesse sentido que ações para a transferência de recursos governamentais para que assalariados e autônomos, que vem ocorrendo em muitos países, são fundamentais(6). Mas, além disso, as empresas, compromissadas com dívidas, tributos e salários, no curto prazo, necessitam de medidas governamentais para respaldar seus débitos, suspender seus impostos temporariamente e facilitar o crédito para que não demitam. Sustentar a demanda e a oferta agregadas é fundamental. O Estado, deve, além disso, manter a expectativa de que esses laços serão mantidos após a crise sanitária. Seria, dessa maneira, oportuno que o governo viesse a compor com empresários iniciativas para concentração de recursos para o enfrentamento da pandemia, convertendo linhas de produção, ampliando a utilização de tecnologias de informação e apoiando internamente setores importantes como o de saúde, alimentos, higiene, limpeza, logística e outros capazes de se manterem operantes nesse momento. Adicionalmente, o governo pode planejar e mobilizar recursos no sentido de realizar investimentos que permitiriam o estabelecimento de condições mínimas de recuperação depois de atenuada a crise. O foco, portanto, seria o de manter o consumo no nível mais elevado que a situação permitisse ao mesmo tempo em que novos empreendimentos pudessem apresentar perspectivas mais promissoras de recuperação para o setor privado. Países como China, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos já deram início a medidas semelhantes que caminham nesse sentido. Estes governos compreenderam a gravidade da situação econômica e não estão realizando tais ações por altruísmo, mas vislumbram estas medidas como ações para a sobrevivência do sistema econômico e para a manutenção da condição civilizada da sociedade contemporânea. No Brasil, o componente da ação econômica que exigiria maior coragem política por parte dos gestores do Estado é justamente o de enfrentar as contrariedades internas e escapar da imposição da doutrina econômica vigente assentada em preceitos neoliberais. Há setores sociais que fazem forte oposição a uma maior intervenção do governo no âmbito econômico. Não consideram, porém, a experiência passada, como a do período que vai da Grande Depressão dos anos 1930 aos anos do pós Segunda Guerra Mundial. Naquele momento, o Estado foi o único capaz de mobilizar instrumentos de intervenção e coordenação econômica que permitiram superar a crise em favor de empresas e da sociedade civil e conduzi-los a patamares de desenvolvimento mais elevados. Manter não só um nível mínimo de operação na economia, mas talvez aproveitar a situação para mobilizá-la e melhorá-la em termos de organização e inovação pode ser tanto uma solução, quanto talvez um novo caminho para uma economia já anteriormente debilitada. O problema da Covid-19 pode nos mostrar, pelos falsos extremos que se apresentam – o de escolher entre morrer enfermo ou morrer de fome – que não devemos acentuar aqui e no resto do mundo um sistema de economia liberal que sempre nos leva a medidas extremas em que a vida valeria menos do que a riqueza acumulada. O Estado que hoje, na maioria dos países, é em grande medida uma representação da população deve, dessa maneira, em primeiro lugar, zelar pela proteção dos cidadãos para secundariamente avaliar e ajustar perdas econômicas do setor produtivo.

    Notas:

    (1) Ver recomendações da Organização Mundial de Saúde: WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO) et al. Consideration for quarantine of individuals in the context of containment for coronavirus disease (COVID-19). Disponível em: https://apps. who. int/iris/bitstream/handle/10665/331497/WHO-2019-nCoV-IHR_Quarantine-2020.2-eng. Pdf. Acessado em: 12 de abr. 2020.

    (2) Para maiores informações, recomendamos a reportagem da BBC Brasil: “Coronavírus: por que é fundamental ‘achatar a curva’ da transmissão no Brasil”, 13 de março de 2020. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51850382. Acessado em: 12 de abr. de 2020.

    (3) O ministro da economia, Paulo Guedes, chegou a afirmar a congressistas sobre a perspectiva de redução de 4% no PIB caso o pico da pandemia chegue até o mês de julho de 2020. LEMOS, Iara. “Guedes diz a senadores que PIB pode recuar até 4% se isolamento passar de julho”. O Estado de São Paulo. São Paulo, 10 de abril de 2020.

    (4) “The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation and Suppression”, Walker, P.G.T., et. al. Imperial College COVID-19 Response Team, 2020. Disponível em: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-Global-Impact-26-03-2020v2.pdf

    (5) Conforme o IBGE o índice de desemprego para o último trimestre de 2019 era de 11% da população economicamente ativa. Painel de Indicadores. IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/indicadores#desemprego. Acesso em: 12 de abr. 2020.

    (6) Um auxílio emergencial de R$600,00 está sendo liberado pelo governo federal, todavia este valor ainda não chega a um salário mínimo (R$1.045,00), o que significa que, em termos totais, dificilmente se aproximará de um patamar mínimo de consumo de toda a economia em uma situação como esta.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • COVID-19 e os riscos da modernidade: modernização como causa e como consequência

    Na sociologia contemporânea, principalmente na obra de Ulrich Beck, as pandemias já eram identificadas como um dos principais riscos da modernização. O caso atual da COVID-19 veio para confirmar isso, e mais que isso, é fácil identificar como o processo de modernização aparece como causa, mas também como consequência da pandemia. O difícil é vislumbrar quais serão os impactos das mudanças nos processos sociais no período pós-pandemia.

    A modernização como causa se apresenta a partir de duas transformações fundamentais vivenciadas pela humanidade no último século: degradação ambiental e desenvolvimento de meios de transportes, principalmente aéreo. A degradação ambiental, com redução das áreas de floresta, expansão das cidades, presença do homem em áreas de vida selvagem, propiciou o chamado spillover, isto é, o vírus deixou de ser hospedado apenas pelo morcego, migrando para outras espécies de hospedeiros. A alteração do meio natural é fruto direto do processo de modernização, e um fator importante para a ocorrência de epidemias, como da dengue, malária, zyca, etc.

    A modernização do sistema de transporte possibilitou intenso deslocamento de sujeitos por entre diversos territórios. O grande volume de voos, que passavam dos 250 mil voos diários no período pré-COVID-19, e o barateamento do transporte aéreo, sem dúvida foram fundamentais para a disseminação tão rápida da COVID-19 por praticamente todos os países do mundo. Em outros tempos, quando os meios de transporte não eram tão rápidos e acessíveis, as epidemias se restringiam a determinados territórios, como foi o caso da peste negra, que se desenvolveu ao longo da rota da seda.

    Ao analisarmos as rotas aéreas e a propagação do vírus entre as diversas localidades, percebemos que nas áreas com maior número de voos houve maior número de casos. As pessoas se deslocam entre países e com isso facilitam a propagação. A África e América do Sul, regiões com menor volume de tráfego aéreo, também tem apresentado até o momento menor número de casos. Obviamente, numa segunda fase, o contágio ocorre a partir da mobilidade dos indivíduos dentro do próprio país, e já não é possível traçar paralelo com o transporte aéreo. 

    Imagem: World Airline routemap 2009. Wikipedia.org

    Imagem: Genomic epidemiology of novel coronavirus. Nextstrain.org

    A situação atual ilustra perfeitamente a afirmação de Ulrich Beck “é o fim dos ‘outros’”. Todos os habitantes do planeta se veem ameaçados pela pandemia e, nesse momento, categorias tradicionais de análise sociológica, como as classes sociais, se veem fragilizadas, afinal a pandemia é, aparentemente, mais democrática, no sentido de ameaçar e atingir a todos, porém situações de vulnerabilidades podem potencializar a pandemia. Se dinheiro não impede a contaminação, a falta dele fragiliza ainda mais a população. Se todos somos igualmente atingíveis, o pobre, o negro, a mulher, o morador de rua, tem seus riscos amplificados.

    Essa situação é típica de países que ainda não solucionaram problemas da primeira modernidade, e num momento de modernização comprimida, tal qual o que vivemos agora, temos os riscos da modernidade intensificados, pois eles são cumulativos: não resolvemos o problema da distribuição de renda, da igualdade de gênero (problemas da 1ª modernidade) e temos novos problemas surgindo, como as pandemias, os riscos ecológicos, o desemprego por robotização (problemas da 2ª modernidade). Os países do sul global, de maneira geral, vivenciam essa tal de modernização comprimida, o que dificulta ainda mais a solução dos problemas atuais. 

    E dentro dessa ideia de modernização comprimida é que precisamos analisar a noção de modernização como consequência. Nas últimas semanas temos vivenciados uma modernização forçada em diversas esferas da nossa vida: seja pela obrigatoriedade do ensino à distância, pelo home office ou pelas teleconsultas médicas ou psicológicas. Por tantos anos essas atividades foram barradas pelos conselhos de classe, e ,de repente, nos vemos impelidos a executar.

    Essa modernização forçada ocorre sem infra-estrutura necessária (afinal, quantos lares possuem um computador para cada criança e cada adulto? Quantos dispõe de internet em velocidade adequada?) e sem formação adequada (quantos professores sabem usar as ferramentas para propiciar um ensino adequado? Quantos realizaram cursos para isso?). As empresas foram obrigadas a passarem por uma revolução digital que vinha sendo protelada ao longo das últimas décadas e o resultado disso é incerto. Será que o desemprego vai aumentar? O desenvolvimento de novos softwares para facilitar o trabalho remoto irá impactar no cotidiano das empresas e na maneira como estamos habituados a trabalhar? 

    A pandemia do COVID-19 forçou a modernização digital e se antes a internet era vista como responsável pelo distanciamento das pessoas, hoje ela é salvação para o encontro semanal entre amigos ou para a conversa com os pais. As relações sociais estão passando por uma profunda reestruturação, e essa mudança em um curtíssimo período de tempo pode estar repleta de efeitos adversos. Saberemos lidar com a depressão e ansiedade? Substituiremos bem o contato pessoal pelo encontro virtual? Como ficarão as relações quando a pandemia passar?

    A modernização como consequência nos traz dúvidas e ela materializa a noção de sociedade de risco. Estamos imersos em incertezas, ambiguidades, complexidades. O risco é invisível e ele só se materializa quando se confirma. A COVID-19 é um risco invisível, mas potente o suficiente para mudar as relações sociais e de trabalho, impactando tantas esferas de nossa vida, que é capaz de criar um novo mundo, uma nova ordem social – e não se sabe se ela será melhor ou pior que a atual.

    E por se tratar de um impacto global, já se discute a necessidade de uma governança global, o que coloca em questão as fronteiras geográficas, as respostas políticas locais, assim como os processos de individualização. A humanidade pode estar entrando em um novo momento e a imaginação sociológica deve estar aflorada entre nós, para que possamos captar essas mudanças, analisando-as com criticidade, propondo alternativas e soluções possíveis aos novos problemas que surgirão. 

    Para saber mais: 

    BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.

    NEXTSTRAIN. Real-time tracking of pathogen evolution. Novel coronavirus (2019-nCoV). Disponível em https://nextstraing.org

    QUAMMEN, David. Spillover: animal infections and the next human pandemic. New York: W. W. Norton & Company, 2012. 

    RICHARDS, Sarah Elizabeth. Como mutações do coronavírus podem ajudar a traçar rota de propagação e refutar conspirações. National Geographic, 3 de abril de 2020. Disponível em https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2020/04/como-mutacoes-do-coronavirus-podem-ajudar-tracar-rota-de-propagacao-e-refutar

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Sobre o período de incubação da doença e suas relações com a quarentena…

    A doença da Covid-19 vem nos impondo uma série de desafios cotidianos. Para nós, no sentido individual, já temos percebido que a doença no Brasil não são apenas números que se somam dia a dia. Já são nomes de conhecidos, amigos e familiares que viram estatística, ou não – dependendo da gravidade dos sintomas e se é necessário hospitalização. Nos casos mais severos, acompanhamos apreensivos internações e, muitas vezes e infelizmente, a despedida de longe dessas pessoas – por medidas sanitárias. 

    Por outro lado, cientificamente, temos tentado compreender a doença em uma velocidade recorde, sem o tempo comum para revisar estudos e debatê-los com colegas da nossa área.

    Período de incubação, o que é isso?

    Um dos artigos que nos chegou às mãos recentemente (publicado no dia 10 de março), aponta que “Nosso entendimento atual do período de incubação do COVID-19 é limitado”. Este estudo analisou o contágio e aparecimento de sintomas de 181 pessoas com infecção confirmada para SARS-CoV-2, ou também conhecido como Novo Coronavírus, antes de 24 de fevereiro deste ano, fora da província de Wuhan (China).

    O período de incubação é o tempo entre o momento em que alguém se infecta pela doença, até o patógeno iniciar sua replicação (e a pessoa tornar-se infecciosa também). No caso da COVID-19, o período de incubação em média é de 5,1 dias.

    Mas este período varia! Segundo a Organização Mundial da Saúde, o período de incubação da Covid-19 ocorre entre 1 e 14 dias. Este estudo, publicado por Lauer e colegas, mostrou que 2,5% das pessoas analisadas apresentaram sintomas em 2,2 dias após a infecção pelo vírus e 97,5% das pessoas apresentam sintomas em 11,5 dias. 

    Qual a relevância deste debate para o combate à transmissão da doença?

    Em geral, ao apresentar os sintomas da doença, o que temos chamado de estar sintomático, é associado à transmissão do patógeno (neste caso o vírus SARS-CoV-2). Entretanto, as evidências mais recentes de transmissão do novo Coronavírus por pessoas levemente sintomáticas e, até mesmo, assintomáticas, foi possível observar que o período de incubação pode ser menor que o período de incubação estimado nos estudos. E isto tem implicações importantes tanto para a dinâmica de transmissão da doença, quanto para a implementação de estratégias de contenção de seu espalhamento na sociedade.

    Se formos compreender que a partir do dia 1 de infecção (isto é: algumas horas após termos sido expostos ao vírus) nós já estamos, potencialmente, transmitindo esta doença até 15 dias após esta exposição, a projeção de isolamento preventivo seria 15 dias, no mínimo. 

    Como assim, 15 dias no mínimo?

    Sim. Considerando, por exemplo, que eu me infectei hoje, dia 10 de abril, e em 15 dias eu não apresentei qualquer sintoma, tudo indicaria que eu passei do período de incubação e, não serei mais um agente transmissor do vírus a partir do dia 25 de abril (aproximadamente e de acordo com o que temos de dados neste momento).

    Todavia, a partir do primeiro sintoma – mesmo que muito leve – este tempo de isolamento precisa se prolongar a contar do primeiro dia de aparecimento do sintoma. Alguns estudos apontam evidências, por exemplo, de carga viral alta e um longo período de eliminação do vírus, em pacientes que apresentam sintomas críticos da Covid-19 por muitos dias após início do tratamento da doença (estes são os pacientes que precisam de internação hospitalar com tratamento em UTIs).

    De modo geral, a fase infecciosa se prolonga, para aquelas pessoas que demonstram sintomas, até (no mínimo) 7 dias após o aparecimento do primeiro sintoma e (conjuntamente) 3 dias após cessarem a febre e mais algum sintoma que esteja ocorrendo (coriza, tosse, espirros, falta de ar, dor de cabeça…). O mais prudente, portanto, seria o isolamento total durante esta fase.

    Sobre isolamento social e espacial: qual a relevância disto?

    Já falamos em algumas postagens anteriores e seguiremos apontando esta medida como a principal ferramenta de estancar a transmissão da doença COVID-19! Os estudos sobre a transmissão e o período de incubação apresentados neste post nos mostram que a transmissibilidade do vírus pode iniciar muito brevemente após a infecção e varia entre as pessoas infectadas.

    Estes estudos também apontam que a pessoa infectada segue contagiando outras pessoas por vários dias após os sintomas desaparecerem. Considerando que cerca de 85% das pessoas infectadas apresentam nenhum sintoma, ou sintomas muito leves (muitas vezes não sendo contabilizadas em países que não estão realizando testes em massa), não sabemos quando ou se fomos infectados. Mas neste caso podemos estar espalhando o vírus mesmo assim!

    Dessa forma, o isolamento social e espacial é a medida mais segura, uma vez que prevê que tenhamos pouco contato entre pessoas, diminuindo a possibilidade de nos contagiarmos e contagiarmos outras pessoas. Nosso contato com objetos contaminados e não desinfectados, ou com outras pessoas que estejam infectadas – mesmo sem apresentar sintomas e ou adoecimento aparentes – é a maneira mais rápida do espalhamento do vírus. 

    Infelizmente, o tempo de isolamento é longo e, sim, têm impactos na nossa vida psicológica, financeira e afetiva. Mas não existe outro modo seguro de minimizar os efeitos da disseminação do Coronavírus na sociedade enquanto não entendermos melhor os outros aspectos desse vírus.

    Mais uma vez: fique em casa

    Não cansaremos de falar isto: fique em casa se você puder, diminua a sua exposição em espaços públicos, não visite, cumprimente, beije ou abrace pessoas – especialmente aquelas que não estão cumprindo o isolamento social.

    Se for possível, em sua casa, tente não compartilhar objetos como pratos e talheres. Se você mora com mais pessoas e precisa sair, tome todas as precauções já indicadas em nossas redes sociais para manter as pessoas de sua casa sem contaminação também. 

    Para saber mais:

    LAUER, S. A.; GRANTZ, K. H.; BI, Q.; JONES, F. K. et al. The Incubation Period of Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) From Publicly Reported Confirmed Cases: Estimation and Application. Ann Intern Med, Mar 10 2020.

    Liu, Yang; Yan, Li-Meng; Wan, Lagen; Xiang, Tian-Xin; Le, Aiping; Liu, Jia-Ming; Peiris, Malik; Poon, Leo; Zhang, Wei. Viral dynamics in mild and severe cases of COVID-19. Publicado em 19 de Março de 2020. DOI:https://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30232-2

    Li, Ruiyn; Pei, Sen; Chen, Bin; Song, Yimeng; Zhang, Tao; Yang, Wan; Shaman, Jeffrey.  Substantial undocumented infection facilitates the rapid dissemination of novel coronavirus (SARS-CoV2). Science, 16 Mar 2020, DOI:10.1126/science.abb3221

     

    Figura de capa: Por David S. Goodsell, RCSB Protein Data Bank; 

    doi: 10.2210/rcsb_pdb/goodsell-gallery-019

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A desinformação azeda sobre o limão na COVID-19

    A simples ingestão de um ou outro alimento poderia nos tornar imune ao coronavírus? Apesar de estranha,  tenho presenciado situações e recebido mensagens diversas sobre o pH dos alimentos e sobre diversos produtos que as pessoas tem utilizado em substituição ao álcool em gel.

    A primeira delas ocorreu logo após o governo de São Paulo decretar a quarentena oficial (anúncio feito dia 20/03 com quarentena a partir de 24/03). Confesso que precisei ir ao mercado para comprar insumos básicos e notei que, além da falta do álcool gel, o limão também era um item ausente nas gôndolas. Ao questionar um dos funcionários sobre o sumiço do limão, ele me informou que as pessoas estavam comprando pois acreditavam que o suco de limão preveniria a COVID-19.

    A segunda situação ocorreu mais recentemente, quando recebi uma mensagem relatando que a ingestão de alguns alimentos poderia proteger nosso organismo devido ao pH do alimento versus pH do vírus. A mensagem afirmava que o pH do limão era 9,9 e o do abacate 15,6, enquanto que o pH do vírus variava entre 5,5 e 8,5. No entanto, alguns estudos mostram que o pH desses dois frutos são respectivamente 2,17 (em uma média de três tipos distintos de limões)1 e 6,59 (na média de duas espécies de abacates)2;

    Bom, vamos buscar na Química o que é, qual a escala e como varia o pH para entender quais as explicações adequadas (se é que existem).

    O que significa o tal do pH?

    A medida de pH é um parâmetro que indica o quanto um sistema é ácido ou básico, algo que é uma das características das soluções químicas naturais ou sintéticas. Você provavelmente já ouviu falar que o limão ou laranja são frutas ácidas. Do mesmo modo, se olhar o rótulo de uma garrafa de água mineral, poderá notar a indicação do pH deste produto. 

    Mas a acidez não é igual em todos os casos. Existem soluções mais ácidas e menos ácidas e essa intensidade é medida por uma escala denominada “escala de pH”, que comumente é nos apresentada variando entre 0 (pH relacionado a uma solução mais ácida) a 14 (pH relacionado a uma solução mais básica – ou menos ácido), sendo o valor 7 um pH de uma substância / solução neutra.

    Assim, quanto mais distante da neutralidade (pH 7) maiores problemas as substâncias poderiam causar se consumidas. Ressalta-se no entanto, que consumimos alimentos ácidos (como algumas frutas cítricas) e alimentos com pH básicos (o leite, por exemplo). No entanto, substâncias extremamente ácidas ou básicas podem apresentar caráter corrosivo. 

    Quimicamente falando, o termo pH significa potencial hidrogeniônico e se representa a capacidade de liberação da espécie química H+ (íon hidrogênio ou próton, de modo simplificado) ou liberação de H3O+ (íon hidrônio) . Essa definição é a utilizada para o desenvolvimento de sistemas que permitem determinar os valores da escala mencionada. Mas de fato, o que nos interessa no momento é entender por que o pH está sendo associado ao combate do corona vírus.

    O pH e nosso organismo?

    No nosso caso, podemos citar o sangue, uma mistura de várias substâncias que circula por quase todas as partes do nosso corpo. Para que as transformações bioquímicas do nosso organismo aconteçam de modo adequado, o pH desse sistema deve estar com valores adequados. 

    No  caso do nosso sangue, o pH varia entre 7,34 e 7,44 unidades, sendo a média aceitável de 7,43. Ressalta-se que dependendo do local em nosso organismo, esses valores podem ser distintos. Nosso organismo se esforça para manter esse valor, e qualquer alteração desencadeia diferentes respostas, com diferentes transformações para corrigir tal alteração. 

    Sim, nosso organismo possui mecanismos para manter o equilíbrio interno existente, de modo que dificilmente conseguimos alterar esse valor. E mais, caso isso ocorra, provavelmente teremos sérios problemas, podendo mesmo levar a morte

    Por exemplo, valores de pH sanguíneo muito baixos, podem gerar o problema denominado acidose (ou acidulose) o qual está associado a sobrecarga respiratória, vasoconstrição renal, entre outros. Enquanto valores de pH elevados estão associados a alcalose, associada a hipocalcemia, ou seja, taxa de cálcio no sangue baixa, hipopotassemia, quantidade menor de potássio do que a recomendada, entre outros.

    Pois bem, o que as mensagens têm recomendado?

    Cabe então comentar a respeito de duas informações / recomendações contidas nessas mensagens.

    Será que  ao passarmos substâncias ácidas na mão (como o limão que estava em falta no mercado) estaríamos nos protegendo contra o vírus? Neste caso, o limão seria um produto anti séptico?

    Se por um lado, para que o vírus sobreviva são necessárias condições adequadas, incluindo o pH, por outro lado: 

    – não se sabe quais valores de pH (ou níveis de acidez) são suportados pelo coronavírus;

    – não existem quaisquer estudos que avaliaram a eficiência de frutas cítricas em contato com a pele no combate ao vírus;

    – não existem produtos a base de limão testados para esta finalidade nem em termos de anti-sepsia, nem em relação possíveis problemas dermatológicos.

    Para além de tudo isso, ao passar limão na pele você corre riscos de desenvolver queimaduras (alguns podem conhecer como queimaduras de limão), uma vez que a pele em contato com substâncias presentes no limão (e em alguns outros alimentos) em presença da luz solar gera o problema conhecido como fitodermatite. Portanto, ao passar limão na pele, você não só não terá certeza de que está protegido como poderá ficar com a pele queimada e manchada.

    A segunda mensagem propagada é a de que ao ingerirmos substâncias ácidas ou básicas, nosso corpo teria seu pH alterado e o vírus então não sobreviveria. Nesse caso, não há muita lógica.

    Qualquer alimento ingerido é metabolizado e passa por diversas transformações até seus nutrientes serem levados aos locais específicos. FELIZMENTE, o equilíbrio presente em nosso organismo faz com que o pH das diferentes partes do corpo se mantenha dentro da faixa adequada. Então, por mais  que você consuma grande quantidade de limão, seu sangue não ficará mais ácido. Na pior das hipóteses você terá uma boa azia causada pelo excesso momentâneo da sua acidez estomacal.

    Portanto, essa receita caseira não funciona. Se você deseja se proteger, as recomendações continuam as mesmas. Lavar as mãos com água e sabão e/ou utilizar álcool gel e manter-se, nesse momento, em distanciamento social.

    Não há soluções mágicas. Os estudos para o desenvolvimento de vacinas e o teste de medicamentos estão sendo feitos e cabe compreendermos que estes envolvem etapas necessárias para que se garanta a qualidade e segurança dos produtos que serão administrados.

    Para saber mais

    1BRIGHENTI, Deodoro. et al. Inversão da sacarose utilizando ácido cítrico e suco de limão para preparo de dieta energética de apis mellifera Linnaeus, 1758. Ciência e Agrotecnologia. Lavras. v. 35. n. 2. p. 297-304. 2011.

    2BORGES, C.D. et al. Características físicas e químicas de abacates das variedades Margarida e Breda. XXV Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos. Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Gramado. 2016.
    3FURONI, R. et al. Distúrbios do equilíbrio ácido-base. Revista da Faculdade de Ciências Médicas. Sorocaba. v.12. n.1. p. 5-12. 2010. 

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Como se produz um resultado científico e o que isto tem a ver com a Covid-19?

    Vocês já tiveram a impressão de que a ciência é uma bagunça esquisita? Uma hora lemos que o café faz mal, noutro momento, café salva nossos corações… O chocolate então? Passa de vilão para herói ano sim, ano não… Tudo isso faz com que a ciência, os resultados e conhecimentos científicos muitas vezes sejam desacreditados. 

    Em tempos de pandemia da Covid-19, causado pelo SARS-CoV-2 (também conhecido como “coronavírus”), isso possa ser mais difícil de entender ainda! A cada dia são inúmeros artigos publicados, em velocidades que para quem está fora deste universo pode se perder e/ou se confundir facilmente.

    No post de hoje, gostaríamos de falar um pouco sobre o processo de produção de conhecimento acadêmico-científico e sua validação. A ideia é mostrar que a ciência pode parecer sim contraditória, mas é outro o processo que a move… E para isto, vamos falar um pouco da nossa pesquisa (que aparentemente se relaciona muito pouco com a COVID-19, mas ao mesmo tempo, tem tudo a ver com isso!).

    Somos cientistas diferentes! Não usamos jalecos brancos, nem luvas ou máscaras, nem ficamos dentro de laboratórios de pesquisa cheio de estantes com vidrarias e maquinários. Produzimos alguns resultados científicos diferentes daqueles que estes cenários procuram nos mostrar. Nosso “laboratório”, muito frequentemente, é uma sala comum com uma mesa e cadeiras, nosso uniforme pode ser qualquer roupa e nossos maquinários são muitos livros e um computador simples, cujo maior barulho é o das teclas sendo digitadas. Mas como assim? Existem jeitos diferentes de fazer ciência e produzir resultado científico?

    Sim! Existem. Costumeiramente, se explica a ciência como uma série de etapas estanques: pergunta, hipótese, experimentos, resultados e conclusões. Essa série, muitas vezes, é conhecida como o método científico (embora ele seja muito mais do que apenas estas etapas). Mas as coisas não são tão simples e lineares assim… 

    No nosso caso, pesquisamos a própria ciência: como ela é produzida, em que espaços e que sujeitos a produzem e como ela chega na sociedade, por exemplo. E este campo de pesquisa que atuamos nos ajuda a entender que os resultados científicos (os impactos ambientais, o estudo de doenças como a COVID-19 e a H1N1, os alimentos mais ou menos saudáveis, as formas de ensinar melhor conteúdos de ciência etc.) são feitos com base em muitos pontos em comum. E, por isso mesmo, os resultados científicos são temporais, fruto de um contexto e, por isso, variáveis e mutáveis.

    Mas que pontos em comum seriam estes?

    – A necessidade de uma metodologia demonstrada: o que costumamos chamar de “método científico”. Este ponto diferencia um resultado científico de qualquer outro “achismo” ou “crença”. Um resultado para ser considerado científico tem que ter passado por um processo, um conjunto de etapas, com uma análise que deve ser o mais detalhada possível. Esse processo ou metodologia pode ser feita em diferentes ambientes – em laboratório, no campo, em uma biblioteca, uma escola ou outro espaço –; ser feito com a ajuda de diferente instrumentos – computadores, máquinas de PCR, de sequenciamento, livros e outros – e ter um encadeamento de etapas uma após a outra, muito bem demarcadas, para que, se necessário, possa minimamente ser refeito (nas áreas biomédicas e de saúde, das ciências naturais e da terra, chamamos isso de replicação) ou compreendido e validado por outros pesquisadores da área, a partir da análise da coerência entre objetivos, metodologia e discussão dos dados;

    – A necessidade de amparo em outros resultados já publicados: um resultado científico considerado válido, que teve uma metodologia bem detalhada, deve ser amparado por outros resultados também científicos já publicados e livres para o acesso àqueles interessados na área em questão. Todas essas pessoas interessadas e atuantes em uma dada área compõem a comunidade de pesquisadores da mesma. O que chamamos de “amparo” não é apenas confirmação de nossos dados, mas parte dos estudos já existentes para realizar novas perguntas, embasar hipóteses, testar novos experimentos, ou buscar semelhanças ou mesmo diferenças em situações ou fenômenos específicos que estão sendo estudados;

    – A necessidade de respaldo pela comunidade científica de cada área: com o crescimento das pesquisas científicas e a intensa diversificação da ciência por áreas, cada vez mais pesquisadores se envolvem com a produção de resultados científicos. Assim, são essas comunidades de pesquisadores que respaldam estes resultados umas das outras e possibilitam dizer e determinar o que é científico ou não; o que pode ser considerado válido ou não. A análise destes resultados deve seguir determinadas etapas, que são averiguar a coerência entre hipóteses, objetivos de pesquisa, rigor metodológico e, por fim, apresentação dos resultados;

    – Os resultados terem validade: que fique claro que existem diferentes comunidades científicas, diferentes metodologias de pesquisa e, portanto, obviamente, diferentes resultados científicos e modos de apresentar estes resultados. Mas se todos passaram por essas etapas, eles são resultado considerados válidos!!! Quando ressaltamos a palavra “resultados válidos” não quer dizer que eles possuem um “selo de eternidade”, porém são considerados legítimos nesse momento em que foram a público. Isto ocorre até que outro estudo também siga estes passos, traga outras respostas e/ou novos questionamentos. Então, o aceito cientificamente é SEMPRE momentâneo! E o processo de produção de um resultado científico é MUITO variável, pois depende de cada um destes pontos.

    Observem que todas essas etapas são relacionadas umas às outras, são interdependentes; e, portanto, um resultado para ser considerado científico deve passar por todo este processo!

    Quando as pesquisas científicas parecem contraditórias, muitas vezes elas estão fazendo o que consideramos básico na produção de conhecimento: questionando. É a partir da análise de conhecimentos científicos passados, da observação de fenômenos, fatos, situações e, principalmente, do questionamento disto, que conseguimos avançar na ciência. 

    E veja: questionar não é “ter uma opinião diferente” e, por isso, discordar. Questionar nem sempre é discordar… O ato de questionar uma pesquisa (resultado, premissas, metodologias) é uma forma de testar as coerências, limites e novas possibilidades de aquele resultado, muitas vezes, seguir valendo. Também é possível acrescentar fatores que ou não foram pensados anteriormente ou não tínhamos condições técnicas e instrumentais para testarmos. E, claro, também podemos nos contrapor e buscar novas testagens que contradigam alguma pesquisa. 

    Portanto, os conhecimentos produzidos pela ciência são resultados diferentes de uma opinião qualquer baseada em alguma informação aleatória “que ouvimos falar do fulano ou do beltrano” ou que foi postada em twitter/facebook ou encaminhada via whatsapp, ou colada no painel do condomínio. 

    Como confiar no que lemos sobre a ciência se ela muda o tempo inteiro?

    Para podermos responder esta pergunta, é fundamental perceber que a ciência não muda o tempo inteiro… O mais correto seria apenas dizer que a ciência não é algo único e linear; e que os resultados científicos podem mudar o tempo inteiro. Quando falamos “a ciência” estamos falando de coletivos de pessoas que produzem e debatem o conhecimento, buscando o consenso (o tempo inteiro)!

    Além disso, muitas vezes, estes grupos estão analisando aspectos diferentes do mesmo objeto, como o coronavírus, por exemplo (mas isso é pauta para outra postagem, que faremos em breve…). 

    O que acontece agora, de maneira mais específica é que estamos vivendo uma situação que é exceção. Uma doença nova que apareceu e nos desafia a compreendê-la muito rapidamente, pois sua transmissão – o contágio entre uma pessoa e outra e consequente o espalhamento na sociedade – se dá numa velocidade muito grande.

    Estas pesquisas, que costumam se desenvolver com o passar dos anos – e um bocado de investimentos e incentivos governamentais – devem, também, tentar acompanhar as características desta doença que está tirando centenas de vidas em dias, e não em anos. Além disso, essas pesquisas buscam desenvolver estratégias de cura e contenção muito mais rapidamente do que temos condições, e estamos habituados a fazer, normalmente.

    Tudo isto gera, sim, insegurança entre os cientistas. Estamos todos correndo contra o tempo buscando entender essa doença enquanto ela rapidamente nos contamina. A insegurança, no entanto, não é em relação ao conhecimento científico e sua produção. Compreendemos, assim, que não existem milagres e que a ciência se faz colaborativamente. Dialogamos o que vem acontecendo e este diálogo que gera, sim, um pouco de ansiedade pela quantidade de informações e debates sobre tratamento, cura, modos de proteção individuais etc. Este é o modo pelo qual cientistas no mundo inteiro têm produzido conhecimento sobre a COVID-19 e o Coronavírus; e estabelecido comunicação para chegar a um consenso o mais rápido possível

    O conhecimento científico, com todos os seus questionamentos (e exatamente por causa deles!), é neste momento nossa melhor ferramenta para minimizarmos os efeitos avassaladores dessa doença. 

    E como eu posso ajudar?

    É difícil sentir-se impotente frente a tudo isso… A primeira questão que é fundamental é: não espalhe desinformação nem fake news e fique em casa se possível. Só isto já é, realmente, um grande passo.

    Não divulgue receitas milagrosas de cura, que não tenha um embasamento técnico-científico e tente seguir poucos canais de informação, mas confiáveis (aqui no Blogs fizemos uma lista especial para vocês!). Os canais de Divulgação Científica (como este blog e vários outros) têm buscado trabalhar as informações de maneira mais acessível possível, para que todos compreendam melhor todo este processo de pandemia que temos vivenciado…

    Por fim, mas não menos importante, se tiveres condições financeiras, busque coletivos seguros de ajuda a grupos em fragilidade social (cuidado com os golpes, ajude quem você conhece SEMPRE), universidades e centros de pesquisa, por exemplo. Vem sendo dito nas redes sociais, parece clichê, e é clichê, mas é verdade: quanto mais a quarentena funcionar, menos ela parecerá necessária!

    Para saber mais:

    LATOUR, Bruno & WOOLGAR, Steve (1997). A vida de laboratório. Rio de Janeiro: Relume Dumará.
    SCHWANTES, Lavínia. Ciência: muito se fala, pouco se define. In: MAGALHAES, Joanalira Corpes. Ensino de ciências: outros olhares, outras possibilidades. Rio Grande: Ed FURG, 2014. p. 43-50.WORTMANN, Maria Lucia Castagna (2008) A visão dos Estudos Culturais da Ciência. Com Ciência. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • A Cólera, uma Pandemia Imperialista

    Estamos vivendo uma nova pandemia. A cada pandemia, nossos recursos e nossa capacidade de reagir tem aumentado sensivelmente. Mas os nossos problemas, entretanto, ainda são os mesmos: desigualdade, infraestrutura precária, pouco comprometimento das autoridades públicas. E, da mesma forma, em meio à loucura coletiva que se instala, há muito esforço da população e da sociedade para superar e vencer estes momentos tão dramáticos.

    Doente de Cólera (~1880)

    Nosso exercício aqui é discutir e trazer alguns dados destas pandemias antigas no mundo e no Brasil. É um esforço para que, através do conhecimento histórico trazido por estas outras pandemias, nos ajude um pouco na compreensão do conturbado momento em que vivemos. Conhecer a história, neste caso um pouco de História da Ciência, é necessário para que este conhecimento possa nos ajudar e – por que não? –  nos guiar neste mar revolto que estamos atravessando.

    A primeira pandemia da modernidade

    No rol das grandes pandemias que assolaram a humanidades nos últimos duzentos anos, as pandemias de cólera merecem um lugar de destaque. (adoto aqui cólera, seguindo a professora Raquel Lewinson, pois, segundo ela, a palavra não é masculina). Sua virulência e sua letalidade, assim como a rapidez com que se espalhou por todos os continentes habitados fez dos diversos surtos de cólera que tem nos assaltado ate hoje (!) momentos de grande sofrimento e apreensão.

    A cólera é causada por uma bactéria, o vibrião colérico. Em meados do século XX, além do vibrião colérico “clássico”, os biotipos El Tor e El-Tor-Inaba surgiram para complicar o quadro. Entretanto, o vibrião colérico não tem outros hospedeiros além do homem. Por outro lado, não existem hospedeiros animais conhecidos. O vibrião se encontra nas fezes, tanto de doentes quanto de pacientes assintomáticos. A contaminação das pessoas se dá por ingestão de água ou alimentos contaminados.

    Depois de deglutido, se conseguir sobreviver à acidez do estomago, o vibrião chega ao trato digestivo humano. Lá instalado, o vibrião causa muita diarreia e vômitos, além de cólicas abdominais e espasmos musculares violentos. Quando infectada pela cólera, a pessoa fica rapidamente desidratada e com uma coloração azulada, a pele murcha. Assim, a morte se dá pela violenta perda de água, assim como dos eletrólitos nela dissolvidos. Isto causa desidratação, queda do volume de sangue circulando, hipertensão arterial e arritmias cardíacas, bem como falência das funções de circulação do sangue e dos rins.

    A Cólera e o Império Britânico

    A cólera é originaria da Índia, onde ela é uma doença endêmica, principalmente na região de Bengala. Existem notícias desde 500 a.C., escritas em sânscrito e em grego, relatando doenças parecidas com a cólera. Gaspar Correa, que participou da viagem de Vasco da Gama à Índia, anotou a ocorrência de uma fulminante doença na região do Malabar. Desta forma, Gaspar Correa descreveu uma doença fulminante, uma forte dor de barriga que matava as pessoas em oito horas.  

    Entretanto, quem mais fez para que a cólera virasse uma pandemia foi o Exército Inglês. Pode-se dizer que a cólera foi a primeira grande pandemia imperialista. Viajando em modernos vapores, os soldados ingleses, os “red coats”, espalharam a doença a partir da Índia para quase todos os portos em que fizeram escala no Oceano Índico, até que chegaram às ruas sujas e fétidas da Londres oitocentista. De Londres, a cólera pegou o trem e espalhou-se rapidamente por todo o Reino Unido. De lá, o vibrião colérico atingiu toda a Europa e, pouco mais tarde, as Américas.

    A Pandemia seus tentáculos

    Assim, a cólera se espalhou por todo o mundo no século XIX. Os diversos surtos epidêmicos ocorreram principalmente entre os anos 1817-1823, 1826-1837, 1846-1862, 1864-75 e 1881-1896, chegando mesmo aos dias de hoje. Em sua nova forma, com o vibrião El-Tor, a doença voltou a reocupar algumas áreas da Ásia, África e Américas, de onde parecia ter sido extinta. No Brasil, os anos 1990 foram anos de epidemias muito intensas de cólera do tipo el-Tor-Inaba.

    Durante a grande pandemia do cólera, que experimentou vários pequenos surtos de mais alta intensidade, as populações expostas a sua ação ficavam apavoradas e desnorteadas. Não era para menos. Entretanto, as autoridades públicas responsáveis por este enfrentamento, embora tomassem diversas medidas, não sabiam exatamente o que fazer. Desta forma, havia uma certa noção que a higiene era importante. Mas não se sabia como a cólera se transmitia. Nem qual seria o tratamento mais adequado.

    Pacini e o vacilo de Koch

    Os governos e dos cientistas de todos os países durante este tempo gastaram muito tempo e dinheiro na busca de uma solução para se descobrir as causas da transmissão e também a cura da doença.

    Filipo Pacini, anatomista italiano, descobridor do Vibrião da cólera em 1854
    Filipo Pacini, anatomista italiano, descobridor do Vibrião da cólera em 1854

    O vibrião colérico foi descrito pela primeira vez em 1854 pelo médico italiano Filipo Pacini (1812-1883). O trabalho de Pacini, apesar de muito bem feito e com descrições muito boas do patógeno, foi praticamente ignorado pelos patologistas europeus. Algum tempo depois, pelo alemão Robert Koch (1843 – 1910) que fez o anúncio da descoberta do “comma bacillus” em 1883. Motivo pelo qual o vibrião ficou durante muito tempo conhecido como o “bacilo de Koch”.

    (A gente não aprende que um dos princípios da ciência é a prioridade nas descobertas? Por este singelo motivo, o vibrião devia se chamar Bacilo de Pacini. No entanto, a questão, como mostraram vários pesquisadores da História das Ciências, é que a ciência não é neutra. Ela tem cara, etnia, gênero definidos. A comunidade médica Italiana tanto protestou contra o injusto esquecimento do excelente trabalho de Pacini. Tanto que, em 1965, o Comitê Internacional de nomenclatura Bacteriológica reconheceu a anterioridade de Pacini e o bacilo foi renomeado como Vibrio colerae Pacini 1854.)

    Vibrião colerico, descrito por Pacini, 1854

    Robert Koch e a bacteriologia

    O bacilo (na verdade um vibrião) da cólera foi, portanto, (re)descoberto em 1883-84 pelo Dr Robert Koch (1843 – 1910) e sua equipe. A descoberta do vibrião foi um esforço dos cientistas que construíam a “teoria dos germes”, ou teoria contagionista. Esta teoria pressupunha que as doenças seriam transmitidas através do contato entre as pessoas, que transmitiram os “germes” de uma a outra, provocando o contágio. Entretanto, a aceitação desta explicação, como tudo em ciencia, não era unversal. Existia uma outra teoria, a teoria miasmática, que pressupunha que a doença se espalharia pelo ar contaminado, os “miasmas”. Voltaremos a este assunto em outro post.

    Robert Koch, bacteriologista alemão, foi importante na descoberta dos bacios da difteria, antraz, tuberculose e cólera
    Robert Koch, bacteriologista alemão, foi importante na descoberta dos bacios da difteria, antraz, tuberculose e cólera

    Robert Koch, a partir de seu laboratório em Berlim fez várias descobertas importantes, como as bactérias que causam o antraz, a difteria e a tuberculose. Trabalhando em paralelo com Louis Pasteur e outros, foi um dos criadores da moderna bacteriologia. Desta forma, seu laboratório em Berlim foi um dos primeiros no mundo a desenvolver as técnicas de cultura de bactérias que usamos até hoje.

    Ilustração do vibrião num periódico cientifico do seculo XIX
    Seção de submucosa intestinal de uma mulher vitima de cólera quatro dias após o óbito, com comunidades de bactéria s em forma de bastão (vibriões?)

    Koch conseguiu isolar o seu “comma bacilus” numa viagem que fez ao Egito e à Índia, para acompanhar dois surtos importantes da doença. A carta que escreveu em 1884 de Calcutá foi importante como o início de novas formas de entender e trabalhar coma doença.

    Entretanto, não foi um caminho fácil. Koch ainda teria que provar que o seu “Bacilo” era o transmissor da cólera. Seu embate com o famoso médico alemão Max von Pettenkofer, que defendia uma teoria que mesclava emanações miasmáticas a partir de interações entre o solo e o lençol freático, foram debates importantes neste período.

    Pandemias e Sociedade

    Entretanto, o desenrolar de uma pandemia, como estamos vendo muito bem no presente, não se resume a contendas de ideias ente cientistas. A força da doença e os impactos na saúde das pessoas também acaba por provocar grandes comoções sociais e políticas. Assim, é desta intrincada relação que temos que escolher os fios que guiam a história destes eventos.

    A cólera, juntamente com as outras doenças endêmicas como a tuberculose, a difteria, a febre amarela e tantas outras foi responsável por um grande número de respostas dadas pelas diferentes sociedades para sua erradicação. Entretanto, depois da Pandemia de cólera, a humanidade não seria mais a mesma. Por outro lado, a pandemia não envolveu somente cientistas em seu trabalho de laboratório, por mais importante que este fosse. Envolveu médicos, mas também envolveu engenheiros, arquitetos e políticos.

    Desta forma, a cólera, como qualquer outra epidemia/pandemia,  quando ataca uma sociedade, e tornou evidentes as suas contradições, principalmente as questões de desigualdade social. Assim, as pestes, por mais democráticas que pareçam, tem uma especial predileção pelas populações mais pobres e, portanto, mais vulneráveis. Por isso, pandemias também são quase sempre misturadas aqui e ali por numerosos protestos e revoltas populares.

    Não é à toa que em representações mais antigas a peste esteja sempre associada as suas irmãs, a guerra e a fome.

    Temos muita coisa a discutir.

    Para saber mais:

    Lewinsohn, Rachel. “Três epidemias: lições do passado.” Ed Unicamp, 2003: 318 p.

    Coleman, William. “Koch’s comma bacillus: the first year.” Bulletin of the History of Medicine 61, no. 3 (1987): 315-342.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Pandemia COVID-19: potencial da Microfluídica como ferramenta para diagnósticos rápidos

    O COVID-19 agora é anunciado como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), fazendo com que muitos países declarem estado de emergência e encerrem lugares públicos. As ferramentas de diagnóstico podem desempenhar um papel fundamental na redução da taxa de disseminação e no controle do vírus. A microfluídica tem o potencial de oferecer ferramentas de diagnóstico de ponto de atendimento rápidas e acessíveis para ajudar nessa condição. Mas primeiro, vamos dar uma olhada nos recursos desse vírus

     O que são coronavírus e COVID-19?

    Os coronavírus são uma família de vírus que podem causar doenças em humanos e animais. Essa família de vírus é chamada corona, pois parece uma coroa sob o microscópio. Os coronavírus podem causar infecções no sistema respiratório em humanos. Dois dos membros conhecidos desta família podem levar à Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) ou à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS). O membro mais recente dessa família causa a Doença do Vírus Corona, também conhecida como COVID-19.

    Como é diagnosticado o COVID-19?

    De acordo com as diretrizes dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), os clínicos com base nos sinais e sintomas, epidemiologia e histórico de viagens dos pacientes são incentivados a coletar amostras, incluindo uma amostra de saliva, entre outras, para enviar a um laboratório para testes. O teste inclui uma reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa (RT-PCR) da amostra e atualmente pode levar alguns dias para ser concluída.

    Por que é importante ter um método de diagnóstico rápido?

    A detecção rápida é de importância crucial em uma pandemia. Milhares de novos casos estão sendo testados todos os dias, o que sobrecarrega os laboratórios. A detecção rápida pode reduzir o número de visitas desnecessárias às clínicas de saúde e ajudará o setor de saúde a salvar vidas, tratando os pacientes com resultados positivos. Além disso, reduz o risco de espalhar o vírus enquanto se aguarda os resultados ou é incerto sobre suas condições. Atualmente, existem testes rápidos disponíveis para alguns vírus que podem levar a um resultado em 30 minutos. Testes semelhantes podem aliviar a carga dos laboratórios e clínicas de saúde, se disponíveis para o COVID-19.

    Como a tecnologia microfluídica pode ajudar na pandemia de COVID-19?

    Como mencionado acima, uma ferramenta de diagnóstico rápido é de suma importância no momento de uma pandemia. É importante notar que pode levar até duas semanas a partir do momento da infecção para que os sintomas sejam observáveis. Isso dá a uma pessoa potencialmente infectada tempo suficiente para espalhar o vírus para 2,2 outras pessoas em média. Para isso, também devemos adicionar o tempo que o laboratório leva para gerar os resultados e devolvê-lo ao paciente e aos hospitais. Um dispositivo de diagnóstico de ponto de atendimento desejável para o COVID-19 deve ter os seguintes recursos:

    • Retorno rápido da amostra para o resultado;
    • Limite de detecção clinicamente relevante;
    • Acessibilidade

    A tecnologia microfluídica é adequada para diagnósticos no local de atendimento. A microfluídica está associada ao manuseio de uma pequena quantidade de fluido em canais e câmaras em escala de mícrons. Essas características, juntamente com as altas relações superfície/volume, permitem que os pesquisadores manuseiem menores quantidade de amostras e reagentes com maior eficiência e gerem resultados mais rapidamente do que os métodos convencionais.

    Os chips de PCR microfluídicos que foram extensivamente desenvolvidos para a detecção de patógenos como vírus ou bactérias, poderiam oferecer uma solução viável aqui, porque, se projetados adequadamente, eles podem se aproximar de um fluxo de trabalho tradicional de laboratório em RT-PCR. Além disso, eles exigem menos volume de reagentes que, por sua vez, reduzem o custo. O custo é crucial neste estágio, pois o vírus está se espalhando pelo mundo e acaba de começar a afetar os países em desenvolvimento com menos recursos disponíveis. A indisponibilidade de ferramentas de diagnóstico acessíveis pode acelerar a disseminação do vírus que estressa os sistemas de saúde.

    Em suma, a pandemia do COVID-19 nos lembra a importância de uma ferramenta de diagnóstico rápida e confiável no ponto de atendimento. A disseminação do vírus poderia diminuir se tivéssemos essas ferramentas em mãos para testes rápidos do vírus. Também poderia diminuir as visitas aos hospitais e a carga de trabalho dos laboratórios, resultando em mais espaço e melhor tratamento para os pacientes e salvando mais vidas. 

    A microfluídica tem potencial para ser usada como uma ferramenta de diagnóstico neste contexto. Ainda estamos nos primeiros estágios dessa pandemia e podemos ter outras pandemias nos ameaçando no futuro. Portanto, temos que usar todo o nosso potencial tecnológico e científico para derrotar esses casos. Biomédicos e pesquisadores são altamente incentivados a examinar os potenciais da tecnologia microfluídica a esse respeito.

    Fonte: uFluidix

    Referências: 


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    Ou nos envie um e-mail para: harrison.santana@gmail.com

    Currículo Lattes de Harrson S. Santana

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    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Isolamento social: o que fazer em casa?

    Dicas de aulas, cursos e outras atividades para o isolamento social

    Tempo de leitura: 3 min

    Desde a chegada do Covid-19 no Brasil em 23 de Janeiro de 2020, o País vem adotando várias restrições para evitar a disseminação da doença. O maior problema da pandemia do novo coronavírus é a rapidez com a que ele se espalha, e isto nos coloca em uma situação incomum, a do isolamento social.

    Distanciamento x Isolamento x Quarentena

    O distanciamento social é recomendado a todos durante a pandemia. Neste caso ainda é possível sair de casa, desde que se evite aglomerações e mantenha uma distância de no mínimo um metro e meio entre as pessoas. O isolamento social é essencial para o combate à pandemia, em que o contato entre pessoas é restrito àquelas que moram em uma mesma casa, e o isolamento pessoal é indicado aos casos suspeitos. Já a quarentena é obrigatória para os casos confirmados de Covid-19 e deve durar 14 dias, exigindo maior cuidado de higiene para conter a disseminação da doença.

    Mas, além do trabalho remoto e das aulas não presenciais (ensino à distância), o que podemos fazer para evitar o tédio durante o isolamento social? 


    Fonte da imagem: pixabay.com

    Ampliando o conhecimento

    O período dentro de casa pode contribuir para o crescimento de cada um, mas ninguém deve se sentir pressionado a fazer inúmeras atividades. A estratégia é identificar um objetivo e pensar sobre ele. O simples ato de pensar sobre o que se quer alcançar e como isso será alcançado já é uma atividade, por isso a reflexão é uma sugestão para os momentos como esses de quarentena.

    Para aqueles que preferem um caminho traçado, uma maneira de se manter ocupado é a inscrição nos cursos online que várias plataformas estão disponibilizando gratuitamente. A começar pelas três maiores universidades paulistas. Para quem é mais interessado em difusão científica, a USP tem uma aula específica de Tópicos de Pesquisa nas Ciências Contemporâneas. Para quem tem que tomar a decisão sobre qual carreira seguir, assistir às aulas pode ser uma ótima opção para conhecer melhor os cursos e ver com qual se identifica. 

    Caso você queira investir em um curso técnico ou de especialização, há também diversas opções! A Cursos de Formação oferece cursos com certificados e muitas instituições, com por exemplo a Rock University têm disponibilizado cursos gratuitos em decorrência do cenário atual, e também Instituições como a Fundação Bradesco, Fundação Getúlio Vargas, Insper, SEBRAE, Senai, Unicamp, Unesp, Harvard, MIT, além de sites já conhecidos como edX e Coursera1.

    Se você irá prestar algum vestibular em breve, a melhor indicação seria certamente a revisão do conteúdo de ensino médio. Existem muitos cursos online das principais matérias (Matemática, Física, Química, Geografia, História, Português), como aqueles divulgados na plataforma LearnCafe, Stoodi ou por vídeo aulas disponibilizadas principalmente no YouTube.

    Os alunos que estão estudando para o vestibular também possuem uma ótima oportunidade de se dedicar aos estudos, por exemplo, mediante o treinamento por simulados disponibilizados gratuitamente pelos cursinhos2-4. Fazer questões é a chave nos exames competitivos e é possível apenas separar uma meta: 20 questões por dia durante a semana, 10 no período da manhã e 10 no período da tarde, cada bloco de uma matéria diferente. Quando chegar o final de semana, já haverá uma primeira fase inteira do vestibular feita e treinada.

    E, ainda, para os mais práticos, uma opção é se candidatar para um trabalho voluntário. A ONU, por exemplo, diariamente, abre inscrição para voluntários remotos, em diversas áreas. Além de trabalhar para uma organização internacional, a maioria dessas atividades voluntárias é para empresas que desenvolvem um projeto social e para governos de outros países, promovendo uma conexão global que com certeza trará destaque ao currículo.

    Atividades divertidas

    Outra atividade muito interessante é visitar os maiores museus do mundo. Vários museus disponibilizaram a exploração virtual por meio de tour online5-7. Aqui no Brasil, por exemplo, o Museu Casa de Portinari permite a exploração de cada exposição e das obras de arte nele contidas, além de apresentar o processo de criação do artista Cândido Portinari, que retratou e expôs ao mundo a sociedade brasileira, com inspiração nos movimentos do cubismo e do surrealismo.

    O museu de ciências da UNICAMP também está oferecendo lives e oficinas online no seu Instagram @mcunicamp. Um exemplo interessante é o vídeo de como construir um microscópio em casa. Assistam e tentem fazer!

    Além disso, a Faber-castell disponibilizou cursos de desenhos gratuitos. Vale a pena conferir!

    Que tal aprender um novo idioma?

    O Duolingo é um aplicativo muito divertido, que oferece cursos de vários idiomas e tem uma versão gratuita. Outra opção é seguir contas no Instagram que oferecem algum tipo de conteúdo gratuito para línguas, como @voalearningenglish, @carinafragozo, @rhavicarneiro, @luisaensinaespanhol. No youtube também existem diversos canais com aulas gratuitas, como a @rachelenglish. 

    Atividades físicas em casa

    Outra forma de passar o tempo em casa é fazendo exercícios físicos, que além de manterem a saúde do corpo, também ajudam com a saúde mental nesses tempos de afastamento social. Várias contas no Instagram apresentam diversos tipos de exercícios que podem ser feitos em casa, como yoga @angelicabanhara, meditação @zenappbrasil e pilates @vivi.pilates, ajudando o nosso corpo e mente a ficarem ativos.

    Ainda no tema de saúde mental, o aplicativo Vitalk tem uma versão gratuita que nos ajuda na detecção de problemas de depressão e ansiedade. 

    Esperamos que tenham gostado das nossas dicas e coloquem nos comentários o que vocês têm feito para passar o tempo dentro de casa.

    Referências

    1https://viacarreira.com/sites-que-oferecem-cursos-online-gratuitos/

    2https://www5.usp.br/ensino/cursos-on-line/

    3https://www.estrategiavestibulares.com.br/cursos/gratis/ 

    4https://www.qconcursos.com/questoes-de-vestibular/questoes

    5https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2020/03/17/coronavirus-como-visitar-museus-sem-sair-de-casa-durante-o-periodo-de-isolamento.ghtml

    6https://www.museucasadeportinari.org.br/TOUR-VIRTUAL/

    7https://www.infoescola.com/biografias/candido-portinari/

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Semanas cruciais para o sistema de saúde brasileiro: o risco do colapso em gráficos

    Por Profa. Paula Dornhofer Paro Costa e Júlia Perassolli De Lázari (FEEC)
    Imagem COVID-19: Carol Frandsen

    Pouco a pouco, um vocabulário que antes só fazia parte de filmes de ficção, foi se tornando realidade, invadindo nossas vidas sem pedir licença: coronavirus, COVID-19, pandemia, quarentena e, infelizmente, COLAPSO, palavra que nos trará dias dolorosos. Dias que não sairão de nossas memórias e que imprimirão cicatrizes profundas em muitas famílias.

    A narrativa mais simples para se chegar ao colapso tem uma sequência clara:

    • É um fato que parte dos portadores de COVID-19 precisarão de tratamento intensivo, ou seja, leitos de UTI.
    • Também é um fato que existe um número finito de UTIs.
    • Se o número de casos confirmados se tornar tal que a porcentagem de casos que tipicamente necessitam de UTI se tornar maior que o número de leitos de UTI disponível, o colapso acontece.

    Unidade de Terapia Intensiva (UTI): área crítica destinada à internação de pacientes graves, que requerem atenção profissional especializada de forma contínua, materiais específicos e tecnologias necessárias ao diagnóstico, monitorização e terapia. Fonte: Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, RESOLUÇÃO Nº 7, DE 24 DE FEVEREIRO DE 2010

    Em poucas palavras, profissionais da saúde terão que decidir quem ocupará o leito e quem será fadado à falta de tratamento. Obviamente, os profissionais da saúde farão de tudo para minimizar essas escolhas à custa de horas extras e condições de trabalho não-ideiais e, infelizmente, muitos deles começarão a adoecer, agravando o colapso por falta de recursos humanos capacitados e em suas melhores condição de trabalho. Mais ou menos nesse ponto, as pessoas começarão a conhecer pelo menos uma pessoa que morreu de COVID-19 e os números deixarão de ser números para se tornarem “gente que você conhece”, com nome, sobrenome, esposa, marido, pai, mãe, filhos, netos.

    Mas muitos talvez ainda se perguntem: já estamos no caminho do colapso? Quando ele acontecerá?


    O colapso pode ser mais doloroso para alguns estados

    O Brasil também é um país com grande desigualdades em sua infraestrutura de saúde. São Paulo, o epicentro da pandemia no Brasil, só não entrou em evidente colapso devido à sua avantajada proporção de leitos de UTI/habitante, comparável a países de primeiro mundo. Essa situação é similar para outros estados do Sudeste e Sul (Tabela 1).

    No entanto, o mesmo não acontece para outros estados brasileiros, em particular da região Norte. Um número inferior de casos confirmados pode levar a região rapidamente para o colapso (Tabela 2).

    Estado Leitos de UTI Adulto
    SUS
    Leitos de UTI Adulto
    Privados
    São Paulo 4071 5349
    Rio de Janeiro 1379 3084
    Minas Gerais 2309 1218
    Paraná 1471 876
    Rio Grande do Sul 1267 673
    Tabela 1 – Estados Brasileiros que têm maior disponibilidade de leitos de UTI (Fonte: DATASUS-02/2020, foram considerados leitos adultos (UTI1,UTI2, UTI3), coronarianos (2 e 3) e de isolamento.

    Estado Leitos de UTI Adulto
    SUS
    Leitos de UTI Adulto
    Privados
    Rondônia 182 82
    Tocantins 90 62
    Acre 64 15
    Amapá 33 35
    Roraima 43 8
    Tabela 2 – Estados Brasileiros com menor disponibilidade de leitos de UTI (Fonte: DATASUS-02/2020, foram considerados leitos adultos (UTI1,UTI2, UTI3), coronarianos (2 e 3) e de isolamento.


    Estamos longe do colapso?

    A resposta é: infelizmente NÃO.

    Justifica-se então as notícias da construção de hospitais de campanha por todo o país.

    Os gráficos abaixo mostram que estados brasileiros do Norte e Nordeste serão os primeiros a entrarem em colapso, possivelmente já nas próximas semanas. Para estes estados, as ações de isolamento social parecem ser essenciais para “ganhar tempo”.

    Para realizar essas projeções, foram considerados os seguintes aspectos:

    • Foram considerados as capacidades de leitos de UTI para adultos reportados pelo DATASUS incluindo UTI-a Tipo II, Tipo III, UCO Tipo II e Tipo III e Unidade de Isolamento conforme definições no anexo da Portaria N° 895 do Ministério da Saúde de 31 de março de 2017. Neste caso, assumindo uma posição otimista, partindo do pressuposto que determinados leitos de UTI adultos voltados, por exemplo, para doenças coronarianas, podem ser revertidos em leitos para pacientes da COVID-19.
    • Partiu-se da hipótese razoável de que muitos dos leitos de UTI disponíveis nos estados já estavam ocupados antes da crise global da COVID-19. Baseamo-nos na cobertura da imprensa, considerando o pior caso, no qual apenas 22% da infraestrutura disponível está vaga. “Coronavírus: leitos de UTI têm mais de 70% de ocupação em 17 estados”, O Globo, Março, 2020, último acesso 04/04/2020
    • Finalmente, consideramos a distribuição das faixas etárias brasileiras para estimar a porcentagem de internações de UTI no Brasil em aproximadamente 1,44%.  Veja como chegamos nesse valor AQUI.

    Esperar pelo melhor, preparar-se para o pior

    Neste momento, inúmeros pesquisadores trabalham em modelos matemáticos para tentar prever a evolução da pandemia no Brasil e no mundo. Tais modelos são ferramentas essenciais para que tomadores de decisão possam decidir quando, onde e como agirem para diminuírem os impactos de uma doença que se alastra rapidamente.

    Nossas projeções assumem cenários pessimistas: uma evolução exponencial da doença e uma baixa disponibilidade de leitos de UTI. Esperamos que estes cenários não se concretizem, mas parece ser prudente olhar com atenção para estes estados brasileiros.


    Uma descrição detalhada da análise de dados que gerou os gráficos deste artigo pode ser encontrada aqui. Este trabalho é o resultado de uma força tarefa de alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), do Instituto de Computação (IC) e Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) e Faculdade de Ciências Médicas (FCM). A força tarefa também conta com a parceria do Prof. Dalton Martins, da Faculdade de Ciência da Informação (FCI) da Universidade de Brasília (UnB).

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

  • Quem não vê cara não vê COVID-19?

    Primeiro, é importante ter em mente que ainda não temos evidências científicas de que as máscaras caseiras de pano são efetivas para proteger os indivíduos saudáveis contra a SARS-CoV-2. O mais importante é o mantra Uma mão lava a outra (com água e sabão), limpar as superfícies e o isolamento social (físico). 

    O Ministério da Saúde publicou em seu site a notícia Máscaras caseiras podem ajudar na prevenção contra o Coronavírus. Elas podem ou realmente ajudam? De acordo com o site:

    “Além de eficiente, é um equipamento simples, que não exige grande complexidade na sua produção e pode ser um grande aliado no combate à propagação do coronavírus no Brasil, protegendo você e outras pessoas ao seu redor.” Ministério da Saúde. Acesso em 5 Abr. 2020. 

    Mas de que tipo de proteção eles devem estar falando? Para entender um pouco mais vamos começar sobre as formas de  manifestação ou não do vírus. 

    Sintomáticos e assintomáticos

    Um pessoa infectada pelo SARS-CoV-2 pode não apresentar sintomas, ou seja, ser assintomática ou apresentar sintomas, que podem ser leves, parecidos com a de uma gripe, ou mais severos e que precisam de atendimento imediato. 

    Até o momento a Organização Mundial de Saúde NÃO RECOMENDA o uso de máscaras por pessoas que não tenham os sintomas. A exceção é o uso por pessoas que estejam cuidando de outras que possam estar com COVID-19. Além disso, a OMS não faz menção ao uso de máscaras caseiras e deixa claro que as máscaras descartáveis só devem ser usadas uma vez e dispensadas. 

    Ainda de acordo com a OMS, o uso de máscaras sozinho não previne a propagação da COVID-19. Deve-se ficar atento às recomendações sobre higienização das mãos por meio de água e sabão ou álcool gel 70% e de superfícies. Aliados ao isolamento social (físico), essas medidas tem se mostrado as mais eficazes para romper a propagação da doença. 

    Uma máscara de qualquer material serve?

    Não. Nem todo o material pode ser usado na confecção de máscaras no combate ao SARS-CoV-2. O vírus SARS-CoV-2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2) que causa a doença COVID-19 tem tamanho que varia entre 70 a 90 nm.

    Para se ter uma ideia, as réguas escolares são divididas em centímetros com 10 divisões menores, que são de 10 em 10 milímetros. O vírus é 900.000 menor do que 1 milímetro. Invisível a olho nu. Como ele viaja em partículas/gotículas e possivelmente em (bio)aerossóis  o conjunto aumenta um pouco de tamanho, mas ainda continua em uma escala imperceptível aos nossos olhos.   

    Legenda: A imagem feita por meio de uma técnica chamada de microscopia eletrônica de transmissão mostra o SARS-CoV-2. Credito: NIAID-RML

    Recentemente, em um canal no YouTube, surgiu a sugestão de uma máscara feita a partir de plástico e papel filtro de café. Você já olhou o papel filtro de perto? Nós conseguimos ver os furinhos a olho nú! 

    As máscaras usadas como Equipamento de Proteção Individual (EPI) são regulamentadas e servem como um filtro, impedindo que algumas partículas passem e outras não. Mas cuidado!  Existem vários tipos de máscaras, cada uma para um fim específico. Veja o post Máscaras caseiras são eficientes contra o coronavírus? em que abordamos aspectos históricos sobre a confecção de máscaras caseiras.

    Um estudo publicado no dia 4 de Abril, comparou as máscaras cirúrgicas e a N95 usada por profissionais de saúde e avaliou seu possível uso para a proteção contra SARS-CoV-2. O estudo mostrou que eles não são similares. Elas não são capazes de proteger contra os aerossóis expelidos pelos pacientes e mesmo na proteção contra gotículas, que são maiores do que os aerossóis, as máscaras apresentam “baixa evidência de efetividade”.  

    De acordo com a Cartilha de Proteção Respiratória contra Agentes Biológicos

    para Trabalhadores de Saúde da Agência Nacional de Vigilância Sanitária brasileira:

    “É importante destacar que a máscara cirúrgica:

    NÃO protege adequadamente o usuário de patologias transmitidas por aerossóis (veja alguns exemplos no Quadro 2), pois, independentemente de sua capacidade de filtração, a vedação no rosto é precária neste tipo de máscara;

    NÃO é um EPR”. Agência Nacional de Vigilância Saninária. Acesso em 5 Abr. 2019

    EPR é a sigla para Equipamento de Proteção Respiratória, isso quer dizer que a máscara cirúrgica não garante que uma pessoa saudável possa ser contaminada por alguns tipos de patógenos, como o SARS-CoV-2. 

    Mas se ela não protege, por que ela tem sido indicada para pessoas com sintomas da COVID-19? Porque ela funciona como uma barreira mecânica, diminuindo a dispersão do SARS-CoV-2 no ambiente. Um efeito parecido com o tossir no cotovelo e ou sobre um papel (lembre-se de jogar fora e lavar as mãos depois). 

    Como a máscara médica descartável funciona? Ela impede que as gotículas do espirro ou tosse voem longe, diminuindo a contaminação do ambiente.

    Vídeo da página Nunca Vi um Cientista

    Existem dois principais motivos para não se recomendar a compra/uso de máscara cirúrgica por pessoas que não apresentam sintomas:

    1. Não há evidência de que elas podem proteger uma pessoa saudável de contrair o vírus SARS-CoV-2 e

    2. A diminuição da disponibilidade de máscaras em situações que realmente são necessárias, ou seja, por profissionais da saúde. 

    Uma pessoa saudável usando uma máscara cirúrgica não tem garantia de que ela está protegida contra a COVID-19, o mesmo se aplica ao uso de máscara caseira feita de pano.

    Um comentário publicado no jornal The Lancet sobre o uso racional de máscaras durante a pandemia por COVID-19 traz uma observação importante: “there is an essential distinction between absence of evidence and evidence of absence”. Ou seja, há uma distinção essencial entre a ausência de evidência e a evidência da ausência, isto é, ainda são muito pequenas as evidências de que o uso de máscaras possa permitir uma proteção contra essa infecção respiratória. 

    Quando devo usar uma máscara? 

    O consenso científico é que as pessoas devem cobrir tosses e espirros e usar máscaras caso estejam doentes. As máscaras cirúrgicas descartáveis usadas pelos SINTOMÁTICOS ajudam a diminuir a propagação do vírus no ar por reter gotículas de água.

    Mas e para as pessoas que estão com sintomas leves? O uso de máscaras cirúrgicas é recomendado quando na presença de outras pessoas, mas lembre-se de que elas não devem ser reutilizadas e só podem ser usadas por no máximo 3 horas. Além disso é importante fazer o descarte adequado das máscaras cirúrgicas.

    E os assintomáticos? Os estudos mostram que as pessoas assintomáticas podem transmitir o vírus a outras pessoas que podem desenvolver sintomas. 

    Um estudo mostrou que no grupo de  japoneses que foram evacuados de Wuhan para o Japão, havia cerca de 30.8% de assintomáticos. Isso significa que uma pessoa com a aparência saudável pode ser portadora do vírus. 

    Outras estimativas, em estudos com grupos diferentes, mostram porcentagens diferentes.  É bom lembrar que essas porcentagens estão em relação a um grupo infectado/testado e não a população geral. 

    Na China, das 72.314 pessoas examinados até 11 de Fevereiro, 61,8% testaram positivo e deles, apenas 1.2% se mostraram assintomáticos.  

    Nota: Tem sido divulgada pela mídia em geral uma estimativa de 80% de assintomáticos, mas o que que afirma a Organização Mundial de Saúde é que os sintomas leves e assintomáticos são estimados em 80%. Outras estimativas sobre assintomáticos estão disponíveis no site do The Centre for Evidence-Based Medicine develops, promotes and disseminates better evidence for healthcare.

    Mas essas pessoas assintomáticas poderiam contaminar outras pessoas? Pesquisadores chineses reportaram o caso de um grupo familiar em que um dos pacientes, originário de Wuhan, pode ter carregado de forma assintomática o vírus e infectado outras 4 pessoas que acabaram por desenvolver sintomas. Outros casos de grupos assintomáticos têm sido reportados (Alguns estudos: Lu et al., Zhang et al, Kimbal et al. ), evidenciando a importância de testagem e isolamento dessas pessoas no combate a propagação da doença

    Liu e Zhang afirmaram que o uso de máscara por uma pessoa infectada com sintomas leves foi capaz de garantir que outras não fossem infectadas. Mas e as que ainda não desenvolveram os sintomas, as pré-sintomáticas que podem começar a ter sintomas após o 3 ao 14 dia após a infecção? E as pessoas assintomáticas? Será que o uso de máscaras é efetivo?

    Em uma carta publicada no The National Academies of Science, Engineering and Medicine, o médico e chefe do Emerging Infectious Diseases and 21st Century Health Threats, Harvey V. Fineberg, reportou que alguns estudos encontraram a presença do vírus a partir de (bio)aerossóis expelidos na respiração normal e ao falar por pacientes com SARS-CoV-2, indicando uma POSSÍVEL rota de contaminação. De acordo com uma publicação da Science, nem todos os especialistas concordam com a transmissão por essa via, assim como especialistas da Organização Mundial de Saúde que apontam que, até aquele momento, dos 75.000 casos que haviam sido reportados na China, nenhum deles resultou de uma infecção a partir dessa rota. 

    A carta escrita por Fineberg cita um outro trabalho que mostra que o uso de máscaras cirúrgicas por crianças e adultos com doença respiratória aguda reduzem a proporção de um outro vírus da família do coronavírus (outro que não o SARS-CoV-2) nas gotículas e aerossóis liberados do outro lado da máscara. Outro artigo, publicado na Nature, mostrou que o uso de máscaras cirúrgicas por pessoas sintomáticas reduz a quantidade de vírus expelido pelos pacientes com coronavírus. No entanto, ainda não há comprovação científica de que o uso de máscaras proteja indivíduos saudáveis. 

    E as máscaras caseiras de pano? Não há um conjunto de evidências científicas que provem a eficácia do uso de máscaras caseiras como forma de prevenção de um indivíduo saudável contrair o SARS-CoV-2. Há especulações de que as máscaras de pano usadas por pessoas infectadas possam funcionar como uma barreira mecânica, impedindo a ampla dispersão do vírus, mas os estudos ainda apontam a necessidade de mais estudos científicos.  

    Na última sexta-feira, dia 3 de Abril, o Centro de Controle e Prevenção Doenças (CDC) dos Estados Unidos reviu a sua posição e passaram a indicar o uso de máscaras ou proteção de tecido no rosto em locais públicos. De acordo com o CDC, a recomendação do uso de máscaras de pano está relacionado à preocupação com a transmissão do vírus por pessoas assintomáticas ou pré-sintomáticas. 

    Mas e se você decidir usar uma máscara caseira de pano?

    É importante [nós diríamos que é FUNDAMENTAL] ter alguns cuidados para que ela não cause mais mal do que bem. Ou seja, ela pode ser uma fonte de contaminação se não tomados os cuidados necessários, como evitar tocar a máscara durante o tempo de uso para não contaminar as mãos. Também é necessário que após o uso sua máscara seja lavada de maneira adequada. 

    Referências

    Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Cartilha de Proteção Respiratória contra Agentes Biológicos para Trabalhadores de Saúde. Disponível em <http://www2.ebserh.gov.br/documents/214604/816023/Cartilha+de+Prote%C3%A7%C3%A3o+Respirat%C3%B3ria+contra+Agentes+Biol%C3%B3gicos+para+Trabalhadores+de+Sa%C3%BAde.pdf/58075f57-e0e2-4ec5-aa96-743d142642f1>. Acesso em 5 de Abr. 2020. 

    Bartoszko, JJ et al. Medical Masks vs N95 Respirators for Preventing COVID‐19 in Health Care Workers A Systematic Review and Meta‐Analysis of Randomized Trials. Influenza and other Respiratory Viroses. Wiley (2020). Disponível em <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/irv.12745>. Acesso em 5 de Abr. 2020.

    CDC. Use of Cloth Face Coverings to Help Slow the Spread of COVID-19 (2020). Disponível em <https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/prevent-getting-sick/diy-cloth-face-coverings.html>. Acesso em 5 Abr. 2020

    CDC. Recommendation Regarding the Use of Cloth Face Coverings, Especially in Areas of Significant Community-Based Transmission (2020). Disponível em <https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/prevent-getting-sick/cloth-face-cover.html>. Acesso em 5 Abr. 2020

    Day, M. Covid-19: identifying and isolating asymptomatic people helped eliminate virus in Italian village (2020). BJM. Disponível em <https://www.bmj.com/content/368/bmj.m1165.long>. Acesso em 6 Abr. 2020

    Feng, S. et al. Rational use of face masks in the COVID-19 pandemic. The Lancet. Disponível em <https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S2213-2600%2820%2930134-X>. 

    Fineberg, HV. Rapid Expert Consultation on the Possibility of Bioaerosol Spread of SARS-CoV-2 for the COVID-19 Pandemic (2020). The National Academies of Science, Engineering and Medicine. Disponível em <https://www.nap.edu/read/25769/chapter/1>. Acesso em 6 Abr. 2020. 

    Kim, JM et al. Identification of Coronavirus Isolated from a Patient in Korea with COVID-19. Osong Public Health Res Perspect 2020. Disponível em <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7045880/pdf/ophrp-11-3.pdf>. Acesso em 5 de Abr. 2020.

    Kimbal, A. et al. Asymptomatic and Presymptomatic SARS-CoV-2 Infections in Residents of a Long-Term Care Skilled Nursing Facility – King County, Washington, March 2020. Disponível em <https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/69/wr/mm6913e1.htm?s_cid=mm6913e1_w

    Leung, N.H.L. et al. Respiratory virus shedding in exhaled breath and efficacy of face masks. Nature Med (2020). Disponível em <https://www.nature.com/articles/s41591-020-0843-2>. Acesso em 5 Abr. 2020 

    Li et al. Asymptomatic and Human-to-Human Transmission of SARS-CoV-2 in a 2-Family Cluster, Xuzhou, China (2020). Disponível em <https://wwwnc.cdc.gov/eid/article/26/7/20-0718_article>. Acesso em 5 de Abr. 2020.

    Liu, X., Zhang, S. COVID-19: Face masks and human-to-human transmission (2020). Influenza Other Respi Viruses. Disponível em <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/irv.12740>. Acesso em 6 Abr. 2020. 

    Lu, S. et al. Alert for non‐respiratory symptoms of Coronavirus Disease 2019 (COVID‐19) patients in epidemic period: A case report of familial cluster with three asymptomatic COVID‐19 patients. Journal of Medical Virology. Disponível <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/jmv.25776>. Acesso em 5 de Abr. 2020. 

    Ministério da Saúde. Máscaras caseiras podem ajudar na prevenção contra o Coronavírus. Disponível em <https://www.saude.gov.br/noticias/agenciasaude/46645-mascaras-caseiras-podem-ajudar-naprevencao-contra-o-coronavirus>. Acesso em 5 de Abr. 2020

    Mizumoto, K. et al. Estimating the asymptomatic proportion of coronavirus disease 2019 (COVID-19) cases on board the Diamond Princess cruise ship, Yokohama, Japan, 2020. Eurosurveillance. Disponível em <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7078829/pdf/eurosurv-25-10-1.pdf>. 

    Nishiura H,et al.  Estimation of the asymptomatic ratio of novel coronavirus infections (COVID-19), International Journal of Infectious Diseases (2020). Disponível em <https://www.ijidonline.com/article/S1201-9712(20)30139-9/pdf>. 

    Service, RF. You may be able to spread coronavirus just by breathing, new report finds (2020). Science. Disponível em <https://www.sciencemag.org/news/2020/04/you-may-be-able-spread-coronavirus-just-breathing-new-report-finds#>. Acesso em 5 de Abr. 2020

    Zhang, J. et al. Familial cluster of COVID-19 infection from an asymptomatic.(2020). Critical Care. Disponível em <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7100442/pdf/13054_2020_Article_2817.pdf>. 

    Zorzetto, R. Uma barreira física contra o coronavírus. Revista FAPESP. Disponível em <https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/04/05/uma-barreira-fisica-contra-o-coronavirus/

    WHO. Naming the coronavirus disease (COVID-19) and the virus that causes it. Disponível em <https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/technical-guidance/naming-the-coronavirus-disease-(covid-2019)-and-the-virus-that-causes-it>. Acesso em 5 de Abr. 2020.WHO. Q&A on coronaviruses (COVID-19). Disponível em <https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-coronaviruses>. Acesso em 5 de Abr. 2020.

    Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.

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